Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
435/09.3YFLSB
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Pretendendo a A. ver reconhecida determinada categoria às funções que desempenhou no lapso temporal que decorreu entre Março de 1999 até Dezembro de 2003, é aplicável, ao caso, o quadro normativo que integra o “regime Jurídico do Contrato de Trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24.11.69 (LCT) (art. 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1 da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto).
II - A posição do trabalhador, na organização da empresa, define-se através de um conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação laboral, pelo que a sua categoria profissional determina-se por referência ao binómio classificação normativa/funções exercidas.
III - A “categoria-função” ou contratual corresponde ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho ou pelas alterações dele decorrentes; a par dela, a categoria profissional também pode ser entendida na acepção de “categoria-estatuto” ou normativa, considerando-se como tal aquela que define a posição do trabalhador na empresa, cujas tarefas típicas se encontram descritas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva.
IV - A categoria profissional obedece aos princípios da efectividade (no domínio da categoria- função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (no domínio da categoria-estatuto, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode ser dela retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador).
V - Nos termos do art. 22.º, n.º 1 da LCT, o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, reservando-se para situações especialíssimas a possibilidade do desempenho de outras funções (art.s 22º e 23.º da LCT).
VI - Por exprimir a posição contratual do trabalhador, a “categoria profissional” é objecto de protecção legal – e também convencional – que se evidencia, sobretudo, a três níveis: na actividade a desenvolver; na remuneração devida e na hierarquização do trabalhador no seio da empresa.
VII - Para o concreto enquadramento do trabalhador em determinada categoria profissional tem de se fazer apelo à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva –, mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas.
VIII - Estando em confronto as categorias de “Chefe de Secção” e de “Operador de Supermercado”, a diferença nuclear entre elas reside no poder de gestão que é atribuído a um “chefe de Secção” que, de todo, é alheio ao “Operador de Supermercado”: a elaboração dos horários a praticar na Secção e a responsabilidade pelo controlo e rotação de stocks são tarefas claramente gestionárias e que só um “Chefe de Secção” pode desempenhar por se inserirem no núcleo essencial das funções que categorisadamente lhe estão cometidas.
IX - Estando demonstrado que a A., enquanto responsável de Secção, “elaborava os horários da Secção; participava nas reuniões dos responsáveis de Secção; era responsável pelo controlo e rotação de stocks”, não se suscitam dúvidas que tais funções se enquadram na categoria de “Chefe de Secção”.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1- Relatório

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Distribuição Alimentar, S.A.”, pedindo:
- que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e a Ré condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe uma indemnização substitutiva, bem como as retribuições que deixou de auferir e uma indemnização por danos não patrimoniais;
- reclamou ainda, por referência à relação laboral que existiu entre as partes, as diferenças salariais entre a retribuição de “operadora de supermercado” e a correspondente a “chefe de secção”, que considera ser-lhe devida.
Em 1.ª instância, a acção foi julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.
Sob apelação da Autora, o Tribunal da Relação de Lisboa:
- anulou a sentença, na parte atinente às reclamadas diferenças salariais, e ordenou a repetição do julgamento em vista a eliminar a contradição que assinalou no âmbito da correspondente matéria de facto;
- no tocante à impugnação do despedimento, revogou a sentença e declarou ilícita aquela medida disciplinar, extraindo desse juízo as consequências ressarcitórios que teve por adequadas.
A Ré pediu revista, mas debalde o fez, porquanto este Supremo Tribunal confirmou na íntegra o acórdão impugnado.

1.2.
Em obediência ao assim decidido, cuidou a 1.ª instância de suprir a contradição assinalada, após o que lavrou sentença circunscrita à questão ainda em debate, relativamente à qual acolheu a pretensão da Autora, condenando a Ré “... a pagar-lhe as diferenças salariais entre o que recebeu enquanto operadora e o que deveria ter recebido enquanto chefe de secção/operadora encarregada, até Dezembro de 2003, a apurar em liquidação em execução de sentença”.
A Ré apelou da decisão mas, desta feita, o Tribunal da Relação de Lisboa veio a confirmá-la por inteiro, negando provimento ao recurso.
Em suma, convergiram as instâncias no entendimento de que as funções efectivamente desempenhadas pela autora integram a maior parte das competências próprias de “Chefe de Secção”, cuja categoria deve, por isso, ser-lhe reconhecida, com a compensação remuneratória inerente.
