Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1456/20.0T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATÍDE DAS NEVES
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
CÔNJUGE SOBREVIVO
REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
SUB-ROGAÇÃO
SEGURADORA
SUBSÍDIO POR MORTE
FUNÇÃO PÚBLICA
PENSÃO DE REFORMA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - O sistema de protecção social de cidadania tem por objectivos garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão sociais (art. 26º da Lei nº 4/2007 de 16/11 - da Lei de Bases da Segurança Social - Lei de Bases da Segurança Social), enquanto o sistema complementar “compreende um regime público de capitalização e regimes complementares de iniciativa colectiva e de iniciativa individual” (art. 81º nº 1 do mesmo diploma legal). Por sua vez, para o que ora releva, “o sistema previdencial visa garantir, assente no princípio de solidariedade de base profissional, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas” (art. 50º do mesmo diploma).

II - Decorre expressamente do disposto no art. 53º da Lei de Bases da Segurança Social, “o sistema previdencial abrange o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51º”.

III - No âmbito da concretização do direito à segurança social de todos os trabalhadores, veio a ser aprovada a Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, que define a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas e que estabelece os termos do regime de proteção social convergente (RPSC), assumindo-se este como um regime especial nos termos e para os efeitos do disposto no citado art. 51º nº 2 da Lei de Bases da Segurança Social.

IV - Nos termos da referida lei, foi determinada a integração no regime geral de segurança social de todos os trabalhadores cuja relação jurídica de emprego público tenha sido constituída após 1 de janeiro de 2006 e bem assim a manutenção dos trabalhadores que, àquela data, nele se encontravam inscritos. Quanto aos trabalhadores que até 31 de dezembro de 2005 se encontravam abrangidos pelo denominado regime de protecção social da função pública, isto é, inscritos na Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA), foi criado o regime de protecção social convergente (RPSC).

V - A organização do RPSC mantém, no essencial, a do anterior regime de proteção social da função pública, ou seja, continua a ser o empregador (os órgãos e serviços) a assumir as responsabilidades e as competências da concretização do direito da proteção social, sendo que cabe à Caixa Geral de Aposentações, IP, a gestão das pensões.

VI - A Lei n.º 4/2009 define de forma clara e inequívoca essas responsabilidades e competências, todavia, este regime de protecção social convergente, tal como é assumido expressamente pelo legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9-04 (que veio regulamentar a referida Lei n.º 4/2009, no que respeita à proteção da parentalidade), deve ser “inequivocamente enquadrado no sistema de segurança social, com respeito pelos seus princípios, conceitos, objectivos e condições gerais, bem como os específicos do seu sistema previdencial, visando, num plano de igualdade, uma protecção efectiva e integrada em todas as eventualidades.”

VII - Aí se acrescenta que “O regime de protecção social convergente possui, assim, uma disciplina jurídica idêntica à do regime geral de segurança social no que se refere à regulamentação da protecção nas diferentes eventualidades, designadamente quanto aos respectivos objectos, objectivos, natureza, condições gerais e específicas, regras de cálculo dos montantes e outras condições de atribuição das prestações. Por razões de aproveitamento de meios, foi mantido o modelo de organização e gestão actualmente existente, bem como o sistema de financiamento próprio, não resultando, no entanto, qualquer aumento da taxa das quotizações presentemente aplicável aos trabalhadores nele integrados.”.

VIII - Confirmando o desígnio do legislador vertido no preâmbulo acabado de citar, o art. 2.º da referida Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, que dispõe expressamente que “A protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas enquadra-se no sistema de segurança social, aprovado pela lei de bases da segurança social, adiante designada por lei de bases.

IX - Conforme estabelece o art. 6.º da mesma Lei “A protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas concretiza-se pela integração: - a) No regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, adiante designado por regime geral de segurança social; - b) No regime de protecção social convergente, definido pela presente lei, que enquadra os trabalhadores numa organização e sistema de financiamento próprios, com regulamentação de todas as eventualidades, quanto ao âmbito material, regras de formação de direitos e de atribuição das prestações, incluindo o cálculo dos respectivos montantes, em convergência com o regime geral de segurança social.”.

X - Por sua vez, nos termos do art. 17.º da Lei n.º 4/2009: “1 - Ao regime de protecção social convergente aplicam-se os princípios gerais constantes da lei de bases.; 2 - Ao regime de protecção social convergente aplicam-se ainda os princípios e restantes disposições referentes ao sistema previdencial, constantes designadamente dos capítulos iii, iv e vi da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, sem prejuízo das necessárias adaptações decorrentes da sua organização e sistema de financiamento próprios.”.

XI - Da conjugação dos preceitos legais referidos nos pontos anteriores, resulta que foi vontade do legislador, ao abrigo de uma pretendida similitude gradual de regimes, que ao regime da proteção social convergente se aplicassem, para além dos princípios gerais da lei de bases da segurança social, as disposições referentes ao sistema previdencial constantes dos capítulos iii, iv e v da mesma lei, sendo que o capítulo iv integra, em si, o art. 70.º acima citado (com a epígrafe Responsabilidade Civil de Terceiros) e objeto concreto de análise nestes autos.

XII - O art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro dirige-se especificamente, e no plural, às “instituições de segurança social” e não ao Instituto da Segurança Social, nem a um conceito fechado de “Segurança Social”, enquanto sistema individualmente considerado e diferenciado dos demais sistemas ou subsistemas da segurança social, designadamente dos sistemas especiais de protecção social.

XIII - A utilização da referida expressão, necessariamente abrangente, não pode senão significar que o legislador pretendeu afinal aí incluir todas as instituições que formalmente desempenham as funções adstritas aos diferentes sistemas, subsistemas e regimes de segurança social, tal como legalmente previstos.

XIV - A Caixa Geral de Aposentações deve ser considerada como uma “instituição de segurança social” para efeitos do art. 70.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro, sendo certo que é ela mesma a entidade responsável pela gestão do sistema especial de proteção social convergente, tal como previsto na Lei n.º 4/2009, de 28 de janeiro.

XV - A pensão de sobrevivência abonada pela Caixa Geral de Aposentações, tal como a que é paga pela Segurança Social, visa compensar os familiares do falecido pela perda de rendimento determinada pela morte deste, assim como a pensão de sobrevivência reconhecida pela Segurança Social, exactamente como a que é reconhecida pela CGA, é atribuída como contrapartida dos descontos que em vida foram efectuados pelo falecido, sendo calculada em função da pensão de reforma a que este teria direito e extinguindo-se por causas previstas na lei.

Decisão Texto Integral:


AA, BB e CC instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A., agora designada Generali Seguros, S.A.

Invocaram serem, respectivamente, esposa e filhos de DD, que foi atropelado por um veículo seguro na ré, quando atravessava a rua, sendo que, em consequência desse atropelamento, ocorrido por culpa do condutor do veículo seguro na ré, sobreveio a sua morte.

Antes de falecer, DD teve sofrimentos.

Os autores também tiveram sofrimentos com a morte daquele.

Por força do referido óbito, ocorreu também uma perda de rendimentos de € 13.441,08 anuais.

Terminam pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes o montante de € 365.989,72, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

A Ré contestou, invocando a violação do princípio da adesão e a ilegitimidade dos autores, no mais impugnando parte da factualidade invocada pelos autores, imputando o sinistro a culpa da vítima.

A Caixa Geral de Aposentações deduziu pedido de reembolso contra a ré, invocando ter pago à viúva do sinistrado, beneficiário da CGA, a quantia de € 70.214,03, até Janeiro de 2020, a título de pensões de sobrevivência por morte do marido; assim como lhe pagou € 1.263,96 a título de subsídio por morte.

Termina pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de € 70.214,03 e de € 1.263,96, acrescidas das prestações que se vencessem e fossem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Contestou a ré Generali Seguros, S.A., alegando a inexistência do direito da CGA, por não estar o mesmo legalmente consagrado, mais invocando a prescrição do direito exercido pela CGA. Impugnou a factualidade invocada pela CGA.

Notificada a CGA para, em 10 dias, se pronunciar sobre as excepções invocadas pela ré seguradora, não o fez.

Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual, designadamente, se julgou improcedente a excepção de violação do princípio da adesão/incompetência, assim como a excepção de ilegitimidade activa, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida SENTENÇA que:

a)   julgou improcedente o pedido de reembolso formulado pela Caixa Geral de Aposentações contra a ré, absolvendo-a do pedido;

b)   julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar aos autores a quantia total de € 54.718,82 (cinquenta e quatro mil setecentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo a R. do demais peticionado.”

APELAÇÃO

Inconformadas com esta decisão, todas as partes interpuseram recurso de apelação sendo que a Ré Seguradora o fez subordinadamente (art. 633º CPC), para o Tribunal da Relação de Guimarães, vindo a ser proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar os recursos totalmente improcedentes e confirma, com excepção da referida alteração na matéria de facto provada, a sentença recorrida”.

REVISTA

Inconformada com esta decisão, dela veio interpor recurso de revista A Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA), “a processar como agravo, em separado, com subida imediata e efeito devolutivo, nos termos dos artigos 672º e 675º do Código do Processo Civil.

Oferecendo as suas conclusões, que culminam com as seguintes conclusões:

1ª A questão de saber se o disposto no artigo 72º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, e no nº1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, abrange ou não a Caixa Geral de Aposentações assume uma relevância jurídica permissiva da revista excepcional.

2ª Trata-se de uma matéria que exige a análise de legislação de direito administrativo - principais diplomas que definem a estrutura do sistema de segurança social português – por forma a resolver uma questão que, com muita frequência, se coloca e colocará na jurisdição civil.

3ª É essencial a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça a fim de se determinar, com certeza e credibilidade, se a CGA pode, com fundamento no artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, e no artigo 4º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, deduzir pedido de reembolso das prestações por si pagas (pensões de sobrevivência e aposentações por incapacidade).

4ª Com fundamento no disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, o presente recurso deve ser admitido.

5ª Admitida a revista, deve proceder o recurso.

6ª A Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, estabelece as bases gerais do sistema de segurança social, determinando que o mesmo é composto pelo sistema de protecção social da cidadania, pelo sistema previdencial e pelo sistema complementar.

7ª O artigo 53º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, determina que o sistema previdencial do sistema de segurança social português integra, por sua vez, o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º

8ª O regime de protecção social da função pública gerido pela Caixa Geral de Aposentações, previsto na Lei nº 4/2009, de 28 de Janeiro, é um dos regimes especiais que integra o sistema previdencial do sistema de segurança social. Por conseguinte encontra-se abrangido pela Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro.

9ª Efectivamente, a Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro, diploma que define o regime de protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas (gerido pela CGA), determina no seu artigo 2º que “A protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas enquadra-se no sistema de segurança social, aprovado pela lei de bases da segurança social.”

10ª Por outro lado, o nº 2 do artigo 17º da Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro, expressamente determina que ao regime de protecção social convergente – aquele que a CGA gere –, para além dos princípios gerais da lei de bases (Lei nº 4/2007), se aplicam as disposições referentes ao sistema previdencial constantes nos capítulos iii, iv,vi.

11ª O capítulo iv da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, integra os artigos 67º a 80º, logo o artigo 70º da Lei nº 4/2007, onde se determina que “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”, aplica-se à CGA.

12ª O Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Janeiro, é, de igual forma, aplicável à Caixa Geral de Aposentações, que é, para todos os efeitos legais, uma instituição de segurança social.

13ª Acresce que a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA tem a mesma natureza que a pensão de sobrevivência atribuída no âmbito do regime geral da segurança social.

14ª Independentemente dos exactos termos em que a prestação é regulada num e noutro regime, a pensão de sobrevivência é sempre uma pensão que é paga aos familiares do falecido, que se destina a compensar os familiares pela perda de rendimentos resultante do seu falecimento, que é calculada em função da pensão de aposentação/reforma que o falecido recebia ou a que teria direito com base no regime aplicável e cujo abono depende do pagamento de contribuições.

15ª Contrariamente ao decidido pela Relação de Guimarães, a pensão de sobrevivência, seja no regime geral, seja no regime especial da CGA, apesar das regras específicas sobre cálculo, titularidade, condições de acesso, tem sempre a mesma natureza.

16ª Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja finalidade é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função pública, quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste, não se vislumbra que justificação pode haver para que, no caso de existir um terceiro responsável pela morte, a Segurança Social possa pedir o reembolso das pensões por si abonadas e a CGA não o possa fazer.

17ª Acresce que a interpretação legal feita pela Relação de Guimarães ignora que o legislador, através, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, estabeleceu mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões de aposentação e sobrevivência. Por essa razão, no artigo 6º, o legislador determinou que a titularidade e condições de atribuição de determinadas pensões de sobrevivência abonadas pela CGA passassem a reger-se pelas regras definidas no regime geral da segurança social.

18º A interpretação acolhida pelo acórdão impugnado, por outro lado, traduz-se na consagração de um tratamento desigual, não justificado, entre beneficiários do regime geral da segurança social e beneficiários do regime de protecção social convergente: o titular da prestação abonada pela CGA pode acumular a totalidade da pensão de sobrevivência com a totalidade da indemnização que venha a ser fixada judicialmente para ressarcir a perda dos rendimentos dos trabalhos. O titular de uma pensão de sobrevivência atribuída pelo CNP não pode acumular a pensão com a indemnização por se considerar que uma e outra pretendem ressarcir os mesmos danos.

19ª A interpretação acolhida pelo acórdão impugnado é, por fim, uma interpretação da lei que dificilmente se articula com o regime da pensão unificada, previsto no Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de Novembro.

20ª O acórdão proferido pela Relação de Guimarães viola os seguintes preceitos normativos: artigo 9º do Código Civil, artigos 23º, 53º, 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, artigo 4º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Janeiro, artigo 2º e 17º da Lei nº 4/2009, de 28 de Janeiro, artigo 18º, 51º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, artigo 24º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro.

21ª O acórdão proferido pela Relação de Guimarães ignorou diversos diplomas essenciais para, de forma sistemática, analisar a questão em causa, a saber, o Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de Novembro, Decreto-Lei nº 24046 de 21 de Junho de 1934, o Decreto-Lei nº 223/95, de 8 de Janeiro, a Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro.

22ª Por conseguinte, em função da responsabilidade apurada, em termos proporcionais, a CGA tem direito de regresso sobre a Companhia de Seguros Açoreana, SA, em relação às quantias que pagou a título de pensão de sobrevivência e subsídio por morte (€ 85 379,53 + € 1263,96).

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.”


A Ré Generali SA veio contra-alegar, pugnando pela inadmissibilidade da revista e, no caso de vir a mesma a ser admitida, requerer a ampliação do objecto do recurso, assim concluindo:

1. Caso venha a ser considerado que assiste à recorrente o direito de sub-rogação relativamente às quantias que pagou à autora AA, a título de pensão de sobrevivência e de subsídio por morte, por óbito do seu marido DD – o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio – sempre se dirá que jamais poderá a aqui recorrida ser condenada no pedido que contra ela vem dirigido, como pretende a recorrente.

2. Isto porque o eventual direito unitário da recorrente relativo ao reembolso das pensões de sobrevivência liquidadas à autora AA, por óbito do seu marido, se mostra prescrito.

3. Com efeito, vem dado demonstrado que entre a data em que a recorrente iniciou o pagamento à autora AA das pensões mensais de sobrevivência (31.11.2017) e a data em que em que a ora recorrida foi notificada desse pedido (19.01.2021), decorreram mais de 3 anos.

4. As sobreditas prestações são pagas mensalmente à autora AA, correspondendo assim a prestações periódicas, para os efeitos do disposto no artigo 307.º do Código Civil, o qual estabelece que “tratando-se de renda perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.”

5. Pelo menos, a partir de 31.11.2017 – data em que iniciou o pagamento das pensões de sobrevivência – a recorrente tomou conhecimento do seu alegado direito contra a ora recorrida, estando assim em posição de o exercer, podendo pedir a condenação da aqui recorrida não só no que já tinha pago, como também nas prestações futuras.

6. Deste modo, forçoso é concluir que o direito unitário da recorrente a receber as mencionadas prestações periódicas prescreveu no dia 31.11.2020, pois que tendo a mesma iniciado os pagamentos da pensão de sobrevivência à autora em 31.11.2017, não cuidou, nos três anos seguintes, de exigir da alegada responsável civil o seu reembolso.

7. Deverá, como tal, ser declarado prescrito o direito unitário relativo às pensões de sobrevivência que vêm sendo pagas mensalmente pela recorrente à autora AA, com a consequente improcedência do pedido deduzido pela mesma a esse título, no valor de 85.379,53€, acrescido das prestações futuras, o que desde já se requer.

8. Salvo melhor opinião, está também prescrito o alegado direito da recorrente ao recebimento da quantia de 1.263,96€ paga à autora AA, em 05.01.2018, a título de subsídio por morte.

9. Com efeito, desde a data em que a recorrente liquidou tal verba (05.01.2018) à autora AA até à data em que a ora recorrida foi notificada do pedido deduzido pela recorrente (19.01.2021), decorreram mais de três anos, sem que esta última tivesse, entretanto, promovido pela realização de qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a sua intenção de exercer o seu alegado direito contra a aqui recorrida.

10. Assim, forçoso é concluir que o alegado direito da recorrente a receber da recorrida tal montante – 1.263,96€ – está prescrito, o que, desde já, se requer seja declarado para todos os efeitos legais.

11. Ainda que se entendesse que o direito unitário da recorrente a receber as prestações relativas às pensões de sobrevivência não se mostra prescrito – o que não se admite, mas apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – sempre se dirá que, pelo menos, as pensões pagas pela recorrente à autora AA, no período compreendido entre os dias 30.11.2017 e 31.12.2017, no valor de 6.660,23€, estariam irremediavelmente prescritas.

12. Na verdade, desde as datas em que foram pagas à autora AA as sobreditas pensões, no valor de 6.660,23€ – sempre em data anterior a 31.12.2017 – até à data em que a ora recorrida foi notificada do pedido deduzido pela recorrente – 19.01.2021 – decorreram mais de três anos, sem que a recorrida tenha, entretanto, sido citada ou notificada judicialmente de qualquer acto que exprimisse, directa ou indirectamente, a intenção da recorrente de exercer o seu direito.

13. Assim, sempre se encontraria prescrito o alegado direito da recorrente de obter da aqui recorrida o reembolso daqueles montantes, no total de 6.660,23€, devendo a aqui recorrida ser absolvida desta parte do pedido, o que, desde já, se requer.

14. Contudo, face ao acima exposto, sempre deverá o pedido deduzido pela recorrente ser julgado improcedente, o que desde já se requer.

15. A posição defendida pela recorrida na presente ampliação do objecto do recurso assenta no disposto nos artigos 307.º e 498.º do Código Civil.

Terminando no sentido da negação da revista e, caso assim se não entenda, requerendo a ampliação do objecto do presente recurso, para conhecimento das questões suscitadas

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, confrontadas as decisões proferidas em 1ª e 2ª Instâncias, constatámos que se verifica dupla conformidade decisória na fundamentação coincidente das Instâncias no que respeita ao segmento decisório objeto de impugnação e de reapreciação pela Relação, pese embora a Relação tenha procedido à alteração de um facto, alterando o facto provado 63 e aditando o facto 68 ao elenco daqueles factos, alteração fáctica que não colocou minimamente em causa aquela convergência decisória de facto e de direito.

Determinada a remessa dos autos à Formação, para apreciação da admissibilidade da revista excecional interposta, nos termos e para os efeitos do art. 672º nº 3 do CPC, foi proferido Acórdão, considerando “manifesto o destacado relevo jurídico da matéria que integra o objeto do presente recurso, donde se justifica o acesso ao terceiro grau de jurisdição, ao abrigo do art.º 672º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil, e daí a admissibilidade da revista excecional

Entre o mais, resulta deste Acórdão o seguinte:

Cotejado o requerimento de interposição da revista excecional divisamos que a Recorrente/Caixa Geral de Aposentações, IP atribui a conjeturada relevância jurídica em saber se o disposto no art.º 72º da Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro, e o n.º 1 do art.º 4º do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de Fevereiro, abrange ou não a Caixa Geral de Aposentações.

Ou seja, verdade invoca a recorrente que a questão de saber se o disposto no art.º 72º da Lei nº 4/2007 de 16 de janeiro, e o n.º1 do art.º 4º do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de fevereiro, abrange ou não a Caixa Geral de Aposentações assume relevância jurídica, uma vez que exige aprofundada reflexão sobre o sistema de Segurança Social português – uma matéria que não é habitualmente abordada na jurisdição civil - acrescentando que tal questão se coloca e se colocará com frequência nos tribunais.

No caso em apreciação, a Recorrente/Caixa Geral de Aposentações, IP pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 70.214,03 (a título de pensões de sobrevivência que pagou à Autora, na sequência da morte do seu marido) e a quantia de € 1.263,96 (a título de subsídio por morte, que também pagou à Autora, na sequência da morte do seu marido), acrescidas das prestações que se vencessem e fossem pagas na pendência da ação, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Consideraram as Instâncias a este respeito, de modo convergente, que o direito de sub-rogação reclamado está tão-só previsto para os organismos da Segurança Social e não para os integrantes do regime de proteção social da função pública (ao qual pertence a recorrente).

A questão em discussão convoca, assim, uma reflexão sobre a aplicação das citadas normas atributivas de um direito legal de sub-rogação à luz da específica configuração dos diferentes regimes que integram o sistema português de Segurança Social no que concerne a quantias liquidadas a título de pensões de sobrevivência e de subsídio por morte.

É uma temática à qual se encontra associada uma complexidade técnico-jurídica não despicienda e que, contendendo com relevantes interesses comunitários, a par de que tem estado ausente da jurisprudência cível recente do Supremo Tribunal de Justiça, justificando, por isso, uma análise clarificadora e liderante por parte deste Tribunal.”

Cumpre, pois, decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art.  679º, todos do CPC).

Quanto ao pedido de ampliação do recurso formulado pela recorrida, o mesmo é admissível nos termos do n.º 1 do art. 636.º do CPC, devendo ser conhecido apenas a título subsidiário, i.e. se for procedente a revista interposta pela interveniente CGA.

Vejamos o iter processual:

No âmbito da presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, intentada por AA, BB e CC contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A., agora designada Generali Seguros, S.A., a interveniente Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)  - citada para a ação nos termos do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro - veio interpor recurso de revista excecional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 13-07-2022, que julgou improcedente o recurso de apelação e manteve a sentença recorrida, na parte em que foi julgado improcedente o pedido de reembolso formulado pela CGA contra a ré, absolvendo-a do pedido.

Em primeira instância, foi proferida sentença que:

“a) julgou improcedente o pedido de reembolso formulado pela Caixa Geral de Aposentações contra a ré, absolvendo-a do pedido.

b)  julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar aos autores a quantia total de € 54.718,22, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado.”.

REVISTA EXCEPCIONAL

Inconformada com a confirmação desta sentença pelo Tribunal da Relação, veio a CGA apresentar o presente recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, als. a) e b) do CPC.

A ré veio contra-alegar e requerer a ampliação do objeto do recurso caso venha a ser a admitida a revista interposta pela interveniente CGA e caso se considerar que assiste a esta o direito ao reembolso das quantias que pagou à autora.


O OBJECTO DO RECURSO

Atento o Acórdão da Formação e as conclusões da revista, a problemática em causa no presente recurso prende-se com a questão de saber se o disposto no art. 70º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro e o n.º 1 do art. 4.º do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro abrange ou não a Caixa Geral de Aposentações.

E em concreto, saber se no caso presente a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso sobre a Ré em relação às quantias de € 85.379,53 – a título de pensão de sobrevivência que pagou à Autora, na sequência da morte do seu marido – e de € 1.263,96 – a título de subsídio por morte, que também pagou à Autora, na sequência da morte do seu marido -, tudo acrescido das prestações que se venceram e foram pagas na pendência da ação, bem assim como aos juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Em caso de resposta afirmativa, importará apreciar a ampliação do objeto do recurso deduzida pela ré, onde a mesma invoca a prescrição do direito invocado pela interveniente CGA.

Apreciando:

Consideraram a sentença da primeira instância e o acórdão recorrido que não pode retirar-se do art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16-11, e do art. 4.º do Decreto-lei n.º 59/89, de 22-02, um direito de sub-rogação da CGA, pois que tal direito está apenas previsto para a segurança social, mais sustentando que a pensão de sobrevivência da segurança social e a pensão de sobrevivência da CGA visam finalidades diferentes, não sendo, por isso, equiparáveis para efeitos da aplicação dos aludidos diplomas legais.

A fim de analisar a problemática em análise, importará delimitar o enquadramento legal atinente ao invocado direito de reembolso de que a ora recorrente CGA pretende fazer-se valer, desde logo se estribando na aplicabilidade direta daqueles dois normativos.

Dispõe o art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16-01 – Lei de Bases da Segurança Social -, sob a epígrafe “Responsabilidade Civil de Terceiros”, o seguinte:

No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”       

Por sua vez, o art. 4.º do Decreto-lei n.º 59/89, de 22-02, diploma que regula o reembolso de prestações feitas pela Segurança Social quando os beneficiários se vejam privados de rendimentos de trabalho por eventos dos quais sejam responsáveis terceiros, prevê o seguinte: “os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições.”.

Sobre o âmbito de aplicação deste Decreto-lei n.º 59/89, de 22-02, atente-se no que dispõe o artigo 1.º, n.ºs 1 e 2:

“1 - Em todas as acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido.

2 - As instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior.”

Ainda com relevância para o caso dos autos, prevê o art. 3.º do mesmo diploma legal que “No caso de morte, ou se a incapacidade para o trabalho revestir a forma de invalidez, é ainda citado ou informado, conforme os casos, o Centro Nacional de Pensões.”.

Analisando os ditos diplomas, logo se verifica que os mesmos regulam e se dirigem às instituições da segurança social, sendo certo também que não aludindo, pelo menos expressamente, à Caixa Geral de Aposentações.

Argumenta a recorrente, a este propósito, que a Caixa Geral de Aposentações não pode deixar de ser considerada uma instituição de segurança social, uma vez que está integrada no sistema de segurança social (o que não pode se confundir-se com o regime geral da segurança social).

Vejamos:

Partindo da definição de ILÍDIO DAS NEVES (in Lei de Bases da segurança Social Anotada), “o direito da segurança social é efetivado ou realizado através do respetivo sistema e este, por seu turno, é constituído pelos regimes e pelas instituições da segurança social.”

Sobre a atual composição do sistema de segurança social, dispõe o art. 23.º da Lei de Bases da Segurança Social que o mesmo “abrange o sistema de protecção social de cidadania, o sistema previdencial e o sistema complementar.”

O sistema de protecção social de cidadania tem por objectivos garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão sociais (art. 26º nº 1 da Lei de Bases da Segurança Social), enquanto o sistema complementar “compreende um regime público de capitalização e regimes complementares de iniciativa colectiva e de iniciativa individual” (art. 81º nº 1 do mesmo diploma legal).    Por sua vez, para o que ora releva, “o sistema previdencial visa garantir, assente no princípio de solidariedade de base profissional, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas” (art. 50º do mesmo diploma).

Tal como decorre expressamente do disposto no art. 53º da Lei de Bases da Segurança Social, “o sistema previdencial abrange o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51º”.

Em anotação a este normativo (na redação constante do art. 31º nº 1 da pretérita Lei n.º 32/2002, de 20-12, redacção que se manteve idêntica no art. 51º nº 2 da lei atualmente vigente), ILÍDIO DAS NEVES (ob. cit.) escreve que o mesmo “parece retomar o conceito de “regime geral” com um sentido muito abrangente, tal como estabelecia, de resto de forma ainda mais ampla, a Lei 28/84, de 14-08 (art. 10.º, 1.º). (…) Não parece fácil conciliar essas formas especiais de proteção, dirigidas a grupos específicos de trabalhadores, com o conceito de regime geral a que não pode deixar de atribuir-se o sentido de regime comum ou regime padrão, dirigido à generalidade dos trabalhadores, em que a protecção é a mesma para todos. Consideramos possível, no domínio dos princípios, admitir que estamos nestes casos perante verdadeiros regimes especiais ou, pelo menos, perante sub-regimes do regime geral. (…)”.

Em concreto, quanto à articulação entre o regime de segurança social e o de protecção social da função pública, destaca-se o princípio da unidade consagrado no art. 16.º da Lei de Bases da Segurança Social, princípio esse que “pressupõe uma actuação articulada dos diferentes sistemas, subsistemas e regimes de segurança social no sentido da sua harmonização e complementaridade.”.

No âmbito da concretização do direito à segurança social de todos os trabalhadores, veio a ser aprovada a Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, que define a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas e que estabelece os termos do regime de proteção social convergente (RPSC), assumindo-se este como um regime especial nos termos e para os efeitos do disposto no citado art. 51º nº 2 da Lei de Bases da Segurança Social.

Nos termos da referida lei, foi determinada a integração no regime geral de segurança social de todos os trabalhadores cuja relação jurídica de emprego público tenha sido constituída após 1 de janeiro de 2006 e bem assim a manutenção dos trabalhadores que, àquela data, nele se encontravam inscritos. Quanto aos trabalhadores que até 31 de dezembro de 2005 se encontravam abrangidos pelo denominado regime de protecção social da função pública, isto é, inscritos na Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA), foi criado o regime de protecção social convergente (RPSC).

A organização do RPSC mantém, no essencial, a do anterior regime de proteção social da função pública, ou seja, continua a ser o empregador (os órgãos e serviços) a assumir as responsabilidades e as competências da concretização do direito da proteção social, sendo que cabe à Caixa Geral de Aposentações, IP, a gestão das pensões.

A Lei n.º 4/2009 define de forma clara e inequívoca essas responsabilidades e competências.

Todavia, este regime de protecção social convergente, tal como é assumido expressamente pelo legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9-04 (que veio regulamentar a referida Lei n.º 4/2009, no que respeita à proteção da parentalidade), deve ser “inequivocamente enquadrado no sistema de segurança social, com respeito pelos seus princípios, conceitos, objectivos e condições gerais, bem como os específicos do seu sistema previdencial, visando, num plano de igualdade, uma protecção efectiva e integrada em todas as eventualidades.” (sublinhado nosso).

Aí se acrescenta que “O regime de protecção social convergente possui, assim, uma disciplina jurídica idêntica à do regime geral de segurança social no que se refere à regulamentação da protecção nas diferentes eventualidades, designadamente quanto aos respectivos objectos, objectivos, natureza, condições gerais e específicas, regras de cálculo dos montantes e outras condições de atribuição das prestações. Por razões de aproveitamento de meios, foi mantido o modelo de organização e gestão actualmente existente, bem como o sistema de financiamento próprio, não resultando, no entanto, qualquer aumento da taxa das quotizações presentemente aplicável aos trabalhadores nele integrados.”.

Confirmando o desígnio do legislador vertido no preâmbulo acabado de citar, temos, pois, o art. 2.º da referida Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, que dispõe expressamente que A protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas enquadra-se no sistema de segurança social, aprovado pela lei de bases da segurança social, adiante designada por lei de bases.

Conforme estabelece o art. 6.º da mesma Lei “A protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas concretiza-se pela integração:

a) No regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, adiante designado por regime geral de segurança social;

b) No regime de protecção social convergente, definido pela presente lei, que enquadra os trabalhadores numa organização e sistema de financiamento próprios, com regulamentação de todas as eventualidades, quanto ao âmbito material, regras de formação de direitos e de atribuição das prestações, incluindo o cálculo dos respectivos montantes, em convergência com o regime geral de segurança social.”.


Dispõe, por sua vez, o art. 17.º da Lei n.º 4/2009, o seguinte:

1 - Ao regime de protecção social convergente aplicam-se os princípios gerais constantes da lei de bases.

2 - Ao regime de protecção social convergente aplicam-se ainda os princípios e restantes disposições referentes ao sistema previdencial, constantes designadamente dos capítulos iii, iv e vi da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, sem prejuízo das necessárias adaptações decorrentes da sua organização e sistema de financiamento próprios.”.

Da conjugação dos preceitos legais acabados de citar, dúvidas não podem subsistir que a vontade do legislador, ao abrigo de uma pretendida similitude gradual de regimes, foi a de que ao regime da proteção social convergente se aplicassem, para além dos princípios gerais da lei de bases da segurança social, as disposições referentes ao sistema previdencial constantes dos capítulos iii, iv e v da mesma lei, sendo que o capítulo iv integra, em si, o art. 70.º acima citado (com a epígrafe Responsabilidade Civil de Terceiros) e objeto concreto de análise nestes autos.

Aliás, a referência directa ao art. 70º da Lei nº 4/2007 aos beneficiários do regime de protecção convergente surge no art. 20º da Lei 4/2009, sob a epígrafe “Responsabilidade civil de terceiros”, preceituando que quando o beneficiário do regime de protecção social convergente tenha recebido, como lesado, pelo mesmo facto, as prestações sociais e a indemnização suportada por terceiros, as entidades empregadoras exercem o direito de regresso com reembolso até ao limite do valor das prestações por que são responsáveis, sem prejuízo do disposto no artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro”.


Nestes termos, e considerando que não se vê de que forma a organização e sistema de financiamento próprios do regime de proteção social convergente permitam fundamentar o afastamento da aplicação daqueles concretos normativos, haverá que concluir que, sendo a Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável por gerir aquele mesmo sistema, não pode deixar de lhe ser aplicável a Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, nos termos expressamente previstos nos ora citados normativos.


Acrescente-se outro argumento, igualmente de natureza literal:

A norma constante do art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro dirige-se especificamente, e no plural, às “instituições de segurança social” e não ao Instituto da Segurança Social, nem a um conceito fechado de “Segurança Social”, enquanto sistema individualmente considerado e diferenciado dos demais sistemas ou subsistemas da segurança social, designadamente dos sistemas especiais de protecção social.

A utilização da referida expressão, necessariamente abrangente, não pode senão significar que o legislador pretendeu afinal aí incluir todas as instituições que formalmente desempenham as funções adstritas aos diferentes sistemas, subsistemas e regimes de segurança social, tal como legalmente previstos.

Neste contexto, e concordando com a argumentação tecida pela recorrente a propósito desta concreta questão, entendemos que a Caixa Geral de Aposentações deve ser considerada como uma “instituição de segurança social” para efeitos do art. 70.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro, sendo certo que é ela mesma a entidade responsável pela gestão do sistema especial de proteção social convergente, tal como previsto na Lei n.º 4/2009, de 28 de janeiro.


No mesmo sentido da integração da Caixa Geral de Aposentações no conceito legal “instituições de segurança social”, veja-se, ainda que a propósito de situação diferente (em que se discutia se um processo em que era interveniente a CGA seria aplicável o art. 12.º n.º 1 al. c) do Regulamento das Custas Processuais, que alude ao “contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social”), o que se escreveu no sumário dos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo de 26-01-2012 (processo n.º 06230/10) e do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2019 (processo n.º  01243/16.0BEAVR):

“I. Por “contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social”, a que alude a al. c) do nº 1 do artº 12º do Regulamento das Custas Processuais, deve entender-se os processos em que intervenham instituições de segurança social ou de previdência social (critério do sujeito) e que versem sobre diferendos a que se aplique ou sejam regulados por legislação sobre a segurança social (critério material).

II. A Caixa Geral de Aposentações, I.P., é um instituto público, integrado na administração indireta do Estado e tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e outras de natureza especial, tendo por atribuições, de entre outras, assegurar a gestão e atribuição de pensões e prestações devidas no âmbito do regime de segurança social do setor público e de outras de natureza especial, nos termos da lei e propor ou participar na elaboração de projetos de legislação da segurança social do setor público.

III. Os litígios em que a Caixa Geral de Aposentações seja parte, onde se discuta a validade do ato administrativo que impõe a restituição dos valores de pensão abonados ao autor e em que está em causa a definição da relação jurídica de aposentação (nos termos do D.L. n.º 116/85, de 19/04), respeitam ao contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social, pelo que, se aplica o disposto na al. c) do nº 1 do art. 12º do Regulamento das Custas Processuais.”.


Também com relevância e em idêntico sentido, atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-09-2006 (processo n.º 0640686), onde surge inquestionada a integração da Caixa Geral de Aposentações no âmbito do conceito “instituições da segurança social” e a aplicabilidade à mesma do regime jurídico definido pelo Decreto-lei n.º 59/89, de 22-02:

“(…) No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido por esta lei, foi publicado o Decreto-lei n.º 59/89, de 22/2, segundo o qual “recebida a acusação, a autoridade judiciária deve informar a instituição de segurança social que abranja o beneficiário da possibilidade de deduzir o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido, em consequência dos eventos referidos no nº 1 e das formalidades a observar” (art. 2.º, n.º 3).

Estes eventos são “os que tenham determinado incapacidade para o exercício da actividade profissional, ou morte” (art. 2.º, n.º 1).

E o n.º 2 do referido preceito legal estabelece que as Instituições de Segurança Social, de que a CGA faz parte, nos casos abrangidos por este diploma, são tidas como lesadas, nos termos e para os efeitos do art. 74.º do Código Processo Penal (CPP).”


Também o Acórdão do STJ de 27-06-2019 (revista n.º 2480/18.9T8ALM.L1.S2), a propósito de uma ação proposta pela CGA, secundou o entendimento de que esta entidade é uma instituição de segurança social, conforme ressalta do texto do respetivo sumário:

I - Na situação em apreço, e que tem origem no acórdão do Tribunal da Relação que manteve o despacho de rejeição da petição inicial, o pedido é unicamente a declaração da inexistência da situação de união de facto, que constitui o requisito indispensável ao direito de requerer a pensão de sobrevivência à CGA.

II - Assim, e não obstante intervir na acção uma instituição de segurança social, a verdade é que a apreciação do objecto do pedido (no âmbito da acção declarativa de simples apreciação, prevista nos n.os 2 e 3 do art. 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05) não passa pela aplicação da legislação sobre segurança social, justamente porque o que está em causa pertence ao domínio exclusivo do direito civil, não sendo de aplicar o disposto no art. 12º nº 1 al. c), do RCP: por conseguinte, a taxa de justiça teria de ser calculada de acordo com a regra geral de fixação da base tributável, inscrita no art. 11.º do mesmo diploma legal.”


Das considerações acabadas de tecer resulta com inequívoca clareza que a Caixa Geral de Aposentações se integra no sistema da segurança social (do setor público), estando necessariamente abrangida pelo normativo ínsito no citado art. 70.º da Lei n.º 4/2007.

Prosseguindo ainda na análise das demais questões suscitadas na presente revista a propósito da problemática sob apreciação, atentemos num outro argumento avançado pelo acórdão recorrido para a não aplicação dos aludidos normativos (art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro e art. 4.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro) ao caso vertente:

A este propósito, entendeu ainda o acórdão recorrido que o facto de a lei apenas prever expressamente o direito ao reembolso das prestações pagas pela Caixa Geral de Aposentações no caso de estar em causa um acidente de serviço (cf. art. 46.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro[1]), reforça o entendimento de que o legislador não pretendeu que a CGA tivesse direito ao reembolso em outras situações que não essas expressamente referidas na lei.

Consta do acórdão recorrido, a este propósito, que “fora dos mencionados condicionalismos legais, ou seja, caso não se trate de um acidente em serviço não existe diploma legal que preveja a possibilidade da Caixa Geral de Aposentações exercer o direito de regresso quanto a terceiro civil responsável por conta dos quantitativos pagos a título de pensão de sobrevivência.” (sublinhados nossos)

Não sufragamos este entendimento.

Com efeito, não só o Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tem um âmbito de aplicação restrito, já que aprova o  regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, não fazendo sentido que o legislador, a reboque dessa legislação, fosse para além do seu âmbito objetivo de aplicação e alargasse o invocado direito ao reembolso a situações que não as correspondentes aos acidentes de serviço, como as Leis n.º 4/2007, de 16 de janeiro e 4/2009, de 29 de janeiro, esta última de natureza especial, são leis posteriores e com âmbito de aplicação diferenciado daquele Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

Sendo que analisados estes diplomas conjugadamente, nos termos acima descritos, consideramos que à CGA necessariamente, como instituição de segurança social que é, se encontra abstratamente abrangida pelo direito ao reembolso ínsito no art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro.

Assumindo-se a CGA como uma “instituição de segurança social” (com a missão de gerir o regime de segurança social público), a mesma encontra-se incluída na aludida previsão da lei de bases de segurança social, que lhe é, assim, diretamente aplicável.

E se assim é, não teria o legislador quaisquer motivos para, expressamente e por via de legislação própria, dizer mais do que ficou assim regulado, nem alterar o que quer que seja no regime jurídico dos acidentes de serviço e das doenças profissionais no âmbito da administração pública, cujo âmbito de aplicação é diametralmente distinto do dos diplomas que vimos analisando.

Já no que respeita à aplicabilidade do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de janeiro, o que constatamos é que, pelo menos na jurisprudência, nunca terá sido questionada a sua aplicabilidade à Caixa Geral de Aposentações, tanto que esta entidade é habitualmente notificada nos termos do art. 1º daquele diploma legal[2], como, de resto, sucedeu no caso dos autos (identicamente se passando no processo penal, nos termos do art. 2º[3]).

Por seu turno, no contexto do sistema de proteção social convergente e ao abrigo dos diplomas legais que o regulam (e que, como vimos, demandam a aplicação, com as devidas adaptações, da lei de bases da segurança social e respetivos princípios), não se vê como justificar a existência de um tratamento diferenciado entre Caixa Geral de Aposentações e Centro Nacional de Pensões, afigurando-se-nos irrelevante a manutenção da redação do art. 3.º do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, nos termos em que se mostra redigido (só dirigido ao Centro Nacional de Pensões), atenta a aprovação posterior das Leis n.ºs 4/2007 e 4/2009, que, adotando uma visão integrada do sistema geral e subsistemas da segurança social, permite equacionar uma interpretação atualista do referido normativo, que necessariamente passe por incluir a CGA no seu âmbito de aplicação.

Veja-se, a propósito, o já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-09-2006, nos termos do qual a CGA é integrada no âmbito das instituições da segurança social e é considerada lesada nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art. 1.º do Decreto-lei n.º 59/89.

Partindo, pois, de uma perspetiva conceptual abrangente, de proteção social global, que se nos afigura como sendo a mais adequada à realidade jurídica atualmente vigente, conforme decorre, para o que ora nos interessa, da Lei n.º 4/2009, entendemos que a intenção do legislador é marcadamente a de fazer convergir ou integrar o sistema de protecção social atualmente gerido pela CGA no regime geral da segurança social.

Neste contexto, e na senda de tudo quanto já ficou dito, entendemos que o artigo 70.º da Lei nº 4/2007, que prevê o direito ao reembolso das prestações pagas em caso de existir um terceiro responsável pelo evento de que dependeu aquele pagamento (in casu, a morte), é directa e inequivocamente aplicável à CGA.

Entendimento diverso, colide, quanto a nós, com a pretendida convergência de regimes expressamente pretendida pelo legislador, ofendendo, sem qualquer justificação plausível, o princípio da igualdade no tratamento entre beneficiários do regime geral da segurança social e beneficiários do regime de proteção social convergente, gerido pela CGA.


Haverá, pois, que acolher como boas as conclusões da recorrente nesta parte, sendo ao caso aplicável aquele artigo 70.º da Lei nº 4/2007, com base no qual a mesma formula a pretensão de lhe ver reconhecido o seu direito ao reembolso das quantias pagas a título de pensão de sobrevivência e de subsídio por morte, nos mesmos termos em que tal vem sendo reconhecido, como melhor veremos adiante, ao Instituto da Segurança Social.

Ponto é, como diremos adiante, que os pressupostos da sub-rogação ali configurados se verifiquem no seu caso.

Ponderemos ainda a natureza da pensão de sobrevivência e subsídio por morte atribuídos pela CGA.

Em face do ora exposto relativamente à aplicabilidade do art. 70.º da Lei de Bases da Segurança Social e do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, às pensões pagas pela Caixa Geral de Aposentações, a apreciação da natureza (idêntica ou diferenciada) das pensões de sobrevivência atribuídas no âmbito do regime de proteção social convergente (RPSC), gerido pela recorrente CGA, ou no âmbito do regime geral da segurança social, deixará de assumir relevância para a análise do caso que nos ocupa.

Com efeito, o art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16-01, sob a epígrafe “Responsabilidade Civil de Terceiros”, referindo-se a “prestações pecuniárias” suportadas pelos regimes de segurança social, sempre que estas concorrerem com o direito de indemnização a suportar por terceiros, não opera qualquer distinção acerca da natureza das prestações concedidas pelas instituições da segurança social.

Ora, perante as regras de interpretação da lei que resultam do art. 9.º do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus), e mesmo que se possa entender que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham, não será este o caso.

Contudo, sempre se dirá que, compulsados os normativos aplicáveis, não se descortina que a natureza da pensão de sobrevivência paga pela CGA ou pelo ISS tenha uma natureza diametralmente divergente que justifique o diferente tratamento concedido através da interpretação defendida pela instância recorrida.

Apreciemos:

Entendeu o acórdão recorrido que a natureza da pensão de sobrevivência atribuída pela CGA é distinta da pensão atribuída pela Segurança Social.

Para sustentar este seu entendimento, o acórdão recorrido respalda-se, no essencial, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2019 (Revista n.º 73/15.1PTBRG.G1.S1) , que mereceu o seguinte sumário:

“(…) A pensão de sobrevivência atribuída pela Caixa Geral de Aposentações (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no art. 47.º do mencionado diploma legal.

XL - O pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência não assume uma posição de provisoriedade e subsidiariedade face à obrigação de indemnização de que é titular passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil, ao contrário do que sucede com a pensão de sobrevivência paga pela Segurança Social.”.


Prosseguindo idêntico percurso argumentativo, considerou o tribunal recorrido que, no âmbito do regime geral da segurança social, a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte, com carácter provisório e subsidiário, pretendem compensar os familiares do falecido da perda do rendimento determinado pela morte, desígnio não prosseguido no âmbito da pensão atribuída pela CGA. Tendo uma natureza indemnizatória, prossegue o acórdão recorrido, esta prestação não é cumulável com a indeminização devida pelo terceiro responsável no quadro da responsabilidade civil, o que entende não suceder com a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA.

Vejamos, então, e em primeiro lugar, o enquadramento legal aplicável à pensão de sobrevivência e subsídio por morte, quer no âmbito do regime de proteção social convergente, quer nos termos do regime geral de segurança social.


A proteção na morte visa compensar a família por ocasião do falecimento de um dos seus membros que seja trabalhador, aposentado ou reformado, através da atribuição de prestações concedidas a favor do agregado familiar:

- Uma prestação de concessão única e imediatamente a seguir à morte - o subsídio por morte;

- Uma prestação de concessão continuada - a pensão de sobrevivência.


No regime de proteção social convergente cada uma das prestações é regulada por diplomas distintos:

- o subsídio por morte pelo Decreto-Lei n.º 223/95, de 8 de setembro, na redação conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro;

- a pensão de sobrevivência pelo Estatuto das Pensões de Sobrevivência (EPS) - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março, pela Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, e demais legislação complementar.


No regime geral de segurança social (RGSS) o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência são regulados pelo Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro.

O subsídio por morte tem por finalidade compensar, de imediato, o acréscimo de encargos que se fazem sentir com maior premência logo após a morte do elemento da família, no ativo, aposentado ou reformado, tendo em vista a reorganização da vida familiar.

A pensão de sobrevivência visa, por sua vez, compensar os familiares, que viviam em inter-relação económica com o trabalhador, ou aposentado ou reformado, falecido, da perda do rendimento de trabalho ou da pensão, por ele auferido (art. 4.º do Decreto-lei n.º 322/90, de 18 de outubro).

As finalidades da atribuição de ambas as prestações são, quanto a nós, idênticas quer no âmbito do RGSS, quer no RPSC. Não se vê que a lei consagre outra finalidade para a pensão de sobrevivência atribuída no âmbito do RPSC, em si divergente da que surge plasmada no art. 4.º do Decreto-lei n.º 322/90, de 18 de outubro.

