Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1389
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: BENFEITORIAS
PRIVAÇÃO DO USO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ20080506013891
Data do Acordão: 05/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada, isto é, da única que a lei admite para prova do facto em causa, e ao da força probatória legalmente atribuída a determinado meio de prova.
2) A qualificação dos factos que integram as benfeitorias é matéria de direito; as consequências para a coisa e a possibilidade do seu levantamento, integra matéria de facto.
3) São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, sendo úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor.
4) O artigo 1273.º, n.º 1 do Código Civil atribui ao possuidor direito a levantar as benfeitorias úteis que haja realizado se o puder fazer sem detrimento da coisa, só tendo ele direito ao valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, se não as puder levantar sem provocar tal detrimento.
5) O direito do possuidor à indemnização por benfeitorias úteis depende, cumulativamente, da alegação e prova de que as despesas efectuadas valorizaram a coisa e que o levantamento das benfeitorias a deterioraria.
6) São os Réus quem têm o ónus da prova dos factos respectivos, pelo que, sem a respectiva alegação e prova, terão de ver a dúvida daí resultante resolvida contra si, ou seja, no sentido da inexistência desses elementos de facto necessários para reconhecimento do direito que se arrogam (artigos 342.º, n.º1, do Código Civil, e 516.º do Código de Processo Civil).
7) A mera privação (de uso) do prédio reivindicado, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante.
Decisão Texto Integral:




Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:




AA intentou, no 1.º Juízo da Comarca de Ponta Delgada, acção contra BB e sua mulher CC.

Pediu o reconhecimento do domínio de um prédio urbano, situado na freguesia de Bretanha, no Município de Ponta Delgada e omisso na respectiva Conservatória do Registo Predial; e que os Réus fossem condenados a restituir-lho indemnizando-o com €50 euros diários por cada dia de atraso na entrega.

Contestaram os Réus, impugnando a factualidade do petitório e cruzando o pedido de condenação do Autor no pagamento de €25.000,00 euros a título de benfeitorias feitas no imóvel.

O Autor ampliou o pedido para o pagamento de €23.100,00 euros, pela privação de uso do prédio.

Após os Réus terem confessado a propriedade do Autor, a 1.ª Instância condenou-os a pagar-lhe €6.550,00 euros e este a pagar aos Réus €10.000,00 euros.

Apelaram ambas as partes.

A Relação de Lisboa negou provimento ao recurso do Autor e, concedendo parcial provimento ao recurso dos Réus, absolveu-os do pedido indemnizatório.

O Autor pede revista, assim concluindo:

- Àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos desse direito.

- Competia aos RR. fazer a prova das obras por si realizadas no imóvel e de qual o seu montante.

- Os RR. não obstante alegarem terem gasto €25.000,00 de benfeitorias, numa casa cujo valor a senhora perita do tribunal estimou em €30.000,00, nenhuma prova do seu montante lograram fazer em Tribunal, não juntando qualquer documento credível.

- E do que juntaram, a declaração não só não tem data, como nem sequer indica onde foram aplicadas as portas e janelas, o mesmo se dizendo das folhas de serviço...

- Sendo certo que o A. delas não beneficiou no que quer que seja, tal o estado de degradação em que o imóvel lhe foi entregue.

- A ter realizado obras no imóvel o seu custo não excedeu 2.500,00 €, não tendo qualquer cabimento o valor fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância em cerca de (sic), e o de 2.ª Instância em pelo menos, 10.000,00 €.

- O A. esteve privado do imóvel durante 12 anos, período em que esteve impedido de o usar e fruir.

- Sendo a ocupação dos RR. ilícita por contrária à vontade, autorização e consentimento do A. como dono e legítimo proprietário tem este direito a ser minimamente ressarcido da privação ilícita e abusiva dos RR. que por isso devem ser condenados a indemnizá-lo à razão de 125,00 € mensais, valor mínimo de renda praticada em qualquer parte de Portugal nos últimos 20 anos, o que cremos ser um facto notório e que por isso não necessita de qualquer alegação ou prova.

- Não se arbitrar a justa compensação ao A. pela privação do uso, fruição e disposição do imóvel durante 12 anos pelos RR. é premiar-se a ocupação ilícita, abusiva e ilegal destes e punir-se a licitude de meios e processos do A. com os inevitáveis custos com os tribunais, mandatários e tempo e desgaste provocados.

- Condenar-se o A. a pagar aos RR. o que quer que seja, depois destes terem estado na posse e fruição da casa durante 14 anos e 3 meses, já que os RR. apenas entregaram as chaves em Março de 2007 para que o A. não se pudesse aperceber do estado em que aquela se encontrava, contra a sua vontade e autorização e no mínimo injusto, imoral e contrario a boa fé e aos bons costumes, constituindo um manifesto abuso do Direito.

- Assim não o entendendo, a douta sentença violou, entre outros o disposto nos arts. 483. °; 563.°, 564.°, 1273.°, 341 342.° e 334. °, todos do Código Civil.

Não foram oferecidas contra alegações.

A Relação deu como assente a seguinte matéria de facto:

1. Por escritura pública de partilha, celebrada em 25 de Agosto de 2004, e por herança de seus pais, foi adjudicado ao Autor o prédio urbano, com a superfície coberta de 54 m2 e um quintal com a área de 1300 m2, sito à Canada do Canta Galo, que confronta a Norte com A..., a Sul e Poente com J... e a Nascente com Canada, inscrito sob o artigo 181 na matriz predial da freguesia da Bretanha e omisso na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada.

2. Os Réus desde 1993, ocupam e usufruem esse prédio contra a vontade do A., que, por várias vezes, instou aqueles a proceder à sua restituição, o que têm recusado.

3. Os RR. foram autorizados a ir residir para o prédio.

4. Quando os RR. tomaram conta do imóvel, este tinha apenas as paredes, as divisórias interiores em madeira, o chão em terra, uma falsa sem acesso e um telhado que deixava entrar a água das chuvas.

5. Os RR. procederam à restauração do imóvel, despendendo dinheiro.

6. Tais melhorias foram feitas ao longo do tempo, com trabalho próprio e de amigos, aplicando-lhe materiais.

7. Os RR. transformaram o imóvel, tornando-o habitável, tendo rebocado as paredes, edificado divisórias em blocos, construído uma casa de banho e escadas para a falsa, renovado a cozinha, cimentado o chão e colocado janelas e portas novas.

8. As obras foram no valor de cerca de € 10 000,00 (resposta ao quesito 1O.°).

9. O A., desde Março de 1994, pediu aos RR. a entrega do imóvel.

10. Em Fevereiro de 2005, os RR. deixaram o imóvel.

11. Nesse lapso de tempo encetaram, sem êxito, negociações para a sua compra e venda.

12. Se o A. tivesse arrendado o prédio, no período habitado pelos RR., teria recebido uma renda mensal média de cerca de €50,00 (resposta ao quesito 20.º).

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.

Face à delimitação do objecto do recurso feita pelo Recorrente as únicas questões a conhecer são a existência e ressarcibilidade das benfeitorias e as consequências da privação do uso do prédio pelo Autor.

Assim,
1- Benfeitorias.
2- Privação do uso.
3- Conclusões.
1- Benfeitorias.
1.1- Diga-se, desde já – e encerrando este ponto – que a matéria de facto fixada pelas instâncias, nos termos atrás elencados, é insindicável por este Supremo Tribunal.

Para evitar citações longas e, quiçá, fastidiosas, limitar-nos-emos a recuperar o decidido no Acórdão desta mesma conferência de 13 de Março de 2008 – 08 A542 – que, nuclearmente, decidiu que:

“O Supremo Tribunal de Justiça está limitado nos seus poderes sobre a matéria de facto, âmbito em que, de harmonia com o disposto nos artigos 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 722.º, n.º2 e 729.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, só lhe é lícito intervir em questão prova vinculada ou o desrespeito de norma reguladora do valor legal das provas.

Enquanto tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, e só nos limitados termos consentidos pelo n.º2 dos artigos 722.º e 729.º lhe sendo consentido que intervenha em matéria de facto, a possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada, isto é, da única que a lei admite para prova do facto em causa, e ao da força probatória legalmente atribuída a determinado meio de prova.” (cf., também, e “inter alia” os Acórdãos de 17 de Novembro de 2005 – P.º 3153/05-1.ª e de 6 de Julho de 2006 – 06 A1838).
1.2- Assim sendo, dá-se por definitivamente assente que quando os recorridos passaram a habitar o imóvel “este tinha apenas as paredes, as divisórias interiores em (de) madeira, o chão em (de) terra, uma falsa sem acesso e um telhado que deixava entrar a água das chuvas”; que “procederam à restauração do imóvel, despendendo dinheiro” (…), “tornando-o habitável tendo rebocado as paredes, edificado as divisórias em blocos, construído uma casa de banho e escadas para a falsa, renovado a cozinha, cimentado o chão e colocado janelas e portas novas”, obras “no valor de cerca de 10.000,00 euros.”

Estes trabalhos integram o conceito genérico de benfeitorias, constante do artigo 216.º do Código Civil, por se tratarem de melhoramentos feitos por quem detém a coisa, em consequência de um vínculo ou de uma relação jurídica (v.g. proprietário, enfiteuta, possuidor, locatário, comodatário, usufrutuário) – cf. “inter alia”, Prof. Vaz Serra, RLJ 106.º-109).

Visam a coisa em si e a melhoria da sua utilização permanente, como refere o Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1964, 1.º, 274 (cf. ainda, Prof. Pires de Lima – “Das coisas”, BMJ, 91-221; note-se que para o Prof. Oliveira Ascensão – “Direitos Reais”, 2000, 48, I – o termo “despesas” constante do citado artigo 216.º do Código Civil é de interpretação lata podendo incluir, apenas, “trabalhos”).

A lei distingue-as entre as necessárias, “que tem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa”; úteis, as que, embora não indispensáveis aumentam o valor do bem e, finalmente, as voluptuárias que “servem apenas para recreio do benfeitorizante”.

A qualificação é feita mediante a discriminação das obras efectuadas e das consequências do seu levantamento, em termos de detrimento da coisa, que não só das benfeitorias em si.

Se a despesa, embora não indispensável para a conservação, ou evitar o detrimento do bem, lhe aumentar o valor ou a capacidade de gozo, o levantamento é possível se não deteriorar a coisa, já que, se o fizer, o benfeitor tem direito ao respectivo valor (das benfeitorias) calculado nos termos do enriquecimento sem causa (artigos 216.º, n.º3 e 1273.º do Código Civil).

Mas tratando-se de melhorias para mero deleite ou recreio, o possuidor só as levantará se tal não lesar a coisa (se lesando-a, terá proceder à respectiva reparação) ou, se de má fé, não terá qualquer direito.

Como a benfeitoria encerra um conceito de direito, a qualificação dos factos que a integram e a sua nominação, não é matéria de facto, podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecê-la em sede de revista, excepto quanto às consequências do levantamento, que é puro facto (detrimento ou perda da coisa).

Note-se, finalmente, que o conceito de benfeitorias necessárias abrange apenas as despesas naturais ou materiais, que não as jurídicas, civis ou encargos.
1.3- Verifica-se, então, e perante os factos assentes, que as obras feitas pelos Réus integram o conceito de benfeitorias mas, ao contrário do decidido pelas instâncias, nem todas necessárias, já que algumas são úteis.

Assim, imprescindíveis para evitar a perda, degradação ou destruição do imóvel surge, apenas, o reboco das paredes e o cimentar do chão.

Já a substituição das divisórias interiores de madeira por divisórias em blocos, a construção da casa de banho e renovação da cozinha serão, sem dúvida e apenas, úteis.

Finalmente, o acesso ao sótão (falsa), as janelas e portas novas terão de ser inseridos nesta última categoria, pois que os Réus não alegaram, como lhes cumpria, a essencialidade destes trabalhos para a manutenção do bem (como, por exemplo, convencerem da necessidade de acesso ao sótão pelo interior para manutenção e conservação do telhado ou por o seu estado, ser impossível de satisfação da finalidade das portas e janelas substituídas).

Feito este acerto conceptual, resta abordar a indemnização a que os Réus têm direito.

Da matéria de facto resulta ainda serem meros possuidores, sujeitos ao regime do n.º1 do artigo 1273.º do Código Civil.

Atribui-se ao possuidor o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias.

Pode, outrossim, como se disse, levantar as úteis, desde que tal seja possível sem detrimento da coisa e, se tal não for possível, tem direito ao respectivo valor, calculado pelas regras do enriquecimento sem causa.

Disse-se também quais as benfeitorias necessárias e as de considerar úteis.

Ora, quanto a estas, os Réus não alegaram, como lhes cumpria, a impossibilidade do seu levantamento inócuo para a coisa, e cumpria-lhes o ónus dessa alegação e prova (cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2002 – 02 A2619 e de 24 de Junho de 2003 – 03 A1751), sendo que subsistindo a dúvida será resolvida contra eles, “ex vi” do conjugado nos artigos 342.º, n.º1 do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil.

E este Supremo Tribunal estaria a imiscuir-se na matéria de facto se presumisse judicialmente as consequências do levantamento, face as obras realizadas, o que lhe está vedado.

Apurado um total de obras no valor de “cerca de 10.000,00 euros”, fica-se, contudo, sem saber qual o custo da parte equivalente às benfeitorias necessárias, afinal, aqui, as únicas indemnizáveis.

Destarte, esta indemnização terá de ser liquidada em momento executivo ulterior, por não ser possível fixar, desde já, o seu “quantum”.

2-Privação do uso

Os Réus não lograram demonstrar a existência de título bastante para ocuparem o imóvel do Autor, pelo que, sendo obrigados a restitui-lo também o são a indemnizá-lo pelos danos consistentes na privação do respectivo uso.

Ficou, apenas provado que “se o Autor tivesse arrendado o prédio no período habitado pelos RR. teria recebido uma renda mensal média de cerca de 50,00 euros”.

Neste ponto adere-se ao entendimento do Acórdão recorrido ao decidir que:

“Para além de não estar demonstrado que o A. tivesse tido a intenção de arrendar o prédio, embora como probabilidade possa admitir-se, não se provou, porém, que o A. pudesse ter arrendado o prédio, nas condições específicas em que o mesmo se encontrava antes das obras realizadas pelos RR.

Na verdade, emerge da prova que o prédio não se encontrava em condições de ser habitado sem a realização de obras que garantissem tal finalidade. Neste contexto, não se sabe, porque nem sequer foi alegado, se o A. teria feito as obras indispensáveis para aquele fim.

Nestas condições, o dano do A. é mais hipotético do que real e, por isso, não se justifica que se lhe arbitre qualquer indemnização, pela privação do uso do prédio, cujo pedido, aliás, não integrava sequer a pretensão jurisdicional inicialmente formulada.

Face à conclusão, fica prejudicada a questão do valor da indemnização arbitrada na sentença.”

Foi esta, aliás, a decisão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Maio de 2007 – 07 A1066- desta mesma conferencia, ao julgar que a “situação (privação do uso) não é, só por si, geradora do dever de indemnizar sem que a pretensão indemnizatória seja fundamentada.

E os fundamentos não podem consistir em mera virtualidade do bem gerar frutos civis, por susceptível se serem frustrados eventuais propósitos de o integrar em circuito comercial baseado unicamente nos usos correntes.

O dono que se vê privado do bem tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, real e efectivo, proceder à sua utilização, e em que precisos termos o faria e o que auferiria não fora a ocupação pelo lesante.

A mera referência ao valor locativo é insuficiente, já que muitos proprietários mantém prédios devolutos, não têm propósito de os arrendar nem nunca diligenciaram para o fazer, não existindo qualquer dano, real e efectivo, resultante da mera ocupação por outrem.

A questão poderia ser posta apenas em sede de enriquecimento do ocupante.

Só que, para além da subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento, o mesmo sempre teria de se caracterizar pelo correlativo “empobrecimento” do peticionante (dano patrimonial deste).” (cf., ainda, a privilegiar as regras do enriquecimento sem causa, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2006 – 05 A3395.

Nesta parte, e em consequência, improcedem as conclusões da recorrente.

3-Conclusões

Pode concluir-se que:
a) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada, isto é, da única que a lei admite para prova do facto em causa, e ao da força probatória legalmente atribuída a determinado meio de prova.
b) A qualificação dos factos que integram as benfeitorias é matéria de direito; as consequências para a coisa e a possibilidade do seu levantamento ,integra matéria de facto
c) São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, sendo úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor.
d) O artigo 1273.º, n.º 1 do Código Civil atribui ao possuidor direito a levantar as benfeitorias úteis que haja realizado se o puder fazer sem detrimento da coisa, só tendo direito ao respectivo valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, se não as puder levantar sem provocar tal detrimento.
e) O direito do possuidor à indemnização por benfeitorias úteis depende, cumulativamente, da alegação e prova de que as despesas efectuadas valorizaram a coisa e que o levantamento das benfeitorias a deterioraria.
f) São os Réus quem tem o ónus da prova dos factos respectivos, pelo que, sem a respectiva alegação e prova, a dúvida daí resultante é resolvida contra si, ou seja, no sentido da inexistência desses elementos de facto necessários para reconhecimento do direito que se arrogam (artigos 342.º, n.º1, do Código Civil, e 516.º do Código de Processo Civil).
g) A mera privação (de uso) do prédio reivindicado, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante.

Nos termos expostos, acordam conceder parcialmente a revista e condenar o Autor a pagar aos Réus o montante a liquidar em execução de sentença, correspondente apenas ao custo das benfeitorias necessárias, acima descritas (reboco de paredes e cimentar o chão) – sempre inferior a 10.000,00 euros – absolvendo-os do mais e mantendo, quanto à indemnização pela ocupação, o decidido no Acórdão recorrido.

Custas na proporção do vencido.

Lisboa, 06 de Maio de 2008

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho