Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1155/07.9TTBRG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ENFERMEIRO
Data do Acordão: 12/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - A subordinação jurídica (susceptibilidade de dar ordens e instruções ao trabalhador) decorre do poder de direcção em que se encontra investido o empregador e corresponde, do lado do trabalhador, ao dever de obediência; este elemento existe no contrato de trabalho e está ausente no contrato de prestação de serviço.
II - A subordinação deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação de trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade.
III - Os indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomística, antes devendo efectuar-se um juízo global em ordem a determinar se na relação estabelecida e efectivamente executada estão ou não presentes os elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado – os poderes de direcção e autoridade do empregador e correspectiva sujeição do trabalhador ao exercício desses poderes.
IV - Atendendo à natureza e conteúdo das funções compreendidas na profissão de enfermeiro, não são suficientes para se concluir pela existência de subordinação jurídica, a obrigatoriedade de cumprimento de protocolos; o pagamento mensal das retribuições calculadas com base nas horas de trabalho efectivamente prestadas; a vinculação a um horário pré-definido; o facto de o local de trabalho se situar nas instalações da Ré e o fornecimento de uniformes e instrumentos de trabalho por parte da Ré, tanto mais quando está, também, demonstrado que as Autoras não prestavam a sua actividade em regime de exclusividade; que o horário de trabalho na Ré era fixado, por acordo, atendendo às conveniências das Autoras; que, as mesmas, nas suas faltas, tinham a possibilidade de se fazerem substituir, na prestação, por outra pessoa, com a única consequência de não lhes ser pagas as horas em que não tivessem prestado serviço.
V - Na apreciação global de todos estes indícios, não pode inferir-se a possibilidade de, no seu âmbito, a Ré exercer efectivos poderes de direcção e autoridade e, menos ainda, o poder disciplinar sobre as Autoras, não estando, assim, demonstrados factos bastantes para caracterizar, com segurança, a subordinação jurídica e, pois, para conferir às relações contratuais entre elas estabelecidas, natureza laboral.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I

1. AA, BB e CC coligaram-se para demandar a Santa Casa da Misericórdia de ..., propondo, no Tribunal do Trabalho de Braga, em 19 de Dezembro de 2007, a presente acção com processo comum, à qual, oportunamente, foi determinada a apensação da acção, intentada contra a mesma Ré, no mesmo tribunal, registada sob o n.º 1156/07.9TTBGR, por DD, EE, FF e GG.

Alegaram, em síntese, todas as Autoras, terem sido admitidas ao serviço da Ré através de contrato de trabalho subordinado, a tempo parcial, para exercerem as funções de enfermeiras, mediante retribuição, e terem sido despedidas pela Ré, sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, tendo também invocado que foram impedidas de gozar férias durante toda a vigência do contrato e que nunca receberam qualquer quantia a título de direito a férias e de subsídios de férias e de Natal.

Terminaram, pedindo a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por despedimento ilícito e por danos não patrimoniais decorrentes do mesmo, todos os salários vencidos deste 17 de Novembro de 2007 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, uma indemnização por falta de pagamento de férias, retribuições em dívida correspondentes a férias e subsídios de férias e de Natal e juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

As acções foram contestadas pela Ré que impugnou a existência de qualquer vínculo de natureza laboral entre as partes e defendeu que as Autoras se obrigaram perante si a prestar serviços de enfermagem, como trabalhadoras independentes, sem qualquer subordinação jurídica, e concluiu pela improcedência das acções, tendo requerido a condenação das Autoras como litigantes de má fé.

As Autoras responderam, impugnando a nova factualidade alegada pela Ré e reiterando a argumentação no sentido da existência de um vínculo de natureza laboral entre as partes, tendo também pedido a condenação da Ré como litigante de má fé.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação das provas, e decidida a matéria de facto, foi prolatada a sentença na qual se concluiu que «o contrato que vinculou as partes não é um contrato de trabalho», julgando-se «a presente acção» totalmente improcedente.

2. As Autoras interpuseram recurso de apelação, no qual arguiram a nulidade da sentença — por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia —, impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto, impetrando a sua modificação e sustentaram a natureza laboral dos contratos em causa.

O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a arguição de nulidades, manteve, após reapreciação das provas, a decisão proferida sobre a matéria de facto e, sequentemente, considerou, anuindo aos fundamentos explanados na sentença, que reproduziu e reforçou, que as Autoras não lograram demonstrar o carácter laboral dos contratos celebrados com a Ré, pelo que negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença da 1.ª instância.

