Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2032/16.8T8STR.E1-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO CRIMINAL
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / PRESCRIÇÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotada, Vol. V, p. 141;
- Aníbal de Castro, A Caducidade, 2.ª ed., p. 49, 59 e 103;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª ed., Coimbra 1989, p. 596 ; Manual de Processo Civil, 1.ª ed., p. 671;
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, p. 430;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 299;
- Vaz Serra, BMJ, n.º 87, p. 38.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 498.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-03-2014, PROCESSO N.º 420/13.0TBMAI.P1.S1;
- DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1;
- DE 23-06-2016, PROCESSO N.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no artigo 498º, nº1 do Código Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.

II. O conhecimento do direito de indemnização do autor pelos danos que alega ter sofrido em consequência do processo crime contra ele instaurado, infundadamente, pela ré não depende do reconhecimento judicial da falta de fundamento dessa acusação, ou seja, do trânsito em julgado da sentença penal que julgou improcedente essa acusação, absolvendo o autor da prática do crime imputado, pelo que o prazo de prescrição de três anos estabelecido no artigo 498º, nº1 do C. Civil inicia-se a partir da data da notificação ao autor da acusação contra ele deduzida.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório

1. AA instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Fábrica do Santuário BB, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quanta de € 135.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido em consequência do processo crime que a ora ré instaurou contra o autor, imputando-lhe a prática de crimes de injúria e de difamação agravada.

2. Citada, a ré Fábrica do Santuário BB contestou, excecionando a sua ilegitimidade passiva e a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer na presente ação.

3. O autor respondeu, concluindo pela improcedência das invocadas exceções.

4. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as invocadas exceções de ilegitimidade e de prescrição.


5. Inconformada com esta decisão, na parte em julgou improcedentes as exceções de ilegitimidade e de prescrição, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão proferido em 28.02.2019, julgou improcedente a invocada exceção de ilegitimidade e decidiu julgar procedente a exceção de prescrição e, em consequência, absolver a Ré Fábrica do Santuário BBdo pedido.


6. Inconformado com este acórdão, o autor dele a interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1) O Recorrente intentou contra a Recorrida a presente ação cujo objeto do litígio centra-se na efetivação da responsabilização civil por facto ilícito, alegando o que supra se transcreveu;

2) A Recorrida contestou, tendo o Recorrente apresentado a sua resposta, alegando o que supra se transcreveu;

3) Foi proferido Despacho Saneador em que considerou a instância válida e regular, julgando improcedentes as exceções de ilegitimidade processual da Recorrida e de prescrição;

4) A Recorrida interpôs recurso do Despacho Saneador, tendo sido agora decidido, no Acórdão de que ora se recorre, o que supra se transcreveu;

5) Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão;

6) Da verificação dos pressupostos da admissibilidade da Revista: Não subsistem dúvidas que se encontram cumpridos os critérios da alçada e da sucumbência que admitem a interposição do presente recurso de revista;

7) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que, sucintamente, julgou procedente a exceção perentória da prescrição invocada em sede de recurso do Despacho Saneador de 21.02.2017, ao contrário do decidido pelo tribunal de 1ª instância;

8) Pelo disposto nos nº 1, do artigo 671º do NCPC e dispõe o disposto no nº 3, do artigo 671º do NCPC, o Acórdão ora recorrido não vem confirmar a decisão da 1ª instância, antes pelo contrário, veio decidir de forma divergente ao entendimento do tribunal a quo nos termos decisórios aí expressos e que aqui se dão por integralmente por reproduzidos para os devidos efeitos legais;

9) Inexistindo dupla conforme, deve o presente recurso ser admitido, o que, desde já e aqui, se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

10) Motivação: Salvo o devido respeito, que é muito, não poderá sufragar a apreciação jurídica realizada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora;

11) O entendimento patente no Acórdão recorrido conduz a soluções aberrantes, que põem em causa o bom funcionamento do sistema de justiça;

12) Sustenta o Venerando Tribunal que o prazo de prescrição de 3 anos para efeitos de prescrição deve contar-se a partir do conhecimento da acusação particular contra si deduzida pela ora Recorrida, o que, para além de não se compreender, é incoerente com o nosso sistema de Direito;

