Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2673/12.2T2AVR.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO-SURPRESA
CONTRATO DE EMPREITADA
SUBEMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONTRATO DE SEGURO
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
EXONERAÇÃO
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / REGRA DA SUBSTITUIÇÃO AO TRIBUNAL RECORRIDO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., p. 278;
- Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed. p. 499 a 504, 547 e 970;
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª ed., p. 225, 226 e 253;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 3.ª ed., p. 100 ; vol I, 10.ª ed., p. 601;
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed., p. 80, 81, 91 e 92;
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, p. 236 e ss. ; Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2.ª ed., p. 474.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 665.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-01-2018, PROCESSO N.º 534/15.2T8VCT.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A regra da substituição ao tribunal recorrido na hipótese de nulidade fundada em omissão de pronúncia (art. 665.º, n.º 1 do CPC), implica, por natureza, a supressão de um grau de jurisdição, e por isso não incorre em excesso de pronúncia o acórdão da Relação que, declarando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, conhece do objeto da apelação na parte que foi omitida, ao invés de ordenar à 1ª instância que o faça.

II - Sendo suscitada por uma parte, por via de recurso, a nulidade da sentença da 1ª instância, e uma outra parte, que inclusivamente aderiu a esse recurso, tido oportunidade de se pronunciar sobre essa nulidade, não tinha o relator na Relação que fazer ouvir esta última parte nos termos do n.º 3 do art. 665.º do CPCivil, de modo que não houve qualquer privação do contraditório nem a produção de qualquer decisão-surpresa.

III - Visando o dona da obra obter uma indemnização do empreiteiro por deficiente execução da obra, está-se perante um caso de responsabilidade contratual e não delitual, mesmo que o dano a indemnizar não recaia sobre a própria obra objeto da empreitada, mas, reflexamente, sobre outra coisa do dono da obra.

IV - Havendo defeitos na obra, presume-se a culpa do empreiteiro na sua execução, mesmo que a obra tenha sido realizada por subempreiteiro.

V - Tendo o subempreiteiro fornecido e aplicado na obra uma forquilha, fabricada por terceiro, que sofreu rutura por deficiência de conceção e de fabrico, havia de se ter reparado nessa deficiência e disso se ter feito ciente a dona da obra. Não se mostrando que assim procedeu, não pode dizer-se que ficou ilidida a presunção de culpa que recaia sobre o empreiteiro, mesmo que a fiscalização da obra tenha achado a obra conforme ao que fora solicitado.

VI - A circunstância das condições gerais do contrato de seguro de responsabilidade civil excluírem das coberturas do seguro as perdas indiretas, o que aliás foi reiterado nas condições particulares, só por si não esvazia de objeto o seguro, cujo interesse para o segurado se mantém.

VII - Resultando o prejuízo do dono da obra de um concurso de causas, umas da sua responsabilidade outras da responsabilidade do empreiteiro, este, não alegando e provando qualquer facto extintivo da obrigação, está normalmente obrigado a reparar o prejuízo na proporção em que, como concausador, foi estabelecida pelo tribunal.

VIII - Sabendo-se que o dono da obra recebeu da sua seguradora, por efeito de um contrato de seguro de danos sobre coisas que celebrou, uma indemnização que reparou parte do dano, mas não alegando e provando o empreiteiro que a abrangência desse seguro se confinava apenas ao dano causado por terceiro (como seria o caso do empreiteiro), não cobrindo também o dano da responsabilidade do dono da obra, não pode dizer-se que com aquele recebimento ficou o crédito do dono da obra sobre o empreiteiro satisfeito, exonerando-se assim o empreiteiro.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA, S.A. demandou, pelo Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, BB., CC Lda. e DD, S.A. (e que passou a denominar-se EE, S.A.),
peticionando a respetiva condenação solidária no pagamento da quantia de € 427.279,15, acrescida dos juros desde a citação.

Alegou para o efeito, em síntese, que tem por objeto a exploração de piscicultura.

Em 17/11/2009, celebrou com a 1.ª Ré BB, Lda. um contrato de empreitada que tinha por objecto a remodelação de instalações da piscicultura da Autora.

No dia 14/07/2011 ocorreu um sinistro nas instalações, causado pela rutura da forquilha instalada no bypass do módulo 3, que provocou a inundação da sala das bombas, a passagem de água da inundação da sala das bombas para o compartimento das bombas do módulo 2 e a paragem das bombas dos módulos 2 e 3. Em consequência dessa rutura e inundação foi impedida a renovação da água nas tinas n.ºs 2 e 3, o que causou a morte de peixes nelas existentes e provocou à Autora o correspondente prejuízo.

A rutura teve origem no incumprimento pelas 1.ª e 2.ª Rés do caderno de encargos, proposta de fornecimento, contrato e lista de trabalhos, recomendações, legislação e regulamentos.

A 1ª Ré havia transferido para a Ré Seguradora DD, S.A. a responsabilidade pelo acidente em causa.

                                                           +

Contestaram as Rés, concluindo pela improcedência da ação.

A Ré BB, Lda. alegou, em síntese, que por razões exclusivas da Autora foram sendo introduzidas alterações sucessivas na empreitada e respetivo objecto. A Ré cumpriu integralmente o contrato de empreitada, quer quanto aos termos inicialmente acordados entre as partes, quer quanto ao que, depois, veio a ser solicitado pela Autora. O sinistro foi provocado pela falta ou deficiente execução da ancoragem, sendo que era à Autora que incumbia executar essa ancoragem e a colocação dos suportes das tubagens e válvulas. O bypass foi desenhado pela Autora - não havia qualquer projeto -, sendo executado pela Ré CC, Lda.. A execução dos trabalhos foi vistoriada pela fiscalização, que não apresentou qualquer reserva ou defeito, e a obra foi aceite pela Autora. Na altura do sinistro, a Autora já estava a utilizar a obra, sem que se tenha procedido formalmente à respetiva receção provisória. A inundação podia ter sido evitada se existisse no poço uma bomba submersível adequada.

A Ré CC, Lda., e para além de ter suscitado as exceções da sua ilegitimidade e da preterição de litisconsórcio necessário passivo, alegou, em síntese, que:

a) a obra de remodelação da piscicultura da Autora foi sendo construída em diversas fases, tendo a contestante contratualizado com a 1.ª Ré, para cada uma das fases, a realização de trabalhos distintos com recurso a materiais distintos, de acordo com as duas “Listas de Trabalhos” apresentadas. Os artigos constantes das “Lista de Trabalhos” do Orçamento n.º ... contêm muitas alterações aos artigos do Caderno de Encargos da Autora e, ainda, aditamentos, que foram impostos pela Autora às 1.ª e 2.ª Rés. Assim, o bypass de circuito de hidráulico de bombagem, no módulo 3, onde ocorreu o invocado defeito, constituiu uma alteração ao projeto, sendo apenas descrito na “Lista de Trabalhos” apresentada à 2.ª Ré pela 1.ª Ré, no ponto n.º 26 A do Orçamento no ..., tendo sido executado sem qualquer projeto, a mando, passo a passo, da ora A., que ordenou, designadamente, que passasse a ser executado com o diâmetro de 160 mm, em vez dos 315 mm inicialmente previstos;

b) os trabalhos de ancoragem – meios de fixação e suporte – sempre foram executados diretamente pela Autora;

c) era à Fiscalização da obra que competia submeter o sistema a um ensaio de pressão;

d) as deficiências do tubo não eram aparentes, só sendo percetíveis mediante uma análise rigorosa e científica como a que foi levada a efeito pelo ISQ;

e) após a instalação do circuito de bombagem do módulo 3, a Autora mandou proceder à instalação elétrica e de sistema de redes, que implicaram a passagem de cabos elétricos, por calhas, colocados por cima do circuito bypass. A execução de tais trabalhos implicou a passagem de trabalhadores por cima do circuito bypass, podendo ter sido esta mais uma causa para a fratura do tubo;

f) se existissem bombas submersíveis nos módulos 1, 2, 3 e 4, estas poderiam ter evitado a subida das águas e consequente avaria das bombas dos circuitos de bombagem. Tais bombas não foram aplicadas pela A. por razões de redução de custos.

Mais requereu a intervenção principal de FF, Lda., como associada das Rés.

Na contestação que apresentou, e para além de impugnar parte da factualidade alegada pela Autora, a Ré DD …, S.A. invocou:

a) a sua ilegitimidade com o fundamento de que a Autora não a podia demandar diretamente;

b) a caducidade do direito de indemnização pelo decurso do prazo previsto no n.º 2 do art. 1225.º do C. Civil;

c) a não cobertura do seguro relativamente ao prejuízo em causa.

                                                           +

Por despacho proferido a fls. 416/418, foi admitida, como associada das Rés, a requerida intervenção principal de FF, Lda.

Esta, porém, não interveio nos autos, nomeadamente contestando a ação.

                             +

Foi proferido despacho saneador onde, além do mais, se decidiu julgar improcedentes as exceções de ilegitimidade e de caducidade, e relegar para a sentença o conhecimento das exceções relacionadas com a cobertura do seguro.

                                                           +

A final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação:

a) Condenou a 1.ª e 2.ª Rés e a Chamada a pagarem à Autora a quantia de €78.310,48, acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, a partir da citação e até integral pagamento;


b) Condenou a Ré Seguradora a pagar à Autora solidariamente com aquelas Rés a quantia de € 70.479,43, acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, a partir da citação e até integral pagamento;

c) Absolveu as Rés e a Chamada do mais que contra elas fora pedido.