Do acórdão que assim decidiu, vieram as Autoras AA, DD, EE e GG pedir revista, tendo, oportunamente, apresentado a alegação de recurso rematada com as conclusões redigidas como segue:

«A. Constando da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido que o local da prestação eram as instalações da Ré/Recorrida, que os Recorrentes exerciam funções correspondentes à categoria de enfermeiro, com os instrumentos de trabalho fornecidos por esta, usando batas fornecidas pela Ré/Recorrida e com o logótipo desta, com pagamentos mensais da retribuição, exercendo a actividade de forma continuada e duradoura, cumprindo protocolos obrigatórios na instituição-Ré/Recorrida, numa instituição com um director clínico do hospital, coordenadores de enfermagem dos vários serviços, e um director de enfermagem, cumprindo os Recorrentes com o dever de colaboração, e tendo ficado tristes e angustiados com a forma inesperada como a Ré/Recorrida pôs fim aos contratos, deve concluir-se pela existência de contrato de trabalho.

B. Não relevam decisivamente para a inexistência de subordinação jurídica e concomitante qualificação como contrato de prestação de serviços, o facto de os Autores/Recorrentes darem as suas disponibilidades mensais, exercerem as funções a tempo parcial, sem exclusividade, auferindo retribuição em função da hora, trabalhando em simultâneo cada um deles noutra instituição, emitindo recibos verdes, trocando faltas com outros colegas credenciados, não efectuando a entidade patronal descontos para a Segurança Social, nem pagando subsídio de férias e subsídio de Natal.

C. O douto acórdão recorrido violou as disposições constantes dos artigos da 1.º LCT, do 10.º e 12.º CT, na ponderação que fez da matéria de facto provada e da sua subsunção no conceito de contrato de trabalho, tendo assim ocorrido erro de julgamento uma vez que face à prova produzida deveria o tribunal ter concluído pela existência de contrato de trabalho.»

A recorrida contra-alegou para sustentar a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não reagiram, no sentido de ser negada a revista.

3. Perante o teor das conclusões da revista, a questão fundamental a resolver é a de saber se as relações jurídicas que vigoraram entre cada uma das Autoras e a Ré configuram, ou não, contratos de trabalho.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. As instâncias fixaram os factos materiais da causa nos seguintes termos:

«1. As Autoras AA, CC, DD, EE, FF e GG foram verbalmente admitidas para prestar serviços de enfermagem no Hospital pertença da Ré respectivamente em 01-01-1998, 01-05-2004, 01-11-1998, 01-11-1998, 01-11-1998 e 01-10-1998;

2. Por sua vez, a Autora BB foi admitida como trabalhadora subordinada ao serviço do Hospital pertença da Ré, com a categoria de enfermeira, em 11-02-2004, contrato este que cessou cerca de um mês depois, por rescisão unilateral efectuada pela referida Autora;

3. Esta rescisão ocorreu em virtude da Autora BB pretender assumir um contrato com um hospital público, do qual decorreria a indisponibilidade para cumprir o horário de serviço que mantinha no hospital da ré;

4. Assim, após aquela rescisão, por iniciativa da própria, a Autora BB passou a prestar serviços de enfermagem no Hospital pertença da Ré, no regime de prestadora de serviços independente;

5. Desde as datas referidas em 1.º e 4.º, todas as Autoras desempenharam a tempo parcial, nas instalações da Ré, sitas na Rua …, …, …, ..., as respectivas funções de enfermeiras, para as quais se encontram academicamente habilitadas;

6. Exerciam, simultaneamente, funções de enfermeiras, mas como funcionárias públicas, com contrato de provimento efectivo ou com contrato de trabalho em serviços ou instituições do SNS, designadamente no Hospital de S. Marcos em Braga, no Hospital de Guimarães ou em Centros de Saúde da Sub-Região de Saúde de Braga e Viana do Castelo.

7. De modo que as disponibilidades que ofereciam à ré eram as que, fora os descansos e tempos para outros compromissos que entendiam reservar ou assumir, lhes sobejavam dos horários/turnos definidos pelos referidos serviços e instituições em que eram efectivas.

8. Assim, as Autoras exerciam funções para a ré de acordo com as disponibilidades de horário que as próprias comunicavam mensal-mente, até ao final do mês anterior a que dissesse respeito, preenchendo um mapa a isso destinado, sendo a partir destas disponibilidades e das necessidades sentidas pelo hospital da Ré que, mês a mês, eram fixados os períodos de efectiva prestação de serviços de enfermagem por parte de cada uma das Autoras.

9. Nesses mapas de disponibilidades/indisponibilidades, todos os enfermeiros pagos a “recibos verdes” colocavam o horário que tinham agendado na entidade na qual se encontravam vinculados, designadamente hospitais públicos e centros de saúde também públicos, e, face àquele, indicavam as disponibilidades que lhes sobejassem e pretendessem destinar à prestação de serviço no hospital da Ré.

10. Mediante a disponibilidade e oferta de serviço das Autoras, conjugada com as necessidades de enfermagem dos serviços do hospital da Ré, os respectivos coordenadores de enfermagem elaboravam o mapa de cada um dos serviços do hospital e comunicavam às Autoras os horários de serviço efectivo que assim se conjugavam.