13) Pelo disposto no artigo 498º, n.º 1 do Código Civil, a expressão “conhecimento do direito” compreende o conhecimento do direito enquanto direito, ou seja, o conhecimento por parte do lesado de que se encontra juridicamente habilitado a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos causados;

14) Assim defende a melhor doutrina, nomeadamente Vaz Serra, que responde à questão relativa ao conhecimento em causa, afirmando que “quem não tem esse conhecimento – entenda-se, de que o direito à indemnização é juridicamente fundado – não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo”[1];

15) A razão da ilicitude dos atos que constituem a causa de pedir na presente ação reside no facto de o Autor/Recorrente não ter praticado os crimes de que foi acusado e pronunciado;

16) Só com o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo-crime é que ficou judicialmente reconhecido que o Autor/Recorrente não cometeu qualquer crime pelos factos por que foi acusado e pronunciado;

17) O direito à indemnização, porque tem um dos pressupostos que o Autor não cometeu os crimes por que foi acusado e pronunciado, só nasce com o reconhecimento judicial desses pressuposto, como parece claro;

18) Só com a decisão definitiva do processo que correu contra o Arguido, aqui Autor/Recorrente, se radicou na esfera deste o direito a ser indemnizado;

19) Além de não respeitar a lei, o entendimento postulado no Acórdão recorrido conduz a situações aberrantes, pois conduz a que quem se considerasse acusado ou pronunciado, tivesse de instaurar a competente ação de responsabilidade civil, antes ainda de a sua inocência ter sido declarada pelos Tribunais:

20) É que interpretar assim a lei conduz à situação verdadeiramente extraordinária de coexistirem dois Tribunais a estarem a discutir em simultâneo os mesmos factos e o mesmo direito: um deles (o Tribunal Criminal), a julgar o Arguido no processo-crime pelos factos da acusação e pronúncia; e o outro (o Tribunal Cível) a julgar se a Ré, ao deduzir acusação, é responsável civil pelos danos alegados na presente ação;

21) Tal solução redunda em injustiça e total incoerência, pois levaria a que todos os arguidos que se julgassem ilicitamente perseguidos tivesse de instaurar, à cautela, e na pendência do processo crime, acção de indemnização para a hipótese de virem a ser absolvidos;

22) O Acórdão recorrido defende uma interpretação da lei insustentável, defendendo uma multiplicação de processos, absurda e até atentatória da racionalidade que deve presidir à ação do Estado e da boa administração da Justiça, razão pela qual a interpretação da lei e aplicação do direito patente no Acórdão padece não só de ilegalidade, como também de inconstitucionalidade, em violação ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, ambos consagrados no artigo 20.º da nossa Lei Fundamental;

23) Deveria o Venerando Tribunal ter entendido improcedência da excepção da prescrição invocada pela Recorrida, confirmando a decisão do Tribunal a quo, a qual se traduz, salvo devido respeito, numa melhor aplicação do direito;

24) Tal como bem entendeu o Tribunal a quo, interpretando o disposto no artigo 498.º, «em termos hábeis», como preconizam Pires de Lima e Antunes Varela, início do prazo de prescrição ocorre no momento em que transita em julgado a decisão que absolve o Arguido, isto, porque não será juridicamente defensável a tese de que o autor, ao demandar a ré apenas após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 18.06.2014, tenha agido de forma negligente, considerando injustamente uma qualquer negligência censurável e sancionada com a prescrição do direito que invoca;

25) Tal como se afirmou no Despacho Saneador do Tribunal a quo, a única solução legal, para ser “justa e juridicamente fundada” será a que entende que o início do prazo de prescrição ocorre no momento em que transita em julgado a decisão que absolve o Arguido;

26) Como podia o Autor/Recorrente [arguido no processo-crime n.º 685/11.5TAVNO] intentar acção de responsabilidade civil contra a Ré/Recorrida se esta poderia vir a obter ganho de causa em tal processo-crime?;

27) Só com o trânsito em julgado da decisão que absolveu o Autor/Recorrente, quer do crime que lhe era imputado, quer do pedido cível contra si deduzido, o mesmo ficou ciente da sem razão da Ré/Recorrida ao apresentar contra si a queixa-crime por alegados atos difamatórios e atentatórios da sua (dela, Ré/Recorrida) honra e consideração;