Discorda-se, por isso, frontalmente do entendimento de que a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA não tenha sido desenhada também com a finalidade de compensar os familiares do falecido da perda do rendimento determinado pela morte.

Sendo que a outra conclusão não é possível chegar ante a leitura do preâmbulo do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, da qual se extrai que as alterações legislativas aí plasmadas, quanto ao regime específico concernente ao cálculo e atribuição da pensão, perseguiram o desígnio aí consignado, o de “libertar os funcionários de grande parte das preocupações relacionadas com a situação futura dos seus familiares”.

Quanto ao subsídio por morte, à semelhança do que sucede no RGSS, no RPSC o reconhecimento do direito ao subsídio por morte não depende do cumprimento de qualquer prazo de garantia, de inscrição na Caixa Geral de Aposentações (CGA) nem de pagamento de contribuições, pelo que, nesta parte, se afasta logo à partida a visão de que a atribuição deste subsídio corresponde a uma “mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição.”.

Tanto no RGSS como no RPSC têm direito ao subsídio por morte, sem exigência de prazo de garantia, os familiares do beneficiário: o cônjuge sobrevivo ou a pessoa que vivia em união de facto e os ex-cônjuges, desde que recebam pensão de alimentos à data da morte (1.º grupo), os descendentes ou equiparados (2.º grupo), os ascendentes (3.º grupo) e outros parentes (4.º grupo). Se houver titulares dos dois primeiros grupos, que cumpram as condições legais exigidas, preferem aos dos 3.º e do 4.º grupo.

No que concerne, por sua vez, à pensão de sobrevivência, no RPSC a atribuição da mesma é concretizada através de uma pensão mensal, cujo direito depende:

- de inscrição na CGA,

- do pagamento de uma quota do trabalhador - desconto global de 11% (8% para efeitos de aposentação e 3% para efeitos de pensão de sobrevivência) sobre a remuneração ilíquida,

- e da contribuição do empregador - contribuição global para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência de 23,75% (e de 3,75%, caso a CGA seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência) - sobre a remuneração mensal,

 - do cumprimento de um prazo de garantia de 36 meses (a partir de 2006), sendo que este prazo de garantia pode ser completado com tempo de contribuição para o RGSS.

Quanto aos familiares com direito à pensão e aos respetivos montantes, há que distinguir entre as diferentes situações em que se encontram os trabalhadores com vínculo de emprego público e a data em que ocorre o óbito.

No caso, tratando-se de óbito ocorrido após 1.1.2006 de aposentado com pensão de aposentação, é aplicável o Estatuto das Pensões de Sobrevivência (EPS) em vigor nessa data.

Nos termos do EPS (art. 40.º do EPS), são familiares com direito à pensão, desde que cumpram as condições fixadas na lei, o cônjuge sobrevivo, a pessoa que vivia em união de facto ou os ex-cônjuges, que tenham direito a pensão de alimentos prestada pelo falecido (1.º grupo), os filhos ou adotados (2.º grupo), os netos (3.º grupo), e os ascendentes (4.º grupo). Os titulares dos 3 primeiros grupos preferem ao último, bem como os filhos aos netos de que sejam progenitores.

O montante da pensão de sobrevivência, segundo o EPS, corresponde a 50% da pensão de aposentação a que o falecido teria direito à data da morte ou da que estava a receber. Esta pensão global é dividida, segundo regras definidas na lei, pelos diferentes titulares, quando se verifique a existência de vários familiares com direito a pensão.

Já no RGSS a pensão de sobrevivência é atribuída, se o beneficiário falecido tiver preenchido o prazo de garantia de 36 meses com registo de remunerações.

O trabalhador paga uma quota para as instituições da segurança social no valor de 11% sobre a remuneração mensal; todos os serviços, na qualidade de empregadores públicos, estão obrigados a pagar uma contribuição de 23,75% sobre as remunerações mensais que igualmente visam garantir o direito à proteção em todas as eventualidades protegidas (ou 18,6 %, nas situações em que a eventualidade desemprego não é assegurada por aquelas instituições).

No RGSS têm direito à respetiva pensão os mesmos familiares do que no RPSC, sendo que a regra de preferência é também idêntica.

Quanto ao montante da pensão, as pensões são, quer num caso, quer noutro, calculadas sempre sobre o valor da pensão de reforma atribuída ou a calcular, tal como decorre expressamente, quer do art. 24.º do Decreto-lei n.º 322/90, quer do art. 27.º do EPS.

A forma de pagamento e as regras aplicáveis à prescrição da pensão seguem, por sua vez, o mesmo regime das pensões de aposentação.

Compulsados os respetivos regimes, constata-se, pois, que não existem diferenças substanciais entre as pensões de sobrevivência atribuídas pela Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações que justifiquem o diferente tratamento propugnado pelo Tribunal recorrido.

Em concreto, quanto à forma e momento da cessação da pensão, salientou o acórdão recorrido para o facto de a análise conjugada dos arts. 40.º, 30.º e 47.º do EPS afastar a natureza provisória e subsidiária do pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência, ao contrário do que sucede com a pensão de sobrevivência paga pela Segurança Social.

Se tal argumento se prende com o facto de a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA poder prolongar-se no tempo, sem limite pré-definido para a sua cessação (cf. art. 47.º do EPS), não vemos em que é que tal regime diverge do revisto para o RGSS, já que este também prevê a concessão de uma pensão de sobrevivência sem limite de tempo, nos casos em que à data da morte do beneficiário, o cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa em união de facto tiver idade igual ou superior a 35 anos ou estiver em situação de incapacidade total e permanente para qualquer trabalho (cf. art. 38.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 322/90).

Escrutinado o enquadramento normativo vigente nos termos acabados de expor e o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido, consideramos que a distinção que aí se opera quanto à natureza e finalidades da pensão de sobrevivência atribuída pela Segurança Social ou pela Caixa Geral de Aposentações é, salvo o devido respeito, algo simplista e artificial, por partir da análise meramente literal (e não também sistemática) dos diplomas aplicáveis e reportados a sistemas de segurança social diferentes, aludindo a especificidades normativas que não assumem, quanto a nós, relevância bastante para atribuir diferente tratamento a realidades que, no seu substrato essencial, são similares.

Para além disso, a interpretação defendida no acórdão recorrido parece desconsiderar o propósito de convergência dos regimes que vem sendo desenhado pelo legislador e ficou expressamente previsto na Lei de Bases da Segurança Social (cf. art. 16.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro[4]) e no art. 17.º da Lei n.º 4/2009, de 29-01[5].

Concluindo, entendemos que a pensão de sobrevivência abonada pela Caixa Geral de Aposentações, tal como a que é paga pela Segurança Social, visa compensar os familiares do falecido pela perda de rendimento determinada pela morte deste, assim como a pensão de sobrevivência reconhecida pela Segurança Social, exactamente como a que é reconhecida pela CGA, é atribuída como contrapartida dos descontos que em vida foram efectuados pelo falecido, sendo calculada em função da pensão de reforma a que este teria direito e extinguindo-se por causas previstas na lei.


Aqui chegados, cumpre atentar que o entendimento consolidado da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido o de que a Segurança Social tem direito ao reembolso dos montantes que paga, quer a título de pensão de sobrevivência na sequência de óbito de sinistrado,  quer a título de subsídio por morte, “sob pena de existir uma duplicação de valores que não encontra apoio nas regras sobre a determinação da indemnização decorrente da responsabilidade civil extracontratual.” – cf. Acórdão do STJ de 23-06-2016 (revista n.º 1518/12.1TBMCN.P1.S1) . Em tal acórdão, é feita, além disso, referência a um acórdão do STJ de 25-03-2003, que concluiu no sentido de que “não são cumuláveis, na esfera jurídica dos familiares dos beneficiários da Segurança Social, a indemnização pela perda do rendimento de trabalho pelos falecidos e as despesas com o funeral em razão de acidente de viação e as prestações de Segurança Social relativas a pensões de sobrevivência e subsídio por morte”.

No mesmo sentido decidiu o Acórdão do STJ de 12-07-2011 (Revista n.º 1026/07.9TBVCD.P1.S1) , em cujo sumário se escreve:

“I - A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado, a qual compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – art. 564.º do CC.

 II - As prestações de sobrevivência «destinam-se a compensar a perda pelos familiares dos beneficiários do sistema de segurança social do rendimento de trabalho, enquanto que o subsídio por morte destina-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário com vista à facilitação da reorganização da vida familiar» (art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 322/90 de 30-12).

 III - Estabelecendo a lei vigente à data da morte do marido e pai das autoras que no caso de concorrência no mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com indemnização a suportar por terceiros as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe conceder (art. 71.º do referido Decreto-Lei), e tendo a Segurança Social pago às autoras prestações a título de subsídio por morte e prestações de sobrevivência, tem a mesma direito a ver-se ressarcida de tais importâncias.”.

Também, assim, o Acórdão do STJ de 27-01-2010 (Revista n.º 1472/08.0TBBRG.S1), que sumariza assim o respetivo entendimento sobre a matéria em apreciação:

“I. Não são cumuláveis, na esfera jurídica dos familiares dos beneficiários da segurança social, a indemnização pela perda de rendimentos de trabalho pelos falecidos e as despesas com o funeral em razão de acidente de viação e as prestações de segurança social relativas a pensões de sobrevivência e subsídio por morte.

II - No quadro do instituto da sub-rogação legal, as instituições da segurança social têm direito a exigir dos responsáveis civis, pela morte dos seus beneficiários, o valor pago aos familiares destes a título de pensão de sobrevivência e de subsídio por morte.

III - Apesar de ter ficado demonstrado que ré seguradora já indemnizou os familiares da vítima, através de transacção extrajudicial, de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, tal pagamento não liberta a ré do reembolso do subsídio por morte e das pensões de sobrevivência pagas pelo Instituto de Segurança Social à viúva e ao filho do beneficiário falecido.

IV - A quitação decorrente do pagamento efectuado apenas se reporta aos valores objecto da transacção, que não compreendem os referentes ao subsídio por morte e pensões de sobrevivência, pagos pela segurança social; por outro lado, o Instituto de Segurança Social não teve qualquer intervenção na mencionada transacção.”.


No mesmo sentido de que a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte pagos pela Segurança Social devem ser deduzidos das quantias atribuídas a título de indemnização, veja-se também o Acórdão do STJ de 3-02-2011  (Revista n.º 605/05.3TBVVD.G1.S1 - 7.ª Secção), onde se faz referência a outros Acordãos do STJ que já vinham a afirmar repetidamente o mesmo entendimento – “cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 8 de Junho de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06A1464, de 11 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 09B0659 ou de 11 de Novembro de 2010, www.dgsi.pt, proc.nº 270/04.5TBOFR.C1.S1, este último respeitante a pensões por invalidez, e jurisprudência neles citada)”.

De todo o exposto, que já vai longo, e um pouco para além do foco nuclear da revista, uma vez que a solução ora apontada no sentido da não cumulação do valor da pensão de sobrevivência e do subsídio por morte, por um lado, e o valor indemnizatório devido pela seguradora, no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito, por ela assumida, concluímos que a recorrente CGA, como instituição de segurança social que é, encontra-se abstratamente abrangida pelo direito ao reembolso ínsito no art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, nessa medida revogando a decisão recorrida.

Contudo, para além do que fica dito, para que a recorrente logre vencimento na sua pretensão subrogatória à luz daquele normativo, ponto é, para tanto, já o dissemos, que se verifiquem os pressupostos da sub-rogação prevista naquele normativo, nos termos em que este instituto se encontra previsto nos arts. 589.º e segs. do CC, ou seja, como diz Paulo Olavo da Cunha[6], que a CGA tenha efectuado o pagamentos dos montantes que ora reclama da recorrida seguradora, como se tratando de “uma prestação correspondente à satisfação de uma obrigação alheia [da recorrida] assum[indo] os direitos do respetivo credor, substituindo-o, mas permanecendo o devedor na situação jurídica em que se encontrava no contexto da vinculação a que se encontrava adstrito”.

Questão esta, a de se saber se deve reconhecer-se à recorrente, por sub-rogação (nos termos dos art. 589.º e segs. do CC e do art. 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), o direito de reembolso da recorrente quanto às quantias por si pagas a título de pensão de sobrevivência e subsídio por morte (€ 85 379,53 + € 1263,96), que não foi sopesada no Acórdão recorrido, porquanto ambas as instâncias afastaram a aplicação daquele normativo.

Questão esta de que este Supremo Tribunal não poderá conhecer, face ao disposto nos art. 679º e 655º nº 2 do CPC, devendo o processo voltar para o efeito ao tribunal recorrido.         

Da ampliação do objeto do recurso – sobre a prescrição do direito invocado pela CGA, por decurso do prazo legalmente previsto para exigir o reembolso das quantias por si pagas à Autora junto do responsável civil:

Compulsados os autos, constata-se que a exceção de prescrição foi sempre invocada pela Ré seguradora, quer em sede de contestação, quer em sede de recurso de apelação.

Com base na posição assumida pelo acórdão recorrido, de que na esfera jurídica da CGA não radica o direito que a mesma vem invocar, essa questão não chegou a ser apreciada, tendo ficado prejudicado o respetivo conhecimento.

Considerando o entendimento sufragado por este Tribunal, supra exposto, deixa de subsistir o fundamento para o não conhecimento da exceção de prescrição, no caso, claro está, de o tribunal recorrido considerar que assiste à recorrente o direito de sub-rogação a que se arroga.

Ora, também em relação a esta matéria, não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de se substituir ao Tribunal recorrido na apreciação das questões que ficaram prejudicadas pela solução que agora se revoga (cf. art. 679º do CPC, que afasta a aplicação, ao recurso de revista do disposto no art. 665.º, n.º 2 do mesmo diploma legal), deverão os autos baixar àquele Tribunal para que as aprecie.


DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram a 7ª Secção Cível deste Supremo tribunal de Justiça em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, e determinando que os autos voltem ao tribunal recorrido, para os efeitos supra consignados.

Custas pela parte vencida a final.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Sousa Pinto

2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

________

[1]                                      Artigo 46.º

Responsabilidade de terceiros

1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas.

2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho.

3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial.

4 - Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. 5 - Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída.

6 - Nos casos em que tenha havido lugar à atribuição de prestações de caráter indemnizatório simultaneamente pela Caixa Geral de Aposentações, I. P., e pelo regime geral de segurança social, o valor a deduzir pela Caixa nos termos do n.º 4 corresponde à parcela da indemnização por danos patrimoniais futuros paga pelos terceiros responsáveis na proporção que o montante das suas prestações represente no valor global atribuído por ambos os regimes.
[2] 1 - Em todas as acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido.
2 - As instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior.
3 - A apresentação do pedido de reembolso é notificada às partes, que poderão, nos oito dias subsequentes, responder o que se lhes oferecer.
4…
5…
[3] 1 - Em todas as acções penais por actos que tenham determinado incapacidade para o exercício da actividade profissional, ou morte, o Ministério Público, quando deduza acusação ou se pronuncie sobre a acusação particular, deve indicar a qualidade de beneficiário da Segurança Social do ofendido e identificar a instituição ou instituições que o abranjam, elementos que são apurados no inquérito preliminar ou na instrução.
2 - As instituições de segurança social, nos casos abrangidos por este diploma, são tidas como lesadas nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Código do Processo Penal.
3 - Recebida a acusação, a autoridade judiciária deve informar a instituição de segurança social que abranja o beneficiário da possibilidade de deduzir o pedido de reembolso dos valores que tenha pago ao ofendido, em consequência dos eventos referidos no n.º 1 e das formalidades a observar.
[4]O princípio da unidade pressupõe uma actuação articulada dos diferentes sistemas, subsistemas e regimes de segurança social no sentido da sua harmonização e complementaridade.”
[5]
“1 - Ao regime de protecção social convergente aplicam-se os princípios gerais constantes da lei de bases.
2 - Ao regime de protecção social convergente aplicam-se ainda os princípios e restantes disposições referentes ao sistema previdencial, constantes designadamente dos capítulos iii, iv e vi da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, sem prejuízo das necessárias adaptações decorrentes da sua organização e sistema de financiamento próprios.”
[6] In Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa, Dezembro 2018, p. 625.