Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4210/06.9TBGMR.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CASO JULGADO
DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Não ocorrendo qualquer uma das situações permissivas da revista atípica, não se verifica, em princípio, a faculdade de interposição de recurso do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização, em processo de expropriação, para o STJ.
II - A oposição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito, ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objecto de interpretação ou aplicação oposta, independentemente de, para o efeito da verificação da oposição, os casos concretos decididos, em ambos os acórdãos, apresentarem contornos e particularidades diferentes, não sendo suficiente uma contradição entre os fundamentos, com ressalva da situação em que estes condicionem, de forma decisiva e determinante, a decisão proferida num e noutro acórdão.
III - Existindo jurisprudência, anteriormente, adoptada pelo STJ, seguida pelo acórdão de que se pretende recorrer, não se verifica um verdadeiro conflito jurisprudencial, em sentido próprio, justificativo do julgamento alargado pelo plenário das secções cíveis, porquanto os acórdãos que se dizem em colisão são provenientes de tribunais posicionados em diferentes graus da hierarquia judiciária, sendo, consequentemente, de excluir a recorribilidade do acórdão da Relação.
IV - O caso julgado que se forma sobre a decisão arbitral, transitada, apenas, contende com o montante da indemnização fixada e não já quanto à qualificação que os árbitros tenham efectuado sobre o terreno expropriado, sendo certo que a motivação só pode ser considerada quando se torne necessário reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, o sentido e alcance da referida decisão, não abrangendo os respectivos factos instrumentais.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nos presentes autos com processo especial de expropriação judicial litigiosa, por utilidade pública urgente, em que é expropriante EP – Estradas de Portugal EPE, com sede na Rua .........., Porto, e expropriado AA de Figueiredo, residente na Quinta do Lourido, Pevidém, Candoso (S. Martinho), Guimarães, veio a primeira entidade expropriar uma parcela de terreno, identificada com o número 35-A, relativa à concessão norte da A7-IC5, lanço Guimarães-Fafe, sub-lanço Selho-Calvos.
Do acórdão arbitral, que fixou em €34170,00 o montante indemnizatório a pagar pela expropriante, foi interposto recurso independente pelo expropriante e subordinado pelo expropriado.
No recurso da decisão arbitral, a expropriante conclui com a formulação do pedido indemnizatório, no quantitativo de €9057,48, e o expropriado deduziu um pedido indemnizatório, no montante de €51153,57.
A sentença julgou improcedente o recurso interposto pela expropriante e, parcialmente, procedente por provado, o recurso apresentado pelo expropriado e, em consequência, fixou o valor da indemnização que aquela tem a pagar ao expropriado, no montante de €34170,00, acrescido da respectiva actualização, a partir da data da DUP, ou seja, 2 de Junho de 2004, até ao trânsito em julgado da decisão, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação.
Desta sentença, a expropriante interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Guimarães, a mesma expropriante interpôs recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na oposição de acórdãos, nos termos do disposto pelos artigos 678º, nº 4 e 721º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1ª - O poder jurisdicional conferido aos árbitros, no âmbito da decisão arbitral, limita-se à determinação do quantum indemnizatório e só apenas quanto a este é que se pode fazer caso julgado.

2ª - A decisão judicial não tem de se ater ao material factual e probatório constante do processo arbitral, podendo ser invocados factos (desde que concretizadores das razões de discordância invocadas) e produzida prova de tais factos, mesmo que tanto assuma carácter inovador relativamente ao teor do processo que culminou com a decisão arbitral.

3ª - Foi manifestada discordância expressa face ao teor da decisão arbitral e os seus critérios genéricos de avaliação, pelo que a natureza do pedido não se restringe à avaliação da parcela conforme o uso e ocupação agrícola.

4ª - A decisão arbitral não era susceptível de formar caso julgado quanto ao destino da parcela, pois no limite a impugnação em sede de recurso da decisão arbitral do valor unitário por metro quadrado inculca um juízo crítico quanto ao valor económico da avaliação protagonizada vinculando-se o pedido da entidade expropriante ao valor da rentabilização do solo e não ao destino equacionado.