1.3.
Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1.º - na apreciação do mesmo recurso interposto pela Recorrente, entendeu o Tribunal “a quo” que da factualidade provada em 1.ª instância outro não podia ser o entendimento senão o de que a Recorrida, no lapso temporal considerado, exerceu funções de Chefe de Secção;
2.º - nos termos do CCT aplicável, Chefe de Secção é “... o trabalhador que numa unidade comercial, coordena, dirige e controla uma secção cabendo-lhe nomeadamente a responsabilidade pela gestão, controle e rotação de stocks e pela conta de exploração”;
3.º - encontra-se assente que a Recorrida elaborava horários, participava em reuniões de responsáveis de secção, e procedida ao controle e rotação de stocks;
4.º - perante esta factualidade, entendeu o Tribunal “a quo” que as funções da Recorrida coincidiam “em grande parte” com o descritivo funcional de chefe de secção supra exposto, não sendo necessário, para a atribuição da categoria profissional, que o trabalhador desempenhe todas as funções inerentes à categoria cujo reconhecimento reclama;
5.º - as funções que a Recorrida exercia não podem ser tidas como integrando a maior parte das funções próprias de uma categoria de chefia, ou sequer as mais relevantes;
6.º - não resulta provado que a Recorrente alguma vez lhe tenha atribuído o exercício de poder disciplinar sobre qualquer colega, ou que a Recorrida exercesse de facto ou alguma vez tivesse exercido poder disciplinar sobre qualquer colega;
7.º - não poderia ter o tribunal “a quo” entendido que as funções exercidas pela Recorrida importariam o exercício, em grande parte, do descritivo funcional de um chefe de secção;
8.º - porque tais funções não englobavam a sua característica mais distintiva: o exercício do poder disciplinar;
9.º - ao adoptar tal entendimento, o tribunal “a quo” fez uma incorrecta interpretação do descritivo funcional do CCT aplicável e, consequentemente, incorrecta aplicação do artigo 152.º do C.T..
1.4.
A Autora contra-alegou, sustentando a necessária confirmação do julgado.
1.5.
A Ex.maProcuradora-Geral-Adjunta – a cujo douto Parecer a Recorrente reagiu negativamente – sustenta “... que, em boa verdade, este S.T.J. não deveria conhecer do objecto do presente recurso ou, se melhor for entendido, não lhe conceder provimento”.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - FACTOS
Sem prejuízo de virem a ser oportunamente coligidos os factos tidos por pertinentes, dá-se aqui por reproduzida a factualidade firmada pelas instâncias que, enquanto tal, não vem censurada pelas partes nem se afigura passível de alteração – artigos 713.º n.º 6 e 726.º do Código de Processo Civil.

3- DIREITO
3.1
Como dissemos, admite a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta que o vertente recurso nem sequer deveria ser apreciado.
Em abono desse seu juízo, sustenta que só agora, em sede de revista, vem a Recorrente esgrimir o argumento segundo o qual os autos não noticiam que a empresa tenha alguma vez delegado na autora o exercício do poder disciplinar “sobre qualquer colega” ou que ela supostamente o tivesse exercido de facto.
Tal juízo configura uma “questão prévia”, sobre a qual deve recair, antes do mais, a correspondente pronúncia.
É verdade que estamos perante uma argumentação nunca anteriormente aduzida e à qual a Recorrente confere um particular enfoque.
Em contrapartida, também não poderá recusar-se que se trata de um simples “argumento”, a que a Recorrente agora apela, no estrito âmbito da “questão” que divide as partes desde o início e que, tendo sido objecto da precedente fase recursória, vem retomada na revista: a categoria profissional que deve ser conferida à demandante.
E, apesar do apontado enfoque, é igualmente seguro que a Recorrente não deixa de repristinar a argumentação a que, no pretérito adjectivo dos autos, já se vinha arrimando: em sua óptica, as comprovadas funções da Autora não correspondem a todas as funções ou, pelo menos, às mais relevantes que integram o descritivo funcional da categoria reclamada.
Ora, não sendo de confundir “argumentos” com “questões”, a mencionada postura da Recorrente jamais consequenciaria que este Tribunal devesse declinar o conhecimento do recurso.
Improcede, pois, a “questão prévia” em análise.
3.2.
Após as incidências processuais que condicionaram o desenvolvimento da lide, os autos chegam de novo a este Supremo Tribunal circunscritos, desta feita, a uma única questão:
- a de saber se deve, ou não, ser reconhecida à Autora a reclamada categoria de “Chefe de Secção”, com a inerente contrapartida remuneratória.
Já sabemos que as instâncias acolheram a tese da demandante, reconhecendo que as funções por ela exercidas correspondiam ao núcleo essencial das competências próprias daquela categoria.
Ao invés, continua a Recorrente a sustentar que essas funções correspondem à categoria em que a Autora se achava efectivamente integrada: “operadora de supermercado”.
3.3.1.
Examinando o petitório inicial, verifica-se que a Autora reporta o exercício das suas questionadas funções do lapso temporal que decorreu entre “Março de 1999 até Dezembro de 2003” – artigo 48.º da P.I..
Por via disso, é aplicável ao caso o quadro normativo que integra o “Regime Jurídico do Contrato de Trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24/11/69 (doravante L.C.T.) – artigos 3.º n.º 1 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
É sabido que a posição do trabalhador na organização da empresa se define através de um conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto da prestação laboral.
Deste modo, a sua categoria profissional determina-se por referência ao binómio classificação normativa/funções exercidas.
Trata-se da vulgarmente denominada categoria-função ou contratual, visto que corresponde ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho ou pelas alterações dele decorrentes.
A par dela, a categoria profissional também pode ser entendida na acepção de categoria-estatuto ou normativa, considerando-se como tal aquela que define a posição do trabalhador na empresa, cujas tarefas típicas se encontram descritas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva.
Bernardo Xavier faz notar que a atribuição da categoria profissional se coloca em três planos: “... um resulta da descrição o mais completa possível da situação de facto e, portanto, da análise das funções desempenhadas, dos seus requisitos profissionais e das características do posto de trabalho. Outro, que releva da interpretação do IRCT e das grelhas classificativas. E o terceiro, que supõe a justaposição destes planos para detectar a congruêncoia classificatória operada em face da situação dada como verificada” (in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, Ano XXXIX, 1997, página 92).
A categoria profissional obedece aos princípios da efectividade (no domínio da categoria-função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (no domínio da categoria-estatuto, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode ser dela retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador).
Por via disso, o artigo 21.º n.º 1 alínea d) da LCT proíbe à entidade patronal baixar a categoria profissional do trabalhador, quer ela se reporte à categoria para que foi contratado, que àquela a que o mesmo tenha sido entretanto eventualmente promovido.
Só assim não será – sequente artigo 23.º - quando essa regressão for imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador, sob a condição, em ambos os casos, de ser aceite pelo visado e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho (actual IDICT).
A enunciada disciplina legal harmoniza-se com o comando previsto no artigo 22.º n.º 1 da L.C.T., segundo o qual o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, reservando-se para situações especialíssimas a possibilidade do desempenho de outras funções – artigos 22.º e 23.º do mesmo diploma.
Como se vê, por exprimir a posição contratual do trabalhador, a “categoria profissional” é objecto de protecção legal – e também convencional – que se evidencia, sobretudo, a três níveis:
- na actividade a desenvolver;
- na remuneração devida;
- na hierarquização do trabalhador no seio da empresa.
Em suma – como diz Monteiro Fernandes – “... a categoria significa, para o trabalhador, não só a garantia de um certo estatuto remuneratório, mas também a salvaguarda da sua profissionalidade” (in “Direito do Trabalho”, 11.ª edição, página 196).
3.3.2.
Nem sempre é fácil proceder ao concreto enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional.
Por isso se apela, nessa tarefa, à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas.
“Tenha-se ainda presente [como refere o Acórdão desta secção de 10/12/2008, na Revista n.º 2563/08] que, exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador” (sublinhado nosso).
Estas regras – tal como os princípios anteriormente enunciados – assumem particular relevância na justa medida em que se assumem como contraponto de equilíbrio em face de eventuais desvios que o empregador seja tentado a praticar, quer resguardado no “poder determinativo da função”, que lhe está legalmente atribuído, quer por virtude do “jus variandi” ou da “polivalência funcional” de que também se pode socorrer.
Estes dois mecanismos – que conferem à entidade patronal o poder de, respectivamente, atribuir a trabalhador funções diversas (posto que temporárias e transitórias) ou compeli-lo a prestar outras tarefas para as quais tenha qualificação e capacidade (posto que coexistentes e subalternizadas relativamente às funções que correspondem à sua categoria) – foram implementados pelo legislador com o assumido propósito de contornar a rigidez ou impermeabilidade da categoria profissional como elemento delimitador do objecto do contrato, ficando assente “... que o compromisso do trabalhador abrange não só as actividades que definem a sua categoria, mas também tarefas concretas que caibam nas suas possibilidades e no seu tempo de trabalho, sem que se traduzam em prejuízo profissional ou económico” (in “obra citada” páginas 206/207).
Aliás, o simples “poder determinativo da função” já permite que “... o trabalhador [possa] rodar em vários (...) postos de trabalho, desde que compreendidos no programa negocial previsto. O poder determinativo da função não se esgota pelo seu exercício inicial. O trabalhador pode e deve ocupar diversos postos de trabalho compatíveis com o programa negocial, ainda que diversos do posto de trabalho de admissão” (Bernardo Xavier, obra citada, página 69 – sublinhado nosso).
O exercício destes poderes – reconhecidamente fulcrais para o empregador na prossecução dos seus objectivos comerciais – exige a correspondente salvaguarda dos interesses dos trabalhadores: os princípios anteriormente enunciados, desde que criteriosamente seguidos, são o garante dessa salvaguarda.
3.3.3.
Releva a seguinte factualidade:
1 - a autora trabalhou por conta, sob as ordens e direcção da Ré, de 2/2/86 até 16/7/2004;
2 - tinha a categoria profissional de operadora especializada, e auferia a remuneração mensal de € 540,00, acrescida de subsídio de alimentação, no valor de € 3,49/dia e subsídio de feriado, no valor de € 49,92;
3 - a Autora é sócia do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal;
4 - desde data não apurada e até Dezembro de 2003, a Autora era responsável pela Secção de Peixaria que, na terminologia interna, a Ré designava de Chefes de Secção;
5 - enquanto responsável pela Secção, a “Arguida” desempenhava as seguintes funções: elaborava os horários da Secção; participava nas reuniões dos responsáveis de Secção; era responsável pelo controlo e rotação de stocks, entre outras;
6 - a Ré nunca lhe atribuiu a categoria profissional e remuneração correspondentes a Chefe de Secção;
7 - a Ré pagou à Autora as remunerações sempre correspondentes à categoria de Operadora Especializada;
8 - a estrutura dos estabelecimentos da Ré encontra-se dividida primeiramente em duas grandes secções: secção de Perecíveis e secção de não Perecíveis, sendo que, por sua vez, estas se encontram subdivididas em várias secções, designadamente, no que respeita aos Perecíveis, na Secção de peixaria, frutaria, padaria, talho, etc.;
9 - dada a sua natureza particularmente sensível para a actividade da Ré, a Secção de perecíveis era da responsabilidade última do Gerente da Loja, e a Secção de não Perecíveis do Adjunto da Loja, podendo ainda coexistir responsáveis pelas secções de peixaria, frutaria, padaria, etc., que, na gíria, eram designados de “Chefes de Secção” ou “principais”.
Os ditos “Chefes de Secção” ou “principais” têm a seu cargo a gestão de horários dos demais operadores de loja existentes na secção respectiva, fazem rotação de stocks, elaboram pedidos/notas de encomendas, elaboram mensalmente inventários, e dão instruções aos demais operadores sobre a distribuição do trabalho, além de atenderem também o público.
Estes “Chefes de Secção” não elaboram a conta de exploração, a qual é efectuada a nível superior pela Administração.
10 - a Autora, à data dos factos, tinha como superior hierárquica a Sr.ª CC, que a veio substituir na “Chefia” da Secção, por a Ré entender que a Autora, atento o seu perfil e “quebras”, não se adequava ao cargo.
São estes os factos.
3.3.4.
Devemos salientar que a ora Recorrente, aquando da sua precedente apelação, se afadigou em criticar a forma como a 1.ª instância veio a decidir a matéria de facto anteriormente anulada, dizendo, nomeadamente, que “a sentença aditou a realidade de Chefes de Secção ou principais”, discordando que se tenha dado por assente a sua existência na organização da empresa, para além das categorias de “gerente” e “adjunto”.
Todavia – e como avisadamente refere a Relação – a recorrente não cuidou de impugnar a matéria de facto, designadamente com o imprescindível cumprimento dos ónus que, nesse âmbito, lhe cabia observar.
Daí que o Acórdão tenha mantido na íntegra a factualidade ora firmada na 1.ª instância.
Através dela perscruta-se, desde logo, que houve um período – desde data não apurada até Dezembro de 2003 – em que a Ré cometeu à Autora a responsabilidade por uma “secção” do estabelecimento de Carnaxide, mais precisamente a “Secção de Peixaria”, em cujas funções acabou, todavia, por a substituir, visto não lhe reconhecer a necessária adequação para o cargo: falta de “perfil” e existência de “quebras”.
Aliás, a Autora foi mesmo substituída nessas funções pela sua própria superiora hierárquica.
Esta factualidade não pode deixar de indiciar, só por si, que a Ré atribuiu à Autora, durante determinado período, funções que não coincidiam com as iniciais e que veio a retomar após a sobredita “destituição”.
Ponto é saber se essas funções correspondiam, efectivamente, à categoria profissional de “Chefe de Secção”.
O ACT pacificamente atendível define do seguinte modo as duas categorias em confronto:
- “Chefe de secção/operador encarregado – é o trabalhador que, numa unidade comercial, coordena, dirige e controla uma secção, cabendo-lhe nomeadamente a responsabilidade pela gestão, controlo e rotação de stocks e pela conta de exploração”;
- “Operador de hipermercado ou supermercado – é o trabalhador que ...desempenha de forma polivalente todas as tarefas inerentes ao bom funcionamento das lojas, nomeadamente, entre outros, aqueles ligados com a recepção, marcação, armazenamento, embalagem, reposição e exposição de produtos, atendimento e acompanhamento de clientes. É também responsável por manter em boas condições de limpeza e conservação, quer o respectivo local de trabalho, quer as paletas e utensílios que manuseia.
Controla as mercadorias vendidas e o recebimento do respectivo valor. Pode elaborar notas de encomenda ou desencadear, por qualquer forma, o processo e compra. Faz e colabora com inventários. Mantém actualizados os elementos de informação referentes às tarefas que lhe são cometidas ...”.
A este propósito, o Acórdão revidendo discorreu como segue:
“Se compararmos estas funções da A. às que o CCT define como respeitando à categoria de Chefe de Secção e aquelas que os Chefes de Secção desempenhavam efectivamente na empresa R., facilmente verificamos que elas coincidem em grande parte, assim acontecendo, nomeadamente, com as referentes ao controlo e rotação de stocks, à direcção e controlo da Secção, à elaboração dos respectivos horários, sendo certo, por outro lado, que nenhuma destas funções se enquadra na categoria de Operador de Supermercado, pela qual a R. remunerava a A..
É verdade que a A. não elaborava a conta de exploração, função também específica da categoria de Chefe de Secção.
No entanto, por um lado, ficou apurado que, na empresa R., os Chefes de Secção não elaboram a conta de exploração, a qual é efectuada a nível superior pela Administração.
Por outro lado ... não é obrigatório que o trabalhador desempenhe todas as funções inerentes a determinada categoria, nem que desempenhe somente funções inerentes a essa categoria, para que a mesma lhe possa ser reconhecida” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Concordamos com as transcritas considerações.
A diferença nuclear entre as duas categorias em confronto reside no poder de gestão que é atribuído a um “Chefe de Secção” e a que de todo é alheio o “Operador de Supermercado”.
Ora, a elaboração dos horários a praticar na Secção e a responsabilidade pelo controlo e rotação de stocks são tarefas claramente gestionárias e que só um “Chefe de Secção” pode desempenhar por se inserirem no núcleo essencial das funções que categorisadamente lhe estão cometidas.
De resto – como já salientámos e a Relação também sublinha – a atribuição de uma determinada categoria profissional não exige que o trabalhador exerça todas nem apenas as funções que a integram.
E, em caso de dúvida – que aqui nem se vislumbram – sempre é certo que a atracção qualificativa deve ser feita para a categoria superior
De resto, também a Recorrente não aduz quaisquer subsídios susceptíveis de infirmar o juízo alcançado pelas instâncias, limitando-se a significar, em jeito meramente conclusivo, que “As funções que a Recorrida exercia não podem ser tidas como integrando a maior parte das funções próprias de uma categoria de chefia, ou sequer as mais relevantes”.
Assim, devemos concluir, sem mais, que nenhuma censura nos merece o Acórdão revidendo.

4. DECISÃO

Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão impugnado.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Março de 2010

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis