Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
087236
Nº Convencional: JSTJ00029718
Relator: MIRANDA GUSMÃO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA PRESUMIDA DO CONDUTOR
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMITENTE
VEÍCULO
PROPRIETÁRIO
SOLIDARIEDADE
COMISSÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMISSÁRIO
Nº do Documento: SJ199604300872362
Data do Acordão: 04/30/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N456 ANO1996 PAG19 - DR IIS DE 24-06-1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC TRIB PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 350 ARTIGO 500 N1 ARTIGO 503 N3 ARTIGO 1305.
CCOM888 ARTIGO 266.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1990/06/20 IN BMJ N398 PAG488.
ACÓRDÃO STJ DE 1991/01/07 IN BMJ N403 PAG393.
Sumário : O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se aleguem e provem factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500, n. 1, do C.CIV., entre o dono do veículo e o condutor do mesmo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
1. A, B, C e D, interpuseram recurso para o Tribunal Pleno do acórdão de 20 de Outubro de 1994, proferido no recurso de revista n. 84929, em que são recorrentes Aliança Seguradora, S.A., recorridos os mesmos, invocando oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Outubro de 1988, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 380, páginas 469 e seguintes.
- Reconhecida a existência da alegada oposição, o recurso prosseguiu.
- Nas suas alegações os recorrentes pedem que se revogue o acórdão recorrido e se lavre assento no sentido de competir ao proprietário de qualquer veículo de circulação terrestre alegar e provar os factos constitutivos da transmissão, em forma legalmente válida, do poder real ou de facto, inerente ao direito de propriedade sobre o veículo para outrém, assim como lhe compete alegar e provar que esse poder lhe foi subtraído ilícita ou ilegitimamente.
2. Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do acórdão recorrido, propondo assento confirmativo do acórdão sob recusa.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto acompanha a posição da recorrida propondo assento com a seguinte redacção:
"A responsabilidade por culpa presumida, consagrada na primeira parte do n. 3 do artigo 503 do Código Civil, pressupõe a alegação e a prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500 n. 1, do mesmo diploma legal".
3. Corridos os vistos, cumpre decidir, uma vez que nada temos a dizer contra a decisão da secção quanto à existência de oposição entre os acórdãos recorrido e fundamento.
II
A questão fundamental de direito a que respeita o presente conflito de jurisprudência consiste em saber quando é que o dono do veículo é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor.
1. O acórdão fundamento decidiu que, no domínio da responsabilidade civil decorrente de acidente de circulação terrestre, o dono do veículo que não tenha feito a prova de não ter a sua direcção efectiva nem daquele circular no seu próprio interesse, é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor que, por sua vez, não tenha ilidido a presunção de culpa constante do n. 3 do artigo 503 do Código Civil.
- Sancionou a doutrina da existência de culpa presumida e obrigação de indemnização dos danos causados, solidariamente, com o dono do veículo (através de duas presunções sucessivas: a da direcção efectiva e interessada do proprietário e a da condução por sua conta do veículo) com base num duplo argumento:
- incumbir ao dono do veículo o ónus de provar não ter a direcção efectiva nem o veículo circular no seu interesse.
- não ser realista obrigar o lesado, que nada sabe de quanto fica para trás do acidente, a provar que o condutor que acaba de o atropelar não era ou era comissário do dono do carro.
2. O acórdão recorrido decidiu que, nas sobreditas circunstâncias, o dono do veículo só é responsável pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo derivados da presunção da sua direcção efectiva e interessada, conforme o disposto no artigo 503 n. 1, do Código Civil, uma vez que a existência de culpa presumida (e a consequente responsabilidade solidária) consagrada no n. 3 do artigo 503 pressupõe a demonstração de que o condutor do veículo o conduz por "conta de outrém" ou seja, a constatação de uma relação de comissão, nos termos do artigo 500 n. 1, do mesmo diploma legal.
- Sancionou a doutrina de que para que funcione a culpa presumida do artigo 503 n. 3 do Código Civil não basta a prova de que o veículo é conduzido por pessoa diferente do seu proprietário, com base no argumento de a culpa presumida do condutor do veículo depender da alegação e da prova de uma relação de comissão entre o proprietário, como detentor do veículo, e o respectivo condutor.