O expropriado não apresentou contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas reproduz:
1. Foi publicado, no DR nº 129, suplemento, II série, de 2.06.2004, a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de uma parcela de terreno, identificada com o n.° 35A, com a área de 804 m2, necessária à execução da obra "Concessão Norte - A7/IC5 - lanço Guimarães/Fafe - sublanço Selho/Calvos" (quilómetros 0+000 a quilómetro 6+819).
2. Tal área integra o prédio rústico de maiores dimensões, inscrito na matriz sob o artigo 39, sito no Lugar de......., da freguesia de Candoso (S. Martinho), Guimarães, a confrontar, actualmente, a Norte e Nascente com auto-estrada, a Sul com estrada e BB e a Poente com estrada e comissão fabriqueira da ........
3. Prédio este englobado no prédio misto registado na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o n.° 00000000000, a favor do expropriado, por sucessão por morte deferida em partilha de CC, encontrando-se a área de 804 m2, actualmente, registada a favor da expropriante, por meio da inscrição G - Ap. 26 de 000000000.
4. Foi realizada a vistoria "ad perpetuam rei memoriam", no dia 28 de Julho de 2004.
5. A 31 de Agosto de 2004, a expropriante tomou posse administrativa da parcela.
6. A 12 de Setembro de 2006, foi adjudicada a propriedade de tal parcela à expropriante.
7. A área expropriada respeita a três sub-parcelas com 365 m2, 433 m2 e 6 m2, formadas por terreno agrícola, com milho, vinha e uma pequena parte com floresta, coincidindo estas com as partes sobrantes de um prédio já objecto de expropriação para a mesma obra.
8. Todas as sub-parcelas são interiores, em relação às vias públicas, possuindo acesso, através de caminho particular que serve toda a exploração agrícola, possuindo boa exposição solar e solos de boa condição agronómica, com água de rega.

9. Localizam-se em zona, eminentemente, agrícola e fora de núcleo urbano.
10. A sub-parcela 1 de 365 m2, quase encosta ao aglomerado urbano existente a poente, cujos terrenos se inserem, em "Zona de construção dominante - tipo II".
11. Tinha configuração trapezoidal, era plana e estava cultivada com culturas arvenses de regadio - milho, sendo o solo de boa qualidade para utilização agrícola.
12. Possuía vinha conduzida em ramada, a Nascente (51 m comprimento - 35 m na sub-parcela x 5 m largura x 3 m altura), a Norte (43 m comprimento - 14 m na sub-parcela x 5 m largura x 3 m altura), constituída por esteios em granito, ferro T e arames, em boas condições de conservação e produção.
13. Possuía, igualmente, muros de suporte, com 51 m de comprimento x 8 m de altura x 0,4 m de espessura, e de vedação sobre o anterior, com 10 m de comprimento x 3 m de altura x 0,4 m de espessura, ambos em alvenaria de pedra seca, na parte Norte e Nascente da sub-parcela, onde hoje confronta com a auto-estrada.
14. No lugar destes, existe hoje uma vedação de rede, afixada em barrotes de madeira.
15. Segundo o Plano Director Municipal de Guimarães, esta área está inserida em "Zona não urbanizável".
16. A sub-parcela 2, de 433 m2, tinha configuração aproximada de

triângulo, teria aproveitamento florestal, com árvores que não se puderam identificar.
17. Possuía vinha em bardo, com 10 m de comprimento x 4 m de altura e um muro de suporte e vedação, em alvenaria de pedra seca, com 20 m de comprimento x 3 m de altura x 0,4 m de espessura.
18. Segundo o Plano Director Municipal de Guimarães, esta área está inserida em "Área Florestal não condicionada".
19. O seu aproveitamento agrícola seria possível, caso houvesse

reconversão cultural, o que nunca se concretizou.
20. A sub-parcela 3, de 6 m2, tinha configuração triangular, e estava ocupada pelo empreiteiro, à data da vaprm.
21. Segundo o Plano Director Municipal de Guimarães, esta área está inserida, em "Zona de Reserva Agrícola Nacional e de Reserva Ecológica Nacional".
22. A área expropriada dista do centro de Guimarães e de Pevidém, cerca de 3 Km, existindo naquele um mercado central público, e, em ambos, inúmeros mercados e lojas, em médias e grandes superfícies, o que facilita o escoamento da produção.
23. Tal parcela é interior, em relação às vias públicas, não usufruindo de qualquer infra-estrutura colectiva.
24. A parcela expropriada localiza-se, no limite da chamada "V........C.......", cujo solo é considerado dos de maior qualidade do país e da região.


Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I - Se ocorre a situação de oposição de acórdãos justificativa da definição do âmbito do caso julgado formado pela decisão arbitral.
II – Se ocorre a violação do caso julgado, enquanto causa obrigatória do conhecimento do recurso da Relação pelo STJ.
III – Qual o valor expropriativo a fixar, na hipótese de violação do princípio do caso julgado.

I. DA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS COM VISTA À DEFINIÇÃO DO ÃMBITO DO CASO JULGADO DA DECISÃO ARBITRAL

A fase judicial do processo de expropriação, que se inicia com o recurso da decisão arbitral, tem como objectivo último a fixação, com observância do princípio do contraditório, da justa indemnização, a que alude o artigo 23º, nº 1, da Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o Código das Expropriações (CE99), aplicável ao caso «sub judice», por força do preceituado pelo artigo 4º do mesmo diploma legal (8), e isto porque, sendo a declaração de utilidade pública que constitui a relação jurídica de expropriação, esta é regulada pela lei em vigor aquela data.

Ainda na vigência do Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo DL n° 438/91, de 9 de Novembro, definiu-se o princípio da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que “tenha por objecto decisão sobre a fixação da indemnização”(2), através de uma norma, em quase tudo, idêntica à da lei actual.

Com efeito, preceitua agora o artigo 66°, nº 5, do CE99, que “sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida”.

Ora, a propósito destes casos, dispõe o artigo 678º, nº 4, do CPC, que “é sempre admissível recurso,.., do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

Dito de outra maneira, não ocorrendo qualquer uma das situações permissivas da revista atípica, ou seja, quando esteja em causa a violação das regras de competência absoluta, a ofensa de caso julgado, a decisão respeitante ao valor, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido, as decisões proferidas contra a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e, finalmente, na redacção aqui aplicável, anterior ao Decreto-Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto, considerando a data do início da lide, a existência de contradição com acórdão “dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do Tribunal”, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com jurisprudência uniformizada, nunca se verifica a faculdade de recorrer, para este Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização, em processo de expropriação(3).

Verifica-se a oposição entre dois acórdãos, sobre a mesma questão fundamental de direito, quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos (4).

A oposição deve incidir sobre decisões expressas, não sendo suficiente uma diversidade, meramente implícita ou pressuposta, uma contradição entre os fundamentos, com ressalva da situação em que estes condicionem, de forma decisiva e determinante, a decisão proferida num e noutro acórdão.

Efectivamente, a contradição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito, ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objecto de interpretação ou aplicação oposta, ou seja, quando o caso concreto é decidido, com base nela, num acórdão e no outro, em sentido contrário, independentemente de, para o efeito da verificação da oposição, os casos concretos decididos, em ambos os acórdãos, apresentarem contornos e particularidades diferentes, desde que a questão de direito seja, fundamentalmente, a mesma, mas sem se prescindir da «identidade das concernentes questões de facto» (5).

Ora, é, no âmbito da «identidade das concernentes questões de facto», que se verifica, desde logo, a diversidade da materialidade subjacente aos acórdãos em confronto, porquanto, no acórdão recorrido, se debate o tipo de ocupação do terreno, de produção agrícola ou florestal, e, no acórdão fundamento, o tipo de classificação do solo.

De todo o modo, existindo jurisprudência, anteriormente, adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, seguida pelo acórdão de que se recorre, não se verifica um verdadeiro conflito jurisprudencial, porquanto os acórdãos que se dizem em colisão são provenientes de tribunais posicionados em diferentes graus da hierarquia judiciária, não cabendo, portanto, a hipótese decidenda, na previsão normativa contida, na parte inicial do artigo 678º, nº 4, do CPC, ao estatuir que “é sempre admissível recurso,.., do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação…” (6)

Do lado do primeiro dos acórdãos-fundamento indicados pela expropriante (7) e os dois restantes são expressão do mesmo princípio, como pressuposto da decisão final que fixou o montante global da indemnização, diz-se que “o que é susceptível de transitar ou não em julgado é a decisão arbitral que fixa a indemnização, o montante global devido, não tendo a decisão arbitral que incida sobre a classificação dos solos força obrigatória dentro do processo”.

Deste modo, ainda que cada um dos acervos factuais constantes dos dois acórdãos em confronto não denuncie a aludida «identidade das concernentes questões de facto», porquanto, no acórdão recorrido, se defronta o tipo de ocupação do terreno, de produção agrícola ou florestal, e, no acórdão fundamento, o tipo de classificação do solo, a colisão substancial ocorre quanto à questão de direito fundamental que aquele está subjacente.

Efectivamente, os acórdãos em conflito decidiram a mesma questão fundamental de direito, qual seja a de saber se a decisão arbitral que incida sobre a classificação do solo expropriado tem força obrigatória de caso julgado formal, se o que é susceptível de transitar ou não em julgado é a decisão arbitral que fixa o montante global devido, de modo divergente.

Assim sendo, não obstante a identidade da mesma questão fundamental de direito, ocorreu nos dois acórdãos em confronto uma divergência de soluções jurídicas, que constitui o requisito primário da definição da situação de oposição de acórdãos, para efeito da admissibilidade do recurso excepcional para o STJ.

Porém, este STJ, em algumas ocasiões, decidiu no sentido do acórdão recorrido, designadamente, quando disse que “tendo os árbitros dividido o terreno expropriado em três zonas - considerando duas com a natureza de rústica e a outra como terreno de construção -, se o Ministério Público, no recurso da decisão arbitral, não impugnou essa classificação, e antes a aceitou, discutindo unicamente o valor atribuído, por o reputar exagerado, não pode mais tarde apreciar na revista essa matéria” (8), ou que “por isso, os árbitros dividiram o terreno expropriado em três zonas, considerando duas com a natureza de rústico e a outra como terreno de construção e se a expropriante, no recurso da decisão arbitral, não impugnou essa classificação e antes a aceitou, não poderá, depois, em recurso de revista apreciar essa matéria”, e “se o recorrente, a fim de ver alterado para mais, o valor da indemnização fixado pelo tribunal recorrido, se limitou a alegar que é «consideravelmente inferior ao que os expropriados obteriam, sem esforço, em mercado livre», terá de considerar-se como não fundamentado esse pedido e não poderá o tribunal conhecer do recurso”(9). , mas já não quando afirmou que “daí que o poder de cognição do juiz se delimite pelas conclusões das alegações do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral, transitando para este em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente e envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros”, estendendo-se a eficácia do caso julgado “à decisão das questões preliminares ou conexas que forem antecedentes lógicos indispensáveis à emissão da parte dispositiva do julgado, isto é, que se prendem directamente com o direito invocado” (10).

Deste modo, é de excluir a recorribilidade do acórdão da Relação quando, como acontece no caso em apreço, se verifica um «falso» conflito entre acórdãos das Relações, porquanto o acórdão recorrido do qual, excepcionalmente, a expropriante pretendia recorrer, está conforme com jurisprudência já, anteriormente, fixada por este Supremo Tribunal de Justiça, à qual aderiu.

Diga-se ainda, embora tal em nada tenha sido determinante para a solução encontrada, que a expropriante não juntou aos autos certidão dos acórdãos-fundamento, com a menção dos factos que permitam concluir que aqueles transitaram em julgado, sendo certo, outrossim, que se não aplica ao caso dos autos a norma do artigo 763º, nº 2, do CPC, oriunda da Reforma introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, que presume o trânsito do acórdão-fundamento.

Assim sendo, face a tudo o que exposto ficou, inexiste um conflito jurisprudencial, em sentido próprio, justificativo do julgamento alargado pelo plenário das secções cíveis, nos termos das disposições combinadas dos artigos 678º, nº 4, 732º-A e 732º-B, todos do CPC.

II. DA OFENSA AO CASO JULGADO COMO CAUSA DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL

Dispõe ainda o artigo 682º, nº 1, do CPC, que “se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas terá de recorrer se quiser obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável;”, enquanto que, por seu turno, o artigo 684º, nº 4, do mesmo diploma legal, estatui que “os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.

Na hipótese em apreço, a expropriante e o expropriado interpuseram recurso do acórdão arbitral, o que significa que não se conformaram com o respectivo montante indemnizatório fixado.

Efectivamente, o princípio da proibição da «reformatio in pejus», constante do artigo 684º, nº 4, do CPC, que não permite que o julgamento do recurso possa agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que aconteceria se o não tivesse interposto, não se mostra ofendido, na situação em causa, em virtude da sentença ter arbitrado uma indemnização superior à do acórdão arbitral, porquanto ambas as partes recorreram, pedindo a fixação de um quantitativo, respectivamente, superior e inferior ao estabelecido.

Sustenta a expropriante, em síntese, que a decisão arbitral não é susceptível de formar caso julgado quanto ao destino da parcela, limitando-se à determinação do «quantum» indemnizatório e não mais, ao contrário do que foi defendido pelo acórdão recorrido que, em sintonia com a sentença proferida no Tribunal de Comarca, considerou que, não tendo o acórdão arbitral sido objecto de recurso, no segmento da “área total expropriada com aproveitamento agrícola”, transitou em julgado o arbitramento, na parte que se prende com o critério de avaliação utilizado.

Ambas as partes recorreram do acórdão arbitral, defendendo pedidos indemnizatórios distintos, sendo certo que a expropriante entende correcto o critério de avaliação praticado, mas não já o tipo de ocupação proposto, sustentando tratar-se de terreno de produção agrícola.

Porém, o acórdão recorrido, na esteira da sentença do Tribunal de Comarca, considera que, não tendo o acórdão arbitral sido objecto de recurso, quanto ao segmento do critério de avaliação utilizado, transitou em julgado o arbitramento, na parte respectiva, não sendo, assim, o mesmo susceptível de vir a ser reequacionado.

A expropriante insurge-se contra esta situação, por entender que, sem embargo de não ter sido interposto recurso, em relação à parte da decisão arbitral que considerou o tipo de ocupação parcial do terreno para aproveitamento florestal, a mesma não transitou em julgado, podendo agora ser renovada a apreciação da correcta aplicação do terreno, em função da sua aptidão natural e, consequentemente, ser fixado o respectivo valor expropriativo, em quantia inferior à estabelecida na aludida decisão arbitral.

Efectivamente, a decisão arbitral que fixou o montante da indemnização correspondente ao valor do solo, no quantitativo de €34170,00, e bem assim como, igualmente, as motivações e os critérios utilizados para se chegar a essa quantia, só teria transitado em julgado se da mesma não houvesse sido interposto recurso para o Tribunal Judicial.

Deste modo, na sequência dos recursos interpostos do acórdão arbitral, foi reaberto o debate dos valores das indemnizações parcelares fixadas, o que legitima a reapreciação dos critérios de adopção da correcta aplicação do terreno, em função da sua aptidão natural e agrológica, enquadrando dentro do material fáctico disponível ou de outro que se achasse adequado fazer acrescentar, diversamente, se fosse caso disso, os pressupostos da opção efectuada pela decisão arbitral, ou, pura e simplesmente, aderindo, motivadamente, aos mesmos, com vista a encontrar a justa indemnização.
A este propósito, não se pode subestimar a evidência que consiste no facto de os pressupostos adoptados pelos árbitros, na determinação do montante indemnizatório, não terem, necessariamente, de ser observados e coincidir com os critérios defendidos pelos peritos da comissão de avaliação que intervêm, ulteriormente, na fase do recurso, de modo a ficarem impossibilitados de encontrar uma indemnização justa, através de outra via que não passe por aquela que esteve subjacente à decisão arbitral, sob pena de se reduzir ao mínimo a sua margem de divergência possível, que talvez ficasse limitada, academicamente, à adopção de fórmulas matemáticas que os árbitros e os peritos, diversamente, pudessem utilizar.
O caso julgado que se forma sobre a decisão arbitral, transitada, apenas, contende com o montante da indemnização fixada e não já quanto à qualificação que os árbitros tenham efectuado sobre o terreno expropriado, sendo certo que a motivação só pode ser considerada quando se torne necessário reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, o sentido e alcance da referida decisão, não abrangendo os respectivos factos instrumentais (11)
Ainda que os limites objectivos do caso julgado se restrinjam à parte dispositiva da sentença, sem tornar extensiva a sua eficácia a todos os motivos objectivos da mesma, deve alargar-se a respectiva força obrigatória à resolução das questões preliminares que a sentença teve necessidade de resolver, como premissa da conclusão firmada, isto é, como pressuposto lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, razão pela qual a correspondente parte decisória, enquanto conclusão de certos fundamentos que se constituem como que o antecedente lógico e necessário da decisão, pode ser abrangida pelo caso julgado (12).
De todo o modo, não transitando a parte decisória da sentença, verdadeiro objecto da lide, porque impugnada, caem, também, pela base os respectivos factos instrumentais, isto é, as premissas que a fundamentavam, sendo certo que está em causa a extensão do caso julgado da decisão aos fundamentos, e não pode alargar-se aos antecedentes aquilo que não existe quanto à decisão, verdadeiro objecto do recurso.
Assim, e, em síntese, embora as premissas da decisão não revistam, por via de regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhe essa natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir, de modo expresso, quer quando constituírem antecedente lógico, necessário e imprescindível da decisão final.
Na verdade, as determinantes da avaliação e da ocupação do terreno expropriado representam factos instrumentais indispensáveis à fixação do montante indemnizatório, não podendo constituir um compartimento estanque da parte dispositiva da decisão, propriamente dita, sob pena de, sendo a mesma impugnada, surgir desligada de qualquer corpo de sustentação susceptível de, através da sua reapreciação, constituir um idóneo da sua afirmação.
É esta a posição que mais se ajusta à natureza mista de recurso-acção que se reconhece à fase jurisdicional, que se inicia com o recurso do acórdão arbitral, como já se referiu.
Como assim, a decisão arbitral que incida sobre a classificação do solo expropriado não tem força obrigatória de caso julgado formal, razão pela qual o que é susceptível de transitar ou não em julgado é o acórdão arbitral que fixa o montante global devido.
Assim sendo, considerando que a decisão arbitral funciona como uma sentença proferida em Tribunal de 1ª instância, pois que de um Tribunal Arbitral Necessário se trata, por força do estipulado pelo artigo 1525º e seguintes, do CPC, interposto recurso da mesma, não se forma caso julgado sobre a relação jurídico-expropriativa que teve por objecto, quer quanto ao montante indemnizatório final, quer quanto aos concretos critérios em que se fundou a sua fixação e que foram objecto de impugnação.
Deste modo, não se verificando a situação permissiva da revista atípica, em que se traduz a ofensa de caso julgado, nem qualquer outra causa em que é sempre admissível recurso do acórdão do Tribunal da Relação, para o STJ, não se conhece do objecto do presente recurso de revista.

III. DO MONTANTE EXPROPRIATIVO

A discordância da expropriante sobre o valor da indemnização arbitrada cinge-se quanto à aplicação do critério de valorização de 25%, em relação ao tipo de aplicação proposto para o terreno, em virtude da proximidade dos centros de distribuição, que permite um melhor escoamento dos produtos agrícolas, devendo o valor da área expropriada, no segmento da aptidão agrícola de regadio do terreno, ser definido em €6237,48, e não em €8040,00, e bem assim como quanto ao montante atribuído ao muro de suporte, a título de benfeitorias.

Porém, não se verificando a violação do princípio do caso julgado, enquanto causa obrigatória da apreciação da revista, por este STJ, e não cabendo recurso para este do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida, por força do preceituado pelo artigo 66°, nº 5, do CE99, mantêm-se, portanto, no que respeita a esses dois segmentos do valor expropriativo do terreno, os montantes definidos pela sentença do Tribunal Judicial, que o acórdão da Relação acolheu.

CONCLUSÕES:

I – Não ocorrendo qualquer uma das situações permissivas da revista atípica, não se verifica, em princípio, a faculdade de interposição de recurso do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização, em processo de expropriação, para o Supremo Tribunal de Justiça.

II - A oposição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito, ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objecto de interpretação ou aplicação oposta, independentemente de, para o efeito da verificação da oposição, os casos concretos decididos, em ambos os acórdãos, apresentarem contornos e particularidades diferentes, não sendo suficiente uma contradição entre os fundamentos, com ressalva da situação em que estes condicionem, de forma decisiva e determinante, a decisão proferida num e noutro acórdão.

III - Existindo jurisprudência, anteriormente, adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, seguida pelo acórdão de que se pretende recorrer, não se verifica um verdadeiro conflito jurisprudencial, em sentido próprio, justificativo do julgamento alargado pelo plenário das secções cíveis, porquanto os acórdãos que se dizem em colisão são provenientes de tribunais posicionados em diferentes graus da hierarquia judiciária, sendo, consequentemente, de excluir a recorribilidade do acórdão da Relação.

IV - O caso julgado que se forma sobre a decisão arbitral, transitada, apenas, contende com o montante da indemnização fixada e não já quanto à qualificação que os árbitros tenham efectuado sobre o terreno expropriado, sendo certo que a motivação só pode ser considerada quando se torne necessário reconstruir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, o sentido e alcance da referida decisão, não abrangendo os respectivos factos instrumentais.

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, embora com base em fundamentação diversa, o acórdão recorrido.


Custas pela expropriante.

Lisboa, 13 de Julho de 2010

Helder Roque (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

____________________
(1) STJ, de 24-2-94, BMJ nº 434, 404.
(2) Acórdão do Pleno das Secções Cíveis, de 26 de Junho de 1997, Pº 085676, www.dgsi.pt
(3) STJ, de 25-3-2010, Pº 2158/06, 1ª secção, www.dgsi.pt
(4) Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, revista, actualizada e ampliada, 2002, 104.
(5) STJ, de 3-2-2005, Pº 05B025; STJ, de 11-10-1994, Pº 0796773; STJ, de 13-10-1993, Pº 083411; e STJ, de 21-4-1993, Pº 003604, www.dgsi.pt
(6) Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, 451. A este propósito, no lugar paralelo do artigo 437º, nº 2, do Código de Processo Penal, e na situação homóloga que lhe corresponde, dispõe-se que “ é admissível recurso [para o pleno das secções criminais] quando um Tribunal de Relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente Relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, o que, presumindo-se que “o legislador soube exprimir o seu pensamento, em termos adequados”, é sinal seguro da extensão do âmbito material das decisões das Relações que admitem sempre recurso, nas duas ordens de jurisdição.
(7) RP, de 10-10-1996, CJ, Ano XXI (1996), T4, 220.
(8) STJ, de 9-10-1970, BMJ nº 200 (1970), 168.
(9) STJ, de 8-3-1974, BMJ nº 235 (1974), 148.
(10) STJ, de 26-11-2009, Pº nº 2416/04.4TJVNF.S1, www.dgsi.pt
(11) Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, Nova Edição, revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, 317 e 327; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 1984, 695 e ss.; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, 578 e ss.
(12)STJ, de 8-3-2007, CJ (STJ), Ano XV, T1, 98; e de 14-3-2006, Pº nº 05B3582, in http://www.dgsi.pt