11. O horário de exercício de funções das Autoras (dias, períodos e número variável de horas mensais) era, assim, pré-determinado e fixado em cada mês, partindo da disponibilidade e a oferta de serviços que, para esse mês, era ditado por cada uma delas, em função da indisponibilidade determinada pela entidade na qual tinham vínculo laboral formal e ainda do tempo que as Autoras entendessem reservar para seu descanso e para outros afazeres familiares, pessoais ou profissionais.

12. As Autoras auferiam uma contrapartida pecuniária por cada hora de serviço prestado, quantias que eram liquidadas mensalmente, que variavam em função das horas de trabalho efectivo que resultavam da conjugação da disponibilidade oferecida pelo conjunto dos enfermeiros e pelas previstas necessidades do hospital da Ré, havendo, por vezes, e em função dessa maior ou menor disponibilidade, grandes variações no montante mensal recebido pelas Autoras.

13. A retribuição das Autoras fixada à hora era liquidada mensalmente, por comodidade de ambas as partes, de modo a permitir o apuramento exacto do valor respeitante aos serviços prestados.

14. Para quitação, as Autoras emitiam “recibos verdes”.

15. A Autora AA auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 192,94, tendo trabalhado junto desta durante oito anos e dois meses.

16. A autora BB, auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 430,09, tendo trabalhado junto desta durante dois anos e nove meses.

17. A autora CC auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 464,62, tendo trabalhado junto desta durante dois anos e seis meses.

18. A autora DD Campos auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 462,27, tendo trabalhado junto desta durante oito anos e dois meses.

19. A autora EE auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 297,31, tendo trabalhado junto desta durante oito anos;

20. A autora FF auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 307,17, tendo trabalhado junto desta durante oito anos e dois meses.

21. A autora GG auferiu em média nos últimos doze meses em que colaborou com a ré a quantia de € 400,95, tendo trabalhado junto desta durante oito anos e dois meses;

22. A Autora AA substituía algumas vezes o enfermeiro coordenador, durante os respectivos períodos de ausência e férias.

23. As Autoras usavam no Hospital da ré os instrumentos de trabalho fornecidos por esta, nomeadamente batas com o logótipo da mesma;

24. A ré emitia um conjunto de protocolos com o logótipo da instituição, de que são exemplo o protocolo de admissão de utente, o protocolo de posicionamento do doente, o protocolo de úlceras de pressão, o protocolo de entubação nasogástrica, além de outros de segurança e relativos aos materiais, também eles de cariz técnico e aprovados pela instituição, os quais deviam ser seguidos pelos autores no exercício das suas funções.

25. O hospital da Ré tem um responsável clínico máximo, chamado director clínico do hospital, que é o responsável por todos os procedimentos clínicos e de enfermagem, tendo de velar pelo cumprimento dos protocolos aos quais os hospitais estão obrigados, no caso da enfermagem com o auxílio dos coordenadores de enfermagem dos vários serviços, mesmo quando estejam em causa serviços contratados com empresas autónomas.

26. Os serviços de enfermagem eram, desde a abertura do Hospital de ..., dirigidos pelo enfermeiro HH, director de enfermagem.

27. Mesmo para os horários que tinham indicado como disponíveis, as Autoras podiam faltar sem que tivessem de justificar tais ausências, o que faziam solicitando a substituição directamente a outro/a colega credenciado/a, sendo certo que não lhes seriam pagas as horas em que não tivessem prestado o serviço à ré.

28. As Autoras AA, CC e BB deixaram de exercer funções no hospital pertença da ré a partir de 4 de Novembro de 2006.

29. Por sua vez, as Autoras DD, EE, FF e GG deixaram de colaborar com a ré em 31 de Dezembro de 2006.

30. O contratado entre as Autoras e a ré não incluiu o reconhecimento do direito a férias remuneradas, não implicava o direito a regalias por antiguidade, tal como diuturnidades, não estava sujeita a controlo de assiduidade, nem a justificação de faltas, não recebendo as autoras subsídio de alimentação, nem alimentação em espécie.

31. Ao longo dos anos de 2004, 2005 e 2006, foi-se assistindo à redução das necessidades de serviços do hospital da ré, devido à admissão progressiva de contratados subordinados, sujeitos a contrato de trabalho.

32. Essa redução das necessidades de serviços do hospital da ré decorreu também do facto de as Autoras e demais colegas pagos a “recibos verdes” terem vindo a reduzir as disponibilidades no turno mais solicitado (o das manhãs), conduzindo a ré a admitir enfermeiros em regime de contrato subordinado.

33. As Autoras nunca receberam qualquer quantia a título de subsídio de férias ou de Natal.

34. As autoras gozavam férias sempre que o desejavam e as entidades com as quais tinham contrato de trabalho, ou vínculo semelhante, o permitiam, interrompendo então a colaboração no hospital da ré para gozarem essas férias concedidas por essas outras instituições de saúde.