III
1. Cremos que a solução adequada do diferendo em causa está na aceitação da doutrina acolhida do acórdão recorrido.
- A doutrina do acórdão fundamento só seria de acolher se correctas fossem as seguintes duas afirmações:
1- nas normas que integram o artigo 500 do Código Civil não cabe a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação.
2- as expressões de "direcção efectiva" e "próprio interesse", usadas no artigo 503 n. 1 permitem interpretar o conceito de comissário, contido no artigo 503, no sentido de ser todo aquele que conduz o veículo com o consentimento daquele que tem a sua direcção efectiva e materialmente interessada.
Tais afirmações não são, porém, correctas.
Por um lado, o artigo 500 do Código Civil, integrado na subsecção da "Responsabilidade pelo risco", abrange casos de responsabilidade civil emergentes de acidentes de viação, conforme a doutrina (Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 6 edição, página 631;
Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4. edição, 403) e Jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdão de 20 de Junho de 1990 - B.M.J. n. 398, 488).
Por outro lado, é nos trabalhos de Vaz Serra para o Código Civil de 66 que reside a fonte imediata dos vários preceitos contidos no artigo 503 deste diploma.
No que concretamente se refere à responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, escreve Vaz Serra:
"Desde que a responsabilidade objectiva se funda na criação do risco, e este é criado por quem tem a efectiva direcção do veículo e o utiliza no seu próprio interesse".
"Essa responsabilidade não tem, portanto, que recair necessariamente sobre o proprietário.
"Uma vez que o que importa é a efectiva direcção da coisa e a utilização no próprio interesse, podem ser guardas o usufrutuário, o locatário, o possuidor em nome próprio, o adquirente com reserva de propriedade (salvo não lhe pertencendo o poder de utilização do veículo)" - Fundamento da Responsabilidade Civil - Boletim Ministério da Justiça n. 90, páginas 74 e 75".
No que concretamente se refere à responsabilidade especial do Comissário, escreve Vaz Serra:
"As pessoas a quem, nos termos expostos, incumbe a responsabilidade pelo risco, podem não ser aquelas que conduzem o veículo causador do dano.
Estes simples condutores, que o fazem no exercício de funções a eles confiadas pelo proprietário, etc., do veículo, não têm que responder objectivamente, como já se observou, o condutor limita-se a exercer as funções que o proprietário, etc., lhe cometeu; mas para proveito do comitente. Portanto, não pode caber-lhe uma responsabilidade objectiva.
"Mas responde pelos danos culposos que causa; e, com ele, o comitente, nos termos gerais sobre responsabilidade do comitente pelos actos dos seus comitidos (hoje artigo 2380 do Código Civil).
"Sobre a culpa do condutor deve presumir-se, ver supra" (Estudo citado, no B.M.J. n. 90, páginas 86 e 87).
2. E foi precisamente no seguimento destas linhas de orientação que Vaz Serra redigiu os ns. 1 e 3 do artigo 1 no primitivo articulado do anteprojecto parcelar sobre a responsabilidade civil em matéria de acidentes de viação (vide Estudo citado, B.M.J. ano 90, páginas 306 e 307).
E são nestes trechos de anteprojecto de Vaz Serra que se situa a fonte imediata quer do n. 1 do artigo 503 (responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo) quer do n. 3 do artigo 503 (responsabilidade do comissário (condutor) em matéria de danos provenientes de acidentes de viação), conforme vem sendo reconhecido por Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 121, página 49.
3. O artigo 503 n. 1 atribui responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo a quem for detentor da direcção efectiva do mesmo e o utilizar no seu próprio interesse, sendo certo que tais elementos presumem-se na utilização do veículo pelo proprietário, porque os mesmos cabem perfeitamente dentro do conteúdo do direito de propriedade, que é dado pelo artigo 1305 do Código Civil.
Tais elementos (os da direcção efectiva do veículo e os da utilização no seu próprio interesse - interesse que existe, ainda que por intermédio de comissário, conforme sublinha a norma em causa) apresentam-se como balizadores do campo de aplicação do artigo 503 n. 1.
Não servem senão para a delimitação da responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo. Por outras palavras, não servem para definir o campo de aplicação do artigo 503 n. 3, 1. parte.
4. O n. 3, 1. parte, do artigo 503 atribui uma responsabilidade por culpa presumida pelos danos causados pelo veículo conduzido por conta de outrém.