                                                           +

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

As Rés EE, S.A. e CC, Lda. recorreram subordinadamente.

A Ré BB, Lda. veio declarar a sua adesão aos recursos subordinados.

A Relação do Porto julgou improcedente a apelação da Autora, e procedentes os recursos subordinados, revogando a sentença na parte em que condenou as respetivas Recorrentes, absolvendo-as do pedido que contra elas foi deduzido.

                                                           +

Insatisfeita com o decidido, pede a Ré BB, Lda. revista.

                                                           +

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

I. O recurso ora interposto do douto acórdão proferido é apresentado na firme convicção de que a matéria de facto apurada nestes autos impunha ao Tribunal a quo a adoção de uma decisão diferente da seguida, designadamente, a absolvição da Ré, ora Apelante.

II. A Apelante entende que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito aos factos dados como provados.

III. Desde logo, entende a Apelante que o Tribunal a quo conheceu de matérias de que não podia conhecer ao i) substituir-se ao Tribunal Recorrido de Primeira Instância (ex vi artigo 665.° CPC).

IV. Com efeito, a co-Ré EE arguiu a nulidade da sentença, porquanto o Tribunal de Primeira Instância, na Audiência Prévia, relegou para o momento da sentença o conhecimento das exceções invocadas e, depois, não se pronunciou sobre as mesmas.

V. Acontece que, o Tribunal de Primeira Instância não deixou de conhecer as exceções invocadas por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, mas, ao que parece evidente, por manifesto esquecimento.

VI. Note-se que a substituição prevista no n.º 2 do artigo 665.º CPC pressupõe uma consciente não resposta (isto é, não responde por considerar que a questão se encontra prejudicada) e já não quando se esquece.

VII. Por este motivo, entende a Ré que não cumpria ao Tribunal a quo substituir-se ao Tribunal de Primeira Instância e, ao invés, deveria ter ordenado a remessa dos Autos à Primeira Instância para que conhecesse da questão que olvidou.

VIII. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou o preceituado no n.º 2 do artigo 665.º do CPC.

IX. Em consequência, deverá acórdão ser revogado e ser ordenado que o Tribunal da Relação ordene a remessa dos Autos à Primeira Instância para que se pronuncie sobre as questões que olvidou decidir.

Acresce que,

X. A decisão proferida ii) violou, também, o preceituado no n.º 3 do artigo 665.º do CPC.

XI. Com efeito, a Exma. Desembargadora Relatora, antes de ter proferido a decisão, deveria ter ouvido cada uma das partes, em cumprimento do princípio do contraditório e para evitar a prolação de uma decisão surpresa, como a que se veio a verificar.

XII. A decisão proferida, nesta parte, tem reflexos, não só na esfera da Autora Apelada (que viu a ação improceder contra a seguradora), mas, também, na ora Apelante, porquanto, por via da mesma, a sua seguradora deixou de ser solidariamente responsável pelo valor de €70.479,43, conforme a decisão de primeira instância havia decidido.

XIII. Por esse motivo, a Ré tinha todo o interesse em procurar influenciar positivamente a decisão que veio a ser decidida, sem que tivesse tido oportunidade de exercer o contraditório.

XIV. Assim, ao decidir como fez, o Tribunal a quo no douto acórdão violou o preceituado no n.º 3 do artigo 665.º CPC.

XV. Em consequência, deverá o acórdão ser revogado e ser ordenado que o Tribunal da Relação convide as partes a pronunciarem-se sobre a questão da interpretação a dar às cláusulas do contrato de seguro.

Sem prejuízo,

XVI. As instâncias concluíram de forma diversa quanto à iii) qualificação da responsabilidade civil feita valer nesta ação: a Primeira Instância entendeu que a responsabilidade é extracontratual, delitual ou aquiliana e o acórdão recorrido que se trata de responsabilidade contratual.

XVII. Não pode a ora Apelante concordar com a posição assumida pelo acórdão recorrido, porquanto, desde logo, não está em causa o exercício dos direitos da eliminação dos defeitos, da redução do preço e da resolução do contrato previstos nos artigos 1221.°, 1222.°, 1223.º do CC,

XVIII. O contrato de empreitada ficou cumprido, podendo, eventualmente, serem utilizados os mecanismos previstos nos artigos vindo de referir, se surgissem defeitos, o que não ocorreu.

XIX. Aliás, a Autora veio apenas alegar os prejuízos causados em consequência do sinistro, ou seja, exercer o direito da indemnização previsto no artigo 1223.º do CC, que lhe confere, nos termos gerais do Código Civil, de se “ressarcir dos danos provenientes da execução defeituosa, sejam eles causados na própria obra ou noutros bens jurídicos do dono desta”.

XX. Tanto mais que os danos em causa na presente ação não estão relacionados com o objecto empreitada, ou seja, a morte dos peixes mantidos em viveiros são, sem qualquer dúvida, danos colaterais, porquanto não se relacionam com o objecto da empreitada.

XXI. Note-se que na distinção de Pedro Romano Martinez, os danos “cerca rem” são os específicos ligados ao contrato, isto é, os causados no objecto da própria prestação. Já os “extra rem” são os danos pessoais sofridos pelo credor e os danos ocasionados no restante património do “accipiens”. Ali, aplicar-se-ão as regras da responsabilidade contratual, aqui, as da responsabilidade extracontratual.

XXII. É neste ponto que a ora Apelante diverge do acórdão, porquanto entende que os danos provocados nos peixes mantidos em viveiro, não fazendo parte do contrato de empreitada, são danos extra rem - o que exclui a responsabilidade contratual.

XXIII. Em linha com a tese defendida na sentença do Tribunal de Primeira Instância, os prejuízos têm origem extracontratual embora eventualmente sejam consequência de ou tenham origem em violação do contrato de empreitada.

XXIV. Realce-se que a escolha entre o regime da responsabilidade contratual ou aquiliana tem inegáveis consequências, desde logo, quanto à manutenção da co-Ré CC como parte legítima nos presentes Autos - tanto mais que a mesma veio a ser absolvida do pedido no acórdão recorrido.

XXV. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do regime de responsabilidade e, por via disso, absolveu a Ré CC do pedido, quando tal não deveria ter ocorrido e, por isso, violou o preceituado nos artigos 483.º e seguintes e 1221.º a 1223.º, todos do CC.

XXVI. Em consequência, deverá o acórdão ser revogado e ser substituído por outro que considere que, porque se aplica o regime da responsabilidade extracontratual, é a Ré CC parte legítima.

Sem prejuízo,

XXVII. Se se entender que estamos no iv) âmbito de responsabilidade contratual, imperioso se mostrava, então, que tivesse resultado provado que o sinistro ocorreu no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e a Ré Apelante.

XXVIII. Contudo, dos factos 3), 4), 21), 22), 27) e 28) o que resulta é que o bypass não constava da lista de trabalho do contrato de empreitada; foi uma alteração do projeto que o Dono da Obra solicitou diretamente à Ré CC que, por sua vez, encomendou a peça à FF; foi a Ré CC, após ordem expressa da Autora, quem procedeu à montagem provisória do sistema bypass para aprovação da A. e Fiscalização; uma vez aprovada, a Autora/Dono da Obra mandaram a 2ª Ré proceder à conclusão, em definitivo, daquela alteração ao projeto na parte que lhe competia para, depois, os trabalhadores do dono da obra procederem à sua ancoragem/fixação.

XXIX. Isto é, dos factos dados como provados não resulta que a execução da referida peça, sua colocação e montagem fossem trabalhos no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e ora Apelante.

XXX. Antes pelo contrário. O que resulta é que foram trabalhos extra contrato de empreitada.

XXXI. Pelo que não pode a ora Apelante ser responsabilizada por alegados defeitos de concepção ou execução de um bypass que nunca foi da sua responsabilidade.

XXXII. Dito de outro modo, não existe qualquer responsabilidade contratual da ora Apelante no sinistro em causa nos presentes Autos.

XXXIII. Por conseguinte, impõe-se a revogação do acórdão recorrido, devendo a ora Apelante ser absolvida.

XXXIV. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo fez uma incorreta integração dos factos dados como provados e, assim, violou o disposto nos artigos 798.º e seguintes do C.C.

Sem prescindir,

XXXV. A Apelante não se conforma com a v) interpretação efetuada pelo acórdão recorrido quanto às exclusões contratuais.

XXXVI. Na verdade, o acórdão recorrido concluiu que os danos peticionados se encontram excluídos porquanto o contrato de seguro não garante a responsabilidade civil emergente de perdas indiretas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações.

XXXVII. Acontece que, o seguro contratado é um seguro que tem por objecto a responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade contratual da aqui Apelante que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado na qualidade ou no exercício da atividade expressamente referida nas condições particulares, ou seja, na construção civil.

XXXVIII. Uma interpretação literal de tal exclusão, sempre com o devido respeito, esvazia o seguro de qualquer objecto.

XXXIX. Na esteira do aresto deste Supremo Tribunal de 24.01.2018, segurar a responsabilidade civil extracontratual e contratual e, depois, excluir todo e qualquer lucro cessante, todo e qualquer perda indireta de qualquer natureza e toda e qualquer paralisação é esvaziar “a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar”.

XL. A exclusão de tais danos “desrespeita o princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, arredando do âmbito da cobertura da apólice” os danos mais comuns produzidos no âmbito da atividade da Apelante de construção civil.