35. As Autoras, ao longo dos anos em que trabalharam no Hospital da ré, nunca reclamaram o gozo de férias ou o recebimento de qualquer quantia a título de subsídio de férias ou de Natal.

36. Com excepção do período referido em 2.º, as Autoras nunca estiveram filiadas na Segurança Social por iniciativa da Ré, nem esta lhes efectuou qualquer desconto por conta das quantias por si recebidas, destinado a ser entregue junto daquela instituição.

37. As Autoras nunca reclamaram a falta de inscrição naquela mesma instituição.

38. As Autoras sempre colaboraram com a ré em tudo o que por esta lhes foi solicitando.

39. A ré comunicou a dispensa dos serviços prestados pelas Autoras de modo brusco e sem uma adequada explicação prévia, apenas conversando com estas já em Abril de 2007, não tendo, mesmo nessa ocasião, pedido desculpas pela forma abrupta como terminou a relação entre as partes.

40. A atitude da ré provocou nas Autoras uma situação de tristeza e angústia ampliada pela forma seca e rude como foram afastadas da instituição e do convívio com colegas e com a comunidade envolvente.»

Este quadro factual não vem impugnado e não se vislumbra fundamento legal para censurar a decisão que o fixou.

2. A sentença da 1.ª instância enfrentou a questão da qualificação do contratos, discorrendo como segue:

«O contrato de trabalho define-se como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (arts. 10.º do Cód. do Trabalho e 1152.º do Cód. Civil).

O primeiro elemento da distinção entre as relações de trabalho subordinado e as relações de trabalho autónomo é a actividade do trabalhador.

Nestas últimas, precisamente porque o fornecedor de força de trabalho mantém o controlo da aplicação dela, isto é, da actividade correspondente, o objecto do seu compromisso é apenas o resultado da mesma actividade, enquanto que os meios necessários para o tornar efectivo estão, em regra, fora do contrato, são de livre escolha e organização por parte do trabalhador.

No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a própria actividade do trabalhador, que a entidade patronal organiza e dirige no sentido de um resultado que está fora do contrato.

Um outro elemento essencial do contrato individual de trabalho é a retribuição devida ao trabalhador, como troca da disponibilidade da força de trabalho.

Pode causar também dificuldades de qualificação das relações de trabalho subordinado a variabilidade dos regimes de retribuição praticados, alguns dos quais comuns a certas espécies de trabalho autónomo. É o caso da retribuição à peça, por tarefa ou por número de vendas (comissões) que, muito embora sugerindo fortemente que o objecto do contrato é o resultado, não raro surge como fórmula especial de pagamento da actividade do trabalhador, exercida em termos de subordinação jurídica.

Esta última, por seu turno, é fundamental para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho.

A subordinação jurídica reconduz-se à possibilidade de determinação da actividade do trabalhador, mediante ordens, directivas e instruções e ao dever de obediência deste no que concerne à execução e disciplina da prestação de trabalho fixadas pelo empregador, titular do poder directivo e disciplinador dessa prestação.

O que distingue verdadeiramente o contrato de trabalho é o estado de sujeição do trabalhador relativamente ao empregador, consubstanciado na possibilidade de aquele, a cada momento, poder ver ser concretizada por este a sua prestação em determinado sentido (v. A. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito do Trabalho”, pág. 535).

A existência de subordinação jurídica deverá, em última instância, resultar do facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria, mas antes se integrar numa organização de meios produtivos alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios.

O que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário, ou seja, à autoridade deste derivada da sua posição nas relações de produção.

A distinção entre as relações de trabalho subordinado e as relações de trabalho autónomo, em cada caso concreto, pode tornar-se, pois, de extrema dificuldade, dada a inexistência, como vimos, de uma fronteira completamente definida.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal, como acontece com o exercício da actividade do médico, do engenheiro ou do advogado.

Com vista a ultrapassá-las, a jurisprudência e a doutrina têm optado pelo recurso à verificação, em cada caso, de indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica, particularmente nas situações, como as dos autos, em que as declarações das partes se revelam absolutamente insuficientes para caracterizar o contrato que, em concreto, vigorou entre ambas e apontam, mesmo, para a identificação de outro tipo contratual.

Não se trata aqui de procurar formular um juízo subsuntivo baseado numa qualquer fórmula matemática, mas antes um mero juízo de aproximação ou semelhança entre a situação concreta e o modelo típico da subordinação, através da análise crítica do conjunto dos indícios recolhidos (neste sentido, vd. Monteiro Fernandes, ob. cit., pág.147).

De referir, ainda, que a busca destes indícios não cedeu, não obstante a consagração no art. 12.º do Cód. do Trabalho da presunção legal da existência de contrato de trabalho.

Na verdade, a mesma carece de utilidade concreta dada a extrema dificuldade de verificação prática dos seus pressupostos (cumulativos), que parecem ir além da própria certeza da existência de contrato de trabalho.

Os indícios normalmente apontados no sentido da existência de subordinação são o de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado, o horário de trabalho ser o definido pelo empregador, a obediência a ordens e a sujeição à disciplinada empresa, a propriedade dos bens e instrumentos de trabalho, o tipo de remuneração, o direito a férias remuneradas e o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, a integração na organização produtiva, a exclusividade da prestação da actividade, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade e a sua inscrição na Segurança Social e sindicalização.

O ónus da prova dos factos constitutivos do contrato de trabalho (nomeadamente da subordinação jurídica, ou dos que possam apontar no sentido da existência de um tal contrato) compete ao Autor, nos termos do disposto no art. 342.º n.º 1, do Cód. Civil.

Da matéria de facto provada resulta que as Autoras exerciam funções de enfermagem para o Réu, nas instalações hospitalares deste e utilizando os instrumentos de trabalho com que aquelas se encontravam equipadas, nomeadamente batas com o logótipo do Réu (pontos 5.º e 23.º).

Mais se provou que o Réu emitia um conjunto de protocolos com o logótipo da instituição, de que são exemplo o protocolo de admissão de utente, o protocolo de posicionamento do doente, o protocolo de úlceras de pressão, o protocolo de entubação nasogástrica, além de outros de segurança e relativos aos materiais, também eles de cariz técnico e aprovados pela instituição, os quais deviam ser seguidos pelos autores no exercício das suas funções (ponto 24.º).

O hospital da Ré tem um director clínico, que é o responsável máximo por todos os procedimentos clínicos e de enfermagem, tendo de velar pelo cumprimento daqueles protocolos, sendo os serviços de enfermagem dirigidos pelo enfermeiro HH, director de enfermagem (pontos 25.º e 26.º).

Nenhuma outra factualidade susceptível de apontar no sentido da existência do alegado contrato de trabalho resultou provada.

Ora, afigura-se-nos que esta matéria de facto, por si só, não permite que se conclua que as Autoras desenvolviam uma actividade remunerada, sob a autoridade e direcção do respectivo beneficiário, nem que se tenham integrado na estrutura empresarial do Réu.

Com efeito e desde logo, não fizeram as Autoras prova de que prestassem a sua actividade estando sujeitas às ordens, instruções e orientações que, a cada momento, fossem ou pudessem ser dadas pelo Réu (subordinação jurídica).

Na verdade, aqueles protocolos não podem configurar-se como ordens emanadas do Réu ou como um controlo do desempenho das funções das Autoras, mas antes como meras orientações a seguir. Estas, por sua vez, não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviços, pois o credor tem sempre uma palavra a dizer no modo como o serviço contratado deve ser executado e pode exercer alguma fiscalização sobre o desempenho do devedor, intervindo nomeadamente na área técnica (o que aliás é compreensível por se estar perante um hospital, onde os actos médicos têm que obedecer a uma harmonização de procedimentos), reflectindo antes a exigência de uma certa conformação ou qualidade no resultado (cuidados de saúde).

Por outro lado, o facto da actividade das Autoras ser prestada nas instalações do Réu não assume relevo significativo, já que uma enfermeira exerce, habitualmente, a sua actividade em instituições de saúde, não sendo normal que estes profissionais disponham de equipamentos próprios onde possam cumprir a prestação de actividade ajustada.

Acresce que, tratando-se de instalações do Réu, é natural que seja este a fornecer os equipamentos necessários aos actos médicos e a definir as regras de utilização do hospital que explora, até por motivos de higiene e uniformidade de tratamento dos utentes.

Em sentido contrário à existência de um contrato de trabalho provou-se, por seu turno, o seguinte:

- As Autoras exerciam, simultaneamente, funções de enfermeiras, mas como funcionárias públicas, com contrato de provimento efectivo ou com contrato de trabalho em serviços ou instituições do SNS;

- Exerciam funções para a ré de acordo com as disponibilidades de horário que as próprias comunicavam mensalmente, sendo a partir destas disponibilidades e das necessidades sentidas pelo hospital da Ré que, mês a mês, eram fixados os períodos de efectiva prestação de serviços de enfermagem por parte de cada uma;

- As disponibilidades que ofereciam à ré eram as que, fora os descansos e tempos para outros compromissos que entendiam reservar ou assumir, lhes sobejavam dos horários/turnos definidos pelos referidos serviços e instituições em que eram efectivas;

- As Autoras auferiam uma contrapartida pecuniária por cada hora de serviço prestado que variava em função das horas de trabalho efectivo, havendo, por vezes, grandes variações no montante mensal recebido;

- Mesmo para os horários que tinham indicado como disponíveis, as Autoras podiam faltar sem que tivessem de justificar tais ausências;

- As Autoras solicitavam a substituição directamente a outro/a colega credenciado/a;

- A Ré não lhes pagava as horas em que não tivessem prestado serviço;

- O contratado entre as Autoras e a ré não incluiu o reconhecimento do direito a férias remuneradas, não implicava o direito a regalias por antiguidade, tal como diuturnidades,não estava sujeita a controlo de assiduidade, nem a justificação de faltas, não recebendo as autoras subsídio de alimentação, nem alimentação em espécie;

- As Autoras eram pagas a “recibos verdes”;

- Nunca receberam qualquer quantia a título de subsídio de férias ou de Natal;

- As autoras gozavam férias sempre que o desejavam e as entidades com as quais tinham contrato de trabalho, ou vínculo semelhante, o permitiam, interrompendo então a colaboração no hospital da ré para gozarem essas férias concedidas por essas outras instituições de saúde;

- Ao longo dos anos em que trabalharam no Hospital da ré, as Autoras nunca reclamaram o gozo de férias ou o recebimento de qualquer quantia a título de subsídio de férias ou de natal;

- As Autoras nunca estiveram filiadas na Segurança Social por iniciativa da Ré, nem esta lhes efectuou qualquer desconto por conta das quantias por si recebidas, destinado a ser entregue junto daquela instituição.

- As Autoras nunca reclamaram a falta de inscrição naquela mesma instituição.

Destes factos conclui-se, nomeadamente, que a fixação do horário de exercício de funções das Autoras não resultava de uma determinação unilateral por parte do Réu (mas predominantemente das disponibilidades que aquelas lhe comunicavam), não sendo este a conformar a prestação contratual das Autoras em termos de tempo.

Não havia dedicação exclusiva por partes das Autoras ao Réu, nem dependência económica em relação a este, já que exerciam simultaneamente funções de enfermeiras como funcionárias públicas, tendo acesso nas respectivas instituições públicas às regalias laborais que no Réu lhes faltavam.

As Autoras podiam faltar sem qualquer consequência, para além de não lhes serem pagas as correspondentes horas, cabendo-lhes providenciar pela sua substituição, o que indicia que as partes contrataram a produção de um determinado resultado e não a actividade dos autores, já que num contrato de trabalho o trabalhador não pode fazer-se substituir por terceiro na execução da sua prestação quando estiver impedido de a cumprir.

Emitiam “recibos verdes” contra o pagamento da retribuição, estando por isso necessariamente colectadas nas Finanças como trabalhadoras independentes.

As Autoras não recebiam retribuição nos meses em que desejassem gozar férias, nunca tendo recebido (nem reclamado o recebimento) de subsídios de férias e de Natal.

Por outro lado, não ficou demonstrado que as Autoras recebessem quaisquer ordens ou instruções que extravasem as componentes técnicas (sujeitas a protocolos oficiais) e administrativas, de mera organização dos serviços do hospital, o que aponta no sentido de que ao Réu apenas interessava o resultado da actividade de enfermagem prestada pelas Autoras, não existindo uma avaliação dessa actividade ou uma hierarquia funcional que obrigassem as enfermeiras perante o Réu.

Em suma, os indícios apurados, conjuntamente avaliados, não revelam a existência de qualquer autoridade do Réu sobre as Autoras na execução do seu serviço, evidenciando, ao invés, que as Autoras não se integravam na estrutura organizativa do Réu.

É, pois, de concluir que o contrato que vinculou as partes não é um contrato de trabalho porque não há a necessária subordinação jurídica.

Vejam-se, para situações semelhantes,entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 13-07-2004, Proc. n.º 04S4754; de 29-11-2005, Proc. n.º 05S2137; de 18-01-2006, Proc. n.º 05S3487; de 28-06-2006, Proc. n.º 06S900; de 20-09-2006, Proc. n.º 06S694; de 02-05-2007, Proc. n.º 06S4368; e de 10-07-2008, Proc. n.º 07S4654, in www.dgsi.pt/jstj.»

O Tribunal da Relação, tendo afirmado a correcção deste juízo, não se dispensou de complementar as considerações que a ele conduziram, discreteando assim:

«Como é sabido é, sobretudo, através do conceito de subordinação jurídica que se opera a distinção entre contrato de trabalho e de prestação de serviços. A subordinação jurídica (susceptibilidade de dar ordens e instruções ao trabalhado) decorre do poder de direcção em que se encontra investido o empregador, e corresponde, do lado do trabalhador, ao dever de obediência. Esse elemento existe no contrato de trabalho; e está ausente no contrato de prestações de serviços.

