Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
Descritores: | RESERVA DE PROPRIEDADE NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA REGISTO PREDIAL CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO RENÚNCIA | ||
Nº do Documento: | SJ2006020239322 | ||
Data do Acordão: | 02/02/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4388/05 | ||
Data: | 06/21/2005 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Sumário : | I - A nomeação à penhora pelo beneficiário da reserva de propriedade do bem que é objecto dessa reserva implica a renúncia à mesma. II - Nada obsta a que se aplique à reserva de propriedade o regime de cancelamento das garantias reais do artº 824º do C. Civil. III - Assim, efectuado o registo definitivo da penhora, a execução deve prosseguir, sem que tenha de ficar suspensa até que o exequente obtenha o cancelamento da reserva de propriedade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" instaurou execução para o pagamento de determinada quantia contra B, C e D. Oportunamente, nomeou à penhora um veículo automóvel sobre o qual existia registo de reserva de propriedade inscrita a seu favor. De seguida, foi proferido despacho ordenando a suspensão dos termos da penhora, até que se mostrasse efectuado o cancelamento do indicado registo. Deste despacho foi interposto agravo, mas sem êxito. Agravou de novo o exequente, fundando-se na divergência de julgados. Nas suas alegações de recurso apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Sendo admissível que o detentor da reserva de propriedade nomeie à penhora o bem objecto dessa reserva, a ela assim renunciando, o facto da mesma se encontrar registada não obsta ao prosseguimento da execução. 2. Com efeito, de harmonia com o artº 824º do C. Civil e 888º do C. P. Civil, o tribunal deve oficiosamente ordenar o cancelamento de todos os registos que incidam sobre o bem penhorado. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II Apreciando Entende o acórdão em apreço que é possível nomear à penhora bem sobre o qual se detém uma reserva de propriedade, o que integra uma renúncia tácita do mesma. Nessa parte não põe o recorrente em causa a doutrina da decisão impugnada. Assim, temos como questão única a decidir, a de saber se pode ou não prosseguir uma penhora de veículo automóvel em execução em que é exequente a entidade a favor da qual se mostra feita uma reserva de propriedade, ou se é necessário que esta requeira o cancelamento de tal reserva. Considerou o Tribunal da Relação que o artº 824º do C. Civil só permite o cancelamento oficioso dos encargos que incidam sobre a coisa vendida em execução, se forem direitos reais de garantia ou direitos reais de gozo, estes últimos se o seu registo for posterior ao da penhora. Ora, a reserva de propriedade não se integra em nenhuma dessas categorias. Não é um direito real de garantia, apesar de ter em vista uma função de garantia e, por outro lado, o seu registo é anterior ao da penhora. Consequentemente, permitir que a execução prosseguisse, levaria a que, não podendo o juiz ordenar o cancelamento da dita reserva, o adquirente do bem tivesse de suportar na sua esfera jurídica esse ónus. Vejamos Coloca-se a questão da natureza jurídica da figura da reserva de propriedade prevista no artº 409º nº 1 do C Civil. Nos termos deste preceito o alienante pode reservar para si a propriedade da coisa alienada até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte, ou à verificação de qualquer outro evento. O direito de manter a propriedade da coisa, não pode ser confundido com a própria propriedade. Esta visa o desfrute da coisa pelo seu titular, aquele apenas a garantia das vantagens que o alienante da coisa pretende retirar da alienação. Para além de não se poder confundir com o direito de propriedade, não constitui qualquer outro direito real de gozo. No entanto, é manifesto que na sua estrutura jurídica constitui um poder imediato sobre uma coisa, ou seja, que para ser exercido não depende da conduta de outrem. Verificada objectivamente a condição de que depende, o seu titular mantém a propriedade. Ora um direito real é uma "situação activa de vantagem que, tendo por seu núcleo um poder jurídico inerente a certa coisa, faculta ao respectivo titular o aproveitamento, directo e exclusivo, das suas utilidades." - Penha Gonçalves Curso de Direitos Reais 2ª ed. 71 - . Donde se conclui pela semelhança da natureza jurídica da reserva de propriedade com a de um direito real. E esta semelhança só pode ser com a de um direito real de garantia. Pelo que, ao menos pela analogia, deve-lhe ser aplicado o regime do artº 824º do C. Civil, do cancelamento oficioso da sua inscrição registral. Aliás, no registo predial, tendo-se procedido ao registo da penhora como definitivo, reconheceu-se que nada obstava a que esta produzisse plenamente todos os seus efeitos jurídicos. Nomeadamente a venda judicial. Na verdade, o pedido de registo da penhora implica também ele uma renúncia tácita da reserva de propriedade, que os respectivos serviços acabaram por reconhecer, ao elaboraram o registo definitivo. Nada impede, pois, o prosseguimento da execução. Termos em que procede o recurso. Pelo exposto, acordam em dar provimento ao agravo, revogam o acórdão recorrido e ordenam o prosseguimento da execução. Sem custas neste tribunal e em 2ª instância. Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006 Bettencourt de Faria Pereira da Silva Rodrigues dos Santos |