XLI. “E porque neste domínio a ponderação da boa fé deverá ser feita em função da confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis, conforme impõe o art. 16.°, al. a), do DL 446/85, de 25-10, a referida cláusula de exclusão consubstancia um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vínculo contratual estabelecido; por isso, é desproporcional e violadora do princípio da boa-fé. Consequentemente, há que a considerar proibida e, como tal, nula (arts. 12.°,15.° e 18.°, al. b), do DL 446/85, de 25-10)” - nulidade que expressamente se invoca.

Mais,

XLII. Ainda que assim não se considere, a melhor interpretação a dar à exclusão deverá considerar que a mesma se encontra apenas inserida na alínea j).

XLIII. Com efeito, analisadas todas as alíneas que compõem as exclusões, verifica-se que as primeiras procuram afastar a responsabilidade e excluir danos muito concretos; depois aparecem os danos decorrentes de determinados sinistros (danos ambientais, acidentes provocados por veículos, transporte de materiais explosivos, furto ou roubo). Depois, vêm três alíneas [i), j) e k)] que têm que ver com a execução do contrato e o incumprimento do contrato.

XLIV. Estes danos contratuais têm que ver, naturalmente, com o próprio objecto do contrato (cerca rem).

XLV. Deste modo, os danos em causa nos presentes Autos (extra rem) não se encontram abrangidos por esta exclusão.

Sem prescindir,

XLVI. Haverá, ainda, que ponderar, no esforço interpretativo, o diferente texto existente entre as condições gerais e as particulares, com a inclusão da expressão “terceiros” associado à paralisação.

XLVII. Com efeito, a inclusão da expressão “terceiros” nas condições particulares tem de ter consequências na interpretação a fazer de tal exclusão.

XLVIII. Ora, se se tiver em consideração o que acima se referiu quanto à abrangência da garantia que o contrato pretende salvaguardar (e, portanto, não podem ser todos e quaisquer danos); além da integração da exclusão nas condições gerais na alínea j) e a ausência de referência a terceiros; a inclusão de tal expressão só pode visar uma única consequência: no que diz respeito aos terceiros, só os danos da paralisação desses terceiros é que se encontram excluídos, sendo que os danos indiretos e perda de lucros só podem ser do próprio segurado.

Concluindo,

XLIX. Se se interpretar de forma literal a exclusão, a mesma só pode ser considerada nula;

L. Se se interpretar a exclusão considerando a sua inserção na alínea j), por confronto às demais alíneas, tal exclusão abrange apenas os danos contratuais que têm que ver com o próprio objecto do contrato (cerca rem) e já não os extra rem, como em causa nos presente autos.

LI. Se se interpretar as condições gerais e particulares em conjunto com o âmbito da atividade de construção civil; as diferentes consagrações textuais com a inclusão de terceiros associado apenas à paralisação e, bem assim, a inclusão de tal exclusão na alínea j), deve tal exclusão ser interpretada de forma restritiva no sentido de que, quanto a terceiros, apenas os danos de paralisação se mostram excluídos.

Mas mesmo que assim não se entenda,

LII. Os danos sofridos pela Autora Apelada não se reconduzem aos danos excluídos naquela cláusula contratual.

LIII. Com efeito, os danos da Autora ascenderam a 506.939,09€, sendo 294.160,08€ de custos fixos e 212.779,0l€ de custos variáveis.

LIV. Ou seja, os danos sofridos são custos, logo são danos emergentes e, portanto, não se encontram, de todo, excluídos.

LV. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do contrato de seguro celebrado e violou o disposto nos artigos 12.°, 15.°, 16.º e 18.º do DL 446/85, de 25-10.

A terminar,

LVI. A apelada não se conforma, também, com o que entende se tratar de uma vi) errada interpretação da divisão de responsabilidades.

LVII. Conforme resulta fixado em ambas as instâncias, a responsabilidade da Autora foi fixada em 3/4 e a das Rés nos restantes 1/4.

LVIII. Se se considerar que o valor total dos danos ascenderam a 506.939,06€, de tal divisão de responsabilidades resulta que a Autora teria que suportar 3/4 daquele valor, ou seja, 383.204,31€, apenas podendo exigir de quem quer que fosse o valor de 127.734,77€.

LIX. Acontece que, a Autora já recebeu da sua seguradora o valor de 193.697,15€.

LX. Donde, dentro da divisão de responsabilidades definida pelo Tribunal (3/4 vs. 1/4), a Autora apenas poderia ser indemnizada no valor global de 127.734,77€. Se já recebeu da sua seguradora o valor de 193.697,15€, nada pode exigir das Rés.

LXI. Note-se que a indemnização adiantada pela seguradora à Autora Apelada não é alheia aos danos peticionados nos presentes Autos, porquanto a seguradora, uma vez satisfeito o crédito, sub-rogou-se no direito da Autora.

LXII. O que, com o devido respeito, não se pode aceitar é que a Autora, tendo sido considera responsável em 3/4 dos danos sofridos, venha a receber 193.697,15€ da sua seguradora e 78.310,48€ da Ré ou das Rés, num total de 272.007,63€ (ou seja, receberá 53% dos danos tidos, quando apenas deveria receber 25%).

LXIII. Em face do exposto, atenta a divisão fixada, o cômputo dos danos totais e o já recebido pela sua seguradora, deverá o douto acórdão ser revogado e substituído por outro que absolva a Ré do pedido.

LXIV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação dos danos sofridos pela Autora Apelada, violando o disposto no artigo 570.º do CC.

                                                           +

A Ré EE, S.A. e a Ré CC-…, Lda. contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.

                                                           +

O tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades imputadas ao acórdão respetivo, julgando-as inverificadas.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia;

- Preterição do contraditório e produção de decisão-surpresa;

- Qualificação da responsabilidade da Recorrente;

- Obra correspondente a serviços extra contrato de empreitada;

- Cobertura dos danos pelo seguro;

- Errada interpretação indemnizatória da divisão de responsabilidades.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes, como tal descritos no acórdão recorrido:

1 - Entre a A. e a 1.ª Ré foi celebrado, a 17/11/2009, o contrato de empreitada constante de fls. 20/24 (que se dá por reproduzido) e tinha por objecto “a remodelação da piscicultura conforme especificações e características constantes do projecto de “Arquitetura e Proposta n.º … Retificada com data de 17/11/2009, documentos que ficam a fazer parte integrante do presente contrato” (A).

2 - Nos termos do contrato, pelo menos o fornecimento dos suportes de tubagens e acessórios de ligação às tinas era da responsabilidade da A., por estar excluído do contrato – fls. 31/36 (B).

3 - No dia 14/07/2011, ocorreu um sinistro nas instalações da A. causado pela ruptura da forquilha instalada no bypass do módulo 3, que provocou a inundação da sala das bombas, a passagem de água da inundação da sala das bombas para o compartimento das bombas do módulo 2 e a paragem das bombas dos módulos 2 e 3 (C).

4 - A forquilha bypass que sofreu a ruptura foi fornecida à “CC” por FF, Lda. (D).

5 - Em consequência da ruptura e inundação referidas foi impedida a renovação da água nas tinas nºs. 2 e 3, o que causou a morte de peixes nelas existentes (E).

6 - A 1.ª Ré subempreitou, por contrato de 16/12/2010, à 2.ª Ré (CC) os trabalhos constantes do orçamento n.º ..., junto a fls. 371/378, respeitantes aos módulos 2 e 3, pelo que respeita aos fornecimentos e montagem de todas as especialidades de circuitos hidráulicos, elétricos e ventilação (F).

7 - A ora A. recebeu da Seguradora “GG” € 193.697,15 como liquidação total e definitiva dos danos, prejuízos e gastos em consequência da perda de stock (robalo e linguado) no sinistro de 13/07/2011 cobertos pela Apólice no …, a 11/11/2011 – fls. 143/144 (G).

8 - O acessório alvo de ruptura, durante os testes, soltou-se da instalação, tendo sido recolocado por alguém que não as duas primeiras Rés (H).

9 - Entre a Ré BB – .., Lda., e a Ré DD, S.A., foi celebrado o contrato de seguro de responsabilidade civil com a Apólice n.º … com as condições particulares e gerais constantes de fls. 242 e seguintes (I).

10 – A forquilha “Tê a 45º” referida em 3 dos Factos Provados (FP) é um acessório fabricado em tubos PVC-U DN 160 PN6 colados.

11 – Não foram respeitados quanto a ela as especificações constantes do caderno de encargos no que respeita ao diâmetro e pressão das tubagens.

12 - As RR. usaram o tipo de união o’ring em vez de colagem das tubagens e acessórios, incluindo válvulas.

13 – Não foram observados, na íntegra, as regras e pressupostos da norma NP EN ISO 1452: a) utilização de tubagens de diferentes classes de PN num mesmo circuito; b) no acessório danificado (Tê a 45º) não existia a marcação exigida pelo Quadro 22 da parte 3 da norma NO EN 1452.

14 – A ancoragem da instalação também não cumpria o determinado na norma NP EN ISO 1452: a) não tendo sido utilizados em alguns dos troços amortecedores (peças de borracha ou outro material compressível) como preconiza a norma NP EN ISO 1452; b) verificou-se estarem em falta alguns suportes ou outro meio de fixação, nomeadamente em válvulas; c) não houve rigor no alinhamento e aplicação das ancoragens, situação que implica picos de tensão nalguns troços do circuito.

15 – A incorreta ancoragem provocava tensões de torção no sistema, tendo sido este um dos fatores que contribuíram para a ruptura da forquilha.

16 - A execução da ancoragem era da responsabilidade da A. e foi esta que sempre a fez diretamente.

17 - Não foram cumpridas pela FF as normas de fabrico da forquilha bypass que sofreu ruptura.

18 – Nem há documentação que comprove que a referida forquilha foi objecto de ensaios de resistência à pressão interior de acordo com o Quadro 20 da parte n.º 3 da norma NP EN ISO 1452.

19 – A parte da instalação que abrange a zona objecto do sinistro foi executada com tubos PN6. Os acessórios aplicados, nomeadamente válvulas, curvas, falanges e Tê’s foram das classes PN10 e PN16.

Nos módulos 1 e 2 foram utilizados acessórios moldados por injeção em unidade fabril, sujeitos a controle de qualidade e devidamente certificados.

20 - Foram instalados no circuito hidráulico de bombagem do módulo 3, especificamente na ligação das válvulas à forquilha dupla, tubos PN6.

De acordo com o caderno de encargos, entre o reator biológico, a forquilha e o depósito de escumação estava previsto PN 16 e foi aplicado PN6. O “Circuito Hidráulico de Bombagem” não aparece individualizado no Caderno de Encargos. No que se refere à Lista de Trabalhos do Contrato (anexo constituído pela Proposta da BB no 16/2009 retificada a 17/09/2009), verifica-se que no item 26.1 do Circuito Hidráulico de Bombagem estava prevista a utilização de Tubos da classe PN16.

21 – A forquilha a 45º não constava da lista de trabalhos do contrato inicial. Foi fornecida e aplicada pela 2.ª Ré uma forquilha fabricada com recurso a tubos PN6 e por processo de soldadura (e não por injeção) para ligação dos diversos componentes que a constituem.

O colapso foi, entre outros, resultante da deficiência de concepção e de fabrico desta forquilha a 45º.

22 - O bypass do circuito hidráulico de bombagem, no módulo 3, onde ocorreu o acidente, não consta do caderno de encargos, nem dos contratos de empreitada e subempreitada, constituindo uma alteração ao projeto imposta pela A..

23 - O bypass foi apenas descrito na “Lista de Trabalhos” apresentada à 2.ª Ré pela 1.ª Ré, e consta do ponto 26-A do Orçamento no ... apresentado pela 2.ª Ré à 1.ª Ré, inexistindo qualquer “projeto de execução alternativo” do referido bypass à data em que a dona da obra o mandou executar.

24 - As telas finais/peças desenhadas referidas no Relatório do ISP no ponto 5 foram desenhadas a posterior.

25 - Estava previsto na “Lista de Trabalhos” do orçamento no ..., de 16/12/2010, que a tubagem e PVC do tubo, a válvula borboleta, o kit de falanges para tubo, a aplicação de joelho a 45º fossem de D315 mm e a forquilha fosse de D315x315x315 mm.

26 - O dono da obra ordenou às 1.ª e 2.ª RR., antes do início da execução dos trabalhos, que, para reduzir os custos, o referido bypass de circuito hidráulico de bombagem, no módulo 3, passasse a ser executado com o diâmetro de 160 mm.

27 - Foi em resultado de ordem expressa da A., dona da obra, que a 2.ª Ré procedeu à montagem provisória do sistema bypass, incluindo a forquilha Tê a 45.º com o diâmetro 160x160x160 mm PN6 para aprovação da A. e Fiscalização, tendo a dona da obra, na pessoa da Dra. HH, e a fiscalização, na pessoa do Eng. II, analisado o bypass, achando-o conforme com o que haviam solicitado.

28 - De seguida, mandaram a 2.ª Ré proceder à conclusão, em definitivo, daquela alteração ao projeto na parte que lhe competia para, depois, os trabalhadores do dono da obra procederem à sua ancoragem/fixação.

29 - A A. procedeu ao ensaio do bypass, sabendo perfeitamente que a forquilha era PN6, e sem que antes estivessem devidamente ancorados e fixos os tubos como lhe cumpria.

30 - A forquilha e demais tubagem aplicada ao bypass, sem defeito e devidamente ancorada, poderiam suportar as pressões de serviço da instalação.

31 – Durante os testes realizados à forquilha que veio a sofrer ruptura, esta soltou-se parcialmente da instalação e foi, seguidamente, reinstalada.

32 - Não eram aparentes, facilmente perceptíveis, a não remoção das rebarbas provocadas no corte dos tubos e a falta de limpeza dos cortes com lixa adequada.

33 – Na piscicultura existem apenas pequenas bombas submersíveis para caudais baixos, para quando se verificam pequenos derrames ou fugas ligeiras.

34 – Não existem electroválvulas de segurança na saída dos tanques por ter sido implantado um sistema de segurança que não precisa destas.

35 - A união dos tubos foi executada com recurso ao sistema o’ring, em vez de colagem, por exigência da A. com o objetivo de facilitar uma futura desmontagem e alteração dos traçados, se julgasse necessária, e para reaproveitamento dos acessórios.

36 - Em resultado da ruptura da forquilha foi interrompida a renovação da água nas tinas 2 e 3 e, em consequência, sofreu a A. a mortandade dos peixes referidos no artigo 26.º da petição inicial.

37 – Os prejuízos totais derivados para a A. do sinistro ascenderam a € 506.939,09. Deste valor já recebeu a quantia de € 193.697,15 referida em 7 dos FP.

38 - Quando se deu o sinistro, ainda não havia terminado a empreitada, estando a ser construído o módulo 4 (26º).

39 - A GG descontou, no “Recibo Finiquito” a franquia de € 120.286,03.

Foram havidos como não provados os factos seguintes:

a) As telas finais/peças desenhadas referidas no Relatório do ISP no ponto 5 foram desenhadas com o único objetivo de serem apresentadas ao ISQ;

b) A forquilha que veio a sofrer rutura foi reinstalada sem a análise devida do seu estado de solidez;

c) Os trabalhos de instalação de cabos elétricos, por calhas, por cima do circuito bypass implicaram a passagem de trabalhadores por cima deste e a sua fragilização;

d) Nos módulos 3 e 4 não foram aplicadas electroválvulas de segurança, por decisão do dono da obra, para redução dos custos;

e) A existirem, não teria existido a mortandade dos peixes;

f) Era à fiscalização da obra que competia submeter o sistema a um ensaio de pressão.

De direito

Quanto à matéria das conclusões III a IX:

Sustenta-se aqui que o tribunal recorrido conheceu de matérias de que não podia conhecer, violando o n.º 2 do art. 665.º do CPCivil, por isso que não lhe competia substituir-se ao tribunal de 1ª instância como fez.

Mas a Recorrente carece de razão.

Lendo-se o art. 665.º do CPCivil - e como é confirmado (e se dúvidas houvesse, que não há, tão clara é a lei) por Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª ed., pp. 225 e 226), com referência ao art. 715.º do anterior Código de Processo Civil, replicado no art. 665.º do atual Código de Processo Civil - a substituição da Relação ao tribunal de 1.ª instância pode ocorrer em dois casos: no caso de a decisão que põe termo ao processo ser declarada nula, e no caso de o tribunal a quo ter deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio. Como diz o referido autor, a regra da substituição ao tribunal recorrido quer nesta segunda hipótese, quer na hipótese de nulidade fundada em omissão de pronúncia, implica a supressão de um grau de jurisdição. Entendeu a lei, mais acrescenta o autor, que os inconvenientes resultantes da instância única seriam largamente compensados pelos ganhos em termos de celeridade, apreciando o tribunal ad quem as questões controvertidas.

Na situação vertente estava em causa na apelação, tal como fora suscitada pela recorrente EE, S.A.,  a questão da nulidade da sentença da 1ª instância por omissão de pronúncia.

Para o efeito rege o n.º 1 do art. 665.º do CPCivil. E não, contrariamente ao suposto pela Recorrente, o n.º 2.

Nos termos desse n.º 1 o tribunal de apelação conhece da nulidade, e se a julgar verificada deve conhecer do objeto da apelação, o que implica por natureza a supressão de um grau de jurisdição. E não devolver o processo à instância recorrida para que esta vá conhecer do que não conheceu.

E o que fez o acórdão recorrido foi precisamente, após ter decidido que a nulidade existia (o que a ora Recorrente não contesta), conhecer do objeto da apelação na parte omitida, substituindo-se desse modo à 1ª instância.

Carece assim de aceitação a afirmação da Recorrente no sentido de que o processo havia de ter sido devolvido à 1.ª instância para que esta conhecesse da questão cujo conhecimento omitiu. Como carece de aceitação a afirmação de que, ao substituir-se ao tribunal da 1ª instância, o acórdão recorrido conheceu de questão que não lhe competia conhecer.

Improcedem, pois, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões X a XV:

Afirma-se aqui que antes de ter conhecido do objeto da apelação na parte omitida (cobertura do seguro) pela 1ª instância, havia a Exma. Relatora que ter ouvido as partes, nos termos do n.º 3 do art. 665.º do CPCivil.

Ter-se-ia, desse modo, privado a ora Recorrente de exercer o contraditório, constituindo o acórdão recorrido uma decisão-surpresa.

Mas não é assim.

Desde logo, é de entender que o n.º 3 do art. 665.º só rege para a hipótese do n.º 2 do mesmo artigo. É nessa hipótese que faz sentido ouvir as partes, pois que, como nos diz Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., p. 278), “pode acontecer que, girando as alegações apenas em torno da decisão recorrida, as partes se tenham abstido de produzir alegações sobre o restante objeto do processo”.

Já na hipótese do n.º 1, que é a que está aqui em tela, a questão da nulidade (que não é de conhecimento oficioso) tem que ser necessariamente suscitada pela parte recorrente (ou pela parte recorrida, no caso de requerer a ampliação do âmbito do recurso), tendo a contraparte a possibilidade de se pronunciar em sede de contra-alegação (ou na sua resposta à ampliação do âmbito do recurso).

Sendo assim, como é, não se coloca nesta hipótese a necessidade de um novo contraditório, nem se pode falar nunca em decisão-surpresa. A decisão sobre a nulidade e sobre a questão omitida insere-se, à partida, no objeto explícito do recurso, e a parte tem sempre possibilidade de se pronunciar.

No caso vertente, a Ré EE, S.A. arguiu no seu recurso subordinado a nulidade da sentença da 1ª instância por omissão de pronúncia; e reiterou que deviam ser julgadas procedentes as exceções que suscitara acerca da exclusão do sinistro das coberturas do seguro e que, por isso, devia ser absolvida do pedido.

Esta era, pois, a questão decidenda, que fazia parte do objeto do recurso tal como estabelecido por quem estava a recorrer.

Da respetiva alegação foi a ora Recorrente notificada, tendo, inclusivamente, aderido a esse recurso subordinado.

Teve assim a ora Recorrente toda a possibilidade de se pronunciar sobre a nulidade e sobre a questão sucedânea da (im)procedência das exceções e, consequentemente, de influenciar a decisão de recurso a proferir adrede.

Não se entende, deste modo, como pode vir argumentar com a privação do contraditório e falar em decisão-surpresa.

Termos em que improcedem as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões XVI a XXVI:

Sustenta-se nestas conclusões que, diferentemente do que foi entendido no acórdão recorrido, a responsabilidade civil inerente aos factos provados se deverá ter como extracontratual, e não como contratual.

Em consequência, a co-Ré CC, Lda., que o acórdão recorrido absolveu do pedido, devia ser considerada como “parte legítima”.

Discordamos.

A responsabilidade contratual é aquela que resulta da violação da obrigação contratual assumida (e que compreende deveres de prestação, principais ou secundários, e deveres laterais, estes direcionados à exata satisfação do interesse do credor); a responsabilidade extracontratual (ou delitual), de caráter residual, deriva da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos (e a certos atos que, embora lícitos, produzem dano a outrem).

Percorrendo a petição inicial e os factos provados, vemos que o prejuízo cuja reparação (indemnizatória) está em causa e se visou exigir da ora Recorrente e demais Rés teve por causa ou fonte uma relação contratual, de empreitada, estabelecida entre a Autora (dona da obra) e a Recorrente (empreiteira). E não uma intromissão ilícita em direitos da Autora, ou seja, uma violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais impostos a todas as pessoas (violação de direitos absolutos).

Consequentemente, estamos perante uma situação que cai no âmbito da responsabilidade contratual, e que, dado o princípio da relatividade das obrigações contratuais, apenas poderá envolver a empreiteira (e a respetiva seguradora).

Argumenta adversamente a Recorrente com a circunstância do dano a reparar (morte dos peixes) ser colateral à própria empreitada, pois que esse dano foi provocado em coisa estranha ao objeto da empreitada. Deste modo estar-se-ia fora do âmbito da responsabilidade contratual.

Mas cremos que não é argumento que faça a diferença.

Não duvidamos, pelo óbvio, que se trata de dano incidente sobre objeto diferente do da empreitada contratada, mas não deixa de ser um dano derivado ou subsequente de uma prestação defeituosa do contrato, logo há de tratar-se de responsabilidade contratual. O que releva, quanto a nós, é a fonte do dano, que é contratual (cumprimento deficiente da obrigação contratual), e não o objeto onde o dano se projeta (o que apenas tem a ver com a natureza direta ou indireta do dano). No limite, afigura-se que se estaria perante um concurso (ideal) dos dois regimes de responsabilidade, o da responsabilidade contratual e o da responsabilidade delitual, a resolver através do chamado princípio da consunção. E este, como nos diz Almeida e Costa (Direito das Obrigações, 9.ª ed. pp. 499 a 504), deve levar a privilegiar a aplicação do regime da responsabilidade contratual.

Não se desconhece, por certo, a proposta de Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pp. 236 e seguintes; Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2.ª ed., p 474) no sentido de que haverá que distinguir entre danos extra rem e danos circa rem. Os primeiros seriam (apenas) os danos pessoais sofridos pelo credor (no caso, o dono da obra) e os danos ocasionados no restante património do accipiens; estes danos, que tanto podiam ser causados ao dono da obra como a qualquer terceiro, sem dependência pois do contrato de empreitada, integrariam uma responsabilidade delitual. Os segundos seriam os danos causados no objeto da prestação, e levariam, por exclusão de partes, a uma responsabilidade contratual. A adotar esta proposta, o dano aqui em discussão teria que ser havido como decorrendo de responsabilidade delitual.

Cremos, todavia, que melhor visão do assunto nos é dada por João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.ª ed., pp. 91 e 92). Diz o autor, e passa-se a citar:

“Na obra com defeitos, além destes normalmente encerrarem em si um prejuízo para o dono da obra, podem também provocar danos subsequentes, como sejam estragos na própria obra e danos pessoais ou noutros bens materiais do dono da obra ou de terceiros. (…)

A responsabilidade pela provocação de danos no património e na pessoa de alguém pode ter uma origem contratual ou extracontratual (…).

Na responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra, podem verificar-se os dois tipos de responsabilidade. Se do defeito resultam danos para a integridade física ou o património de terceiros, estamos perante responsabilidade extracontratual, dado que esta não tem como fundamento qualquer incumprimento contratual, mas sim a violação de direitos absolutos dos lesados. Já todos os prejuízos sofridos pelo dono da obra, em consequência da prestação defeituosa, integram uma responsabilidade contratual, uma vez que esta tem origem na violação do direito creditício daquele à execução da obra sem defeitos.

Os prejuízos que normalmente resultam da execução da obra com defeitos são a sua desvalorização, danos sequenciais no objecto da obra, em outros bens do seu dono, ou mesmo na sua pessoa (…)

É certo que muitos dos danos sofridos pelo dono da obra, como (…) os estragos na obra ou noutras coisas provocados pelos defeitos (…), além de terem origem numa violação positiva do contrato de empreitada, são também consequência de violações dos chamados direitos absolutos, pelo que o mesmo dano tem simultaneamente uma origem contratual e extracontratual (…). Nestes casos em que ocorre um concurso ideal dos dois regimes de responsabilidade, consideramos que o da responsabilidade contratual consume o da responsabilidade extracontratual, sendo ele o aplicável, uma vez que entre lesante e lesado existe uma relação obrigacional na qual ocorreu o facto lesivo, justificando-se, pois, a sobreposição da responsabilidade adequada à violação dos contratos. Daí que se conclua que os danos sofridos pelo dono da obra, independentemente da sua configuração e localização , originam sempre uma responsabilidade contratual, enquanto que os danos sofridos por terceiros estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual.”

Seguindo este ponto de vista, que corresponde ao entendimento que começámos por evidenciar e que nos parece juridicamente mais sustentável, segue-se que o acórdão recorrido não é passível de censura ao ter concluído pela responsabilidade contratual e ao ter excluído da discussão aqui travada a Ré CC, Lda. (absolvida do pedido). Pois que se com esta não contratou a Autora a empreitada que invocou como causa de pedir (nem a Autora lhe imputou qualquer intromissão ilícita em direitos absolutos seus), não vemos que outra solução pudesse ter lugar.

Observe-se que, como parece óbvio, a absolvição da referida Ré tem que ser compreendida exclusivamente como consequência da falta de direito da Autora contra ela, sendo para o caso absolutamente irrelevante o interesse da ora Recorrente em tê-la a seu lado, nomeadamente à luz do contrato de subempreitada que estabeleceram entre si.

Improcedem assim, no que vai contra o que fica dito, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões XXVII a XXXIV:

Nestas conclusões sustenta a Recorrente que não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade contratual em decorrência do defeito na obra em questão, por isso que se tratou de trabalhos (execução da peça que colapsou, colocação e montagem) estranhos ao contrato de empreitada que celebrou com a dona da obra.

Mas este ponto de vista da Recorrente não pode proceder.

Desde logo, diga-se que a Recorrente está aqui a introduziu uma questão nova, não submetida à apreciação do tribunal recorrido. Recorde-se que, em sede de apelação, a ora Recorrente se limitou a aderir aos recursos subordinados das co-Rés CC, Lda. e EE, S.A., e estas não suscitaram nos seus recursos, nem direta nem indiretamente, uma tal estrita questão. Não sendo função dos recursos produzir decisões novas, mas reapreciar questões colocadas à instância recorrida, segue-se que, no rigor dos princípios, a questão ora em causa não deveria sequer ser apreciada.

Mas, seja como for, a Recorrente carece de razão.

Efetivamente, contrariamente ao que pretende a Recorrente, a circunstância de subjacente a parte da sua prestação como empreiteira ter estado um trabalho não previsto no projeto inicial (ou seja, no contrato tal como inicialmente fora concluído) e no caderno de encargos, mas sim um trabalho que resultou de alterações requisitadas subsequentemente pela dona da obra, nada tem de relevante para o que se discute. Tudo isso tem simplesmente a ver com a vontade acordada das partes contratantes e se integra totalmente no desenvolvimento da relação contratual complexa que é a empreitada, sendo ademais certo que a própria lei (por exemplo, nos art.s 1214.º e 1216.º do CCivil) admite a possibilidade das partes introduzirem alterações ao plano inicialmente convencionado. Não estamos, deste modo, perante algo de estranho ou exterior ao contrato de empreitada travado entre as partes, mas sim perante alterações ao objeto da empreitada que foi contratada (rectius, perante alterações à prestação da empreiteira).

Consequentemente, não será por aqui que a responsabilização da Recorrente pode ser afastada.

O que significa que improcedem as conclusões em destaque.

Sem embargo, e uma vez que a Recorrente se reporta ainda (embora sempre dentro do contexto, ou em decorrência, de estarem em causa trabalhos extra contrato de empreitada, perspetiva esta que acaba de ser rejeitada) ao facto de não poder ser responsabilizada por “defeitos de execução de um bypass que nunca foi da sua responsabilidade” (conclusão XXXI), poder-se-á de alguma forma entender que está também a significar que agiu sem culpa, procurando assim ilidir a presunção de culpa que sobre ela incide como empreiteira.

Se for este o caso (e vamos tratar da questão apenas por suma cautela), diremos que uma tal perspetiva não poderá ser subscrita.

Vejamos:

Percorrendo os factos provados, vemos que a obra requisitada pela Autora e a executar pela ora Recorrente revelou a presença de vício que punha em causa a sua aptidão para o uso previsto no contrato. Efetivamente, a obra a realizar compreendia a instalação de uma forquilha no bypass, nomeadamente no módulo 3, mas tal forquilha colapsou (sofreu uma rutura), isto por deficiente conceção e fabrico.

Tal facto tornou, obviamente, a obra inadequada para os fins a que se destinava e deu causa sequencial ao prejuízo (perda dos peixes) que a Autora quer ver indemnizado. Apenas sucede que a causa do vício da obra (a rutura da forquilha) não se radicou unicamente nessa deficiente conceção e fabrico, mas ainda em causa (incorreta ancoragem da instalação) imputável à própria dona da obra. E foi por isso (ou seja, por se estar perante uma situação de concausalidade fundada em culpas concorrentes) que a responsabilidade foi repartida entre a dona da obra e empreiteira (a par da subempreiteira, que foi entretanto absolvida do pedido, e da Chamada a Intervir), tudo nos termos do n.º 1 do art. 570.º do CCivil. Os factos dos pontos 3, 5, 15, 16, 17, 21, 30 e 36 dos factos provados são esclarecedores acerca da bondade do vem de ser dito.

É obrigação do empreiteiro realizar a obra sem defeitos (anomalias objetivas da obra), nomeadamente a nível da sua aptidão para o uso previsto no contrato (art. 1208.º do CCivil).

Mas a rutura que se registou representa um defeito da obra.

Sem introduzir aqui, momentaneamente, a temática da culpa, podemos concluir que estamos perante um cumprimento que se revela objetivamente defeituoso da prestação da empreiteira, a ora Recorrente, potenciador do dever de indemnização nos termos gerais (art.s 798.º e 1223.º do CCivil), neste caso por violação do chamado interesse contratual positivo (a indemnização do dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exatamente cumprido, e é disso que aqui se trata).

Havendo defeitos na obra, presume-se a culpa do empreiteiro na sua realização, nos termos gerais da responsabilidade contratual (art. 799.º do CCivil). Aliás, sendo ele quem controla e dirige a execução da prestação, tem maior facilidade de conhecer e demonstrar que o vício da obra não procede de causas que lhe sejam imputáveis. Já ao dono da obra compete simplesmente provar a existência do defeito - mas não a sua origem - e a sua gravidade: afetação do uso ou desvalorização da coisa.

Deste modo, a ora Recorrente está à partida onerada com uma presunção de culpa relativamente ao comprovado defeito.

De observar que a circunstância da obra ter sido executada pela subempreiteira CC, Lda. nada tem de relevante para o caso. Pois que o empreiteiro é responsável perante o dono da obra pela má execução do subempreiteiro com quem contrate, isto por decorrência do n.º 1 do art. 800.º do CCivil. Esta norma estabelece precisamente que o devedor (neste caso o empreiteiro) é responsável perante o credor (neste caso o dono da obra) pelos atos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor. Estamos aqui perante uma espécie de responsabilidade objetiva (pois que para ela não se exige culpa do devedor) ou pelo risco inerente à colaboração dessas pessoas (v. Almeida Costa, ob. cit., p. 970 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 3.ª ed., p. 100). E isto aplica-se, naturalmente, à hipótese da subempreitada, e é válido mesmo que o contrato de empreitada preveja a subempreitada e o dono da obra dê a sua concordância à escolha pessoa do subempreiteiro ou a indique[1]. Em todo o caso, é certo que a responsabilidade de que estamos a falar só se constitui se o auxiliar do devedor tiver agido com culpa. Como nos diz Antunes Varela (ob. cit., pp. 100 e 101), “O devedor responde, como se os actos (…) dos auxiliares (quer eles sejam meramente culposos, quer sejam mesmo dolosos) fossem praticados por ele próprio (…). Por consequência, se estes tiverem agido sem culpa, nenhuma responsabilidade lhe poderá advir da sua actuação.”

João Cura Mariano (ob. cit., pp. 80 e 81) aduz, a propósito da ilisão da culpa do empreiteiro, o seguinte, que não pode deixar de ser subscrito:

“[O] ónus de prova não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha (…). As causas do incumprimento das obrigações susceptíveis de afastar a responsabilidade do devedor ou se situam num comportamento de outrem, que pode ser o próprio credor, ou em factor de ordem natural que impossibilite o devedor de cumprir a sua prestação sem defeitos”.

Ora, no caso vertente, sabe-se que a causa do dano se objetivou direta e imediatamente na rutura da forquilha instalada no bypass do módulo 3 (ponto 3 dos factos provados). Entretanto, a matéria de facto provada revela-nos duas circunstâncias (concausas) que concorreram para essa rutura[2].

Uma dessas circunstâncias (concausa) foi a incorreta ancoragem da instalação, nos termos descritos nos pontos 14 e 15 dos factos provados, mas cuja execução foi da responsabilidade da dona da obra, que a ela procedeu diretamente (ponto 16 dos factos provados). A outra dessas circunstâncias (concausa) foi a deficiente concepção e fabrico da forquilha (ponto 21 dos factos provados), e é isto que aqui nos importa.

A forquilha foi fornecida e aplicada na obra pela 2ª Ré - a subempreiteira CC, Lda. - mas foi a Chamada a Intervir FF - …, Lda. quem a fabricou e quem, por sua vez, a forneceu à subempreiteira CC, Lda.. Mais está provado que não foram cumpridas por esta FF, Lda. as normas de fabrico da forquilha (ponto 17 dos factos provados).

Incidindo então sobre esta última concausa imputável à empreiteira, afigura-se-nos que não se pode ver nela um afastamento da culpa presumida da empreiteira. Esta, como perita nos serviços a executar e obrigada que estava a agir segundo as regras da arte (como é comummente assinalado ao empreiteiro[3]) havia de ter reparado na deficiente concepção e fabrico da forquilha que forneceu e aplicou na obra (repare-se que em sítio algum está provado que essa deficiência não era aparente, não sendo suficiente para se chegar a conclusão diferente o facto constante do ponto 32 dos factos provados) e disso ter feito ciente a dona da obra. O que não se mostra ter sido cumprido, nem que, ainda assim, a dona da obra tenha determinado a sua execução.

Resta dizer que o facto da montagem provisória do bypass, incluindo a forquilha, ter sido objeto de fiscalização por parte de pessoas ligadas à dona da obra, que analisaram o bypass e o acharam conforme ao que fora solicitado, sendo inclusivamente dada ordem para que a subempreiteira procedesse à conclusão, em definitivo, da obra em causa (pontos 27 e 28 dos factos provados) nada tem de essencialmente relevante em termos de ilisão da culpa da empreiteira, precisamente porque era à executora da obra que cabia ter em atenção a aptidão, para as finalidades visadas com a obra, do material que forneceu e instalou.

Afigura-se assim que o acórdão recorrido agiu bem ao, mantendo o decidido na 1ª instância, não ter absolvido a ora Recorrente do pedido com os fundamentos que ficam analisados.

Improcedem deste modo, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões XXXV a LV:

Nestas conclusões a Recorrente contesta o decidido pelo acórdão recorrido quanto á questão de saber se o seguro que a empreiteira celebrou com a co-Ré EE, S.A. cobre ou não o dano em causa.

Sobre este assunto disse o acórdão recorrido o seguinte:

«Resulta do artigo 2.º das Condições Gerais do contrato de seguro celebrado entre a EE e a 1.ª Ré que tal contrato “...tem por objecto a garantia da responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil contratual quando esta esteja expressamente prevista na Condição Especial contratada que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas respectivas Condições Especiais  e Particulares”.

Estando em causa situação de responsabilidade contratual, como há muito se vem afirmando, importa saber se ocorrem circunstâncias que excluam a garantia do contrato de seguro.

De acordo com a cláusula 5.ª das Condições Particulares da apólice que titula o referido contrato de seguro, acham-se excluídos da cobertura os danos ocorridos “após trabalhos”.

Resultando demonstrado que “Quando se deu o sinistro, ainda não havia terminado a empreitada, estando a ser construído o módulo 4” – facto provado n.º 38 -, não se mostra em concreto preenchida a referida circunstância excludente da garantia.

Nos termos do artigo 5.º, alínea j), das Condições Gerais do contrato de seguro em causa, “Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Especiais e/ou Particulares e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes, o presente contrato de seguro não garante a responsabilidade civil emergente de perdas indirectas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações”, excluindo a cláusula 5.ª das Condições Particulares a responsabilidade civil os danos indirectos de qualquer natureza, perda de lucros e paralisações de terceiros”.

Ora os danos cuja reparação é demandada pela Autora, não encontrando expressa previsão nas coberturas convencionadas na cláusula 3.ª das Condições Particulares da apólice, dada a sua natureza de danos colaterais mostram-se excluídos quer pelo artigo 5.º das Condições Gerais, quer pela cláusula 5.ª das Condições Particulares do contrato de seguro.

Como tal, não estando os danos sofridos pela Autora abrangidos pela garantia do contrato de seguro, não responde a Ré seguradora pelos mesmos.»

Concordamos com esta abordagem.

Vejamos:

Está simplesmente em equação fixar o sentido juridicamente relevante da vontade negocial retratada na alínea j) do artigo 5.º das condições gerais do contrato de seguro em causa e no ponto 5 (epigrafado de “Principais Exclusões”) das condições particulares do contrato. Nestas circunstâncias, não está vedado a este Supremo ocupar-se da questão (v. Amâncio Ferreira, ob. cit., p. 253).

Estabelece a citada alínea j) que, salvo convenção em contrário constante das condições especiais e/ou particulares, o seguro não garante (e para além de lucros cessantes e paralisações) a responsabilidade emergente de perdas indiretas de qualquer natureza. E estabelece o dito ponto 5 das condições particulares que são excluídos do seguro (e para além de perda de lucros e de paralisações de terceiros) os danos indiretos de qualquer natureza. Foi apenas com base nestas duas estipulações de exclusão que o acórdão recorrido decidiu que o sinistro em causa não estava coberto pelo seguro, e não já também (como defendera a Ré Seguradora) por se estar perante um pretenso sinistro “Após Trabalhos”.

A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º, n.º 1 do CCivil); nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento (art. 238.º, n.º 1 do CCivil). Isto é válido para a interpretação das cláusulas contratuais gerais, pois que estas são interpretadas de harmonia com as regras relativas á interpretação dos negócios jurídicos (art. 10.º do DL n.º 446/85).

As ditas condições gerais não definem o que são perdas diretas e perdas indiretas.

Juridicamente falando, poderíamos reconduzir esses conceitos àquilo a que se tem chamado danos diretos e danos indiretos. Assim, refere Antunes Varela (ob. cit., vol I, 10.ª ed., p. 601) que danos diretos “são os efeitos imediatos do facto ilícito ou a perda directa causada os bens ou valores juridicamente tutelados” e que “danos indirectos (…) são as consequências mediatas ou remotas do dano directo”; e Almeida Costa (ob. cit., p. 547) aponta que danos diretos são os que resultam imediatamente do ato ilícito e danos indiretos os restantes, que surgem como um reflexo dos danos diretos.

Ora, dentro do elemento literal e objetivo daquelas expressões - perdas diretas, perdas indiretas - e dentro daquilo que concluiria um declaratário normal que se encontrasse perante elas, o sentido que lhes iria ser atribuído por esse declaratário coincidiria precisamente com as referidas definições. Deste modo, para esse declaratário as perdas indiretas seriam aquelas que representam consequências danosas mediatas, reflexas, colaterais ou remotas de um determinado acontecimento. Isto por oposição a perdas diretas, que corresponderiam aos efeitos danosos imediatos de um determinado acontecimento.

Sendo assim, como nos parece que é, então somos levados a concluir que a perda que está aqui em causa – a perda dos peixes - é uma perda indireta. Pois que o dano direto foi na obra e consistiu na rutura da forquilha e na imediata inundação que se lhe seguiu, enquanto a morte dos peixes foi um dano, mediato, sucedâneo e reflexo do dano na obra, decorrente de uma cascata de acontecimentos, o último dos quais foi o impedimento da renovação da água em duas tinas. O que nos leva, portanto, à não cobertura, por ter sido excluído do contrato de seguro, do dano em causa.

Argumenta a Recorrente que, desta forma, se esvazia o seguro, que é de responsabilidade civil extracontratual e contratual.

Mas, a nosso ver, carece de razão.

O seguro de responsabilidade civil não tem que cobrir toda e qualquer responsabilidade civil do segurado.

Pode haver limitações e exclusões.

Tudo depende da vontade das partes contratantes.

O art. 11.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS, aprovado pelo D.L. n.º 72/2008) é claro quanto a isso quando estabelece que “O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual…” (sem prejuízo embora para os casos em que assim não deva ser, mas que aqui não concorrem).

No caso vertente, o contrato de seguro cobre vastos riscos e danos de responsabilidade civil emergentes da atividade da empreiteira, pelo que não se vê como se possa afirmar que a exclusão em causa o esvazia de qualquer objeto.

Mais: a referida alínea j) é uma exclusão relativa, pois que salvaguardava a possibilidade de convenção em contrário estabelecida nas condições particulares (mediante, certamente, um prémio acrescido). Pergunta-se: por que não fez a contratante empreiteira uso dessa possibilidade, alargando o contrato a danos indiretos? Na realidade, não apenas não fez uso dessa possibilidade, como até reiterou a exclusão aquando da contratação das condições particulares.

De outro lado, não vemos que esta cláusula, com a natureza de cláusula contratual geral (mas, repete-se, reiterada nas condições particulares do contrato), seja contrária à boa-fé, ou que deva ser havida como absoluta ou relativamente proibida à luz do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. Nem a Recorrente sequer explica em concreto por que é que havia de ser, limitando-se a convocar e a transcrever partes do acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Janeiro de 2018 (produzido no processo n.º 534/15.2T8VCT.G1.S1 e acessível em www.dgsi.pt), aliás relatado (conselheira Graça Amaral) e subscrito (conselheiro Henrique Araújo) pelos mesmos juízes que intervêm no presente acórdão como adjuntos.

Ocorre, porém, que a hipótese tratada nesse acórdão é manifestamente diferente da que aqui temos pela frente. Ali, ao contrário daqui, a exclusão constante das cláusulas gerais do contrato esvaziava realmente a finalidade do seguro. Tratava-se de uma cláusula que excluía do contrato de responsabilidade civil os danos diretos e indiretos causados por vibrações de uma máquina de perfuração de solos, quando afinal era conatural à operação da máquina a produção de vibrações. Convir-se-á que tal hipótese é radicalmente diferente da hipótese de que aqui estamos a tratar, em que há simplesmente a exclusão de um certo tipo de danos, mas sem pôr em causa a manutenção do interesse do seguro.

Improcedem assim as conclusões XXXVIII, XLIX e LV.

Também não subscrevemos a interpretação proposta pela Recorrente nas conclusões XLII e seguintes, nem subscrevemos as considerações ali aduzidas, fundadas basicamente no confronto da redação das duas cláusulas em questão (ausência da menção a terceiros nas condições gerais; inclusão da menção a terceiros nas condições particulares). Pois que, tratando-se de seguro da responsabilidade civil imputável ao segurado, o que pode estar em causa são sempre e apenas os danos a terceiro (v. art. 137.º do RGCS). O que implica que carece de significado relevante o facto da menção a terceiros constar das condições particulares e não constar das condições gerais.

Ao invés, a interpretação que julgamos cabida ao caso - e que leva a rejeitar, nos termos das supra citadas disposições legais, o que se defende nas conclusões XLII e seguinte - faz conferir às cláusulas em questão um sentido que, sem ambiguidades ou possibilidade de válida refutação, exclui das coberturas do contrato os danos indiretos por responsabilidade civil imputável ao segurado (artigo 2.º das cláusulas gerais do contrato), independentemente da perdas se resolverem em “custos fixos” ou em “custos variáveis” e terem ou não a natureza de danos emergentes. Condição necessária, mas também suficiente, para o afastamento da cobertura é que é que se trate de danos indiretos, e são estes que aqui se produziram.

Termos em que não é passível de censura o acórdão recorrido ao ter julgado excluído da cobertura do contrato de seguro o dano em questão, com o que improcedem as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões LVI a LXIV:

Nestas conclusões defende a Recorrente que, face à divisão de responsabilidades sentenciada no processo (3/4 para a Autora, 1/4 para as Rés) e à circunstância da Autora já ter recebido certa quantia da sua seguradora, nada pode a Autora exigir das Rés, estando satisfeito o seu crédito.

Mas também aqui está carecida de razão.

Sobre esta matéria disse o acórdão recorrido o seguinte:

“Quanto a tal questão, apenas se acha demonstrado o que consta do ponto 37.º dos factos provados.

Não se encontra comprovado o que a recorrente CC veio agora alegar em sede de recurso, designadamente na conclusão 21.º, e menos ainda, até porque não alegado, que quer ela, quer a BB tenham pago alguma importância à seguradora GG.

De todo o modo, às relações entre qualquer uma delas e a dita seguradora é alheia a Autora. Eventuais direitos que advenham à aderente BB em resultado pagamento da indemnização fixada à Autora devem por ela ser exercidos em acção autónoma.”

Este ponto de vista do acórdão recorrido não será, porventura, de descartar.

Todavia, cremos que concorre uma outra razão jurídica, esta a nosso ver mais categórica, que leva inelutavelmente á falência do entendimento da Recorrente.

Justificando:

Percorrendo a petição inicial, vemos que a Autora veio reclamar a diferença entre o prejuízo total contabilizado e aquilo que já havia recebido do seu próprio segurador, GG - … Plc.

Com interesse para a discussão em causa, apurou-se nos autos que “A ora A. recebeu da Seguradora “GG” € 193.697,15 como liquidação total e definitiva dos danos, prejuízos e gastos em consequência da perda de stock (robalo e linguado) no sinistro de 13/07/2011 cobertos pela Apólice no …, a 11/11/2011” (ponto 7 dos factos provados) e que “Os prejuízos totais derivados para a A. do sinistro ascenderam a € 506.939,09. Deste valor já recebeu a quantia de € 193.697,15 referida em 7 dos FP” (ponto 37 dos factos provados).

A responsabilidade pelo prejuízo advindo a Autora foi distribuída entre a Autora e as Rés (e Chamada a Intervir), na proporção de ¾ para a primeira e de ¼ para as segundas. Trata-se de distribuição que, em si mesma, não vem contestada nas conclusões ora em apreciação.

A partir daqui, a Recorrente raciocina da seguinte forma: totalizando os prejuízos derivados do sinistro o montante de €506.939,09, segue-se que, por força da repartição na concorrência de responsabilidades que foi estabelecida, compete à Autora auto-suportar o prejuízo de €383.204,31 e às Rés suportar o montante de €127.734,77. Este último montante é, pois, a expressão do dano reparável da Autora. Tendo a Autora recebido já da sua seguradora o montante de €193.697,15, segue-se que o dano está reparado, nada podendo exigir da Recorrente.

Mas, com o devido e merecido respeito, este raciocínio da Recorrente está enviesado, pois que parte de um pressuposto que não está respaldado em qualquer facto provado: que a indemnização paga pelo segurador da Autora é de imputar na quota-parte de responsabilidade (€127.734,77) que não recai sobre a Autora. Ou, se se quiser, parte do pressuposto (cuja bondade os factos conhecidos não garantem), que a indemnização paga pelo segurador da Autora é de imputar no montante do prejuízo (€127.734,77) que à ora Recorrente cabe indemnizar à Autora.

Sem dúvida que a prestação do devedor pode também ser cumprida por terceiro (art. 767.ª do CCivil), como é o caso do cumprimento feito pelo segurador (v. art. 102.º do RJCS), com o que fica satisfeita a obrigação inerente, perdendo o credor o direito de receber de novo a prestação do próprio devedor. Assim, dir-se-ia (é o que diz a Recorrente) que a Autora já viu o seu dano reparado através da indemnização paga pelo respetivo segurador, nada podendo exigir da ora Recorrente (sob pena de reparação em duplicado do mesmo dano, acrescentamos nós).

E sem dúvida também que o cumprimento da prestação pelo segurador gera um direito de sub-rogação a seu favor nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro (art.s 136.º, n.º 1 do RJCS e 592.º, n.º 1 do CCivil).

E assim dir-se-ia (e é o que pretende significar a Recorrente) que a Recorrente correria o risco de suportar duas vezes (pagar à Autora e pagar depois, por via do exercício do direito de sub-rogação ao segurador desta) o mesmo dano.

Acontece, porém, que nada vem provado - e era às Rés que competia a alegação e prova desse facto, que tem a natureza de facto extintivo do direito da Autora - que indique que o seguro que a Autora contratou só cobria os danos na medida em que não tivessem resultado de causa imputável à segurada.

Se o seguro só cobrisse danos estranhos à responsabilidade da segurada (ou seja, danos provocados por terceiros), então é certo que o que a Autora recebeu do seu segurador (€193.697,15) tinha que ser imputado na parcela de prejuízo (€127.734,77) de que não é responsável (mas sim terceiros, as Rés), e daqui que a Autora nada poderia exigir da ora Recorrente (pois que o dano estaria já reparado através da prestação do terceiro).

Mas nada disto é válido se acaso o seguro contratado pela Autora cobria o dano mesmo em caso de derivar de causas imputáveis à própria segurada. Nesta hipótese, o que a Autora recebeu do seu segurador pode ser imputado na parcela de prejuízo (€383.204,31) cuja produção é da sua responsabilidade.

Nesta última situação não se está de forma alguma a criar qualquer reparação em duplicado do mesmo dano; nem tão pouco pode reverter contra a Autora o facto da Recorrente estar sujeita a ver ser exercido contra si o direito em que ficou sub-rogado o segurador da Autora. Quanto a este tópico basta dizer que à Recorrente não está defeso discutir, e sem quaisquer restrições, esse direito no confronto do dito segurador; e se decair nessa discussão (sendo assim havida como responsável pelo dano), então o que tiver que reembolsar ao segurador da Autora mais não representará que o cumprimento de obrigação indemnizatória decorrente da deficiente execução do contrato de empreitada que celebrou. Note-se que tudo isto é independente do decidido na presente ação (no sentido de que o que aqui se decide não se impõe, em termos de caso julgado, numa possível ação fundada na dita sub-rogação), a começar pela existência de responsabilidade da Recorrente e pela medida dessa responsabilidade.

Aqui chegados, diremos simplesmente que se depreende dos factos acima extratados que o seguro contratado pela Autora só podia ser um seguro de danos sobre coisas (v. art. 123.º do RJCS).

E um tal seguro, de natureza facultativa em termos de coberturas, tanto pode cobrir os danos resultantes da responsabilidade de terceiro como os danos resultantes da responsabilidade do próprio segurado. O interesse do seguro de danos sobre coisas pode perfeitamente independer da pessoa (se o segurado, se um terceiro) do causador do sinistro. O que é necessário, mas também suficiente, é que haja interesse legítimo do segurado no seguro e que o interesse respeite à conservação ou integridade da coisa (art. 43.º, n.ºs 1 e 2 do RJCS), e isto não está aqui em causa.

Ora, não se mostrando que esse seguro contratado pela Autora excluía a responsabilidade da segurada para a produção do dano que se registou, segue-se que não há qualquer razão para imputar na quota-parte em que a Autora não é responsável (€127.734,77) aquilo que esta recebeu do seu segurador.

Ou, pelo menos e no limite, não há mais razão para imputar nessa quota-parte do que para imputar na quota-parte em que a Autora é responsável (€383.204,31).

O que significa que não se pode dizer que se mostra que a Autora já recebeu do seu segurador - facto extintivo da obrigação - a quantia cujo pagamento está agora a ser imposto à Recorrente, tudo de modo a concluir, como faz a Recorrente, que a obrigação foi satisfeita pelo terceiro e que nada pode a Autora exigir da Recorrente.

Pelo contrário, não se provando tal satisfação, a obrigação indemnizatória imposta à Recorrente opera em toda a sua linha, mantém-se incólume, sendo normalmente exigível.

Improcedem, pois, as conclusões em destaque.

Do que fica dito, apreciadas que estão todas as questões suscitadas pela Recorrente, é de concluir que improcede o recurso, não tendo o acórdão recorrido violado as disposições legais que a Recorrente indica.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas do presente recurso.

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Sumário:

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Lisboa, 9 de abril de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] Diz, a propósito, João Cura Mariano (ob. cit., pp. 76 e 77): “Tem aplicação, na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra, a regra que incide sobre todos os devedores de uma prestação de responderem pelo actos dos seus representantes, ou das pessoas que utilize para o cumprimento dessa prestação, como se estes fossem praticados pelo próprio devedor (art. 800.º, n.º 1 do C.C.). Assim, o empreiteiro será responsável pela realização defeituosa da obra, independentemente de qualquer juízo de censura sobre a sua actuação pessoal, sempre que a existência dos defeitos seja imputável a alguém que interveio no processo de realização da obra, por sua iniciativa, seja este representante, trabalhador, colaborador, auxiliar ou subempreiteiro. Necessário é que a existência dos defeitos seja imputável a estes a título de culpa, beneficiando, contudo, o dono da obra da presunção da sua existência, nos termos do art. 799.º, n.º 1, do C.C., uma vez que os actos desses terceiros são considerados como se fossem praticados pelo próprio empreiteiro. (…). A mera concordância ou simples indicação do dono da obra, relativamente ao colaborador do empreiteiro, porém, não é suficiente para que este deixe de ser responsável pela conduta culposa daquele [o terceiro] na execução da obra. É necessário que a intervenção do terceiro resulte duma relação, jurídica ou não, entre o dono da obra e esse terceiro que exclua qualquer nexo de imputação ao empreiteiro dessa intervenção no processo de realização da obra. Se não existir essa relação, o empreiteiro responderá também pelos defeitos resultantes da acção desse seu auxiliar, mesmo que tenha sido aceite ou indicado pelo dono da obra”.
[2] Embora se saiba que também não foram cumpridas certas especificações e normas atinentes às tubagens (nomeadamente no que respeita ao diâmetro e pressão) e à união dos tubos (pontos 11, 12, 13, 19 e 20 dos factos provados), e que a forquilha se soltou durante os testes da instalação, tendo sido recolocada por alguém que não a empreiteira e a subempreiteira (pontos 8 e 31 dos factos provados), não resulta, porém, que tenha sido de algum desses factos que a rutura emergiu. De resto, mesmo que estes requisitos tivessem ainda constituído parte da causa da rutura, sempre tal seria de imputar à própria dona da obra, por isso que foi ela quem determinou, contra o que sabia ser devido, esse não cumprimento (pontos 26, 27, 29 e 35 dos factos provados).
[3] Assim Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao artigo 1208º.