Só a existência de uma relação de comissão faz presumir a culpa do condutor, sendo certo que essa relação de comissão tem de ser encontrada fora do campo de aplicação do artigo 503 n. 1 pois, conforme se sublinhou, as expressões aí referidas (direcção efectiva e interesse próprio) são tão somente elementos balizadores dessa norma, ou seja, "só dizem respeito à responsabilidade pelo risco e só servem para determinar esta e não a responsabilidade por culpa, ainda que presumida (acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 1991 - Boletim do Ministério da Justiça n. 403, página 393).
A relação de comissão tem de ser encontrada na definição dada no artigo 500 n. 1 do Código Civil; o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reside nos artigos 266 e seguintes do Código
Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrém, podendo esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc. (P. Lima e Antunes Varela,
Código Civil anotado, vol. I, 4. edição, página 507).
5. A relação de comissão, assim caracterizada, depende da alegação e prova dos factos que a tipifiquem.
A alegação e prova dos factos que tipifique a relação de comissão que está na base da responsabilidade por culpa presumida estabelecida no n. 3, 1. parte, do artigo 503, incumbirá ao lesado, na medida em que será ele a beneficiar da existência dessa relação.
Verificado o mesmo, surge uma presunção de culpa do condutor, o que implica uma inversão do ónus da prova
(artigo 350 n. 1), uma vez que é ao lesado, de harmonia com os princípios válidos no capitulo do ónus da prova
(artigo 342 n. 1) que incumbe provar a culpa do autor da lesão.
De todo o exposto, é manifesto que o acórdão recorrido não suscita qualquer alteração, razão por que se mantém; e se uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos:
"o dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500 n. 1 do Código Civil, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo".
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 30 de Abril de 1996
Miranda Gusmão,
Fernando Fabião,
Sampaio da Nóvoa,
César Marques,
Sousa Inês,
Oliveira Branquinho,
Nascimento Costa,
Almeida e Silva,
Pereira da Graça,
Martins da Costa. (vencido, conforme declaração que junto).
Ramiro Vidigal,
Aragão Seia,
Torres Paulo,
Figueiredo de Sousa,
Miguel Montenegro,
Costa Soares,
Henriques de Matos,
Roger Lopes,
Cortez Nunes,
Metello de Nápoles,
Mário Cancela,
Ferreira da Silva,
Lopes Pinto,
Cardona Ferreira,
Fernandes de Magalhães,
Lopes Cardoso,
Machado Soares,
Pais de Sousa,
Herculano Lima.
Decisões impugnadas:
Acórdão de 20 de Outubro de 1994 do Supremo Tribunal de
Justiça;
Declaração de voto, no processo n. 87236:
I - Parece-me que, em rigor, não há soluções divergentes entre o acórdão-fundamento e o acórdão recorrido.
O primeiro respeitava a recurso interposto pelos réus, proprietário e condutor de veículo automóvel, do acórdão da Relação que os havia condenado, solidariamente, "com base no risco" e com os limites estabelecidos no artigo 508 do Código Civil, pretendendo os recorrentes que não eram responsáveis, com esse fundamento, por falta de prova, que caberia aos autores, de o proprietário ter a direcção efectiva do veículo, e por falta da alegação do risco quanto ao condutor; o acórdão da Relação foi confirmado, embora com "argumentação diferente", por se ter considerado que não competia aos autores a prova de o proprietário ter a direcção efectiva ou de o condutor ser ou não comissário e que "este não provou... não ter tido culpa".
O acórdão recorrido respeitou a recurso de revista interposto pela seguradora (única demandada na acção) e nele se excluiu a culpa presumida prevista no artigo
503 n. 3 do citado Código, por falta de prova de relação de comissão entre o proprietário e o condutor, tendo a ré sido condenada com base na responsabilidade pelo risco do seu segurado, o proprietário do veículo.
Assim, para idêntica situação de facto, foi proferida decisão também idêntica - a condenação com os limites da responsabilidade pelo risco.
A divergência respeita só à fundamentação, ou seja, ao
ónus da prova da relação de comissão, mas isso não é relevante para a existência de soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, uma vez que, em ambos os casos, se chegou à mesma conclusão, à condenação com base no risco.
O conflito apenas existiria, em concreto, se, no caso do acórdão recorrido, tivesse sido demandado o condutor do veículo, cuja responsabilidade seria logicamente excluída, ao contrário do que se verificou no acórdão-fundamento; porém, isso não estava em causa mas só a responsabilidade com base ou não na culpa, o que não era objecto de discussão na hipótese do acórdão-fundamento.