Acontece, porém, que se é fácil no plano teórico operar a distinção entre essas duas figuras contratuais, nas situações concretas, enriquecidas pela complexidade da vida, tal tarefa apresenta sérias dificuldades, é por isso que nos casos limite, a jurisprudência e a doutrina, aceitam a intervenção de indícios reveladores dos elementos da subordinação, sendo com base nos indícios recolhidos que se irá proceder à qualificação do contrato – o que se opera não através de um juízo subsuntivo, mas através de um mero juízo de aproximação entre os dois modelos analiticamente considerados (o da situação concreta e o modelo típico da subordinação), juízo esse que será também um juízo de globalidade, levando em conta que cada um dos indícios recolhidos, tomados de per si, tem um valor muito relativo, que pode variar de caso para caso e que não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação.

Os indícios de subordinação que habitualmente são referidos são os seguintes: os internos, por exemplo, o local onde a actividade é exercida, a existência de horário de trabalho, a propriedade dos instrumentos de trabalho, o tipo de remuneração, o direito a férias remuneradas, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a colaboradores, o regime de faltas, o regime disciplinar, a repartição do risco e a integração na organização produtiva; os externos, designadamente, a exclusividade da prestação, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a sua inscrição na segurança social e a sua filiação sindical.

Ora, na presente situação, de acordo com o que resulta da factualidade provada, embora se verifiquem alguns dos indícios da subordinação jurídica – como era a circunstância de as autoras realizarem as suas funções no hospital da ré, usando os instrumentos de trabalho fornecidos por esta e as batas com o seu logótipo, bem como desempenhando as suas tarefas de acordo com os protocolos a que o réu se encontrava adstrito e que o seu director clínico e coordenadores velavam pelo cumprimento – tais índices em si mesmos não são suficientes para se concluir pela existência de um contrato de trabalho, sendo certo que a restante matéria de facto apurada é no sentido de afastar essa qualificação.

Com efeito, o uso das batas e instrumentos de trabalho pertencentes à ré por banda das autoras, compreende-se que assim fosse uma vez que as funções de enfermagem desenvolvidas pelas mesmas autoras eram desempenhadas num hospital à mesma pertencente, fazendo todo o sentido que, por uma questão de homogeneidade e imagem perante os utentes e o público de um modo geral, fosse a ré a fornecê-los. A observância dos protocolos emitidos pela Ré, por parte das ditas autoras, também se pode compreender numa perspectiva de harmonização de tarefas e do respeito por regras (sobretudo de cariz técnico) que um hospital, aberto ao público, como era o caso, tem o dever de fazer respeitar.

Mas, mais relevante do que aquilo que se provou no sentido da subordinação jurídica das autoras (que como vimos é rebatível no sentido dessa subordinação), é aquilo que se provou no sentido de afastar essa subordinação.

Com efeito, não deve ignorar-se, que como emerge da factualidade provada, as autoras não exerciam funções em exclusividade na ré, antes tinham os seus empregos noutros estabelecimentos hospitalares e centros de saúde, e apenas se disponibilizavam para trabalharem para a ré a tempo parcial, no tempo que lhes sobejava desses trabalhos e de outros compromissos que tivessem – o que revela que a sua disponibilidade para a ré, era apenas residual, e de acordo com as suas conveniências, o que afasta de todo a noção de exclusividade como indício externo da subordinação a que nos referimos.

Para além disso, e porventura o ponto mais relevante, no sentido de ausência da hetero-subordinação, é a circunstância de as autoras quando faltavam ao serviço se poderem fazer substituir por outros colegas, sem que tivessem de justificar as suas faltas, e sem estarem sujeitas ao controlo da assiduidade. Essa circunstância afasta o carácter intuitu personae próprio do contrato de trabalho, e revela, ainda, a ausência do dever de assiduidade (também próprio do contrato de trabalho), bem como a ausência do poder de direcção e de disciplina do empregador que andam associados àquele dever.

Acresce que a contrapartida monetária que auferiam lhes era paga à hora e só quando trabalhavam (o que se afasta do regime da retribuição própria do contrato de trabalho e em que trabalhador aufere a retribuição, mesmo que não preste trabalho, ou está impedido de o fazer, como sucede, por exemplo, no caso de férias, alguns tipos de licença e de situações de doença).

Refira-se, ainda, que as autoras não auferiam qualquer das prestações sociais próprias do contrato de trabalho, como é o subsídio de férias e o de Natal, assim como não auferiam subsídio de alimentação ou alimentação em espécie, prestações complementares retributivas próprias do contrato de trabalho.

Tão pouco as autoras se encontravam inscritas na segurança social, ou a ré fez quaisquer descontos nesse sentido, o que também é revelador da inexistência dos referidos indícios externos da subordinação.

Diga-se, por fim, que as autoras apesar de pessoas esclarecidas e com experiências de trabalho na sua área de saber – a enfermagem – jamais reclamaram quanto à situação junto da ré por forma a fazer valer os direitos próprios do contrato de trabalho (como seria o caso, designadamente, dos pagamentos dos subsídios de férias e de Natal e da inscrição na segurança social), o que revela que estariam de acordo com a modalidade de contratação a que sujeitaram e que era a de prestadoras de serviços (mediante a emissão de recibos verdes).

