Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
39/18.0YREVR.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PROVA
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA A NULIDADE DO JULGAMENTO E DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / COMPETÊNCIA – ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DA PROVA.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Os princípios estruturantes do processo penal e a revisão de 1998 do CPP, RPCC, Ano 8 (1998), p. 203;
- Oliveira Mendes, Código de Processo Penal anotado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2.ª Edição, p. 1049;
- Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Católica, 4.ª Edição, p. 322 e 881.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 12.º, N.º 4, 119.º, ALÍNEA A), 120.º, N.º 2, ALÍNEA D), 122.º, N.º 1 E 340.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO, APROVADA PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGOS 56.º, N.º 1, 73.º E 74.º.
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU, APROVADO PELA LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO: - ARTIGOS 1.º, N.º 2, 13.º, ALÍNEA B), 21.º E 22.º.
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGOS 47.º, 48.º, 51.º E 52.º, N.º 3.
DECISÃO-QUADRO 2002/584/JAI DO CONSELHO, DE 13.6.2002: - ARTIGOS 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 11.º E 31.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS (CEDH): - ARTIGO 6.º.
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE): - ARTIGO 267.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09.07.2015, PROCESSO N.º 65/14.8YREVR.S1;
- DE 09.09.2015, PROCESSO Nº 538/14.2YRLSB.S1;
- DE 14.12.2016, PROCESSO N.º 796/16.8YRLSB.S1;
- DE 13.12.2017, PROCESSO N.º 194/17.6YRPRT, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS (TEDH):


- DE 16.06.2005, CASO PUPINO, PROC. C-105/03;
- DE 17.07.2008, CASO KOZLOWSKI, PROC. C-66/08;
- DE 05.09.2012, CASO SILVA JORGE, PROC. C-42/11.
Sumário :

1. O princípio do reconhecimento mútuo, a que está sujeita a execução do MDE (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003), não encontra definição no direito nacional, devendo o seu sentido, conteúdo e extensão ser obtidos por recurso à legislação da União Europeia e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre validade e interpretação dos actos normativos adoptados pelas instituições (artigo 267.º do TFUE), com respeito pelo princípio de interpretação conforme aos Tratados e à legislação secundária aprovada com base nos Tratados.
2. À disciplina do processo de execução do MDE, em caso de oposição da pessoa procurada, aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21.º (oposição da pessoa procurada) e 22.º (decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu) da Lei n.º 65/2003, por força do disposto no artigo 34.º deste diploma.
3. Ao julgamento do processo de execução do MDE são aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento (Livro VII), em particular o artigo 340.º, no que diz respeito ao conhecimento das questões relativas aos motivos de não execução, tendo o tribunal o dever de apreciar e decidir os factos que constituem os fundamentos da oposição, que integram, nesta fase, o objecto do processo e da prova.
4. A omissão da produção de prova indispensável à decisão sobre a procedência dos motivos de oposição e sobre a execução do MDE constitui uma nulidade abrangida pela previsão da parte final da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, sujeita a arguição.
5. Tendo a pessoa procurada nacionalidade do Estado de execução e destinando-se o MDE à entrega para efeitos de procedimento criminal, deve ser considerada a condição de entrega (garantia) a que se refere a alínea b) do artigo 13.º da Lei n.º 65/2003, podendo a entrega ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.
6. A observância deste regime leva em devida conta o artigo 32.º da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (direito a um processo equitativo), bem como os artigos 47.º (segundo parágrafo) e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, com idêntico sentido e âmbito (artigo 52.º, n.º 3), devem ser respeitados na aplicação do direito da União (artigo 51.º).
7. O Tribunal da Relação, funcionando em primeira instância para julgar e decidir sobre o deferimento ou recusa de execução do MDE, tem a composição requerida pelo n.º 4 do artigo 12.º do CPP e pelo n.º 1 do artigo 56.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, devendo ser integrado por um relator e dois adjuntos, que participam na elaboração e devem assinar o respectivo acórdão.
8. A violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal constitui nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada, tornando inválido o julgamento realizado e os actos subsequentes, incluindo o acórdão recorrido, nos termos dos artigos 119.º, al. a), e 122.º, n.º 1, do CPP.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA

AA, identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação Évora que, julgando improcedente a oposição que deduziu, deferiu a execução do mandado de detenção europeu (MDE) emitido pela Juzgado de Instruccion nº 32 de Madrid, Reino de Espanha, com vista à sua entrega para efeitos de procedimento criminal por factos que, de acordo com a autoridade de emissão, constituem crimes de associação criminosa, de burla e de branqueamento de capitais, puníveis com pena de prisão superior a 3 anos, nos termos das disposições aplicáveis do Código Penal Espanhol.

2. Arguindo nulidade do acórdão, da motivação que apresentou extrai a recorrente as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«i.   A desmaterialização dos processos veio permitir aos Tribunais, Juízes e procuradores, o acesso rápido e seguro a toda a informação constante de um processo identificável pelo seu número permanente e único - NUIPC;

ii.    Ao Tribunal a quo, fácil seria ter optado por consultar, ou mandar consultar os autos indicados pela detida ao invés de se refugiar em pretensos motivos e, para concluir pela delonga que a defesa da detida provoca.

iii.   A circunstância de a ora detida estar privada da sua liberdade, não tendo qualquer possibilidade de aceder, de consultar, de procurar na sua casa qualquer notificação que permita clarificar ou auxiliar o Tribunal na sustentação da sua decisão é causa mais do que suficiente para que o Tribunal a quo optasse por cumprir o princípio do investigatório;

iv.   Nos autos identificados pela recorrente em sede de oposição estamos perante os mesmos factos que determinaram a emissão do MDE pelo Reino de Espanha;

v.    Por não identificação circunstanciada dos factos e sujeitos processuais, imputa o Venerando Tribunal a quo a possível consequência do não cumprimento do prazo de 60 dias para execução do MDE;

vi.   A obediência ao princípio da investigação, claro está, não derroga o princípio da livre apreciação da prova mas, não pode, ele mesmo ser derrogado sem que o Tribunal minimamente justifique as razões - jurídicas - que o determinaram!

vii.  Trata-se aqui de uma discricionariedade vinculada por parte do Tribunal, em obediência ao que deve ser um dos fins do processo penal, a descoberta da verdade e a realização da Justiça!

viii. E, a ponderação deve, no caso concreto, materializar-se na dialéctica entre a tutela jurisdicional efectiva e o respeito por direitos fundamentais - absolutos -, como é a liberdade.

ix.   Recusar a aplicação do princípio da investigação em absoluto, não conceder à aqui recorrente a possibilidade, que como se viu está limitada pela sua condição, de sustentar, ainda que sumariamente, as razões da sua pretensão é, sem qualquer dúvida, derrogar as garantias de defesa plasmadas no n.º 1 do artigo 32.° da CRP.

x.   Ora, não tendo a aqui recorrente abdicado da regra da especialidade, tendo invocado factos - subsistência de processos penais anteriores -, e tendo fornecido a identidade única dos mesmos, estamos em crer que o Tribunal a quo deveria ter salvaguardado a ponderação devida e, em caso de recusa, ter

xi.   Prima facie, convidado a aqui recorrente a justificar sumariamente o alegado e, em ultima ratio, ter sustentado a sua posição com base num qualquer e hipotético argumento juridicamente sustentável e não, como o fez, no exercício de direito de defesa como putativa causa de entorpecimento do cumprimento do MDE!!!

xii.  Existe aqui, claramente, insuficiência de factos que determinam uma decisão equitativa e justa e que deveriam ter sido levadas a cabo pelo Tribunal a quo mesmo que, após convite à detida para tal.

xiii. Não o tendo feito, viola o tribunal a quo o princípio da investigação, materializado, in casu, na violação do preceituado no artigo 340.° do CPP e, finalisticamente, na contribuição para a descoberta da verdade e realização da justiça.

xiv. A violação desta faculdade vinculada sem qualquer tipo de fundamentação, constitui postergação dos direitos básicos de defesa consignados no artigo 20.° da CRP,

xv.  Assim sendo, é nula a decisão por violação da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.° do CPP,

xvi. Nulidade que se invoca e que torna o acto inválido nos termos do que dispõe o artigo 122.° do CPP.

Termos em que deve ser declarada a nulidade do acórdão posto em crise por violação da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.° do CPP sendo, em consequência, o mesmo inválido por força do que dispõe o artigo 122.° do CPP.»

3. Respondeu o Ministério Público no Tribunal da Relação Évora, defendendo a improcedência do recurso nos seguintes termos, em que conclui (transcrição):

“(...) 2 - Pretende a Recorrente que, no uso da faculdade do art.º 340.º do Cód. Proc. Penal, o Tribunal consultasse ou mandasse consultar os autos por si indicados, face à sua situação de detenção, estava impossibilitada "de aceder, de consultar, de procurar na sua casa qualquer notificação que permita clarificar ou auxiliar o Tribunal na sustentação da sua decisão ", por outro lado, "no pouquíssimo tempo para preparação cabal da defesa por molde a que, os mandatários da detida (verdadeiros coadjuvantes e colaboradores), possam, em tempo, aceder e consultar os autos indicados."

