Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7880/18.1T8CBR.C2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. Nos presentes autos que AA intentou contra, BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., pretende a autora que o réu seja condenado reembolsá-la do capital inicialmente investido no valor total de €100.000,00 e a pagar-lhe os juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento, referentes a 08 de Novembro de 2015 e a 08 de Maio de 2016, no valor total de €1.570,56, bem como os juros moratórios vencidos, no valor total de €9.819,18€ e os vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento; e ainda, a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Articula, com utilidade, que o réu lhe prestou informações falsas, intencionalmente, porquanto, subscreveu 2 obrigações respeitantes a “Obrigações Subordinadas a 10 anos da SLN 2006” com o valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada, num total de € 100.000,00 (cem mil euros), produto financeiro que consistia em obrigações subordinadas ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 (cinquenta mil euros); prazo de maturidade do produto de 10 (dez) anos, sendo que o reembolso do capital seria efetuado em 09 de Maio de 2016; a remuneração do capital investido proporcionava juros a serem pagos semestral e postecipadamente aos investidores, consistindo a primeira remuneração semestral em 4,5%, os 9 cupões semestrais seguintes à remuneração da Euribor a 6 meses acrescido de 1,15% e os restantes semestres seriam remunerados de acordo com Euribor a 6 meses acrescida de 1,50%; sendo que aquando da subscrição do produto financeiro, foi informada pelo gestor de conta, BB, à data gerente da agência bancária do ... em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual jamais teria adquirido o produto; o boletim de subscrição dado a assinar à autora encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então “BPN”, indicando a sua designação comercial e sede social, criando assim na autora a expectativa que estava a subscrever um produto financeiro do próprio banco réu, e nunca de uma entidade terceira; no campo destinado à “ordem de subscrição” constante do boletim de subscrição, é informado à autora que “as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN (...); e todas as ordens de emissão de obrigações subordinadas ora em litígio foram dadas a conhecer à autora, pelo Gestor de Cliente identificado sob o n.º de funcionário 6002490; no documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, e com tal documento pretendia o réu fazer crer nos seus clientes que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que mais tarde veio a negar tal informação, que constitui uma violação grosseira das exigências de boa-fé e de lealdade para com o investidor; no momento de subscrição do produto de investimento pela autora a entidade emitente das obrigações era a SLN, mas após a crise económica instalada sobre o BPN, e que levou à sua nacionalização, a SLN foi extinta, em assembleia geral, e o seu nome e imagem foram alteradas para “Galilei SGPS S.A.”; em 21 de Agosto de 2015, esta apresentou-se a PER cujo processo correu termos judiciais sob o n.º 22922/15.4T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central ... – ... Secção do Comércio - ..., bem como já posteriormente a referida sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do Processo n.º 23449/15.0T8LSB, do mesmo ... da ... Secção do Comércio da Comarca ...; e nessa circunstância, a autora foi surpreendida com uma citação judicial para efeitos de reclamação dos seus créditos, e que só nesse momento foi esclarecida que o investimento financeiro que havia realizado não se encontrava aplicado no banco, mas sim numa entidade terceira que pertencia ao grupo empresarial SLN; desde 08 de Maio de 2015 nada mais foi pago a título de juros, nem o capital foi reembolsado; interpelou a sociedade “Galilei SGPS S.A.” com vista ao pagamento voluntário, sem sucesso (cfr. Doc.4); mas as tentativas efetuadas para resolução extrajudicial foram sempre recusadas, com a invocação de que a responsabilidade de mero colocador do produto financeiro não obrigava a instituição a proceder à restituição do montante investido.

A factualidade integra a violação dos deveres consignados nos art.ºs 312.º-C e 312.º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, por um lado, pela falta de documentação obrigatória a entregar ao cliente e, por outro lado, do dever de informação a prestar ao investidor não qualificado, como era o caso da autora, nos termos do n.º 2 do art.º 304.º-A do mesmo diploma, a culpa do intermediário financeiro é presumida quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e originado pela violação de deveres de informação, presunção que não se restringe à culpa, mas inclui também o nexo causal entre o facto (subscrição de produto) e o dano (não reembolso do capital investido e assumido pelo réu como capital garantido e reembolsável em 08 de Maio de 2016), facto que até ao momento presente ainda não se verificou.

O réu não observou o elevado grau de diligência que legalmente lhe era imperioso praticando ato ilícito, por violação do dever de informação a que se encontrava obrigado e que essa prática revestiu a forma de culpa grave, donde a autora está impedida de usar o seu dinheiro como bem entenda e foi colocada num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando o ia reaver; em permanente stress, doente e sem alegria de viver por se ver desapossada das economias de uma vida inteira de trabalho árduo e sem perspetivas de futuro; não obstante ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando, e seguindo por isso mesmo as sugestões do seu gestor de conta.

Conclui pela procedência da sua pretensão, que integra juridicamente - a condenação do réu à luz do n.º 1, do artigo 304.º-A do Código dos Valores Mobiliários - pois os intermediários financeiros, que violem os deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa desde que tais lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, o que se verifica no caso sub judice.

2. Regularmente citado, o réu apresentou contestação, por exceção, excecionando a incompetência em razão do território e a prescrição, e por impugnação, referindo, em síntese que a ainda que o produto em causa tenha sido vendido com a indicação de capital garantido, no momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, nem do risco de insolvência do emitente; o anco réu não está obrigado a advertir o investidor sobre essa hipótese de insolvência do emitente; não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado à cliente que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira e toda a lógica que presidiu à prestação de informação no momento da contratação; ademais, a referência ao capital garantido, apenas pode ser vista como alusão ao retorno certo da integralidade do capital, no final do prazo do investimento; até à altura da nacionalização, todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido; refuta que através dos seus colaboradores tenha transmitido aos seus clientes que o Banco garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores; o produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco,  mas esta circunstância não se confunde com a prestação de qualquer tipo de garantia ou de assunção de dívida; a subscrição em análise é perfeitamente válida e eficaz relativamente à autora que terá direito a exercer todos os direitos à sua condição de detentora dos títulos em causa; o Banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade da subscritora; e com as instruções recebidas na mesma, consubstanciadas na assinatura do respetivo boletim de subscrição; no mês seguinte ao das referidas operações a autora recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada; foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos; foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada; tudo isto nunca suscitou reclamação da sua parte; assim, refuta que tenha violado qualquer dever legal de informação, pois a subscritora sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património; manteve ao longo dos anos uma carteira de investimentos variada, investindo a título de exemplo em unidades de Participação do Fundo de Investimento Mobiliário BPN Conservador em 6.8.2007, Obrigações Perpétuas BPN 2008 em 31.3.2008 ou Papel Comercial SLN Valor em 4.8.2008; no momento da subscrição a subscritora foi informada que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco réu - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. - e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal; foi ainda informada de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso; acuou de acordo com o que a subscritora de facto quis e lhe expressou, ou seja subscrever aqueles 100.000,00€ em obrigações subordinadas da Sociedade Lusa de Negócios, até porque a cliente pretendia rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava eram bastante atrativas; cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente, informando o subscritor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, bem como da nota interna sobre o mesmo, disponível para consulta pelos mesmos. Conclui pela procedência das exceções e improcedência da pretensão deduzida.

3. A autora respondeu.

4. Foi designada a audiência prévia, e despacho saneador-sentença, no qual se decidiu: “a) - declarar improcedente a arguida excepção de incompetência em razão do território; b) - julgada totalmente improcedente a ação, sendo o Réu absolvido dos pedidos deduzidos, declarando-se prejudicado o conhecimento da arguida prescrição.

5. Por Acórdão proferido a 24 de setembro de 2019, na procedência de recurso interposto, o Tribunal da Relação de Coimbra declarou anulado o processado a partir da audiência prévia, incluindo esta, determinando a prolação de novo despacho a designar data para nova audiência prévia, destinada, “entre outras coisas a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova, nos termos no art.º 596.º, do C.P.C. vigente, bem como outros pontos que o Tribunal “a quo” tenha por pertinentes.”

6. Em 15 de janeiro de 2020, foi realizada audiência prévia, onde se decidiu: a) - declarar transitada a decisão que julgou territorialmente competente este tribunal (Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Central Cível ... - Juiz ...): b) - relegar o seu conhecimento da exceção perentória extintiva de prescrição, para momento posterior ao julgamento: c) - fixar o valor da causa, d)- seguido de despacho de identificação do objecto do litígio e organização de temas de prova. Foram ainda nesse acto apreciados os róis de prova e designada a audiência de julgamento.”

7. Procedeu-se á realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, onde se decidiu: a) - Julgar improcedente exceção perentória de prescrição; b) - Julgar a ação parcialmente procedente e em consequência, condenar o réu no pagamento à autora: i) - na quantia de 100.000,00€, acrescida dos juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento referentes a 08 de Novembro de 2015 e a 08 de Maio de 2016, no valor total de €1.570,56, no total de 101.570,56 (cento e um mil, quinhentos setenta euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescido do pagamento dos juros vencidos e vincendos sobre aquele capital e juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sobre o valor global de 101.570,56 €; ii) - na quantia de 1200,00€ (mil e duzentos euros), a titulo de danos não patrimoniais, acrescido dos juros que se vencerem desde a data da decisão até integral pagamento; iii) - condenar réu e autora, nas custas, na proporção do vencimento e decaimento.”

8. Inconformado com tal decisão dela recorreu o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., tendo a Relação conhecido do objeto da apelação ao proferir acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Assim, em face do exposto, acorda-se, negar provimento ao recurso, e, manter a sentença recorrida nos seus termos. Custas a cargo do recorrente.”

9. É contra esta decisão que o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. se insurge, interpondo revista excecional, ao abrigo das alíneas a) e b do art.º 672º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões:

“1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1.  als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a.    Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c.    O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28)  São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. ... JUSTIÇA!”.

10. Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

“1. A matéria objeto do presente recurso não suscita qualquer dúvida ou obscuridade juridicamente controversa ou de relevância socialmente determinante.

2. A Doutrina e Jurisprudência mobilizada tanto pelo douto Tribunal da Relação como pela 1ª instância não padecem de qualquer necessidade de nova mobilização e discussão pelo Supremo Tribunal.

3. Nem estamos perante uma questão que extravasa a esfera jurídica das partes e que tenha impacto significativo na comunidade jurídica e a confiança dos concidadãos nos Tribunais e administração da Justiça.

4. Não se vislumbrando que se encontrem preenchidos os requisitos necessários para a admissão do presente recurso.

5. Razão pelo quão o mesmo não deverá ser admitido. Sem prescindir,

6. no caso sub judice, a informação falsa prestada à Recorrida de que o banco intermediário assegurava o reembolso do capital investido pressupõe uma violação das regras mais elementares da atividade do intermediário financeiro e demonstra a irresponsabilidade do banco Recorrente, e dos seus agentes responsáveis pela transmissão dessa informação e da desconsideração dos interesses do cliente, pois constitui um fator indutor de uma confiança artificial no investimento proposto pelo agente do recorrente e realizado pelo investidor.

7. É por isso evidente que o banco não observou o elevado grau de diligência que legalmente lhe é imposto, pelo que é forçosa a conclusão de que a sua culpa é grave, sendo por isso inaplicável o invocado prazo prescricional previsto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.

8. Acresce que o dever de informação rigorosa e precisa quando contrata com os seus clientes é um dever de conduta fundamental para o banco, e da sua violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, já que quer ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, se exige às partes que atuem de boa-fé na execução do contrato, bem como ao abrigo do disposto no seu artigo 227.º, n.º 1 do CC, logo nos preliminares ou na formação do contrato, se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé e em que se contam, indiscutivelmente, os deveres de lealdade, transparência, informação rigorosa e exata e de cabal esclarecimento.

9.    A Recorrida só adquiriu as obrigações emitidas pela SLN, porque o banco informou de que se tratava de um produto seguro, com retorno garantido, que, ele próprio assegurava.

10. Atento o que acima se deixou dito, existe responsabilidade do banco porque nos preliminares do contrato informou a autora de que estava garantido o retorno, quando assim não sucedeu, decorrendo a sua responsabilização do disposto no artigo 227.º do CC, bem como porque ao celebrar o contrato, persistiu na mesma informação ou conselho, violando os ditames da boa-fé negocial, nos moldes estabelecidos no artigo 762.º do CC.

11. Consequentemente, é o Recorrente responsável pelos prejuízos que a Recorrida sofreu na sua esfera patrimonial decorrentes da sua conduta lesiva.

12. Por não existir qualquer demonstração idónea que possa sustentar opinião diversa da formulada no Acórdão recorrido, tanto mais que nunca uma decisão final se poderá afastar da prova definitivamente assente, terá o presente recurso de revista, necessariamente, que improceder.

Nestes termos e nos melhores de Direito, a Recorrida está convicta de que os Sábios Conselheiros, apreciando objetivamente o presente recurso, subsumindo-o nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de:

a) O rejeitar verificação dos pressupostos legais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo do artigo 672º do CPC, ou caso assim não se entenda,

b) julgá-lo totalmente improcedente, por não provado.

Assim se fazendo JUSTIÇA!”

11. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

12. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

13. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) já transitaram em julgado.

14. Foram dispensados os vistos.

15. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados:

A. Em Abril de 2006, a autora, com a conta à ordem no ...01, junto da Agência Bancária, sita no ..., em ..., subscreveu por intermediação do BPN- Banco Português de Negócios, SA, dois títulos com a designação SLN 2006, - obrigação subordinada SLN 2006, sob a forma escritural, com o montante nominal de € 50.000,00, subscrição mínima de uma, e no caso (2) num total de 100.000,00 euros - a 10 anos, com reembolso de capital previsto para Maio de 2016, reembolso que não veio a ocorrer.

B. A remuneração do capital investido proporcionava juros a serem pagos semestral e postecipadamente aos investidores, consistindo a primeira remuneração semestral em 4,5%, os 9 cupões semestrais seguintes à remuneração da Euribor a 6 meses acrescido de 1,15% e os restantes semestres seriam remunerados de acordo com Euribor a 6 meses acrescida de 1,50%; e no campo destinado à “ordem de subscrição” constante do boletim de subscrição, é informado à A. que “as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN (...)”.

C. No dia 12 de Novembro de 2008, todas as acções representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S.A. - banco privado português, que atuava no sector da banca de investimentos, foram nacionalizadas, mormente por força do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 62 - A/2008, de 11 de Novembro, que entrou em vigor no dia seguinte: “Verificados o volume de perdas acumuladas pelo Banco Português de Negócios, S. A., doravante designado por BPN, a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro e apurada a inviabilidade ou inadequação de meio menos restritivo apto a salvaguardar o interesse público, são nacionalizadas todas as acções representativas do capital social do BPN.”.

D. E pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2011, de 1 de Setembro procedeu-se à adjudicação da proposta apresentada pelo Banco BIC Português, S. A., no âmbito do procedimento de venda directa lançado para alienação da totalidade das acções representativas do capital social do BPN.

E. Assim, em 7 de Dezembro de 2012, o Banco Português de Negócios, S.A . incorporou por fusão o Banco BIC Português, S.A.. e procedeu à sua redenominação social passando a designar-se Banco BIC Português, S.A. -que o incorporou em todos os seus direitos e obrigações.

F. No momento de subscrição do produto de investimento pela A. a entidade emitente das obrigações era a SLN, mas após a crise económica instalada sobre o BPN, e que levou à sua nacionalização, a SLN foi extinta, em assembleia geral, e o seu nome e imagem foram alteradas para “Galilei SGPS S.A.”, com 89,17% dos votos a favor, 1,81% de votos desfavoráveis e 9,13% de abstenções.

G. Acontece porém que a “Galilei SGPS S.A.” em 21 de Agosto de 2015 apresentou-se a PER cujo processo correu termos judiciais sob o n.º 22922/15.4T8LSB no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central ... – ... Secção do Comércio - ..., bem como já posteriormente a referida sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 23449/15.0T8LSB do mesmo ... da ... Secção do Comércio da Comarca ..., em 29-06- 2016.

H. Aquando da subscrição do produto financeiro, a A. foi informada - pelo Dr. BB, à data gerente da agência bancária do ... em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual a A. jamais teria adquirido o produto em questão.

I. Não procedeu o banco réu (então BPN, SA), então, por intermédio dos seus funcionários a explicitação e informação à autora, à data da celebração do contrato, do que eram as obrigações SLN 2006 e dos riscos associados àquelas.

J. Nem a autora, quando transaccionou com o banco réu, conhecia que o mesmo estava na data da negociação, a alienar produtos financeiros de outrem.

K. O boletim de subscrição dado a assinar à A. encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então “BPN”, indicando a sua designação comercial e sede social, criando assim na A. a expectativa que estava a subscrever um produto financeiro do próprio banco, ora R., e nunca de uma entidade terceira.

L. O gestor que comunicou com a autora garantiu segurança máxima no investimento, com retorno dos valores aplicados garantido, sendo o réu (então BPN) apresentado como um garante da solvabilidade dos produtos - assegurava o reembolso do capital investido e juros-que apresentava aos clientes.

M. Não obstante a A. ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando, e seguindo por isso mesmo as sugestões do seu Gestor de conta.

N. Nunca foi informada ou esclarecida das condições ou características e dos riscos associados às “obrigações”.

O. Nunca lhe foi entregue ou exibido qualquer documento escrito, além da ficha ou boletim de subscrição, muito menos lhe foi entregue a ficha técnica das ditas obrigações.

P. A autora estava segura de que a aplicação efectuada constituía um depósito a prazo, ou produto similar, sendo que o capital estava integralmente garantido pelo Banco réu.

Q. Durante anos, ocorreu o pagamento pontual dos juros à taxa acordada, tendo sido feito até Maio de 2015- desde 08 de Maio de 2015 nada mais foi pago a título de juros (ficando por pagar o último), nem ocorreu reembolso do capital.

R. O réu (então BPN, SA) violou deveres de informação, lealdade e respeito consciencioso dos interesses confiados, bem como do interesse dos depositantes, dos investidores e dos clientes em geral, e ditames de boa fé a que as instituições bancárias, seus administradores e colaboradores estão vinculados.

S. A atuação do R. impediu a A. de usar o seu dinheiro como bem entendesse assim como a colocou num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro; anda em permanente stress, doente e sem alegria de viver por se ver desapossada das economias de uma vida inteira de trabalho árduo e sem perspetivas de futuro.

T. No documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, conforme doc.3 da pi, sendo que com tal documento pretendia o R. fazer crer nos seus clientes (o que conseguiu com a A.) que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que mais tarde veio a negar tal informação.

U. Na decorrência dos processos de revitalização, foi a A. surpreendida com uma citação judicial para efeitos de reclamação dos seus créditos, e só nesse momento é que a A. foi esclarecida que o investimento financeiro que havia realizado não se encontrava aplicado no banco ora R. mas sim numa entidade terceira que pertencia ao grupo empresarial SLN.

V. Em 28-03-2016, a autor interpelou a sociedade “Galilei SGPS S.A.” com vista ao pagamento voluntário. (cf. doc. 4 da pi. sem sucesso).

W. A autora subscritora soube, desde a referida data de subscrição, que efectuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro; no mês seguinte ao da operação a autora recebeu por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também foi recebendo, desde então, um extracto periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos; da mesma forma, foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados para casa.(cf. doc. 2 da pi).

X. A autora investiu em outros produtos como é o caso das Obrigações Perpétuas BPN 2008, em 31-03-2008, no valor de 50.000,00€, Unidades de Participação do Fundo de Investimento Mobiliário BPN Conservador em 6.8.2007, ou Papel Comercial SLN Valor em 4.8.2008 - conforme extracto que é doc. 1 da contestação.”

Matéria de facto não provada

1) Em Abril de 2006, a autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e que o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. a partir do 10º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

2) Foi ainda informada de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.

3) O réu informou os subscritores sobre todos os elementos que constavam da nota informativa que ademais se encontrava disponível para consulta pelos mesmos, prestando ao subscritor informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.

4) O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade da subscritora.

5) O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

6) O Banco réu não estava como não está obrigado a advertir o investidor sobre a essa hipótese de insolvência do emitente.

7) Ao longo dos anos foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN, tendo sido todas pagas sem qualquer tipo de problema até à altura da nacionalização.

8) No momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

9) Nunca o Banco réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão, porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

10) O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente.

11) A cliente pretendia rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava eram bastante atractivas.

12) O Réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o subscritor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, bem como da nota interna sobre o mesmo – cf. doc. 2 e 3 da contestação, a que ademais se encontrava disponível para consulta pelos mesmos.”


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, não mereceu censura, mantendo-se inalterada), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que condenou o Banco BIC, a pagar à autora: “i) - na quantia de 100.000,00€, acrescida dos juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento referentes a 08 de Novembro de 2015 e a 08 de Maio de 2016, no valor total de €1.570,56, no total de 101.570,56 (cento e um mil, quinhentos setenta euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescido do pagamento dos juros vencidos e vincendos sobre aquele capital e juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sobre o valor global de 101.570,56 €; ii) - na quantia de 1200,00€ (mil e duzentos euros), a titulo de danos não patrimoniais, acrescido dos juros que se vencerem desde a data da decisão até integral pagamento; iii) - condenar réu e autora, nas custas, na proporção do vencimento e decaimento.”

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo. Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre a Autora/AA e o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou, quanto à Autora, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por estes, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos relevantes, adquiridos processualmente.

A. Em Abril de 2006, a autora, com a conta à ordem no ...01, junto da Agência Bancária (…) em ..., subscreveu por intermediação do BPN- Banco Português de Negócios, SA, dois títulos com a designação SLN 2006, - obrigação subordinada SLN 2006, sob a forma escritural, com o montante nominal de € 50.000,00, subscrição mínima de uma, e no caso (2) num total de 100.000,00 euros - a 10 anos, com reembolso de capital previsto para Maio de 2016, reembolso que não veio a ocorrer.

H. Aquando da subscrição do produto financeiro, a A. foi informada - pelo Dr. BB, à data gerente da agência bancária do ... em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual a A. jamais teria adquirido o produto em questão.

I. Não procedeu o banco réu (então BPN, SA), então, por intermédio dos seus funcionários a explicitação e informação à autora, à data da celebração do contrato, do que eram as obrigações SLN 2006 e dos riscos associados àquelas.

J. Nem a autora, quando transaccionou com o banco réu, conhecia que o mesmo estava na data da negociação, a alienar produtos financeiros de outrem.

K. O boletim de subscrição dado a assinar à A. encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então “BPN”, indicando a sua designação comercial e sede social, criando assim na A. a expectativa que estava a subscrever um produto financeiro do próprio banco, ora R., e nunca de uma entidade terceira.

L. O gestor que comunicou com a autora garantiu segurança máxima no investimento, com retorno dos valores aplicados garantido, sendo o réu (então BPN) apresentado como um garante da solvabilidade dos produtos - assegurava o reembolso do capital investido e juros-que apresentava aos clientes.

M. Não obstante a A. ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando, e seguindo por isso mesmo as sugestões do seu Gestor de conta.

N. Nunca foi informada ou esclarecida das condições ou características e dos riscos associados às “obrigações”.

O. Nunca lhe foi entregue ou exibido qualquer documento escrito, além da ficha ou boletim de subscrição, muito menos lhe foi entregue a ficha técnica das ditas obrigações.

P. A autora estava segura de que a aplicação efectuada constituía um depósito a prazo, ou produto similar, sendo que o capital estava integralmente garantido pelo Banco réu.

S. A atuação do R. impediu a A. de usar o seu dinheiro como bem entendesse assim como a colocou num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro; anda em permanente stress, doente e sem alegria de viver por se ver desapossada das economias de uma vida inteira de trabalho árduo e sem perspetivas de futuro.

T. No documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, conforme doc.3 da pi, sendo que com tal documento pretendia o R. fazer crer nos seus clientes (o que conseguiu com a A.) que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que mais tarde veio a negar tal informação.”.

Daqui resulta ser a Autora, titular de duas obrigação subordinadas, nas quais foram aplicadas as suas poupanças e sem estar devidamente esclarecida acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidora, avessa ao risco, sendo a Autora, pessoa habituadas a aplicar o seu dinheiro apenas em depósitos a prazo, o que era do conhecimento dos funcionários da agência do BPN, com os quais a Autora lidava e em quem esta confiava, sendo que se à Autora tivesse sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhe tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, a Autora não o teria adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que a Autora não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficou convencida de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, garantido e sem risco.

Esta declaração, para com esta Autora, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante a Autora, sua cliente, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos da Autora, enquanto investidora e cliente, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo da sua cliente, aqui Autora, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, sendo que no caso em apreço está adquirido facticidade que a sustenta; e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se a Autora, acaso tivesse sido informada das verdadeiras características do produto que adquiriram, a troco das entregas de dinheiro a que procedeu, se não o teria efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pela Autora, necessário se torna que esta demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado à Autora, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, a Autora não teria investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que a Autora não teria tomado a decisão de subscrever o produto financeiro se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que a Autora não teria tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra das obrigações subordinadas) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pela Autora.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.



III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de novembro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes