Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9/20.8PATMR.E2.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
TRÂNSITO EM JULGADO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
MEDIDA DA PENA
PODERES DE COGNIÇÃO
IRRECORRIBILIDADE
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JUGADO.
Sumário :
I - Quando por acórdão da Relação (que conheceu de recurso interposto pelo MP de sentença lida em processo sumário), transitado em julgado, se decidiu sobre a medida da sanção (18 meses) e sobre a espécie da pena (pena de prisão efetiva, sem prejuízo da realização de diligências para a eventual execução em regime de permanência na habitação), essas matérias ficaram definitivamente decididas, impondo-se a todas as pessoas, incluindo ao tribunal, ao arguido e seu advogado, fosse defensor oficioso ou mandatário que viesse a constituir posteriormente, como sucedeu (que obviamente não podia desconhecer o que se passava no processo, incluindo o valor de todas as decisões definitivas transitadas nele proferidas).
II - Com o trânsito dessa decisão superior, aquelas matérias definitivamente decididas, cobertas pelo caso julgado, já não podem ser alteradas, sequer por uma decisão da 1.ª instância que lhe visava dar execução (designadamente, quando após a realização de diligências, decidiu sobre a forma como o arguido/condenado iria cumprir aquela pena de 18 meses de prisão efetiva em que fora condenado pela Relação: se dentro dos muros do estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação, tendo acabado por decidir por esta última forma de execução da referida pena de prisão, por se verificarem os seus pressupostos, formal e material).
III - O arguido não podia recorrer daquela decisão da 1.ª instância que, executando a decisão superior, determinou que cumprisse a pena de prisão em regime de permanência na habitação, para voltar a discutir a medida da sanção (já estava definitivamente assente que eram 18 meses, o que não admitia a renovação da discussão sobre a alteração pretendida), nem sobre a espécie da pena (que era pena de prisão efetiva, que ou cumpria no estabelecimento prisional ou verificando-se os seus pressupostos, em regime de permanência na habitação) e também não podia voltar a equacionar o que já tinha sido afastado e estava ultrapassado (quando pretendia que fosse suspensa a execução da pena de prisão ou que fosse substituída por PTFC), pelo que se impunha a rejeição desse recurso, por inadmissibilidade legal.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 9/20.8PATMR.E2.S1

Recurso

    

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. No processo sumário n.º 9/20.8PATMR do Juízo Local Criminal de Tomar, comarca de Santarém, por sentença de 08.07.2020, o arguido AA foi, além do mais (no que aqui interessa), condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução “pelo período de 18 (dezoito), sujeita a regime de prova, a elaborar pela DGRSP, e com a condição de se inscrever em escola de condução e frequentar as sessões necessárias e submeter-se aos respectivos exames, o que deve comprovar nos autos no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da sentença.”

II. Inconformado com essa sentença, recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Évora, o qual por acórdão de 23.02.2021, decidiu “conceder provimento ao recurso e em consequência, revoga-se a sentença recorrida no que toca à suspensão da execução da pena de 18 (dezoito) meses prisão, determinando-se que esta seja cumprida em regime efectivo, sem prejuízo da realização de diligências para a sua execução em regime de permanência na habitação, nos termos do Art. 43 nº 1 al. a) do C. Penal e 4, 7 e 9 da Lei 33/2010 de 2/09, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei 94/2017 de 23/08”.

III. Foram realizadas diligências na 1ª instância, que consistiram em (por despacho de 26.04.2021) “solicitar à DGRSP, com urgência, nos termos do disposto no artigo e 7.º n.º 2 da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, a elaboração de relatório para os devidos efeitos, bem como a recolha dos consentimentos previstos o artigo 4.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro.” e (por despacho de 4.05.2021, para fazer cumprir a decisão do TRE de 23.02.2021) designa para leitura da sentença o dia 17.05, o qual foi posteriormente transferido para 16.06.

IV. Entretanto, o arguido veio com um requerimento em 8.05.2021 invocar a nulidade de todo o processado a partir da sentença proferida em 8.07.2020, mas por decisão de 12.05.2021 foi indeferido pelos motivos aí indicados (por um lado, por estar notificado pessoalmente “para estar presente na leitura sentença, não tendo comparecido nem justificado a falta”, o mesmo considerando-se notificado da sentença na pessoa do seu ilustre defensor, tal como dispõe o artigo 373.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, pelo que não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade e, de qualquer modo, “a decisão de condenação do arguido já transitou em julgado, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2021 e certidão emitida pelo referido Tribunal a 22-04-2021, pelo que a diligência agendada destina-se, tão só, a fazer cumprir tal decisão, estando o poder jurisdicional deste juízo local criminal esgotado quanto a tudo o mais.”).