3 - Nos termos do determinado no art.º 21.° da Lei n.º 65/2003, a oposição é deduzida aquando da Audição do detido, mas quando é solicitado prazo para deduzir oposição é ao Requerido que cabe apresentar defesa e elementos de prova.

4 - Diz a Requerida que os factos dos outros são os mesmos do presente M. D. E. mas salvo o devido respeito, dúvidas se nos suscitam sobre a veracidade desta afirmação atentos os ilícitos indiciados no Reino de Espanha, por factos praticados nesse país, sendo certo que não haveria identidade de ofendidos.

5 - A obtenção por este Tribunal dos elementos relativos aos processos mencionados no requerimento de oposição só terá lugar se os factos alegados, «forem idóneos a preencher causa que obste irremediavelmente, nos termos das normas aplicáveis, à execução do MDE» o que, manifestamente, não ocorre in casu.

6 - Efectivamente «IV - A recusa facultativa regulada no art. 12.° tem de assentar em motivos ponderosos, ligados fundamentalmente às razões que subjazem, por um lado, ao interesse do Estado que solicita a entrega do cidadão de outro país para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, e, por outro, ao interesse do Estado a quem o pedido é dirigido em consentir ou não na entrega de um nacional seu.» Ac do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2006, Proc. n.º 06P782 e no mesmo sentido Ac desse Mais Alto Tribunal de 22-06-2006, Proc. n.º 06P2326.

7 - Caberia à Requerida apresentar os elementos para apreciação do Tribunal, sendo certo que neste processo não cabe investigar, mas tão só executar a solicitação do Estado Requerente, só podendo solicitar elementos àquele Estado – cfr. art.º 5.°, n.º 5, 22.°, n.º 2, do Diploma.

8 - Não se verifica a nulidade da al. d) do n.º 2 do art. 120.° do Cód. Proc. Penal, por duas ordens de razão:

- não existem as fases de inquérito e de instrução no Processo de M. D. E.

- não se verificou postergamento do art. 340° do Cód. Proc. Penal

9 - Não violou a douta decisão recorrida qualquer preceito, designadamente os arts. 340.° e a al. d) do n.º 2 do art.º 120.° do Cód. Proe. Penal”.

4. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

5. Detida e apresentada no Tribunal da Relação de Évora, foi a recorrente informada da existência do MDE e do seu conteúdo, tendo declarado que não consentia na sua entrega à autoridade de emissão, pelo que solicitou prazo para deduzir oposição, nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

Invocou o motivo de não execução facultativa previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º deste diploma – pendência, em Portugal, de procedimento penal pelo facto que motiva a emissão do MDE.

Alegou que:

«Há procedimentos penais em Portugal, que são públicos e do conhecimento oficioso do tribunal (n.º 1 do artigo 86.º do CPP), a tomar em conta: - 5/16.OPECSC, 570/15.9S7LSB, 949/17.1PCSTB e 2487/11.7TAVFXE.

Os três primeiros respeitam ao facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu, à infração que o motiva e aos mesmos factos.

No terceiro foi declarado extinto o procedimento criminal.

O mandado de detenção europeu respeita a processo que abrange BB, contra quem foi igualmente emitido idêntico instrumento e ao qual concerne o processo 37/18.3YREVR e que é arguido no quarto processo, no âmbito do qual se encontra marcada para 10 de abril de 2018 a realização do correspondente debate instrutório (documento junto) e que não renunciou ao direito de estar presente, em conformidade do n.º 3 do artigo 300.º do CPP.

O interesse do Estado Português na prossecução criminal e o cabal exercício dos direitos processuais dos suspeitos e arguidos assegurados pelas suas garantias de defesa sobrepõem-se ao processo simplificado de entrega judiciária transfronteiriço europeu, pelo que fica prejudicada a execução do mandado, tendo em consideração a existência dos supracitados processos».

Concluiu que, nesses termos, se opunha e que devia ser recusada a execução do mandado de detenção europeu.