II - Quanto à solução do acórdão, a relação de comissão entre o proprietário e o condutor do veículo, exigida para a configuração da hipótese do n. 3 do artigo 503, ou seja, com a natureza prevista no artigo 500 n. 1, deixa de fora situações frequentes, como a de a condução ser feita por familiar ou amigo do proprietário, por mera cortesia deste, e afigura-se que elas devem ter tratamento idêntico ao de a condução se processar por virtude de uma relação de dependência própria do conceito técnico de comissão.
A razão da culpa presumida prevista no cit. n. 3 do artigo 503 é a de os condutores "por conta de outrem" não serem responsáveis pelo risco, como apontou Vaz Serra em diversos (cfr. Rev. Leg. J., 114, página 206), e essa razão é extensiva a qualquer daquelas hipóteses, não se descortinando motivo válido para que em algumas delas possa ter lugar, e em outras não, essa culpa presumida.
De outro modo, deveria considerar-se que, sendo a condução feita por algum daqueles familiares ou amigos do proprietário, este deixaria de ter a direcção efectiva do veículo e de ser responsável, tanto com base no risco como na culpa (presumida ou efectiva) do condutor, salvo na hipótese de conhecer a inabilitação desses condutores, solução que se não afigura aceitável.
Assim, entendo que a expressão legal "por conta de outrém" não pressupõe uma relação de dependência do condutor, bastando que a condução seja feita por pessoa diversa do proprietário, apenas com a excepção de ela ter lugar contra a sua vontade ou, pelo menos, sem o seu consentimento.
Não terão pois os autores da acção o ónus da prova da existência de qualquer relação de omissão (nem isso seria razoável), cabendo antes ao proprietário ou à seguradora a prova daquela excepção.
III - Por outro lado, este problema da "culpa presumida" provocou já diversos "assentos" e, em meu entender, como acentuei na declaração de voto ao "assento" de 26 de Janeiro de 1994, no D.R. de 19 de Março de 1994, a questão radica, essencialmente, no "assento" de 21 de Novembro de 1979, aliás com diversos votos de vencido, no qual se estabeleceu que "o disposto no artigo 493 n. 2 do Código Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre".
Se tivesse sido fixada aí doutrina contrária, ou seja, a de presunção de culpa do condutor em acidente de viação, por aplicação desse artigo 493 n. 2, como se afigura, em princípio, mais correcto (e é agora defensável, por se haver deixado de atribuir aos "assentos" força obrigatória geral), a solução do caso presente, como de outros, teria melhor razoabilidade.
Na verdade, todos estarão de acordo em que a condução de veículos na via pública, designadamente de veículos motorizados, é "uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados", pelo que se deveria aplicar ao causador de danos, no exercício dessa actividade, a presunção de culpa prevista no artigo citado 493 n. 2; a mesma ideia está consignada em diversos preceitos do Código Civil, como o cit. artigo 503 n. 3 e os artigos 506, 508 e 570 n. 2; tal entendimento não é prejudicado pelo facto de se poder exigir também indemnização com base no risco (n. 1 do artigo 503), pois este continua a ter o seu domínio de aplicação; e a solução justificar-se-ia ainda pelo interesse social de reparação dos danos sofridos pelos lesados e pela normal dificuldade de se fazer a prova de culpa efectiva do condutor do veículo; essa foi, aliás, a solução repetidamente sustentada por Vaz Serra, tanto antes como depois do "assento" de 21 de Novembro de 1979 - cfr. Rev. Leg. J., 113, página
159.
José Martins da Costa.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
I - INTRODUÇÃO:
1 - A, por si e em representação dos seus filhos menores, B, C, D, E e F (MOURA DE ABREU) interpôs recurso para o TRIBUNAL PLENO do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 1994, proferido na revista n. 84929 - 2. Secção, tendo em vista a sua revogação por aplicação de Assento a emitir.
Para tanto, invoca a sua frontal oposição, no tocante à mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Outubro de 1988, proferido no processo n. 76081 e publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 380, páginas 469 e seguintes.
2 - Reconduz-se a oposição entre as duas decisões citadas à questão de saber se, no domínio da responsabilidade civil decorrente de acidentes de circulação terrestre, o dono do veículo que não tenha feito a prova de não ter a sua direcção efectiva nem daquele circular no seu próprio interesse, é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor que, por sua vez não tenha ilidido a presunção de culpa constante do n. 3, do artigo 503, do Código Civil, ou seja, não ter tido culpa no acidente, como decidiu o acórdão fundamento; ou, nas sobreditas circunstâncias, o dono do veículo só é responsável pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo derivado da presunção da sua direcção efectiva e interessada, conforme o disposto no artigo 503, n. 1, do Código Civil, uma vez que a existência da culpa presumida (e consequente responsabilidade solidária) consagrada no citado artigo 503, n. 3, pressupõe a demonstração de que o condutor do veículo o tripula "por conta de outrém", ou seja, a constatação de uma relação de comissão nos termos do artigo 500, n. 1, do mesmo Diploma Legal, como decidiu o acórdão recorrido.
3 - Através da decisão interlocutória de folhas 44/46, proferida ao abrigo do disposto no artigo 766, n. 1, do Código de Processo Civil, a Secção decidiu, em conferência e por unanimidade, pela verificação dos pressupostos legais que servem de fundamento ao recurso, estabelecidos no artigo 763, do mesmo Código e, consequentemente, determinou o prosseguimento do recurso tendo em vista, em derradeira análise, a solução, por Assento, do referido conflito jurisprudencial.
Não se descortina motivação fundada que implique por parte do Tribunal Pleno decisão em sentido contrário, permitida pelo n. 3, do citado artigo 766.
II - ARGUMENTOS DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO:
1 - Incumbe ao dono do veículo o ónus de provar não ter a direcção efectiva nem o veículo circular no seu próprio interesse.
2 - Face ao artigo 503, n. 1, do Código Civil, o dono do veículo que não tenha feito a referida prova é responsável pelos danos causados, solidariamente com o condutor que não tenha provado, como lhe competia - n. 3 daquele artigo 503, não ter tido culpa do acidente.
3 - Não é realista obrigar o lesado, que nada sabe de quanto fica para trás do acidente, a provar que o condutor não era ou era comissário do dono do carro.
III - ARGUMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO:
1 - Só existe culpa presumida, nos termos do artigo
503, n. 3, do Código Civil, quando o condutor do veículo o for por conta de outrem, ou seja, por haver uma relação de comissão, nos termos do artigo 500, n. 1, do mesmo Diploma, pois a culpa presumida equivale à culpa provada.
2 - Não é lícito usar as expressões do n. 1, do artigo 503, para integrar o conceito de comissário e concluir bastar provar-se a propriedade ou presunção da direcção efectiva e interessada do veículo a favor do titular daquele direito, uma vez que tais conceitos só dizem respeito à responsabilidade pelo risco e só servem para determinar este tipo de responsabilidade e não a que deriva de culpa, seja ela efectiva ou presumida.
3 - Admitindo que o facto de alguém ser proprietário de um veículo é suficiente para se poder concluir, salvo prova em contrário, que tem a direcção efectiva do mesmo e o utiliza no seu próprio interesse, já não é legitimo que daí se parta para uma presunção de culpa, porque esta depende da alegação e prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão.
4 - Relação que pressupõe uma situação de dependência entre comitente e comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este e que só tal possibilidade de direcção é capaz de justificar a sua responsabilidade pelos actos do segundo.
5 - Não se provando essa relação de comissão inexiste responsabilidade do condutor a título de culpa presumida e cai-se no domínio da responsabilidade civil por risco a cargo do proprietário do veículo.
V - JURISPRUDÊNCIA:
Para além dos acórdãos em confronto, detectámos as seguintes decisões proferidas por este Supremo Tribunal.
No sentido do acórdão recorrido:
Acórdão de 17 de Novembro de 1977, in Proc. n. 66755 (B.M.J. 271/201);
Acórdão de 07 de Janeiro de 1991, in Proc. n. 79788
(B.M.J. 403/393);
Acórdão de 18 de Abril de 1991, in Proc. n. 80270;
Acórdão de 17 de Junho de 1992, in Proc. n. 80460;
Acórdão de 06 de Maio de 1993, in Proc. n. 83009;
Acórdão de 20 de Setembro de 1994, in Proc. n. 85235;
Acórdão de 12 de Janeiro de 1995, in Proc. n. 85994;
Acórdão de 26 de Abril de 1995, in Proc. n. 86771.
No sentido do acórdão fundamento, embora por forma apenas implícita:
Acórdão de 21 de Junho de 1990, in proc. n. 78849.
VI - SOLUÇÃO PROPOSTA
1 - Começando por melhor precisar as hipóteses subjacentes aos acórdãos em conflito, caracterizando-as, importará reter que em ambos os casos estamos perante uma colisão entre dois veículos, um conduzido pelo dono e o outro dirigido por quem não era o seu proprietário.
Accionada que foi, também em ambos os casos, a responsabilidade civil por acidentes de circulação terrestre do proprietário e do condutor daquele segundo veículo, em qualquer das lides, não só se não logrou apurar a culpabilidade na produção do evento, como também se não provou a direcção efectiva e interessada do proprietário e muito menos a existência entre ele e o condutor de uma relação que sugerisse que este conduzia o veículo por conta daquele.
Perante este quadro, enquanto o acórdão fundamento, através de duas presunções sucessivas, a da direcção efectiva e interessada do proprietário e, a partir desta, a da condução por sua conta do veículo, sancionou a verificação de uma relação comitente/comissário e, concomitantemente, a existência de culpa presumida do condutor e obrigação de indemnização dos danos causados solidariamente com o dono do veículo (artigos 497, 500, n. 1 e 503, n. 3, do Código Civil);
Diferentemente, o acórdão recorrido considerou apenas legítima, na ausência de prova em contrário, a presunção da direcção efectiva e interessada do proprietário do veículo, uma vez que pressupôs que a culpa presumida depende da alegação e da prova de uma relação de comissão entre ele como detentor do veículo e o respectivo condutor e, consequentemente, afastou este tipo de imputação subjectiva e quedou-se no domínio da responsabilidade civil do proprietário pelo risco.
Entendimentos, cujas consequências práticas se repercutiram necessariamente, sobretudo face aos lesados, por forma diversa, quer no tipo e natureza da responsabilidade (ali, plural, solidária e fundada na culpa ainda que presumida e aqui, exclusiva e fundada no risco), quer no "quantum" indemnizatório (ali, sem limitações e aqui, com os constrangimentos decorrentes do disposto no artigo 508, do Código Civil).
2 - Cremos que a solução adequada do diferendo jurisprudencial acabado de mencionar (circunscrito ao âmbito de aplicação do disposto nos ns. 1 e 3, do artigo 503, tendo como pano de fundo o preceituado no artigo 500, n. 1, ambos do Código Civil) foi a acolhida pelo acórdão recorrido que, por isso mesmo, passamos a sustentar.
3 - O artigo 503, do Código Civil, contém a seguinte formulação: Artigo 503
Acidentes causados por veículos
1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489.
3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n. 1.
Por seu turno o artigo 500, do mesmo Diploma, estatui: Artigo 500
Responsabilidade do comitente
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o esposto no n. 2 do artigo 497.
Segundo ANTUNES VARELA (In Rev. de Leg. e Jur., Ano 121, n. 3767, página 46), o artigo 503, do Código Civil, trata, em três proposições normativas distintas, da determinação das pessoas responsáveis pela indemnização dos danos causados por acidentes de viação, a saber:
"No n. 1 define-se a responsabilidade do detentor do veículo (da tal pessoa que tem a direcção efectiva do veículo e o utiliza no seu próprio interesse, no momento em que o acidente ocorre), impondo-lhe uma responsabilidade marcadamente objectiva (ele "responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação").
No n. 2 determina-se, por sua vez, os termos em que respondem, nesta zona especial do risco da circulação terrestre, as pessoas não imputáveis, sujeitando-as ao mesmo regime de equidade e de culpa objectiva aplicável à sua responsabilidade por factos ilícitos.
Por fim, no n. 3, estabelecem-se as regras a que obedece, em termos perfeitamente autónomos, a responsabilidade dos comissários (daqueles que conduzem o veículo por conta de outrem), distinguindo para o efeito dois tipos de situações: o primeiro, constituído pelos casos em que o causador dos danos conduzia por conta de outrem no momento em que o acidente ocorreu, para os quais a lei (1. parte do n. 3 do artigo 503) estabelece a presunção de culpa do condutor; o segundo, formado pelos casos em que o causador do acidente conduzia fora do exercício das suas funções de comissário, aos quais a lei (2. parte do n. 3 do artigo
503) manda aplicar o princípio da responsabilidade objectiva (pelos riscos próprios do veículo) consagrado no n. 1 do mesmo artigo 503.
Por força da consideração autónoma dos três números em que o corpo do artigo 503 do Código Civil se divide, o comissário responde por todos os danos que causar através do acidente de viação, desde que não consiga ilidir a presunção de culpa que a lei faz incidir sobre ele. O detentor do veículo, por conta de quem este seja conduzido, responde nesse caso, não por força do disposto no n. 1 do artigo 503, mas em obediência à doutrina que o artigo 500 do Código Civil estabelece para a responsabilidade do comitente pelos danos que o comitido causar".
4 - Porém e no que para o caso interessa, como adverte o já mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 1991 (In B.M.J. 403/393) - cuja orientação influenciou o acórdão ora objecto de recurso e que também vamos seguir de perto -, nem sempre se atenta na distinção que, nos sobreditos termos, há que operar entre o n. 3, do artigo 503, quando estabelece um caso de presunção de culpa do condutor e o n. 1 do mesmo preceito, quando estabelece a responsabilidade pelo risco de quem tem a direcção efectiva e o interesse na utilização do veículo, independentemente do facto que esteve na origem do acidente.
Distinção que mais se evidenciou, se é que necessário, através da doutrina do Assento de 14 de Abril de 1993 (In B.M.J. 326/302) que, pondo termo à divergência que se verificava sobre o alcance do mencionado n. 3, se relacionado apenas com as relações internas entre os responsáveis pelo acidente, o condutor e o seu comitente, ou entre o condutor e os titulares do direito a indemnização, decidiu neste último sentido, estatuindo que:
"A primeira parte do n. 3 do artigo 503 do Código
Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização".
E que ulteriormente saiu reforçada, primeiro através do Assento de 26 de Janeiro de 1994 (In Diário da República, I S., de 19 de Março de 1994), segundo o qual:
"A responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no artigo 503, n. 3, primeira parte, do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no artigo 506, n. 1, do mesmo Código".
E depois por intermédio do Assento de 2 de Março de 1994 (In Diário da República, I S., de 28 de Abril de 1994), de acordo com o qual:
"A responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do artigo 503, n. 3, do Código Civil, não tem os limites fixados no n. 1 do artigo 508 do mesmo diploma".
Forçosa, pois, a conclusão de que a responsabilidade por culpa presumida, consagrada na primeira parte do n. 3, do artigo 503, do Código Civil, só existe como tal quando o condutor do veículo o é por conta de outrem, ou, o que é a mesma coisa, quando age como comissário de outrem, e não simplesmente quando a propriedade e/ou detenção do veículo é de outra pessoa.
5 - Por outro lado e não obstante a responsabilidade pelo risco, consagrada no n. 1, do artigo 503, abranger não apenas o proprietário, mas quem - seja ou não proprietário - tiver a direcção efectiva de qualquer veículo e o utilizar no seu próprio interesse, é perfeitamente legítimo, em termos de normalidade e razoabilidade, salvo prova em contrário, afirmar que a propriedade faz presumir a direcção efectiva e interessada do veículo pelo proprietário, com os inerentes reflexos na respectiva esfera jurídica (Cfr. acórdãos do S.T.J. de 6 de Maio de 1980, 13 de Junho de
1983 e 25 de Outubro de 1983, no B.M.J. 295/369, 328/559 e 330/511, respectivamente).
Isto na medida em que esses conceitos - direcção efectiva e utilização no próprio interesse - são plenamente compatíveis com o conteúdo do direito de propriedade, tal como este se mostra definido pelo artigo 1305, do Código Civil, mas já o não serão para integrar e definir uma relação de comissão, sendo certo que só esta é determinante da responsabilidade baseada na culpa (comprovada ou presumida) do condutor e extensível a outrem, o comitente.
6 - Tudo se refere, com inteira pertinência e lúcida percepção, o já citado acórdão de 7 de Janeiro de 1991 (In B.M.J. 403/393), que, nessa parte, nos permitimos passar a transcrever:
"Não parece lícito utilizar as expressões interesse efectivo e utilização no próprio interesse para fundamentar a responsabilidade por culpa (solidária) nos termos do artigo 500, n. 1, que se verificará exclusivamente quando alguém encarrega outrem de qualquer comissão, o que significa o mesmo que quando alguém conduzir o veículo por conta de outrem, como se diz no n. 3 do artigo 503.
No primeiro caso, a perspectiva é do comitente. No segundo é do comissário. Mas a relação é a mesma, como resulta necessariamente da excepção da segunda parte do mencionado n. 3, que alarga a responsabilidade pelo risco ao simples condutor quando estiver fora do exercício das suas funções de comissário.
Sendo, pois, diversos os âmbitos de aplicação dos artigos 500, n. 1, e 503, n. 1, e ligando-se o n. 3 do artigo 503 ao artigo 500, n. 1 - responsabilidade por culpa do condutor - têm necessariamente fundamentos diversos.
Só a existência de comissão faz presumir a culpa do condutor e a consequente responsabilidade do comitente - seja ou não proprietário - nos termos do artigo 500, n. 1. A sua inexistência exclui a presunção de culpa e torna o condutor só responsável a título de culpa provada. A não ser que possa incluir-se em qualquer das situações do n. 1 ou do n. 3, segunda parte, do artigo 503.
Mas então só ele será responsável a título de risco.
Aqui chegados, parece já claro que não é lícito usar as expressões do n. 1 do artigo 503 para interpretar o conceito de comissário e concluir que basta poder provar-se a propriedade ou a presunção legal da direcção efectiva e interessada do veículo a favor do proprietário, pois que estes conceitos dizem respeito à responsabilidade pelo risco e só servem, para determinar esta e não a responsabilidade por culpa, ainda que presumida.
Sendo esta, aliás, uma excepção, alargá-la com fundamento na atribuição da responsabilidade pelo risco será nitidamente exceder os objectivos do legislador, será não apenas interpretar a lei, mas integrá-la por analogia sem razão de ser, porque se trata de casos que não são análogos.
Assim, admitindo que o facto de ser proprietário de um veículo é suficiente para se poder concluir, salvo prova em contrário do próprio, que tem a direcção efectiva do mesmo e o utiliza no seu próprio interesse, donde a sua responsabilidade pelo risco do uso desse veículo, já não é legítimo que se use da mesma presunção para concluir pela existência de presunção de culpa, porque esta depende da verificação de uma relação de comissão, que depende da alegação e prova de factos que a tipifique, e não se presume em face dos factos mencionados no n. 1 do artigo 503 do Código Civil".
7 - Tanto quanto basta para permitir afirmar que a culpa presumida para que aponta o artigo 503, n. 3, do Código Civil, acrescido dos subsídios resultantes da sua interpretação autêntica veiculada pelos referidos
Assentos, pressupõe uma relação de comissão, pressupõe, em suma, que o condutor de certo veículo causador de um acidente esteja então a agir como comissário de outrem (o comitente), entendido que "o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos artigos 266 e seguintes do Código comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc." (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, volume I, 4. edição, página 507).
Não estando provada essa relação comitente/comissário, como sucede nos acórdãos ora em confronto, óbvio se torna que, na ausência desse facto-base impossível é dar por verificada, nos quadros daquele artigo 503, n. 3, do Código Civil, uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos em que o elemento culpa (do condutor) fosse apenas presumido. Nessa medida, subsistirá tão-só a responsabilidade civil pelo risco, nos termos do n. 1 do mesmo preceito, do proprietário e/ou detentor do veículo, como titular comprovado ou presuntivo da respectiva direcção efectiva e interessada, mas com os limites indemnizatórios decorrentes do disposto no artigo 508, do mesmo Diploma Legal (como julgou o acórdão recorrido ao contrário do acórdão fundamento).
VII - CONCLUSÃO:
Face ao exposto, somos de parecer que o presente conflito jurisprudencial deverá ser solucionado através da prolação de Assento, para o qual se propõe a seguinte redacção:
"A responsabilidade por culpa presumida, consagrada na primeira parte do n. 3, do artigo 503, do Código Civil, pressupõe a alegação e a prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500, n. 1, do mesmo Diploma Legal."
Cuja aplicação ao caso concreto em litígio é determinante da confirmação do douto acórdão recorrido e, consequentemente, da improcedência do recurso.
O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO
ANTÓNIO ALBERTO PEREIRA DA COSTA.