V. Na audiência de 16.06.2021, na qual o arguido se fez acompanhar de Advogada quem conferiu procuração no ato, a Srª. Juiz “perguntou ao arguido se aceitava que a pena de prisão fosse cumprida em regime de permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, tendo este respondido afirmativamente” e, de seguida, procedeu à leitura da decisão, que designou de sentença (destinada a fazer cumprir o ac. do TRE de 23.02.2021, transitado em julgado), em que condenou o arguido, pela prática do referido crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, sem prejuízo de saídas devidamente autorizadas, nos termos do nº2 do mesmo artigo, designadamente, para frequentar sessões na escola de condução, submeter-se a consultas médicas ou acompanhar os filhos a consultas médicas ou tratamentos.

VI. Dessa decisão proferida em 16.06.2021 recorreu o arguido para o TRE, visando a redução para 12 meses da pena de prisão (de 18 meses) aplicada e a suspensão da sua execução ou então que fosse substituída por trabalho a favor da comunidade.

VII. No TRE, por decisão sumária de 14.12.2021, tendo em vista o teor do recurso e por o arguido não poder recorrer de novo sobre “a medida da pena e da forma da sua execução, ou da possibilidade da sua suspensão ou substituição”, uma vez que tal matéria estava já definitivamente decidida e transitada por ac. do TRE de 23.02.2021, foi rejeitado o mesmo recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos do Art. 414 nº 2, 417 nº 6 al. b) e 420 nº 1 al. b), do CPP.

VIII. Perante reclamação do arguido para a conferência, por acórdão do TRE de 25.01.2022, foi indeferida a reclamação e confirmada a decisão sumária.

IX. Em 6.02.2022 veio então o arguido interpor recurso para o STJ, o qual foi admitido no TRE, apresentando as seguintes conclusões:

1. A verdade é que a sentença foi proferida. E tal facto é indiscutível. A mesma existe. Foi lida a sentença e a mesma foi notificada ao arguido. E foi da mesma que o arguido recorreu.

2. Ou seja, o arguido recorreu desta nova decisão que foi proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e que o condenou na pena de prisão de 18 meses a cumprir em regime de permanência na habitação.

3. Se o Tribunal a poderia proferir ou não, não é neste momento a questão a colocar. Pois a mesma foi proferida, e isso é facto indiscutível. A mesma respeita todas as formalidades e exigências legais.

4. É indiscutivelmente existente e recorrível.

5. Face ao exposto e sem necessidade de mais considerandos, deve ser proferido acórdão que decida que o recurso deve ser admitido com todas as consequências legais que daí advêm.

6. Assim, e salvo melhor opinião, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, padece de um vício gravíssimo que acarreta a nulidade do mesmo - o VÍCIO DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, porquanto não se pronunciou sobre questão primordial que devia apreciar!

7. E não se diga, que a Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, não é susceptível de recurso.

8. Pois o acórdão é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de inconstitucionalidade, por ir contra o princípio fundamental da recorribilidade em pelo menos um grau das decisões judiciais limitadoras da liberdade contido no art. 32º da CRP. INCONSTITUCIONALIDADE QUE DESDE JÁ SE ALEGA E REQUER PARA OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS.

9. Por outro lado, mesmo que fosse identificada uma norma travão, tratar-se-ia, in casu, de norma inconstitucional, porque infractora do princípio fundamental da recorribilidade em um grau.

10. Em primeiro lugar, o caso não cabe em nenhuma irrecorribilidade.

11. Com efeito, o tema dissidente teve apenas uma e só uma abordagem jurisdicional: é por assim dizer uma decisão da Relação, mas em primeira instância.

12. E todas as decisões penais de primeira instância são recorríveis.

13. O problema, a arguida nulidade, de omissão de pronúncia, foi na verdade, arguida perante o tribunal de Segunda Instância o Tribunal da Relação de Évora, que sobre ele se debruçou pela primeira e única vez.