6. O acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):

«5.1. Pelo presente MDE, o Tribunal de Instrução de Madrid pretende a detenção de AA, cidadã portuguesa, para efeitos de procedimento criminal que ali corre seus termos, por se indiciar a prática de factos que, à luz da legislação penal do reino de Espanha, são suscetíveis de integrar a autoria ou coautoria dos crimes de Burla, organização criminosa e branqueamento de capitais, puníveis com pena superior a 3 anos de prisão.

Assim sendo, a entrega da pessoa procurada e agora detida será concedida sem controlo da dupla incriminação do facto, conforme dispõe o art. 2.º alíneas a), i) e u), da Lei 65/2003, de 23 de agosto, sem prejuízo da apreciação da invocação de causa de recusa facultativa deduzida pela ora detida na sua oposição, ou seja, a pendência em Portugal de procedimento penal contra a ora detida pelo facto que motiva a emissão de mandado de detenção europeu, prevista na al. b) do art. 12.º daquela Lei.

5.2. A este propósito, a ora detida limita-se a alegar que três dos quatro processos que alegadamente correm contra si em Portugal respeitam ao facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu e que no terceiro daqueles processos foi declarado extinto o procedimento criminal, donde se infere que só os dois primeiros processos (5/16.OPECSC e 570/15.9S7LSB) respeitarão aos mesmos factos que deram origem ao presente MDE.

Porém, a oponente não indica quais os factos que estarão a ser objeto daqueles dois processos que alegadamente ainda correm termos contra ela em Portugal, nem tão pouco quais os tribunais ou serviços do MP onde os mesmos se encontrarão pendentes e em que fase se encontram.

Ora, a mera indicação do número único não permite identificar o tribunal ou serviço do MP onde se encontrem pendentes os processos, uma vez que as iniciais dele constantes apenas identificam a comarca onde o processo teve início, pelo que este tribunal não está sequer em condições de oficiar àqueles mesmos processos por forma a que sejam carreados para os autos os elementos pertinentes à decisão, como requerido na oposição da ora detida, sendo certo que a oponente não justifica minimamente a razão por que não alegou, ainda que sumariamente, quais os factos a que se refere e quais os tribunais ou serviços do MP onde se encontrem pendentes os processos cujo número indica, nem se vislumbra razão válida para não o ter feito apesar de saber indicar o número dos processos e ter disposto do prazo de 10 dias para deduzir oposição.

Por outro lado, entendemos não haver que convidar a detida a indicar esses dados com vista a determinar a realização de quaisquer diligências que pudessem conduzir-nos à identificação e localização dos dois primeiros processos indicados pela oponente, por três ordens de razões.

- Em primeiro lugar, como referido, a oponente não indicou quaisquer factos que permitissem um juízo perfuntório sobre a alegada pendência em Portugal de processo pelo facto que motiva a emissão do presente MDE, não identifica o tribunal ou serviço do MP onde correrão seus termos os processos que, em abstrato, aqui poderiam relevar, ou seja os processos 5/16.OPECSC e 570/15.9S7LSB, e não alega quaisquer razões que pudessem justificar não ter feito tais indicações, nem se vê quais possam ser elas, uma vez que a ora detida pôde indicar aqueles mesmos números;

- Em segundo lugar, o desconhecimento da entidade a quem solicitar diretamente elementos referentes ao processo, sempre provocaria o retardamento da resposta pretendida e o risco acrescido, imputável à ora detida, de que a presente decisão não fosse proferida no prazo máximo de 60 dias por falta de junção atempada daqueles mesmos elementos, com a consequente libertação da detida, o que poderia comprometer de forma significativa o cumprimento efetivo do presente MDE por motivo imputável à ora detida, o que é tanto mais relevante quanto são graves os factos que lhe são imputados no tribunal de Madrid, correspondendo-lhes elevadas penas de prisão.

- Por último, entendemos não valer nesta matéria o princípio da investigação que matiza o princípio da máximo contraditoriedade que carateriza o nosso processo penal, dada a especial natureza, finalidades e celeridade do presente processo especial para execução de MDE, estando aqui em causa, sobretudo, o cabal respeito dos direitos de defesa da pessoa procurado, que no caso presente se mostra satisfeito em tudo o que não depende da própria. Com efeito, no processo para execução de MDE não se encontra presente o essencial das razões que no processo penal justificam a persistência do princípio da investigação, com o qual, nas palavras de F. Dias, “…pretende-se traduzir o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente - isto é independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o «facto» sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão.» - cfr. Os princípios estruturantes do processo penal e a revisão de 1998 do CPP, in RPCC, Ano 8 (1998) p. 203.

Na verdade, no processo para execução de MDE não se discute minimamente a culpabilidade da pessoa procurada, pois vale aqui o princípio do reconhecimento mútuo, como é por demais sabido, ao que acresce que nestes casos em que se pretende a detenção da pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal, não fica comprometida a sua posição processual nem a sua defesa contra o risco de ser julgada duas vezes pelo mesmo crime, caso venha a apurar-se mais tarde que todos ou alguns dos factos objeto do presente MDE são igualmente objeto de procedimento criminal em Portugal, sendo certo que mesmo que esteja pendente em Portugal procedimento pelos mesmos factos, esta circunstância não dita que a cidadã portuguesa venha a ser necessariamente julgada em Portugal.

5.3. Por outro lado, sempre é irrelevante a invocação de extinção do procedimento criminal por desistência de queixa no terceiro dos processos indicados (949/17.1PCSTB), pois independentemente de quaisquer outras razões, nada permite supor que todos os factos subjacentes ao presente MDE sejam objeto do processo a que respeita a alegada desistência de queixa.

5.4. Da alegação da ora detida parece resultar ainda que o quarto processo que correrá contra si é que tem o nº 2487/11.7TAVFX que, conforme cópia parcial de despacho a fls 105 destes autos de MDE, se encontrará pendente no Juízo de Instrução Criminal de Loures, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, sem que alegue, porém, que este quarto processo respeita aos factos que lhe são imputados no Tribunal de Instrução de Madrid. Parece invocar antes que tal processo corre também contra si (para além de BB

, depreende-se) e que a execução da MDE a impedirá de estar presente no debate instrutório ali designado para 10 de abril de 2018, implicando assim, como diz, ser inconstitucional a norma ínsita na al. b) do nº 1 do artigo 12º e do art. 11º da Lei 65/2013 de 23 de agosto, por violação do nº1 do art. 32º e dos nºs 3 e 5 da lei fundamental.

Sem razão, porém, pois na data fixada a ora detida encontrar-se-á ainda no nosso país, sem que tenha sido proferida decisão com trânsito em julgado sobre a oposição ora em apreciação, e nada impede que a arguida seja conduzida pelo estabelecimento prisional para comparecer naquela diligência caso seja a sua presença ali que está efetivamente em causa, o que não resulta inequivocamente do seu requerimento e do documento junto, pois deste não consta sequer que a ora detida seja arguida naquele mesmo processo.

6.5. Por tudo isto e considerando, em especial, que a mera alegação, não fundamentada nem circunstanciada, de que penderão em Portugal contra a ora detida dois processos pelos mesmos factos que estão na origem da emissão do presente MDE, não obsta a que se decida desde já a oposição por ela deduzida, julga-se improcedente a invocação da causa de recusa prevista no art. 12º nº1 al. b) da citada Lei 65/2013 e o mais invocado naquela mesma oposição».

Nesta conformidade, foi a oposição julgada improcedente e ordenada a entrega da recorrente ao Estado de emissão.

7. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso deste Tribunal quanto a vícios da decisão recorrida – que devem resultar directamente do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência – e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).

8. No essencial, alega a recorrente que o tribunal deveria ter investigado os factos que alegou em vista da apreciação das causas de recusa de execução do MDE, com base nos elementos que juntou ao processo, que existe “insuficiência de factos que determinam uma decisão justa e equitativa”, que foi violado o artigo 340.º. do CPP com postergação dos “direitos básicos de defesa consignados no artigo 20.º da CRP, pelo que “é nula a decisão por violação da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP”, nulidade que invoca com as consequências previstas no artigo 122.º, pedindo que esta seja declarada.

9. Importa, antes de mais, convocar o essencial do regime processual de execução do mandado de detenção europeu decorrente da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, que transpõe a Decisão-Quadro 2002/584/JAI de 13.6.2002 do Conselho para a ordem jurídica interna (a que pertencem as disposições seguidamente citadas sem indicação do respectivo diploma legal), e da legislação subsidiariamente aplicável.

9.1. Resulta directamente do texto da lei (artigo 1.º) e tem sido repetidamente afirmado que o mandado de detenção europeu (MDE) é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro da União Europeia (UE), com vista à detenção e entrega, por outro Estado-Membro, de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade.

Como é sabido, o mandado de detenção europeu, que se baseia no princípio do reconhecimento mútuo – princípio que, erigido em “pedra angular” do sistema de cooperação judiciária entre os Estados-Membros da União Europeia no Conselho Europeu de Tampere (Outubro de 1999, conclusão 33), encontra hoje, após o Tratado de Lisboa (2007), expressão jurídica no artigo 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual “a cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais “ –, fundado “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros”, “aboliu” o processo formal de extradição entre os Estados-Membros da União, o qual foi “substituído” por um “novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal”, que permitiu “suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição” instituídos pelos instrumentos de cooperação então em vigor (considerandos 5, 6, 7, 8 e 11 e artigo 31.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13.6.2002).

O princípio do reconhecimento mútuo, a que está sujeita a execução do MDE (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003), não encontra definição no direito nacional, devendo o seu sentido, conteúdo e extensão ser obtidos por recurso à legislação da União Europeia e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre validade e interpretação dos actos normativos adoptados pelas instituições (artigo 267.º, alínea b), do TFUE), com respeito pelo princípio de interpretação conforme aos Tratados e à legislação secundária aprovada com base nos Tratados (assim, nomeadamente, os acórdãos de 16.6.2005, caso Pupino, Proc. C-105/03; de 17.7.2008 caso Kozlowski, Proc. C-66/08; e de 5.9.2012, caso Silva Jorge, Proc. C-42/11).

De acordo com este princípio, uma decisão proferida por uma autoridade judiciária competente (autoridade de emissão) produz efeitos no território do Estado em que deva ser executada (Estado de execução), como se de uma decisão de uma autoridade judiciária deste Estado se tratasse. Como tem sido sublinhado na jurisprudência do TJUE, o princípio do reconhecimento mútuo, assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros da UE; nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de motivo de não execução ou no caso de o Estado de emissão não oferecer as garantias que devam ser exigidas. Tem salientado o TJUE (cfr., acórdãos citados.): (a) Decisão-Quadro 2002/584/JAI, como resulta, em particular, do seu artigo 1.º, bem como dos considerandos 5 e 7 do preâmbulo, tem por objecto substituir a extradição entre os Estados-Membros por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias das pessoas condenadas ou suspeitas baseado no princípio do reconhecimento mútuo; (b) este princípio implica que os Estados-Membros são, em princípio, obrigados a cumprir o mandado de detenção europeu; (c) o reconhecimento mútuo não implica, no entanto, uma obrigação absoluta de execução do mandado emitido, pois que o sistema da Decisão-Quadro, como resulta do seu artigo 4.º, deixa aos Estados-Membros a possibilidade de permitir às autoridades judiciárias competentes decidirem não entregar a pessoa procurada, nas situações em que se verifique um motivo de recusa, ou em que o Estado de emissão não ofereça as garantias que o caso deva exigir, com base em regras comuns; (d) os motivos de não execução do MDE (obrigatória e facultativa) e as garantias exigíveis são apenas os que constam dos artigos 3.º, 4.º e 4.º-A e 5.º, respectivamente, da Decisão-Quadro 2002/584/JAI alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, de 26.2.2009 (a que correspondem os artigos 11.º, 12.º, 12.º-A e 13.º da Lei n.º 65/2003, com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio).

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º, invocado pela recorrente, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu.

9.2. Ouvida pelo juiz relator, a pessoa procurada pode consentir voluntariamente na sua entrega à autoridade de emissão, o que tem como consequência a renúncia ao processo de execução do MDE (artigo 20.º), ou opor-se à entrega com fundamento em erro sobre a sua identidade ou na existência de causa de recusa de execução do MDE (artigo 21.º, n.º 2).

À disciplina do processo de execução do MDE, em caso de oposição, aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21.º (Oposição da pessoa procurada) e 22.º (Decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu). É o que resulta do artigo 34.º, segundo o qual «é aplicável, subsidiariamente, ao processo de execução do mandado de detenção europeu o Código de Processo Penal».

Ao julgamento do processo de execução do MDE, na insuficiência da Lei n.º 65/2003, são, assim, aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento (Livro VII), tendo em conta o objecto e a finalidade do processo, nomeadamente no que diz respeito ao conhecimento das questões suscitadas na oposição relativas aos motivos de recusa de execução. Relevam em particular, neste domínio, as normas do artigo 340.º, sobre produção de prova, do artigo 365.º, que respeita à deliberação, e do artigo 374.º, relativa aos requisitos da sentença, especialmente no que se refere à fundamentação (n.º 2), sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 379.º quanto a nulidades da sentença.

No caso de ser deduzida oposição à execução, o tribunal tem o dever de apreciar e decidir os factos que constituem os fundamentos da oposição, que integram, nesta fase, o objecto do processo e da prova, podendo a pessoa procurada apresentar “meios de prova” (artigo 18.º, n.º 4, da lei n.º 65/2003) que pretenda ver produzidos, de acordo com as regras do CPP. A junção de prova por documento, dispõe o artigo 164.º, n.º 2, do CPP, é feita oficiosamente ou a requerimento.

Por aplicação dos artigos 339.º, n.º 4, e do artigo 340.º do CPP, que dá expressão ao princípio da investigação ou da oficialidade, a discussão tem por objecto os factos alegados pelo Ministério Público, a quem compete a promoção da execução do MDE, de acordo com o que dele consta, e pela defesa, sobre a oposição, e os que resultarem da prova produzida, devendo o tribunal ordenar oficiosamente ou a requerimento a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à boa decisão sobre a execução do MDE. A omissão da produção de prova indispensável à decisão sobre a procedência dos motivos de oposição e sobre a execução do MDE constitui, por conseguinte, uma nulidade abrangida pela previsão da parte final da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, sujeita a arguição  (assim, quanto à não observância do disposto no artigo 340.º, Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Católica, 4.ª ed., p. 322 e 881, e Oliveira Mendes, Código de Processo Penal anotado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2.ª ed., p. 1049).

Tendo a pessoa procurada nacionalidade do Estado de execução, deve ser considerada a condição de entrega (garantia) a que se refere a alínea b) do artigo 13.º da Lei n.º 65/2003 (com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio), segundo a qual, quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que esta, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.

A observância deste regime leva em devida conta o artigo 32.º da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (direito a um processo equitativo), bem como os artigos 47.º (segundo parágrafo) e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, com idêntico sentido e âmbito (artigo 52.º, n.º 3), devem ser respeitados na aplicação do direito da União (artigo 51.º).

9.3. Nos termos do artigo 15.º, é competente para o processo judicial de execução do MDE o tribunal da Relação, sendo o julgamento da competência da secção criminal, pelo que deverão ser tidas em devida conta as disposições relativas ao exercício da competência, nomeadamente as relativas à composição do tribunal.

Dispõe o artigo 12.º do CPP que compete às secções criminais das relações, em matéria penal, julgar os processos judiciais de extradição (al. c) do n.º 3) e que as secções funcionam com três juízes (n.º 4). Não sendo feita referência, neste preceito, à execução do MDE, deve, todavia, entender-se que, destinando-se o MDE a instituir um procedimento de entrega simplificada de pessoas procuradas, em substituição do regime da extradição anteriormente aplicável nas relações entre os Estados-Membros da União Europeia, com idêntica finalidade (supra, 9.1), o n.º 4 do artigo 12.º se aplica também nos processos de execução do MDE, que incorpora o anterior regime de extradição no âmbito da União Europeia, que havia atingido um nível de simplificação processual e facilitação muito próxima do regime do MDE (regime que, partindo da Convenção Europeia de Extradição do Conselho da Europa, de 13.12.1957, e dos seus protocolos adicionais, de 1975 e 1978, evoluiu neste sentido por via do Acordo entre os Estados-Membros das Comunidades Europeias sobre a simplificação e a modernização das formas de transmissão dos pedidos de extradição, de 26.5.1989, da Convenção, de 19.6.1990, de aplicação do Acordo de Schengen, da Convenção de 10.3.1995, relativa ao processo simplificado de extradição entre os Estados-Membros da União Europeia, e da convenção de 27.9.1996, relativa à extradição entre os Estados-Membros da União Europeia – artigo 31.º da Decisão-Quadro 2002/585/JAI).

Nesta matéria há que convocar também os artigos 73.º e 74.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), sobre competência das Relações.

Dispõe o artigo 73.º, alínea d), que compete às secções dos Tribunais da Relação julgar os processos judiciais de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que se incluem os processos de execução do MDE, sendo aplicável aos tribunais da Relação, com as necessárias adaptações (artigo 74.º, n.º 1), o disposto no artigo 56.º, que diz respeito ao julgamento nas secções do Supremo Tribunal de Justiça. Estabelece o n.º 1 deste preceito que, fora dos casos previstos na lei de processo, o julgamento nas secções é efectuado por três juízes, cabendo a um juiz as funções de relator e aos outros juízes as funções de adjuntos.

Nos “casos previstos na lei do processo”, aqui mencionados, que se subtraem à previsão da norma geral, inclui-se o julgamento dos recursos, em conferência, a que é aplicável o artigo 418.º, n.º 1, do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o qual dispõe que, concluído o exame preliminar, o processo vai a visto do presidente e do juiz-adjunto e depois à conferência, na primeira sessão que tiver lugar (a alteração deu expressão à intenção anunciada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que deu origem à Lei n.º 48/2007, onde se dizia que “a conferência (...) passa a ter uma composição mais restrita, englobando apenas o presidente da secção, o relator e um vogal competindo-lhe julgar o recurso quando a decisão do tribunal a quo não constituir decisão final e quando não houver sido requerida a realização de audiência (artigo 419.º). Só nos restantes casos o recurso é julgado em audiência. Com esta repartição de competências racionaliza-se o funcionamento dos tribunais superiores, promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem a título singular”).

É, pois, neste quadro legal que devem ser apreciadas as questões processuais do caso sub judice.

10. A metodologia da decisão obriga, como se disse, a que se inicie pela identificação e apreciação das questões de natureza processual que possam constituir nulidades de conhecimento oficioso, não sanadas (artigo 410.º, n.º 3, do CPP, cit., supra). Inclui-se, neste âmbito, a observância das regras relativas à composição do tribunal (artigo 119.º, n.º 1, al. a), do CPP).

10.1. Como se vê do respectivo texto, o acórdão encontra-se assinado pelo Exmo. Juiz Desembargador Relator e pela Exma. Juíza Desembargadora Adjunta.

Da acta de “sessão em conferência” consta que “(…) em sessão presidida pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Presidente (Turno) (…) foram apresentados, a fim de se proceder à respectiva conferência, os autos de Mandado de Detenção Europeu acima identificados [39/18.0YREVR] (…). Realizada a conferência, pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Relator (…) foram entregues os autos com o antecedente acórdão, por ele assinado e pela Exmo. Juiz Desembargador Adjunto, (…)”. Dela resulta que, na sessão em que o acórdão foi aprovado, em conferência, intervieram unicamente dois juízes – o juiz relator, que também presidiu, e a juiz adjunta.

10.2. Como anteriormente se referiu (supra, 9.3), não havendo consentimento da pessoa procurada, o Tribunal da Relação, funcionando em primeira instância para julgar e decidir sobre o deferimento ou recusa de execução do MDE, tem a composição requerida pelo n.º 4 do artigo 12.º do CPP e pelo n.º 1 do artigo 56.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, devendo, pois, ser integrado por um relator e dois adjuntos, que participam na elaboração e devem assinar o respectivo acórdão. Neste sentido se decidiu nos acórdãos de 13.12.2017, no Proc. n.º 194/17.6YRPRT (ainda não publicado) e de 14.12.2016, no Proc. n.º 796/16.8YRLSB.S1, da 3.ª Secção, e, embora a propósito do processo de extradição, com similar regime processual na fase de julgamento, nos acórdãos de 9.7.2015, no Proc. n.º 65/14.8YREVR.S1, e de 9.9.2015, no Proc. nº 538/14.2YRLSB.S1, desta mesma Secção (estes em www.dgsi.pt).

10.3. Assim, tendo em conta que o processo de execução do MDE  foi julgado e decidido, em conferência, apenas por dois juízes, como um recurso em matéria penal, impõe-se a conclusão de que não foi respeitada a composição do tribunal legalmente exigida (supra, 9.3), o que constitui nulidade insanável cominada no artigo 119.º, al. a), do CPP .

Dispõe este preceito, sob a epígrafe “Nulidades insanáveis”, que «Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição».

Nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, do CPP (Efeitos da declaração de nulidade) as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

Porque esta nulidade, que deve ser oficiosamente declarada, torna inválido, não apenas o julgamento realizado, mas também os actos subsequentes, impõe-se, de harmonia com este preceito, declarar também a nulidade do acórdão recorrido.

A verificação e declaração desta nulidade prejudica o conhecimento das questões suscitadas em recurso, relacionadas com o conteúdo do acórdão recorrido.

III. Decisão

12. Pelo exposto, em conhecimento oficioso da nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea a), do Código de Processo Penal, resultante da violação das regras constantes do n.º 4 do artigo 12.º deste diploma e do n.º 1 do artigo 56.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 1, do mesmo diploma, relativas ao modo de determinar a composição do tribunal, acordam os juízes da secção criminal em declarar a nulidade do julgamento e, em consequência, do acórdão recorrido, devendo o tribunal a quo proceder a novo julgamento com a composição requerida por aquelas regras legais.

Sem custas, por não serem devidas.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Abril de 2018.

Lopes da Mota (Relator)