Às autoras competia alegar e provar a existência do contrato de trabalho, visto a sua pretensão assentar nesse pressuposto (art. 342.º, n.º 2 do Código Civil), sendo que na dúvida, a sua pretensão terá que ser julgada improcedente.

Assim, uma vez que as autoras não lograram demonstrar que tivessem celebrado com a ré (cada uma) o correspondente contrato de trabalho, isso significa que a sua pretensão e o presente recurso não podem deixar de improceder.»

3. Na perspectiva das recorrentes, o acórdão recorrido deveria ter conferido relevância decisiva ao valor indiciário do local da prestação, da propriedade dos instrumentos de trabalho, do fornecimento de uniformes e do logotipo neles exibido, dos pagamentos mensais da retribuição, da forma continuada e duradoura da prestação da actividade, do cumprimento de protocolos obrigatórios, numa instituição com um director clínico do hospital, coordenadores de enfermagem dos vários serviços e um director de enfermagem, e não deveria ter atribuído o valor que atribuiu aos indícios consubstanciados nos factos de elas, recorrentes, darem as suas disponibilidades mensais, exercerem as funções a tempo parcial, sem exclusividade, auferindo retribuição em função da hora, emitindo recibos verdes, trabalhando em simultâneo cada uma delas noutra instituição, trocando faltas com outros colegas credenciados, não efectuando a entidade patronal descontos para a Segurança Social, nem pagando subsídio de férias e subsídio de Natal.

Não se acolhe a crítica formulada contra o acórdão recorrido.

Se é certo que os factos que as recorrentes destacam para sustentar a existência de subordinação jurídica poderiam sugerir a existência de tal situação, não pode esquecer-se que os indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomística, antes devendo efectuar-se um juízo global em ordem a determinar se na relação estabelecida e efectivamente executada estão ou não presentes os elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado — os poderes de direcção e autoridade do empregador e correspectiva sujeição do trabalhador ao exercício desses poderes.

Como, bem, explicaram as instâncias, atendendo à natureza e conteúdo das funções compreendidas na profissão de enfermeiro, nem a obrigatoriedade de cumprimento de protocolos, nem o pagamento mensal das retribuições calculadas com base nas horas de trabalho efectivamente prestadas, nem a vinculação a um horário pré-definido, nem o facto de o local de trabalho se situar nas instalações do Réu, nem, enfim, o fornecimento de uniformes e instrumentos de trabalho por parte da Ré, são suficientes para se concluir pela existência de subordinação jurídica, pois a relevância de tais índices apresenta-se praticamente nula, porquanto de tal factualidade não pode, face aos restantes elementos da execução dos contratos, inferir-se a possibilidade de, no seu âmbito, a Ré exercer efectivos poderes de direcção e autoridade e, menos ainda, o poder disciplinar.

No caso, o horário não era estabelecido unilateralmente pela Ré, sendo fixado, por acordo, atendendo, além do mais, às conveniências das recorrentes, que não prestavam a sua actividade em regime de exclusividade.

Apontando, decisivamente, para um regime de trabalho autónomo apresenta-se, no desenvolvimento da relação contratual, a possibilidade de as recorrentes se fazerem, nas suas faltas, substituir, na prestação, por outra pessoa, pois que tal possibilidade é manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um contrato de trabalho, atento o carácter intuitu personae deste contrato e a natureza infungível da prestação laboral.

Acresce que, na execução do contrato, intui-se dos factos provados (n.º 27), as recorrentes não incorriam em responsabilidade disciplinar, pois quando faltavam não tinham que justificar as faltas, limitando-se a solicitar a substituição directamente a outro/a colega credenciado/a, e a única consequência era a de que não lhes seriam pagas as horas em que não tivessem prestado o serviço.

Uma tal falta de responsabilização não quadra com o regime geral do contrato de trabalho, definido nos artigos 22.º a 27.º e 28.º, n.º 3, do Regime Jurídico de Férias, Feriados e Faltas, constante do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, e nos artigos 224.º a 231.º do Código do Trabalho de 2003.

Tudo ponderado, subscrevendo-se, em tudo o mais, as considerações vertidas nas decisões das instâncias, que se inserem perfeitamente na linha de orientação reiteradamente afirmada por este Supremo Tribunal — expressa, entre outros, nos acórdãos citados na douta sentença — é de concluir, numa apreciação global de todos os índices revelados pelo desenvolvimento das relações contratuais aqui em causa, que não se demonstraram factos bastantes para caracterizar, com segurança, a subordinação jurídica e, pois, para conferir a tais relações natureza laboral.

Improcedem, pois, as conclusões formuladas na revista, merecendo integral confirmação, o acórdão impugnado.


III

Em face do exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo das recorrentes.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2010.

Vasques Dinis (Relator)

Mário Pereira

Sousa Peixoto