14. Logo tem de haver lugar a recurso, pelo menos a um grau de recurso.

15. Mas se for entendido que, pelo contrário, se trata apenas da mesma questão sob a regulamentação diferente, 16.

17. Então o recurso justifica-se pela intolerabilidade em abstracto do erro palmar de direito.

18. Em processo penal como é o caso dos autos, que é o direito mais directamente ligado às liberdades e garantias constitucionais, um erro deste tipo corresponde afinal à contra aplicação directa de uma norma fundamental. Assim, em confronto directo com o artigo 18º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

19.E deste modo onde não é proporcional a conversão de direito ao recurso, tal como a proíbe o artigo 18º nº 3 do mesmo diploma legal.

20.Face ao supra exposto, e sem necessidade de mais considerandos, deve o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, ser revogado e substituído por outro que deve declarar o Acórdão proferido naquela mesma data, NULO, com todas as consequências legais que daí advenham.

DAS NORMAS VIOLADAS:

Art.º 399º e art.º 400º do CPP;

Art.º 18º e art.º 32º da CRP; Art.º 412º do CPP;

Artigos 32º nº1, 20º e 18º da CRP; Art.º 680º do CPC;

Artigos 120º nº 2 al. d), 119º al. c) do CPP.

X. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Acórdão ora em crise e a decisão sumária sobre o qual o mesmo incidiu encontram-se devidamente fundamentados e apontam a rejeição do recurso como único e necessário caminho;

2. A decisão da 1ª instância que determinou o cumprimento efectivo da pena de prisão, em OPHVE, embora tenha assumido a forma de "sentença", mais não foi do que um verdadeiro despacho proferido em obediência ao primitivo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora;

3. A medida da pena, objecto do recurso rejeitado, já fora, aliás, decidida na sentença em 1a instância e objecto do primeiro recurso interposto, o qual viria a claudicar e pretender, agora, reiterar aqueles argumentos, sobre os quais o Tribunal da Relação de Évora já se pronunciara em Acórdão transitado, parece-nos, perfeitamente, descabido, irrazoável e contra a lei;

Termina, assim, pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

XI. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido de ser “inquestionável a irrecorribilidade do acórdão de 25.01.2022 do Tribunal da Relação de Évora”, uma vez que, como ficou explicado “se compreende no elenco das decisões a que se refere aquela norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P.”, devendo ser rejeitado o recurso, por legalmente inadmissível, “a tanto não obstando o despacho que o admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c), 417.º, n.º 6, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414º, n.º 2 e 3, todos do C.P.P..”

XII. Notificado do Parecer do Sr. PGA, o arguido nada disse.

XIII. No exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

Factos

XIV. Resulta dos autos, em resumo, com interesse para a presente decisão que, no processo sumário supra referido:

- o arguido/recorrente foi condenado neste processo sumário nº 9/20.8PATMR no Juízo Local Criminal de Tomar, comarca de Santarém, por sentença lida em 8.07.2020, por um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art. 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução “pelo período de 18 (dezoito), sujeita a regime de prova, a elaborar pela DGRSP, e com a condição de se inscrever em escola de condução e frequentar as sessões necessárias e submeter-se aos respectivos exames, o que deve comprovar nos autos no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado da sentença.” mas, por acórdão do TRE de 23.02.2021, foi concedido provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência foi revogada a sentença no que “toca à suspensão da execução da pena de 18 (dezoito) meses prisão, determinando-se que esta seja cumprida em regime efectivo, sem prejuízo da realização de diligências para a sua execução em regime de permanência na habitação, nos termos do Art. 43 nº 1 al. a) do C. Penal e 4, 7 e 9 da Lei 33/2010 de 2/09, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei 94/2017 de 23/08”;

- para dar cumprimento a esse acórdão do TRE de 23.02.2021, transitado em julgado, a 1ª instância, realizou as diligências necessárias solicitando relatório à DGRSP e obtendo consentimento da companheira do arguido e, na audiência de 16.06.2021, na presença da respetiva Advogada que o arguido constituiu no ato, “perguntou ao mesmo arguido se aceitava que a pena de prisão fosse cumprida em regime de permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, tendo este respondido afirmativamente”, após o que procedeu de seguida à leitura da decisão, a qual designou de “sentença”;

- foi dessa decisão de 16.06.2021 que o arguido recorreu para o TRE[1] e, por decisão sumária de 14.12.2021[2], por o mesmo não poder recorrer de novo sobre “a medida da pena e da forma da sua execução, ou da possibilidade da sua suspensão ou substituição”, uma vez que tal matéria estava já definitivamente decidida e transitada por ac. do TRE de 23.02.2021, foi rejeitado o mesmo recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos do Artº 414 nº 2, 417 nº 6 al. b) e 420 nº 1 al. b), do CPP, sendo por ac. do TRE de 25.01.2022, indeferida a reclamação que apresentou e confirmada a mesma decisão sumária, tendo depois interposto o presente recurso para o STJ;

- consta da fundamentação do referido ac. do TRE de 25.01.2022 o seguinte[3]:

“Reafirma-se o que já anteriormente se plasmou na decisão sumária e que se configura como uma evidência.

Por acórdão de 23/02/21, transitado em julgado, por esta Relação foi decidido a medida da pena a aplicar ao arguido e a sua forma de execução: 18 meses de prisão efectiva, que poderiam ser cumpridos em regime domiciliário se, para tanto, se reunissem as necessárias condições.

Com tal decisão, este Tribunal não anulou a sentença da 1ª instância, nem determinou o reenvio para novo julgamento, mas antes, apreciando o recurso interposto pelo MP, revogou-a, tendo decidido, em definitivo, sobre a pena e o seu modo de cumprimento.

Trata-se de matéria que ficou assente, pelo que, quando o processo baixou à instância sindicada, apenas caberia a esta proceder às diligências necessárias com vista a averiguar sobre a possibilidade de o arguido cumprir aquela pena em regime de permanência na habitação.

O tribunal a quo assim fez, concluindo afirmativamente pela existência de condições para aplicação desse regime já permitido por esta Relação tendo prolatado decisão - erradamente, denominada de sentença com um dispositivo condenatório que gera a confusão no recorrente - em que, dando cumprimento ao superiormente determinado, esclarece quais as saídas autorizadas no âmbito desse cumprimento de pena.

Como já se escreveu na decisão sumária e agora se repete, só sobre este concreto, específico e particular segmento é que a 1ª instância tinha qualquer competência decisória, pois a matéria relativa à medida e execução da pena já estava transitadamente decidida pelo aresto desta Relação, datado de 23/02/21. Nessa medida, não pode o arguido voltar a recorrer da pena e do seu modo de execução, ainda que se reporte a uma sentença, em que se condenou o arguido, na pena já anteriormente decidida por esta instância.

Razão pela qual, sempre teria o recurso de ser rejeitado, ao abrigo das disposições combinadas dos Artsº 417 nº 6 al. b) e 420 nº 1 al. b), ambos daquele diploma legal.

Nesta medida, entende-se que a decisão lavrada pelo relator é de manter, nos seus precisos termos.”

Direito

XV. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Os  poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP ou, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21.12, visto o disposto no art. 5.º do CPP (ou seja, desde que da aplicabilidade imediata da lei nova não haja um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º

Ora, analisadas as conclusões do recurso apresentado pelo arguido para o STJ, verifica-se que coloca as seguintes questões: a nova sentença da 1ª instância, ao condená-lo na pena de 18 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação (independentemente de se saber se o tribunal da 1ª instância a poderia ou não proferir), na sua perspetiva é recorrível, pelo que o acórdão do TRE impugnado padece de nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, quando rejeitou o recurso, sendo igualmente recorrível para o STJ, sob pena de inconstitucionalidade por preterição de um grau de recurso e consequente violação do disposto no art. 32.º da CRP ou, ainda que assim não se entendesse, por o erro cometido corresponder à contra aplicação direta de uma norma fundamental, constituindo uma violação do art. 18.º da CRP, pelo que deve ser declarado nulo o acórdão do TRE, com todas as consequências legais.

Vejamos então.

A sentença de 8.07.2020 proferida neste processo sumário foi por acórdão do TRE de 23.02.2021, transitado em julgado, revogada “no que toca à suspensão da execução da pena de 18 (dezoito) meses de prisão”, tendo essa mesma decisão do TRE determinado que essa pena de 18 meses de prisão fosse cumprida “em regime efetivo, sem prejuízo da realização de diligências para a sua execução em regime de permanência na habitação, nos termos do Art. 43 nº 1 al. a) do C. Penal e 4, 7 e 9 da Lei 33/2010 de 2/09, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei 94/2017 de 23/08”.

Como sabido, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas (art. 205.º, n.º 2, da CRP), significando o trânsito em julgado de uma sentença que ela se torna definitiva e intangível, não podendo mais ser alterada, a não ser através de recurso de revisão verificados os pressupostos deste (art. 449.º do CPP, chamando-se à atenção para o seu n.º 3, onde se esclarece que não é admissível a revisão com o fundamento na alínea d) com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada).

Aliás, esclarece a propósito Germano Marques da Silva[4], que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”

Ora, lendo o referido acórdão do TRE de 23.02.2021 (que conheceu do recurso interposto pelo Ministério Público da sentença lida em 8.07.2020) transitado em julgado percebe-se que se tornou definitivo (além da decisão sobre a matéria de facto) o decidido quanto à medida da sanção (18 meses) e espécie da pena (pena de prisão efetiva, sem prejuízo da realização de diligências para a sua execução em regime de permanência na habitação nos termos das normas indicadas).

Ou seja, naquele acórdão do TRE foi fixada a pena de prisão em 18 meses, foi definitivamente afastada e, por isso, revogada a suspensão da execução dessa pena de prisão, e determinado o cumprimento em regime efetivo, admitindo-se, contudo, que fossem realizadas diligências para a execução em regime de permanência na habitação, o que naturalmente dependia da verificação dos respetivos pressupostos (obviamente que se realizadas as diligências, por exemplo, sendo viável a execução em regime de permanência na habitação, o arguido não prestasse o consentimento para o efeito, então cumpriria a pena de 18 meses de prisão no interior do estabelecimento prisional).

Portanto, aquelas matérias decididas definitivamente pela Relação de Évora no seu acórdão de 23.02.2021, transitado em julgado, impunham-se a todas as pessoas, incluindo ao tribunal, ao arguido e seu advogado, fosse defensor oficioso ou mandatário que viesse a constituir posteriormente, como sucedeu (que obviamente não podia desconhecer o que se passava no processo e o valor de todas as decisões definitivas transitadas nele proferidas).

Como se viu do que acima se expôs o Tribunal da 1ª instância entendeu que para executar o acórdão do TRE de 23.02.2021, face aos termos do decidido, devia proferir uma sentença e, por isso, além das diligências[5] e audiência que realizou (tendo nesta colhido o respetivo consentimento do arguido/condenado - na presença da ilustre Advogada daquele, que estava a assegurar todos os seus direitos e que atuou conforme entendeu ser melhor para a defesa do seu cliente - que era um pressuposto formal prévio para aplicação do regime de permanência na habitação, conforme estabelecido no art. 43.º, n.º 1, al. a), do CP), elaborou e leu a sentença proferida em 16.06.2021, tendo (além de várias repetições que reproduziu) no que aqui interessa determinado o cumprimento daquela pena de 18 meses de prisão imposta “em regime de permanência na habitação, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância (artigo 43.º, n.º 1, al. a) do Código Penal), sem prejuízo de saídas devidamente autorizadas, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, designadamente para frequentar sessões na escola de condução, submeter-se a consultas médicas ou acompanhar os filhos a consultas médicas ou tratamentos.”

Ora, como acima se disse, foi no dito acórdão do TRE de 23.02.2021 que ficou definitivamente decidido a medida da sanção e a espécie da pena.

Ultrapassada a questão da determinação da pena (18 meses de prisão) e, tendo o mesmo acórdão do TRE de 23.02.2021 concluído definitivamente que não era adequada a substituição daquela pena de 18 meses de prisão por suspensão da sua execução (que havia sido aplicada pela 1ª instância e que estava em discussão perante o recurso do Ministério Público[6]), restavam apenas duas hipóteses: ou cumpria os 18 meses de prisão no interior do estabelecimento prisional ou cumpria em regime de permanência na habitação, sendo neste último caso, apenas desde de que se verificassem os respetivos pressupostos legais (como também resulta claro do mesmo acórdão, uma vez que na Relação não foram, por sua iniciativa, feitas as diligências necessárias, nem a mesma dispunha dos elementos indispensáveis para poder tomar a decisão sobre essa matéria relacionada com a forma de execução da pena de 18 meses de prisão que aplicara).

Como salienta Maria João Antunes[7], o regime de permanência na habitação depende não só do referido “pressuposto formal relativo ao consentimento do condenado (art. 43.º, n.º 1, do CP e art. 4.º, n. 1 e n.º 7 da Lei n.º 33/2010)”, como também de um pressuposto material que é o de “por meio deste regime se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão (artigo 43.º, n.º 1, do CP). As finalidades são as finalidades que lhe são apontadas nos artigos 42.º, n.º 1, do CP (…). Se o condenado consentir e se as finalidades preventivas da execução da pena de prisão não superior a dois anos se realizarem de forma adequada e suficiente por meio do regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o tribunal ordena a execução da pena nesse regime. Trata-se de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de dever fundamentar a decisão que dê preferência à execução da pena de prisão em meio prisional, em estabelecimento prisional, em detrimento da execução em regime de permanência na habitação. Só desta forma é dado cumprimento ao propósito político-criminal da preferência pela execução das penas de prisão até dois anos em regime de permanência na habitação.”

Assim, percebe-se que a 1ª instância tivesse realizado as diligências pertinentes para poder executar o acórdão do TRE de 23.02.2021, isto é, e para poder decidir sobre a forma como o arguido/condenado iria cumprir aquela pena de 18 meses de prisão efetiva em que fora condenado pela Relação: se dentro dos muros do estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação, tendo acabado por decidir por esta última forma de execução da referida pena de prisão, uma vez que se verificavam os seus pressupostos (formal e material).

O recurso interposto pelo arguido da decisão proferida em 16.06.2021 tinha de ser rejeitado, como o foi (quer na decisão sumária do TRE de 14.12.2021, quer no acórdão do TRE de 25.01.2022, que indeferiu a reclamação e confirmou a decisão sumária), por inadmissibilidade legal, uma vez que versava sobre matéria que estava definitivamente decidida, por acórdão do TRE de 23.02.2021, já transitado em julgado.

Com efeito, o arguido não podia voltar a discutir a medida da sanção (já estava definitivamente assente que eram 18 meses, o que não admitia a renovação da discussão sobre a alteração pretendida), nem a espécie da pena (que era pena de prisão efetiva, que ou cumpria no estabelecimento prisional ou verificando-se os seus pressupostos, em regime de permanência na habitação) e também não podia voltar a equacionar o que já tinha sido afastado e estava ultrapassado (quando pretendia que fosse suspensa a execução da pena de prisão ou que fosse substituída por PTFC).

E, não é admissível recurso porque as questões que colocou já tinham sido definitivamente decididas naquele acórdão do TRE de 23.02.2021, transitado em julgado (o que nada tem a ver com a qualificação da decisão proferida pela 1ª instância de 16.06.2021 como sentença, o que é indiferente para o caso).

Repare-se que foi garantido o duplo grau de recurso em relação à decisão condenatória de 8.07.2020, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP).
De esclarecer, para que não restem dúvidas, que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias.

Acrescente-se, que foi no acórdão do TRE de 23.02.2021 - ainda que se trate de uma decisão mais gravosa para o arguido (comparando-a com a proferida pela 1ª instância) - que se discutiu a possibilidade ou não da substituição da pena de prisão aplicada (ali se concluindo negativamente e decidindo pelo cumprimento efetivo da pena de 18 meses de prisão) e não na sentença de 16.06.2021 (que apenas decidiu o que tinha para decidir que era a questão de saber se o arguido iria cumprir aquela pena de 18 meses de prisão aplicada pela Relação no interior do estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação).
E, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do STJ, os seus poderes de cognição estão, nos casos das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação. No caso da alínea e), se a pena aplicada não for superior a 5 anos, não é admissível recurso. No caso da alínea f), não é admissível recurso se ocorrer uma situação de verificação de dupla conforme, isto é, se as penas aplicadas, em confirmação da decisão da 1ª instância, não forem superiores a 8 anos de prisão.
Da conjugação das referidas disposições resulta, assim, que só é admissível recurso de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos em caso de não confirmação da decisão da 1ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso da prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso. E esta irrecorribilidade abrange todas as questões que com essas infrações penais se prendam – ver Ac. do TC (plenário) n.º 186/2013.
Ora, no caso dos autos, de acordo com o paradigma do legislador português desde a reforma introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29.08, não era admissível recurso daquele ac. do TRE de 23.02.2021 para o STJ, considerando a pena de 18 meses de prisão aplicada ao arguido, tendo em atenção a sentença condenatória proferida em 8.07.2020 pela 1ª instância.

De qualquer modo, tendo transitado o acórdão do TRE de 23.02.2021, como é sabido aquelas matérias definitivamente decididas, cobertas pelo caso julgado, já não podiam ser alteradas e, muito menos por uma sentença da 1ª instância que lhe visava dar execução, como aconteceu com a proferida em 16.06.2021.

A decisão da 1ª instância de 16.06.2021 que executou aquele acórdão do TRE de 23.02.2021 era passível de recurso se, por exemplo, verificados os pressupostos para o regime de permanência na habitação, o mesmo não fosse aplicado e antes tivesse sido determinado que o arguido fosse cumprir a pena de prisão aplicada no interior do estabelecimento prisional (nesse caso, não se conformando com tal decisão, o arguido poderia recorrer, impugnando essa decisão).

Mas, não sendo isso o que sucedeu, como é evidente não pode o arguido recorrer suscitando questões que estão ultrapassadas e decididas definitivamente, sendo um erro entender que existe violação do art. 18.º da CRP.

Quanto a eventuais nulidades cometidas pelo TRE, como agora chega a invocar, não sendo admissível recurso, por inadmissibilidade legal, deveria as ter antes arguido em requerimento autónomo, perante o tribunal competente para as conhecer, dentro do prazo legal, sob pena de ficarem sanadas.

Ora, não sendo admissível o recurso, é manifesto que não há qualquer omissão de pronúncia e, por conseguinte, também não se verifica qualquer nulidade no acórdão proferido em 25.01.2022.

Além disso, ao contrário do que alega o condenado, o acórdão do TRE de 25.01.2022 não é passível de recurso para o STJ, uma vez que se inclui no âmbito dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conhecem, a final, do objeto do processo (art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP).

De resto, não se confunda esse acórdão da Relação de 25.01.2022, com um acórdão proferido em primeira instância, que manifestamente não é.

Tão pouco vincula este STJ o despacho da Relação que admitiu o recurso (artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. c), 420.º, n.º 1, al. b), e 414º, n.º 2 e n.º 3 e 432.º, n.º 1, al. b), todos do CPP).

Em conclusão: é de rejeitar o recurso do arguido condenado, por inadmissibilidade legal, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais por si invocadas.

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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto por AA, por inadmissibilidade legal (face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, al. c), 420º, n.º 1, al. b), e 414º, n.ºs 2 e 3 e 432º, n.º 1, al. b), do CPP).

Vai o recorrente condenado em 6 UCs de taxa de justiça, a que acresce, nos termos do art. 420º, nº 3, do CPP, o pagamento de 6 UCs.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pela Senhora Juíza Conselheira Adjunta e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da secção.

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Supremo Tribunal de Justiça, 2.06.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Leonor Furtado

Eduardo Almeida Loureiro

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[1] Nesse recurso apresentou as seguintes conclusões, conforme constam do ac. do TRE de 25.01.2022:

1. O arguido foi condenado na pena de prisão de 18 meses, a cumprir em regime de permanência na habitação.

2. A pena aplicada, é excessiva devendo ser aplicada pena inferior ou quanto muito igual a 12 meses de prisão, a qual deverá ser suspensa na sua execução ou substituída por prestação de trabalho a favor na comunidade.

3. Entendem que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, eta deverá ser expecialmente atenuada, face à confissão integral e sem reservas.

4. O Recorrente, rejeita, de facto, que a pena privativa da liberdade seja a única espécie de pena que realize, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 5. Uma vez que, não se encontram esgotadas todas as virtualidades pedagógicas e ressocializadoras que uma pena não detentiva poderá ainda ter.

6. O Tribunal a quo deveria ter partido de uma premissa que não partiu - da premissa de que as penas devem ter sempre um carácter ressocializador.

7. Entendem os Recorrentes que, no seu caso ainda é possível fazer um juízo de prognose social favorável, devendo a pena aplicada, suspensa na sua execução por igual período, sendo-lhes impostas todas as regras de conduta e injunções que se julgarem adequadas às necessidades do caso em apreço, nomeadamente, obrigação de se inscrever na escola de condução.

8. Assim, julgamos que deverá permitir-se ao Arguido Recorrente uma derradeira oportunidade para atuarm conforme ao direito.

9. Estatui o artigo 58 nº 1 da CP que, se ao agente for aplicada pena não superior dois (2) anos de prisão, tal como sucederá concerteza com o ora Recorrente nos presentes autos, o Tribunal poderá substituí-la por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

10. Ora, esta aceitação encontra-se expressa nos autos, na presente motivação de recurso, comprometendo-se desde já o Arguido a prestar o trabalho com perfeição, pontualidade, assiduidade e brio.

11. Suspender a execução duma pena, é conceder o benefício da dúvida ao arguido, e a este basta-lhe um comportamento omissivo, isto é, não voltar a delinquir, no decurso da suspensão, para se ter como expiada a pena.
12. No trabalho a favor da comunidade há uma obrigação de facere, e o arguido ao efetuar esse trabalho sente que o faz em cumprimento de uma pena, há uma expiação, e por isso se entende que pode realizar as finalidades da punição.
[2] Consta da fundamentação dessa decisão sumária do TRE de 14.12.2021:

“De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não têm aplicação.

Crê-se que o presente recurso é legalmente inadmissível, na medida em que procura sindicar uma sentença que, em bom rigor, não devia, sequer, ter sido prolatada, sendo, nessa medida, irrecorrível.

Como resulta do que atrás se expôs, a presente Relação, em acórdão anterior, tendo mantido a pena que havia sido aplicada pela 1ª instância ao ora recorrente, revogou aquela decisão no que toca ao cumprimento dessa pena, determinando que a mesma fosse efectiva, sem prejuízo da realização de diligências para uma eventual execução em regime de permanência na habitação.

Esta decisão transitou em julgado, pelo que, quando o processo voltou à 1ª instância, estava assente que o arguido teria de cumprir uma pena de 18 meses de prisão, podendo cumpri-la em regime de permanência na habitação se existissem condições para tanto, cabendo à instância sindicada proceder às diligências necessárias a essa averiguação.

Efectuadas essas diligências e comprovando-se ser possível cumprir a pena em regime não prisional, apenas era necessário, por despacho, lavrar essa determinação, esclarecendo a instância recorria, como o fez, quais as saídas autorizadas no âmbito desse cumprimento de pena.

Só sobre este particular segmento é que cabia, à 1ª instância, competência decisório, pois sobre a medida e execução da pena já esta Relação havia decidido, em acórdão de 23/02/21 que transitou em julgado.

Daí que e com o devido respeito, não tenha sentido a prolação de uma nova sentença, em que se condene o arguido, na pena já anteriormente decidida por esta instância!!!

Em bom rigor, tal sentença, em termos técnicos, deve ser, com tal, considerada inexistente e, nessa medida, irrecorrível.

Assim sendo, não podendo o arguido recorrer, de novo, da medida da pena e da forma da sua execução, ou da possibilidade da sua suspensão ou substituição, pois tal matéria está transitadamente decidia pelo aresto de 23/02/21, torna-se evidente a inadmissibilidade legal do recurso, já que, pela mera leitura das suas conclusões, torna-se claro que aqueles são, precisamente, os seus fundamentos. Nesta conformidade, o recurso não pode prosseguir, impondo-se a sua rejeição, sendo que, nos termos do nº 3 do Artº 414 do CPP, a decisão que admite o recurso e lhe determina o efeito e o regime de subida, não vincula o tribunal superior.

Atenta a irrecorribilidade da decisão, nos termos do Artº 414 nº 2 do CPP, deve o presente recurso ser rejeitado, ao abrigo das disposições combinadas dos Artsº 417 nº 6 al. b) e 420 nº 1 al. b), ambos daquele diploma legal.”
[3] Faz-se transcrição, mas retirando os negritos e os sublinhados.
[4] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359.
[5] No relatório elaborado pela DGRSP, consta também o consentimento da companheira do arguido, para a utilização de meios de vigilância eletrónica para a fiscalização do regime de permanência na habitação (que era a única pessoa – além do arguido – com mais de 16 anos, que coabitava com o arguido que teria de prestar consentimento – art. 4.º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010).
[6] Tendo já sido adiantado na sentença da 1ª instância de 8.07.2020 (que apenas foi objeto de recurso pelo Ministério Público) a razão pela qual, por um lado, nos termos do art. 70.º do CP, fora afastada a moldura alternativa da pena de multa e, por outro lado, igualmente explicada a razão porque fora afastada a substituição da pena de 18 meses de prisão por PTFC.
[7] Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 2022, pp. 111 e 112.