28) Só com aquele trânsito em julgado podia o Autor/Recorrente intentar acção de responsabilidade civil por factos ilícitos contra a Ré/Recorrida pedindo a condenação da mesma em indemnização por danos morais e patrimoniais, pois só nessa data tomou conhecimento do direito que lhe assiste;

29) “Só após o trânsito em julgado da referida decisão, ficou o autor em condições de demandar a ré invocando danos que alegadamente o processo – crime lhe acarretou. Pois se se mantivesse a condenação do autor em primeira instância, haveria fundamento para intentar a presente acção de responsabilidade civil por factos ilícitos? Obviamente que não.” – vide Despacho Saneador de 21.02.2017, constante dos autos;

30) Urge ainda denotar dois paradoxos da Ré, um, desde logo, relevado pelo Tribunal a quo no seu Despacho Saneador;

31) É que “salvo todo o respeito devido, a arguição pela ré da prescrição do direito que o autor pretende fazer valer assenta num paradoxo, na medida em que lhe imputa uma conduta alegadamente negligente pelo facto de não a ter demandado durante o decurso do processo-crime quando é a própria que lhe imputa no referido processo condutas criminais e ilícitas”;

32) Sendo certo que um segundo paradoxo sucedeu na invocação da exceção da ilegitimidade – a qual foi julgada improcedente –, uma vez tinha legitimidade para iniciar o processo-crime, mas nos presentes autos já não teria legitimidade para intervir nos autos, nomeadamente para contestar. Não se compreende;

33) Não se considere também que o conhecimento do dano, em si mesmo, determina o início da prescrição, pois o mesmo consiste tal conhecimento consiste não em restringir o sentido da expressão “conhecimento do direito”, mas sim em superá-la, visto que se reporta a uma realidade que, isoladamente considerada, não permite ajuizar acerca da existência do direito;

34) Os factos em que se alicerça o Acórdão recorrido são insuficientes para julgar verificada a prescrição. Na verdade, não basta saber a data da Acusação para se poder concluir que, logo nessa data, o Autor/Recorrente teve conhecimento do direito e, portanto, que se iniciou o prazo prescricional, nos termos do artigo 498º/1 do CC;

35) O Acórdão recorrido assenta a sua decisão no Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 02.07.2009, Processo n.º 387/08-6, quando na verdade o referido Acórdão delibera sobre a necessidade do lesado ter (ou não) conhecimento do quantum de indemnização para instaurar a ação de responsabilidade civil, matéria que não releva para o caso sub judice;

36) O Acórdão recorrido viola valores e princípios de certeza, segurança, economia e celeridade processuais, bem como o manifesto interesse público, de evitar contradição de julgados, prejudicando, consequentemente, a justa e célere composição do litígio e à defesa da coerência e do prestígio dos tribunais, que impõem que o prazo prescricional apenas comece a correr a partir do trânsito em julgado da Sentença penal;

37) Assim também entende a melhor jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.01.2007, disponível em www.dgsi.pt;

38) Tal Venerando Tribunal vem melhor aplicar o direito ao entender que só a partir do momento que se mostram processualmente infundadas a acusação e a pronúncia é que inicia o prazo de prescrição em causa;

39) Só nesse momento se pode rigorosamente dizer que o invocante da lesão adquiriu, formalmente, o direito que se propõe exercer, pois que, ainda que academicamente ou em tese geral, seja admissível que um condenado por sentença criminal transitada, possa requerer indemnização com fundamento em acusação e pronúncia indevidas, tal direito, por via de regra e em termos lógicos e da experiência e senso comuns, apenas deve ser concedido no caso de absolvição;

40) Só nesse momento se encontra suficientemente definida e esclarecida toda a situação que sufraga o pedido da presente ação cível, o que acarreta mais certeza e mais segurança;

41) “Com o inerente facilitar da produção da prova e da apreciação desta e de todo o circunstancialismo envolvente da situação – do que advém maior celeridade e economia com melhor uso e racionalização dos meios materiais e humanos disponíveis. E só neste momento se evita ou minimiza o perigo de dois tribunais de jurisdições diversas e com apreciação de prova normalmente diferenciada, decidirem quanto a questões análogas, total ou parcialmente, de um modo inconsequente, incoerente ou, até, antagónico. ” – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.01.2007, supra referido;

42) Também neste sentido, vide ainda Acórdão do STJ de 21.03.2006, Processo 06A411, disponível em www.dgsi.pt, considerando que “aquele prazo só se verifica a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida”;

43) No Código Civil italiano prescreve-se, no seu artigo 2947 para hipótese similar: "Il diritto al risarcimento del danno derivante da fatto illecito si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il fatto si è verificato". Confrontando os dois preceitos, verifica-se que o Codice Civile manda contar o prazo a partir de um momento de determinação objectivamente fácil, o da ocorrência do facto, mas, por outro lado, estabelece um prazo de prescrição curta mais longo que no direito português;

44) Normalmente o conhecimento dos elementos constitutivos do direito coincide com a data do próprio facto de onde o drástico encurtamento do prazo no direito português deve logicamente corresponder à possibilidade de retardamento do início da contagem do prazo;

45) O parágrafo 852, alínea 1, do Código Civil alemão dispõe, também para caso idêntico: "A pretensão de indemnização do dano resultante de um acto ilícito prescreve em três anos a contar do momento em que o lesado obtém conhecimento do dano e da pessoa do obrigado a indemnização, e, sem atenção a este conhecimento, em trinta anos a contar da prática do acto" (Cfr. A. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, página 301);

46) Interpretando este preceito legal, Heck escreveu que "quem não sabe que existe um dever de indemnização não pode saber que alguém é responsável" (Cfr. A. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, página 301). Quer dizer que, perante o direito alemão (que terá sido fonte do preceito sob interpretação) o prazo de prescrição não se inicia sem que o autor saiba que o réu tem o dever de o indemnizar;

47) Esta linha de raciocínio vale inteiramente para o direito português perante a expressão legal "conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável";

48) Deverá o Acórdão recorrido ser revogado, o que se requer, com todas as consequências daí resultantes, o que se requer;

49) É sobre a Ré, que invoca a prescrição, que, face ao disposto no artigo 343º, nº 2 CC, impende o ónus da prova de aquele prazo já ter decorrido – vide Acórdão do STJ de 04/10/2007, Proc. 07B2721, ónus esse que não foi cumprido pela Recorrida, pelo que, também por esse motivo, deverá o Acórdão recorrido ser revogado, bem como a Sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, o que se requer, com todas as consequências daí resultantes;

50) No Acórdão recorrido não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo o Acórdão recorrido de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, nulidade que aqui se invoca, com todos os efeitos legais;

51) Depois de uma aprofundada análise dos argumentos expostos em supra, que este Venerando Tribunal irá revogar tal Acórdão nos termos que acima se deixaram requeridos;

52) Lendo, atentamente, o Acórdão recorrido, verifica-se que não se indica nele factos concretos verdadeiramente suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão do Recorrente e neste caso em concreto, no Acórdão recorrido não fundamentou de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento;

53) O direito do Recorrente é um direito legal e constitucional, conforme o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615º do Código do Processo Civil;

54) O Acórdão recorrida viola o disposto no artigo 205º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”;

55) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;

56) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;

57) A decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13º e 20º;

58) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” e neste caso essa circunstância não se verifica;

59) O Tribunal com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos do Recorrente, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

60) Mesmo que assim se não entenda, o Acórdão recorrido tem de ser Revogado, porque não está devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”;

61) E, nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”, cometendo, pois, uma nulidade, pelo que se impõe a Revogação do Acórdão recorrido;

62) Impõe-se, pois, a Revogação do Acórdão recorrido».


7. A ré não respondeu.


8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[2].


Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se:


1ª- está prescrito o direito de indemnização exercitado pelo autor;


2ª- o acórdão recorrido padece das nulidades previstas no art. 615º, nº1, als. c) e d) do CPC.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto.


As instâncias consideraram provados os seguintes Factos:

1. A ora ré “Fábrica do Santuário BB” intentou contra a Câmara Municipal de … ação declarativa que correu termos sob o n.º 1326/11.3 TBVNO.

2. A Câmara Municipal de … constituiu o ora autor seu Mandatário, que contestou a ação.

3. Perante tal contestação, a ora ré apresentou queixa - crime que deu origem ao processo - crime n.º 685/11.5 TAVNO, no qual foi constituído arguido o ora autor.

4. Contra o ora autor foi deduzida acusação particular, que foi acompanhada pelo Ministério Público.

5. O ora autor requereu a abertura da instrução, em 29 de março de 2012, tendo sido pronunciado pelos factos e qualificação jurídica constantes da acusação particular deduzida pela assistente, a ora ré.

6. O autor foi submetido a julgamento e condenado, em primeira instância, pela seguinte forma:

a) Na pena de 130 dias de multa à taxa diária de € 30,00 pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187.º do Código Penal;

b) No pagamento da quantia de € 3 000,00 a título de danos morais e a entregar a instituições de solidariedade social do concelho de Ourém, a saber:

- a quantia de € 1 000,00 (mil euros) a favor do CRI… – Centro de Recuperação Infantil de …;

- a quantia de € 1 000,00 (mil euros) a favor do CRI… – Centro de recuperação Infantil de …;

- a quantia de € 1 000,00 (mil euros) a favor do centro de Apoio a Deficientes Profundos … em ….

7. Não conformado com esta decisão, o Autor recorreu e apresentou as suas alegações para o Tribunal da Relação de Coimbra.

8. Por acórdão proferido em 18.06.2014, transitado em julgado em 01 de setembro de 2014, o autor foi absolvido do crime pelo qual foi condenado em primeira instância, assim como do pedido cível contra si formulado.



***



3.2. Fundamentação de direito


3.2.1. Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, fundamentalmente, com a questão de saber se está prescrito o direito de indemnização exercitado pelo autor.



*



Antes, porém, de entrarmos na apreciação desta questão, importa, em desenvolvimento dos factos descritos sob o ponto 3.1 e ao abrigo do preceituado no art. 607º, nº 4, 2ª parte, aplicável por via do disposto no art. 663º, nº 2 e 679º do CPC, aditar a seguinte factualidade, resultante dos elementos constantes dos autos:


9. Na acusação particular deduzida pela ora ré, na qualidade de assistente, contra o arguido e ora autor, foi imputada a este a prática de um crime de crime de difamação e de um crime de injúria, agravados, p. e p. pelos arts. 180º, 182º e 184º, do Código Penal.


10. Em sede de audiência de julgamento, procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, passando a imputar-se ao arguido a prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º do Código Penal.

   

11. O Acórdão da Relação de Coimbra referido no ponto 8, absolveu o arguido da prática do crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo art. 187º do Código Penal, por considerar que as afirmações a ele imputadas e constantes da contestação da ação nº 1326/11.3TBVNO para além de terem sido feitos no âmbito do patrocínio judiciário e com o ânimo de defender o seu constituinte, não integravam a tipicidade de qualquer crime, designadamente o imputado pela assistente.

12. A presente ação foi instaurada em 28.07.2016.



*



Ante esta factualidade bem como dos demais factos dados como provados e supra descritos no ponto 3.1 e resultando da petição inicial que o autor fundamentou o pedido de condenação da ré no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais para ele resultantes da prática pela ré de facto ilícito – apresentação de queixa crime e dedução de acusação contra ele por conduta que não tipificava qualquer ilícito criminal - e violador da sua honra e reputação, estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual (art. 483º, nº1 do C. Civil), pelo que, tal como decidiram as instâncias, termos por certo estar o direito de indemnização exercitado pelo autor sujeito ao regime de prescrição previsto no art. 498º do C. Civil, o qual estabelece que «o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integra dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso ».   

E porque, como refere Aníbal de Castro, a prescrição constitui uma limitação da exigibilidade de um direito preexistente, paralisando um direito exigível por insatisfeito[3], por tal modo que o beneficiário dela tem, de harmonia com o disposto no art. 304º, nº1 do C. Civil, a faculdade de recusar a prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, bem se compreende a importância de se determinar o momento a partir do qual se inicia o referido prazo de prescrição de três anos, o que, no caso dos autos, nos coloca perante a necessidade de determinar, em face da factualidade apurada e supra descrita no ponto 3.1 (factos descritos sob os nºs 1 a 8) e no ponto 3.2 (factos descritos sob os nºs 9 a 12), o momento em que o autor teve «conhecimento do direito que lhe compete».

  

No sentido de que a contagem de tal prazo prescricional inicia-se em 01.09.2014, data do trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 18.06.2014 no processo crime nº 685/11.5TAVNO e que absolveu o ora autor da prática do crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º do Código Penal bem como do pedido de indemnização civil contra si formulado pela ora ré e em que havia sido condenado pelo Tribunal de 1ª Instância, pronunciou-se a sentença do Tribunal de 1ª Instância, com o fundamento de que só a partir desta data ficou o autor «ciente da sem razão da ré ao apresentar contra si a queixa-crime por alegados atos difamatórios e atentatórios da sua (dela, ré) honra e consideração. Só com aquele trânsito em julgado podia o autor intentar ação de responsabilidade civil por factos ilícitos contra a ré pedindo a condenação da mesma em indemnização por danos morais e patrimoniais, pois só nessa data tomou conhecimento do direito que lhe assiste. Só após o trânsito em julgado da referida decisão, ficou o autor em condições de demandar a ré invocando danos que alegadamente o processo – crime lhe acarretou», pois se se mantivesse a condenação do autor em primeira instância, não haveria fundamento para intentar a presente ação de responsabilidade civil por factos ilícitos.

E com base nesta fundamentação, julgou improcedente a invocada exceção de prescrição, posto que, à data da propositura da presente ação (28.07.2016), ainda não se mostrava decorrido o mencionado prazo de três anos previsto no art. 498, nº 1 do C. Civil.   


Diferentemente, entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que «o conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos que ocorreram por virtude de certo facto ou atuação, não necessitando o lesado de saber o quantum de indemnização a que tem direito. O essencial é que saiba que tem direito a indemnização pela ocorrência, verificação e concretização – na sua perspetiva e independentemente da razão que lhe possa, ou, não vir a assistir – dos pressupostos fácticos que subjazem ao prejuízo e que fundamentam a responsabilidade.».

Mais afirmou que «Pese embora a presente ação tenha uma relação com o processo crime n.º 1326/11.3TBVNO na medida em que os danos invocados pelo autor/recorrido decorrem do mesmo, a decisão de mérito que venha a ser proferida na ação de indemnização não depende de uma absolvição do tribunal penal sobre o crime que era imputado ao autor/recorrido, tal como a decisão de absolvição penal não implica necessariamente um juízo de ilicitude da conduta da ré, em sede de responsabilidade civil extracontratual».

Assim, tendo em conta resultar dos autos que:

«1 – A ré/recorrente apresentou uma queixa-crime contra o autor/recorrido nos Serviços do Ministério Público de …, o qual deu origem ao processo-crime n.º 658/11.5TAVNO.

2 - No processo crime supra referido, a ré constitui-se assistente, deduziu acusação particular e deduziu pedido de indemnização cível, tendo o Ministério Público acompanhado a acusação particular.

3 – O autor/recorrido foi notificado da acusação e requereu a abertura da instrução.

4 - Foi proferida decisão instrutória, em 10.08.2012, que pronunciou o autor/recorrido pela prática dos factos e com a qualificação jurídica vertida na acusação particular.

5 – Em 14 de dezembro de 2012, o autor/recorrido apresentou a sua contestação.

6 - A presente ação foi instaurada em 28.07.2016», considerou que «o autor/recorrido teve conhecimento da acusação particular contra si deduzida pela ré/recorrente em data não apurada mas anterior a 10.08.2012 (data em que foi proferida decisão instrutória)» e que «pelo menos desde agosto de 2012, que o autor/recorrido teve conhecimento do direito que lhe assistia pois nessa data já havia sido deduzida acusação particular pela ré/recorrente», concluindo, por isso, que «o direito de indemnização invocado pelo autor/recorrido já se encontrava prescrito quando a ré foi citada para a presente ação, o que ocorreu no ano de 2016».


Deste entendimento dissente o recorrente, corroborando a orientação seguida pelo Tribunal de 1ª Instância e pugnando pela repristinação da decisão proferida por este tribunal.


Vejamos, então, quando é que o lesado tem conhecimento «do direito que lhe compete».


Segundo Vaz Serra[4], o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao factor da segurança jurídica.

No mesmo sentido afirma Menezes Cordeiro[5] que o prazo especialmente curto visa, por um lado, por rapidamente cobro a situações de insegurança que é representado pela existência  de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvidas quanto à realização e, por outro, incitar os lesados à realização pronta dos seus direitos.

De salientar, tal como nos dá conta o Acórdão do STJ, de 20.03.2014 (processo nº 420/13.0TBMAI.P1.S1)[6], ante o disposto nos arts. 306º e 307º do C. Civil,  que «na prescrição, o prazo reflete o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com exigibilidade, do crédito», concluindo que «o prazo prescricional deve começar a correr no momento em que o direito, exigível, pode ser exercido ».

Com efeito, como refere Vaz Serra[7], «o tempo legal da prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito», não sendo de aceitar uma solução que faça «correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito», sublinhando que o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objetiva, no aspeto jurídico - e não de mero facto -  das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (« impedimentos de natureza jurídica») que impeçam o exercício  do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição.

Ainda sobre esta problemática, escreveu este mesmo Professor[8] que «o prazo de prescrição a que se refere o nº1 do art. 498º do C. Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respectivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento», salientando que «não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei: se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição de curto prazo» , acrescentando mais adiante « Se ele (lesado) tendo embora conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, ignora o seu direito de indemnização, seria violento que a lei estabelecesse um prazo curto para exercício desse direito e declarasse este prescrito  com o decurso de tal prazo».

Neste mesmo sentido, refere Antunes Varela[9], que o lesado tem conhecimento do seu direito quando conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.

E afirma Rodrigues Bastos[10], que o prazo de prescrição inicia-se «com o conhecimento, por parte do lesado …. da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir», concluindo que «o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele».      

Daí que com base nestes ensinamentos seja de concluir, que, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no art. 498º, nº1 do C Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.      

Sendo assim e porque no caso dos autos, a causa de pedir invocada pelo autor radica na conduta da ré consubstanciada na dedução infundada de acusação crime contra ele, violadora da sua honra e reputação e geradora de danos patrimoniais e não patrimoniais, temos por certo que os pressupostos da responsabilidade civil em que o autor/lesado assenta o seu pedido de indemnização tornaram-se do seu conhecimento na data em que foi notificado daquela acusação.

Isto porque é a partir deste momento que o autor, invocante da lesão do direito à honra e consideração, adquire, formalmente, o direito que se propõe exercer, não existindo qualquer impedimento legal à formulação de pedido de indemnização com fundamento em acusação indevida, pelo que, conhecida apenas a data em que, no processo crime foi proferida decisão instrutória (10.08.2012), tal como considerou o acórdão recorrido, impõe-se concluir, que, no caso dos autos, o prazo prescricional de três anos a que alude o nº1 do art. 498º do C. Civil começa a correr «pelo menos desde agosto de 2012».

E nem se diga, como o fez o Tribunal de 1ª Instância e defende o recorrente, que o referido prazo apenas começa a correr a partir do trânsito em julgado do citado acórdão penal absolutório, por só a partir desta data (01.09.2014) ficou o autor «ciente da sem razão da ré ao apresentar contra si a queixa-crime».

É que, como e afirma no Acórdão do STJ, de 23.06.2016 (processo nº 54/14.2TBCMN-B.G1.S1) [11], «o lesado tem o ónus de agir judicialmente a partir da sua percepção dos pressupostos  da responsabilidade civil. Nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente. A ilicitude do agente constitui um dos diversos pressupostos do direito de indemnização e, por isso, faz todo o sentido que seja apreciado no âmbito da acção em que seja reclamado o ressarcimento dos danos imputados a uma conduta ilícita do agente».

Quer tudo isto dizer, no caso dos autos, que o conhecimento do direito de indemnização do autor pelos danos decorrentes do processo crime contra ele instaurado pela ré, não depende do reconhecimento judicial da falta de fundamento dessa acusação, ou seja, do trânsito em julgado da sentença penal que julgou improcedente essa acusação, absolvendo o autor da prática do crime imputado, pelo que o prazo de prescrição de três anos estabelecido no art. 498º, nº1 do C. Civil iniciou-se a partir da data de notificação ao autor da acusação contra ele formulada, o que ocorreu, pelo menos, em agosto de 2012.

Assim sendo e porque a presente ação foi instaurada apenas em 28.07.2016, nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao decidir que, nesta data, já se encontrava prescrito o direito que o autor pretende exercitar.  


3.2.2. Nulidades do acórdão


Finalmente, sustenta o recorrente padecer o acórdão recorrido das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b), c) e d) do CPC, quer por não estar suficientemente fundamentado, quer por não ter procedido a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos nem ter efetuado uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis violando, também, por isso os arts. 205º, 204º, 202º, nº 2, 20º e 13º da CRP. 


Vejamos


Segundo o citado art. 615º, aplicável por força do art. 666º, ambos do CPC, é nulo o acórdão quando:

«quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» [( al. b) ];

«Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» [( al. c) ];

«Quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento » [( al. d) ].


A nulidade prevista na citada alínea b) corresponde à omissão de cumprimento do dever contido no art. 205º, nº 1 da CRP que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão.

E, tal como é jurisprudência pacífica[12], traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada.

Assim, ocorre falta de fundamentação de direito quando não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.

E ocorre falta de fundamentação de facto, quando o juiz omite totalmente a especificação de todos os factos que julgue provados[13].

Ora, basta ler o acórdão recorrido para facilmente se constatar não ocorrer tal falta de motivação, carecendo de fundamento legal a invocada nulidade bem como a alegada violação do disposto nos arts. 205º, nº1, 204º, 202º, nº 2, 20º e 13º, todos da CRP.


Por outro lado e no que concerne à causa de nulidade prevista na c) do nº 1 do citado art. 615º, vem a doutrina e a jurisprudência entendendo, sem controvérsia, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão.

No dizer de Alberto dos Reis[14] e de Antunes Varela[15], trata-se de um vício que ocorre quando os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da que vem expressa na sentença.

Dito de outro modo e na expressão do Acórdão do STJ, de 02.06.2016 (proc nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1), «radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso».

Ou seja, refere-se a um vício lógico na construção da sentença: o juiz raciocina de modo a dar a entender que vai atingir certa conclusão lógica (fundamentos), mas depois emite uma conclusão (decisão) diversa da esperada.

Ora, nada disto acontece no caso dos autos e nem é a esta realidade que o recorrente pretende aludir.

Na verdade, entende o recorrente, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, que inexiste fundamento legal para considerar prescrito o direito que pretende exercitar através da presente ação.

Mas, se assim é, evidente se torna que não está a por em causa a regularidade intrínseca do acórdão recorrido, antes o seu mérito.

Acresce não ter o recorrente caracterizado qualquer situação evidenciadora da nulidade prevista na al. c) do nº1 do citado art. 615º, carecendo, por isso, de qualquer fundamento as apontadas nulidades.

E também não se vislumbra que a decisão recorrida viole o disposto nos arts. 205º, 204º, 202º, nº 2, 20º e 13º da CRP. 

Termos em que improcedem todas as razões invocadas pelo recorrente.

 


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.



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Supremo Tribunal de Justiça, 12 de setembro de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vaz Serra, “Prescrição do direito de indemnização”, págs. 43-45, “a razão da prescrição de curto prazo é obrigar à apreciação breve dos créditos de indemnização quando o prejudicado pode fazê-los apreciar”.
[2] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[3] In, “ A Caducidade”, 2ª ed. , págs. 49, 59 e 103.
[4] In BMJ, nº 87, pág. 38.
[5] In “Direito das Obrigações”, Vol. II, pág. 430.
[6] Acessível in www dgsi,pt/stj.
[7] “Prescrição e Caducidade”, in BMJ, nº 105, págs. 190, 193 e 194.
[8] Em anotação ao Acórdão do STJ de 27.11.1973, in RLJ, ano 107, pág. 296.
[9] In “ Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 6ª ed., Coimbra 1989, pág. 596.
[10] In “Notas ao Código Civil”, Vol. II, pág. 299.
[11] Acessível in www dgsi,pt/stj.
[12] Neste sentido, vide, entre muitos outros,  Acs.. do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in, BMJ, n.º 235, pág. 152. 
[13] Neste senti, cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e atualizada, pág. 688. 
[14] In, “Código de Processo Civil, Anotada”, vol. V, pág. 141.
[15] In, “Manual de Processo Civil”, 1ª ed. ,pág. 671.