Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
164/15.9T8VNF.P1.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
CESSÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO-PROMESSA
AÇÃO JUDICIAL
INSOLVÊNCIA
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A chamada legitimidade material, substantiva ou “ad actum”, consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.

II – Constando do contrato de cessão de créditos invocado pelos AA., que o crédito cedido é o que vier a resultar de uma acção de condenação, interposta pelo cedente (promitente comprador) contra os promitentes vendedores e não tendo a dita acção atingido o seu termo por aquele ter sido declarado insolvente e o administrador não ter querido prosseguir com a acção, tal cessão não confere ao cessionário, nem o direito de se substituir ao cedente naquela acção nem muito menos o direito de voltar a demandar o promitente vendedor.

III – Nestas circunstâncias o cessionário não é titular dos direitos que cabiam ao promitente comprador, já que nunca lhe foram cedidos e consequentemente não tem legitimidade substantiva para demandar os promitentes vendedores, por questões ligadas ao eventual incumprimento do contrato promessa, devendo estes serem absolvidos dos pedidos.

Decisão Texto Integral:

Relatório[1]


« AA. e BB., residentes na Travessa….,…..intentaram a presente acção sob a forma de processo comum contra CC., DD., residentes na Rua …, e EE., residente na Rua …, pedindo que seja declarado que o contrato promessa identificado nos autos foi resolvido em 2 de Junho de 2009 pelo incumprimento culposo deles réus. Alternativamente, pedem que seja decretado que se verificou o incumprimento definitivo do contrato promessa com a alienação do imóvel a um terceiro e, de qualquer forma, a pagarem aos autores a quantia de € 220.000,00 correspondente ao sinal prestado, em dobro, e a pagarem juros moratórios.

Para fundamentarem a sua pretensão alegaram, em síntese, que a sociedade "G…-Imobiliária, Lda.", prometeu comprar aos l°s réus e a FF. um prédio urbano, sendo que os promitentes vendedores foram então representados pelo 2o réu na qualidade de procurador deles. Após vicissitudes várias, que enumeram, foi marcada uma escritura para efectivação do negócio definitivo, sendo que havia sido estipulado previamente que a documentação necessária, incluindo o documento comprovativo do distrate dos ónus incidentes sobre o prédio, teriam de ser entregues até ao oitavo dia anterior à escritura, o que os promitentes vendedores não fizeram. Nenhum destes voltou a contactar a promitente compradora, que considerou o negócio resolvido. Os promitentes vendedores vieram a alienar, em 2009/12/14, a favor de um terceiro, o prédio em causa, nunca tendo feito qualquer comunicação à compradora que tivesse por objecto o contrato promessa ou a alienação do lote a favor de terceiro. A promitente compradora foi declarada insolvente em 9 de Abril de 2012. Entretanto, por escritura de 30 de Dezembro de 2011, os aqui autores cederam as suas quotas à sua mãe, tendo renunciado à gerência, tendo-lhes a sociedade cedido, na proporção de metade para cada um, qualquer eventual direito ou crédito que resultasse para a sociedade da acção judicial que identificam nos autos. Os autores, na qualidade de cessionários do crédito, comunicaram essa cessão aos réus por cartas registadas com aviso de recepção, tendo a cessão operado efeitos, o que aliás sempre aconteceria com a citação da presente acção.

Os Réus contestaram alegando:

- a ilegitimidade dos Autores;

- que a cessão de créditos foi um estratagema usado por estes para subtraírem à massa insolvente o crédito que a G…, Lda havia exigido aos Réus na acção ordinária;

- a nulidade do referido negócio;

- a ilegitimidade passiva dos réus CC. e EE., por não terem interesse em contradizer;

- que houve adiamentos sucessivos da data de celebração da escritura, sendo a mesma marcada, por insistência do 2o réu, tendo sido entregues no dia anterior todos os documentos necessários para a outorga da escritura;

- que no dia desta foram presentes as declarações necessárias para o distrate das hipotecas;

- que a G…, Lda faltou sem qualquer justificação à escritura;

- que em virtude da situação criada com o protelamento sucessivo da realização da escritura, as representadas do 2o réu perderam o interesse na manutenção do contrato promessa, tendo tal sido comunicado pelo 2o réu ao representante da G…, na pessoa do seu gerente, HH., elucidando-o que teria de entregar o prédio ao Millenium BCP, fazendo uma dação em pagamento;

- que a G…, Lda incumpriu o contrato promessa, não tendo qualquer direito a exigir o dobro do sinal.

Terminam pedindo a improcedência do pedido.


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Foi elaborado o despacho saneador de fls. 217 a 240, onde, além do mais, forma considerados os réus parte legítima.

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Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável.

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A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condenou os réus, cada um na proporção da sua quota na propriedade do lote prometido vender, a devolverem aos autores a quantia total de cento e dez mil euros, acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4% contados desde a data em que foram citados na acção n° 4350/10…, até efectivo pagamento».

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     Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR., recurso de apelação contra a mesma. Por sua vez os AA. interpuseram recurso subordinado.

Apreciando os recursos o Tribunal da Relação … proferiu acórdão onde decidiu:

« julgar improcedente por não provado o recurso independente e em julgar procedente por provado o recurso subordinado e, consequentemente, na revogação da decisão recorrida condenam-se os Réus solidariamente a devolver aos Autores a quantia total de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4% contados desde a data em que foram citados na acção n°4350/10…».


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Mais uma vez irresignados vieram os RR., interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

A) - Vem esta revista interposta do acórdão da Relação … proferido em conferência nos autos de acção ordinária acima referenciados, que julgou improcedente o recurso independente interposto pelos Réus, ora recorrentes, e julgou procedente o recurso subordinado interposto pelos Autores, ora recorridos, revogando a sentença da 1a instância e condenando aqueles solidariamente a devolver a estes a quantia total de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros) acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4%, contados desde a data em que foram citados na acção n° 4350/10…;

B) - Salvo melhor opinião, o acórdão recorrido não fez correcta aplicação do direito atinente, nomeadamente nos art°s. 30° e art. 577° ai. e) do C.P.C., e, ainda, dos art°s. 217°, 280°, 294°, 442°, n°s. 1 e 2, 512°, n° 1, 513°, 772°, n° 1 e 792°, n° 2, todos do Código Civil;

C) - Ir-se-á abordar de seguida as questões suscitadas no acórdão recorrido, dando-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelas instâncias e elencada no item 3 das presentes alegações;

D) - Como vem provado, os Autores eram sócios, com a sua mãe, II., da “G… - Imobiliária, Limitada (doravante G.....), e por escritura de 30 de Dezembro de 2011, os Autores declararam ceder as suas quotas, de que eram titulares naquela sociedade à referida sua mãe ( al. O), P). e Q));

E) - Nessa mesma escritura, os Autores declararam assumir para si, em partes iguais, quaisquer obrigações que resultassem para a sociedade da decisão a proferir na acção judicial que a G.... havia proposto contra os ora recorrentes, a qual correu termos no Tribunal Judicial …, então 0º Juízo, sob o nº 4350/10.... (cfr. al. K), sendo certo que, sendo a G…… autora naquela acção e não tendo havido nesta reconvenção, como fluí dos autos, não podiam resultar para ela quaisquer obrigações, o que significa, sem margem para dúvidas, que as cessões de quotas realizadas pelos Autores à dita sua mãe traduziram actos gratuitos.

F) - Como consta dos autos, a falência da G… foi requerida em 3 de Março de 2012 (apenas 2 meses e 4 dias após a mencionada escritura de cessões) e decretada a sua insolvência por sentença de 9 de Abril de 2012, transitada em julgado (cfr. al. M).

G) - Neste quadro comportamental não é possível, segundo as regras da experiência comum e de elementar bom senso, que os autores desconhecessem:

a) - que a G…. se encontrava em situação de insolvência;

b) - o carácter prejudicial das referidas cessões e de que a G… se encontrava, à data daquelas, em situação de insolvência iminente, tanto mais que, como consta dos autos, o restante património da G..... era insignificante.

H) - É, pois, indubitável que, ao assim procederem, os Autores, mancomunados com sua mãe, tornada única sócia da G……, agiram com má fé e com manifesto prejuízo para a massa insolvente daquela sociedade, nos termos do nº 5 do artº. 120º do CIRE.

I) - Aliás, tais cessões, quer assumissem a natureza de acto gratuito quer oneroso (onerosidade que se não vislumbra) podiam ser resolvidas em benefício da mesma insolvente, sendo certo que tal resolução pressupunha não só a má fé dos autores como a prejudicialidade das cessões em relação à massa insolvente (cfr. nºs. 1,2,3 e 4 do cit. artº. 120º).

J) - É, assim, apodíctico que tais cessões traduziram claramente um desapossamento dum eventual crédito da G.... em vésperas da sua declaração de insolvência e, por conseguinte, desapossamento da massa insolvente, sendo igualmente apodíctico tal desapossamento ter resultado dum estratagema conscientemente urdido e concretizado pelos Autores e a dita sua mãe e, por conseguinte, com inegável intuito fraudulento.

K) - Afigura-se que, sem margem para dúvidas, a referida subtracção fraudulenta constituiu um negócio celebrado contra a lei e claramente ofensivo dos bons costumes, sendo as mencionadas cessões nulas e de nenhum efeito, nos termos dos artºs. 280º e 294º do Cód. Civil, sendo certo que a nulidade de tais negócios obsta que os mesmos surtam quaisquer efeitos, nomeadamente, o de, com base neles, os Autores se apresentarem nesta acção como titulares do direito a que se arrogam e que, nessa qualidade, accionem os Réus.

L) - Não podendo ser, face ao direito, titulares legítimos do referido pretenso crédito, os Autores são partes ilegítimas na presente acção, nos termos do artº. 30º do CPC.;

M) - A mencionada ilegitimidade constitui a excepção dilatória prevista na alínea e) do artº. 577º do CPC, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à improcedência da acção por absolvição dos réus da instância (nº. 2 do artº. 576º do mesmo diploma legal).

Se porém, for entendido estar-se perante uma ilegitimidade substan­tiva, que é aferida face à concreta relação jurídica em litígio, então a ilegitimidade dos autores conduz à absolvição dos Réus do pedido

N) - Face à matéria provada, a G.... incumpriu o contrato promessa referido nos autos, o qual, na qualidade de promitente compradora, havia celebrado com os promitentes vendedores, cabendo-lhe por inteiro a culpa pela não realização da venda prometida;

O) - Tal decorre, além dos factos dados como provados e reproduzidos nas alíneas A, B, C, D, E, F e G dos factos considerados provados, que, pelo seu particular relevo, seguidamente se reproduzem:

a) - A G.... marcou a escritura definitiva de compra e venda para 3 de Junho de 2009, pelas 14 horas, no cartório referido em O) (FF);

b) - Os promitentes vendedores entregaram na véspera da escritura, no cartório notarial, os documentos necessários à escritura, excepção feita ao distrate, apenas presente no dia da escritura, nos termos constantes da informação prestada pelo notário, nos termos e com o conteúdo constantes de fls. 164 a 166 (CC);

c) - No dia 2 de Junho de 2009, o 2º Réu entregou ao notário todos os documentos necessários para instruir a escritura, nomeadamente uma procuração outorgada pelas vendedoras pela qual constituíam o aqui réu EE. seu procurador, tendo o mesmo notário verificado que o ora 2º réu tinha os necessários poderes para intervir na citada escritura em repre­sentação das vendedoras (GG).

d) - O procurador das promitentes vendedoras deslocou-se ao Cartório Notarial do Dr. JJ., em …, em 3 de Junho de 2009, pelas14 horas, acompanhado de diversos documentos (I).

e) - Aquando da comparência referida em I), o 2º réu entregou ao notário duas declarações emitidas, uma pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A., e outra pelo Banco Comercial Português, S.A., pelas quais autorizavam o cancelamento das hipotecas registadas a favor daquelas entidades sobre o referido prédio (HH).

f) - Às 14 horas do dia 3 de Junho de 2009 não se encontrava presente nem compareceu nos 30 minutos seguintes, qualquer pessoa que invocasse ser representante a promitente compradora, a sociedade G....   – Imobiliária, Lda. (II);

g) - A G... tinha conhecimento que o imóvel estava, juntamente com outros, hipotecado ao Millennium BCP e ao Banco de Investimento Imobiliário, S.A., tendo estas entidades bancárias aceitado distratar as hipotecas no acto da escritura de compra e venda mediante quantias pré-fixadas (EE).

h) - As representadas do 2º Réu perderam o interesse na manutenção do contrato (JJ).

P) - Não tendo comparecido à escritura que ela própria marcara, nem tendo justificado por qualquer meio a sua ausência, nomeadamente aos réus, a G.... manifestamente não cumpriu o contrato-promessa que com aqueles celebrara.

Q) - Esse incumprimento, nas condições referidas, assumiu um carácter definitivo, confirmado pela circunstância da G......, nos seis meses que se seguiram até à dação em pagamento do prédio do BCP, ocorrida em 14 de Dezembro de 2009, não ter praticado qualquer acto no sentido da realização da referida escritura de compra e venda, sabendo da existência da hipoteca sobre o dito prédio a favor daquele Banco e do Banco de Investimento Imobiliário (cfr. al. J e EE);

R) - Face a esse incumprimento, os promitentes vendedores tinham e têm o direito de fazer seu o sinal que lhes foi entregue pela G...., nos termos do artº. 442º-2 do Código Civil;

S) - E, salvo melhor opinião, nas circunstâncias descritas, não colhe a subtileza de caracterizar o comportamento da G..... como uma situação de mora, como se a falta desta à escritura caracterizasse apenas uma mera impossibilidade temporária para o cumprimento da obrigação que contratualmente assumira;

T) - Na realidade, como ensina Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral I, 9ª edição, p. 353, só existe a simples mora imputável ao devedor da prestação, quando a prestação debitória apesar de não realizada no momento próprio, é ainda possível, porque pode ainda satisfazer o interesse fundamental do credor, hipótese que, como se disse, não se verifica, uma vez que, como ficou provado (al. JJ), as promitentes vendedoras perderam o interesse na manutenção do contrato.

U) - Assim sendo, não faz sentido imputar aos Réus o incumprimento definitivo do contrato pelo facto destes terem, seis meses após a data da escritura e nas circunstâncias anteriormente referidas, alienado o prédio, em dação em pagamento ao BCP, mercê das exigências decorrentes da existência das mencionadas hipotecas, naturalmente com o habitual prejuízo para os Réus.

V) - De qualquer forma e por maioria de razão, nada justifica a atribuição aos Autores do direito de receberem o dobro do sinal prestado pela G..... aos Réus, como se lhes fosse atribuído um prémio pelo seu fraudulento comportamento;

X) - Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, na esteira do defendido pelos Autores no seu recurso subordinado, não são solidárias as obrigações decorrentes para os outorgantes do contrato promessa em causa;

W) - Nos termos do artº. 513º do Cód. Civil, a solidariedade do devedor ou do credor só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes, não havendo preceito de lei que o autorize ou imponha, nem no contrato promessa foi clausulada a solidariedade das obrigações assumidas pelas partes;

Z) - As especiosas considerações expendidas no acórdão recorrido em defesa da tácita manifestação de vontade dos outorgantes de tal contrato no sentido de estabelecerem contratualmente a solidariedade das respectivas obrigações não encontram no texto do contrato a mínima correspondência, uma vez que nele nada existe que permita concluir que os contratantes quiseram clausular a solidariedade das suas recíprocas obrigações;

AA) - A circunstância das promitentes vendedoras serem representadas pela mesma pessoa, o 2º réu, não tem, de forma alguma, a virtualidade de atribuir a natureza solidária às obrigações assumidas por cada uma delas.

BB) - Acresce, aliás, que a natureza do contrato promessa em causa nem sequer se compatibiliza, na sua funcionalidade, com a existência da solidariedade das obrigações fundamentais dele decorrentes.

CC) - Na verdade, nos termos do nº 1 do artº. 512º do Cód. Civil, “a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles”, sendo certo que, no caso de solidariedade passiva, dispõe o artº. 519º 1, do mesmo Código que o “credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação”;

DD) - Como ensina Antunes Varela (obra citada, p. 777), “são duas as notas típicas da solidariedade passiva:

a)- o dever da prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores;

b)- o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer deles ao direito do credor”.

EE) - Como é óbvio, no caso em apreço, são autónomas as obrigações assumidas pelas promitentes vendedoras, não sendo possível à promitente compradora G...., ter exigido de cada uma das promitentes vendedoras ou do sucessor de uma delas a prestação integral, ou seja a venda da totalidade do prédio prometido vender, pois só poderia exigir a venda da parte que a cada uma pertencia;

FF)- E, por outro lado, o cumprimento da obrigação assumida por cada uma das promitentes vendedoras de vender a sua parte nesse prédio não teria liberado a outra, nem tão pouco a obrigação que a promitente compradora assumiu para com ela.

GG) - Dado o incumprimento da G.... do referido contrato promessa e a justificada perda do interesse de cada uma das representadas do 2º Réu na manutenção do mesmo contrato, tinham aquelas e têm os ora Réus, nos termos do artº. 442º - 1 do Cód. Civil, o direito de fazer suas as quantias que lhes foram entregues pela G...., a título de sinal, ou seja a importância de 110.000,00€ (cento e dez mil euros).

HH) - Consequentemente, mesmo que fosse legal – e não é – a aquisição por parte dos Autores do pretenso crédito da G.... sobre as então representadas do 2º Réu, não têm aqueles qualquer direito de exigir dos Réus o que quer que seja com base no mencionado contrato promessa, nomeadamente a restituição daquele sinal e muito menos a sua restituição em dobro.

II) - Nas circunstâncias expostas, deve o acórdão recorrido ser revogado e ser proferido em seu lugar decisão que julgue a acção totalmente improcedente e não provada e absolva os Réus da instância, ou, caso se conheça do mérito, absolva os Réus do pedido, sempre com as legais consequências;

JJ) – Em cumprimento do preceituado no número 2 do artº. 637º do CPC, indica-se que o fundamento específico da recorribilidade in casu é a violação pelo acórdão recorrido das normas legais indicadas na al. B) destas conclusões.

Dado o exposto e o imprescindível douto suprimento de V. Exªs., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por consequência, ser revogado o acórdão recorrido e julgada totalmente improcedente a acção interposta pelos autores-recorridos, e, absolvidos os réus da instância, ou, caso se conheça do mérito, absolvidos os Réus do pedido.


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Respondeu a parte contrária pedindo a improcedência da revista.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil ). No caso sub judicio o objecto da revista consiste em saber  se :

1 – Os AA. têm legitimidade processual e substantiva para a acção;

II – Se houve incumprimento definitivo imputável à G.... (promitente compradora);

III – Se há concorrência de culpas dos AA. e RR. no incumprimento do contrato;

IV – Se os RR., podem ser condenados solidariamente nos termos em que o foram.


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Dos Factos

Mostra-se consolidada a seguinte factualidade:

A) Por contrato escrito celebrado em 11 de Setembro de 2007, a sociedade "G.....- Imobiliária, Lda." prometeu comprar aos ora l°s réus e a FF., que lhe prometeram vender, o prédio urbano designado por lote n° 3, composto por uma parcela de terreno para construção com a área de 1186 m2, sito no Lugar …., freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …… sob o n° …, inscrito na matriz sob o art° … .

B) Os promitentes vendedores foram então representados pelo ora 2o réu, na qualidade de procurador deles.

C) O preço ajustado foi de € 425.000,00.

D) A título de sinal e princípio de pagamento a promitente compradora entregou aos promitentes vendedores, na pessoa do seu referido procurador, a quantia de € 50.000,00 por via do cheque n° ..., sacado sobre o Montepio Geral.

E) O remanescente do preço ficou de ser pago na data da outorga do contrato prometido.

F) Ficou ajustado que a escritura pública de compra e venda seria outorgada num dos cartórios de …, na data a indicar pelo ora 2o réu, com aviso de trinta dias de antecedência, e no prazo máximo de noventa dias, devendo para o efeito o promitente comprador comunicar aos promitentes vendedores, através de carta registada com aviso de recepção, expedida com a antecedência mínima de 8 dias, o dia, hora e cartório notarial onde a mesma deveria realizar-se.

G) Em 17 de Setembro de 2007 os mesmos contraentes fizeram um aditamento ao referido contrato promessa, também reduzido a documento escrito, por via do qual ajustaram em prorrogar o prazo para a realização da escritura até ao dia 31 de Janeiro de 2008, tendo nessa data a promitente compradora entregue o montante de € 60.000,00 a título de reforço de sinal, em tanto tendo ficado reduzida a quantia a entregar por ocasião da outorga do contrato prometido.

H) Chegada a data aprazada para a escritura, os processos de financiamento e de alteração de alvará ainda se encontravam a decorrer, pelo que os contraentes fizeram mais um aditamento ao contrato, em 8 de Abril de 2008, também reduzido a documento escrito, por via do qual consignaram que caso o empréstimo não fosse aprovado por motivos alheios ao 2o outorgante, o ora 2o réu, o sinal já prestado até àquela data, no valor de € 110.000,00 seria devolvido à promitente compradora quando houvesse um novo comprador para o imóvel em causa.

I) O procurador dos promitentes vendedores deslocou-se ao Cartório Notarial do Dr. JJ., em …, em 3 de Junho de 2009, pelas 14 horas, acompanhado de diversos documentos.

J) Os promitentes vendedores alienaram a favor de terceiro, em 14 de Dezembro de 2009, o lote objecto de contrato promessa.

K) A promitente compradora intentou contra os promitentes vendedores e o sucessor de um deles, os aqui réus, uma acção judicial que correu termos no Tribunal Judicial de …, 0o Juízo, sob o n°4350/10...., na qual foi formulado pedido indemnizatório.

L) A promitente vendedora, FF., veio entretanto a falecer, sendo o seu filho e procurador, aqui 2o réu, seu único e universal herdeiro.

M) Após a fase dos articulados, a promitente compradora veio a ser declarada insolvente por sentença de 9 de Abril de 2012, entretanto transitada em julgado.

N) Por despacho proferido em 14 de maio de 2012, o então mandatário da promitente compradora e o administrador de insolvência foram notificados da caducidade do mandato daquele e para este último, querendo, ir àqueles autos em 10 dias constituir novo mandatário, o que não aconteceu, pelo que por sentença proferida em 14 de Junho de 2012 foi decretada a absolvição da instância dos réus, decisão que transitou em julgado.

O) Por escritura de 30 de Dezembro de 2011, constante de fls. 37 a 39 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n° …….. do Cartório do Notário Dr. JJ., os aqui autores, dos quais o 2o representado por procurador, que eram sócios da sociedade promitente compradora, declararam ceder as suas quotas, de que eram titulares nessa sociedade, à então também sócia II., tendo nesse mesmo acto ambos renunciado à respectiva gerência.

P) De igual forma, os aqui autores declararam assumir para si, em partes iguais, quaisquer obrigações que resultassem para a sociedade na decisão a proferir na acção, tendo ainda declarado que se obrigavam a cumprir a eventual condenação dessa sociedade, e que esta teria direito de regresso sobre eles por qualquer condenação que tivesse de cumprir, tendo também esse direito relativamente a custos implicados pela pendência da acção.

Q) A sociedade aceitou a assunção da dívida e cedeu-lhes, na proporção de metade para cada um, qualquer eventual direito ou crédito que resultasse para a sociedade da referida acção judicial, o que a sociedade declarou também aceitar.

R) Essa cessão de crédito litigioso não foi objecto de qualquer iniciativa pelo administrador de insolvência da referida sociedade.

S) Os autores, enviaram aos réus as cartas registadas com aviso de recepção juntas a fls. 64 e 74, nos termos e com o conteúdo aí referido, tendo a dirigida aos réus CC. e mulher

DD. sido recebidas, e a dirigida ao réu EE. foi devolvida com a indicação "não atendeu".

T) A promitente compradora, cujo propósito era proceder à edificação de um imóvel no terreno em questão, requereu à CGD a concessão de um empréstimo para esse efeito, no montante de € 2.000.000,00.

U) Tanto o processo de financiamento como o processo camarário sofreram atrasos decorrentes de a construção inicialmente prevista e autorizada para o lote em questão, no respectivo alvará, ser de um edifício com 32 fracções, que a Câmara decidiu reduzir para 24, pelo que se tornou necessário alterar esse mesmo alvará.

V) Aquando dos factos referidos em H), a promitente compradora entregou ao aqui 2o réu uma letra de câmbio no valor de € 65.000,00, montante que seria imputado a título de sinal "caso o empréstimo bancário seja aprovado, caso contrário será pago pelo 2o contraente, assim como todas as despesas relacionadas", letra essa que o ora 2o réu descontou no banco.

W) Em 15 de maio de 2008 a promitente compradora obteve a aprovação do financiamento que requerera na CGD.

X) Também já se tinha verificado a alteração do alvará de loteamento, pelo que, por intermédio da sociedade de mediação imobiliária que mediara o negócio, a promitente compradora solicitou a marcação de uma reunião para ultimar os formalismos necessários à marcação da escritura, tais como o registo da alteração do alvará e os registos provisórios de aquisição e de constituição de hipoteca, necessários à concessão efectiva do empréstimo.

Y) Em finais de 2008, inícios de 2009, o referido procurador contactou a mediadora imobiliária, tendo informado que se encontrava numa grave situação financeira que atingira reflexamente seus tios e sua mãe, que eram os seus representados no referido contrato promessa.

Z) A promitente compradora remeteu directamente a cada um dos promitentes vendedores, em 29 de Abril de 2009, uma carta com a finalidade de os interpelar para a realização da escritura pública, nos termos e com o conteúdo constantes a fls. 34,36 e 38.

AA) Na sequência do envio referido em Z), o procurador dos promitentes vendedores solicitou uma reunião, que veio a ter lugar no escritório da então mandatária da promitente compradora e em que participaram representantes da imobiliária e o procurador dos promitentes vendedores.

BB) A promitente compradora alertou o referido procurador de que este teria de entregar a documentação necessária para a realização da escritura até ao oitavo dia anterior à respectiva marcação, inclusive o comprovativo do distrate do ónus que ainda incidia sobre o lote em causa.

CC) Os promitentes vendedores entregaram na véspera da escritura, no cartório notarial, os documentos necessários à escritura, excepção feita ao distrate, apenas presente no dia da escritura, nos termos constantes da informação prestada pelo notário, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 164 a 166.

DD) Nenhum dos promitentes vendedores nem o seu procurador voltaram a contactar a promitente compradora ou a sua mandatária.

EE) A G..... tinha conhecimento que o imóvel estava, juntamente com outros, hipotecado ao Millenium BCP e ao Banco de Investimento Imobiliário, S.A., tendo estas entidades bancárias aceitado distratar as hipotecas no acto da escritura de compra e venda mediante quantias pré-fixadas.

FF) A G..... marcou a escritura definitiva de compra e venda para 3 de Junho de 2009, pelas 14 horas, no cartório referido em O).

GG) No dia 2 de Junho de 2009 o 2o réu entregou ao notário todos os documentos necessários para instruir a escritura, nomeadamente uma procuração outorgada pelas vendedoras pela qual constituíam o aqui réu EE. seu procurador, tendo o mesmo notário verificado que o ora 2o réu tinha os necessários poderes para intervir na citada escritura em representação dos vendedores.

HH) Aquando da comparência referida em I), o 2o réu entregou ao notário duas declarações emitidas, uma pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A., e outra pelo Banco Comercial Português, S.A., pelas quais autorizavam o cancelamento das hipotecas registadas a favor daquelas entidades sobre o referido prédio.

II) Às 14 horas do dia 3 de Junho de 2009 não se encontrava presente nem compareceu nos 30 minutos seguintes, qualquer pessoa que invocasse ser representante da promitente compradora, a sociedade G....-Imobiliária, Lda.

JJ) As representadas do 2o réu perderam o interesse na manutenção do contrato-promessa.


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Factos não provados, dos alegados com relevância para a decisão da causa:

- Que a reunião referida em X) que a promitente compradora insistentemente requereu, tendo mormente frisado, em meados de Junho de 2008, à referida mediadora, para ser transmitido ao procurador dos promitentes vendedores, que o financiamento aprovado estava submetido ao prazo de 120 dias a contar de 15 de maio de 2008, fixado pela Caixa Geral de Depósitos, dentro do qual a escritura teria impreterivelmente de se realizar;

- que nesse mesmo mês chegou a estar agendada uma reunião nas instalações da sociedade mediadora, à qual, porém, o procurador dos promitentes vendedores, aqui 2o réu, não compareceu;.

- que não obstante ele ter sido repetidamente alertado pela referida mediadora, a pedido da promitente compradora, da necessidade de o referido prazo ser cumprido, e tendo sido agendadas várias reuniões para esse efeito, o referido procurador veio sempre a desmarcá-las ou a não comparecer;

- que o réu esclareceu que não havia comparecido para tratar da documentação necessária à realização da escritura porque o imóvel em questão se encontrava onerado com uma hipoteca a favor do Banco Millenium BCP, e esta instituição não permitia a desoneração do imóvel enquanto a quantia em dívida não fosse liquidada;

- mais tendo acrescentado que o remanescente do preço que tinha a receber da promitente compradora não era suficiente para fazer esse pagamento ao Millenium BCP, tendo por isso requerido a concessão de mais tempo para solucionar esse problema;

- O que a mediadora imobiliária comunicou à promitente compradora, solicitando que esta aguardasse que os promitentes vendedores, na pessoa do seu procurador, solucionasse o problema;

- que tendo-se entretanto vencido a letra de cambio, o procurador dos promitentes vendedores assumiu o encargo de a liquidar, como efectivamente liquidou, junto do banco onde a descontara;

- que entretanto veio a decorrer o prazo concedido pela CGD para a concessão do financiamento que aprovara, pelo que essa instituição veio a revogar a dita concessão;

- que realizada uma reunião entre a promitente compradora, o elemento da mediadora imobiliária e o procurador dos promitentes vendedores, foi entre todos ponderado que iriam procurar encontrar um potencial interessado na compra do lote ou um investidor, tanto do lote como do projecto de construção, que entretanto fora aprovado na Câmara Municipal local;

- que isso foi ponderado, uma vez que a inviabilidade da obtenção do financiamento previamente confirmado resultava do incumprimento dos promitentes vendedores, pois que não tinham distratado a hipoteca que incidia sob o imóvel prometido vender;

- que tal sem prejuízo de, caso a promitente compradora conseguisse obter novo financiamento, o contrato promessa seria cumprido nos moldes ajustados;

- que a promitente compradora veio a obter junto de um terceiro, financiamento bastante para o pagamento do remanescente em dívida;

- que por múltiplas vezes, a promitente compradora tentou contactar o procurador dos promitentes vendedores, aqui 2o réu, sem todavia o ter conseguido;

- que este último solicitou a concessão de mais tempo, ao que, porém, a promitente compradora declarou não aceder, por não pretender perder novamente a concessão do empréstimo;

- que a promitente compradora tenha enfatizado junto do réu procurador que apenas sendo exibido esse documento de distrate, referido em AA), ao financiador junto de quem a promitente compradora obtivera o empréstimo, este disponibilizaria o respectivo montante;

- Empréstimo esse de € 315.000,00 correspondente à parte do preço ainda em dívida;

- que a necessidade da prévia exibição dos documentos necessários à outorga da escritura foi insistentemente referida como imprescindível aos promitentes vendedores, na pessoa do seu referido procurador;.

- que posteriormente à data da escritura, todas as tentativas de contacto da promitente compradora com os promitentes vendedores revelaram-se infrutíferas;

- que a escritura referida em O) teve por objectivo subtrair ao património da G..... o crédito cujo pagamento a G..... exigiu aos autores na acção referida em K);

- que chegada a proximidade da data da escritura prevista no contrato promessa, 11 de Dezembro de 2007, a G..........., através de HH., alegando não ter ainda conseguido a aprovação do financiamento bancário para efectuar o pagamento da parte do preço em dívida, €375.000,00, solicitou ao 2o réu o adiamento da referida data;

- que o 2ª réu, em nome das suas representadas, anuiu à solicitação da G...., mas exigindo o reforço do sinal, no montante de € 60.000,00;

- que chegada também a data de 17 de Dezembro de 2007, a G......., através do mesmo sócio-gerente comunicou ao 2o réu que não havia conseguido o financiamento junto do Millenium BCP e que, por isso, não tinha dinheiro para efectuar o pagamento do preço em dívida, agora reduzido para € 315.000,00 e que deveria ser pago no dia de realização da escritura;

- Tendo-lhe pedido a prorrogação da data da celebração da escritura de compra e venda;

- que a propósito desta solicitação e com o fim de levar o 2o réu a ceder na prorrogação do prazo, ocorreram várias reuniões nos escritórios da ERA, que intermediava o negócio, com a presença dum representante desta, do 2o réu e do então sócio-gerente da G...., o referido HH. e da mulher deste;

- que nessas reuniões, que se prolongaram até Abril de 2008, aquele HH. e mulher lamentavam-se por não terem conseguido o financiamento bancário que haviam solicitado ao Millenium BCP para pagamento do preço em dívida, mas que se propunham pedir outro financiamento para o mesmo efeito, desta feita ao Montepio;

- Com a esperança da concessão deste financiamento, a G..., na pessoa do seu sócio-gerente HH., solicitou a prorrogação do prazo para a realização da escritura de compra e venda, no que o 2o réu, na qualidade de procurador das suas representadas acedeu, mediante a entrega pela G.... de um novo reforço de sinal, no montante de € 65.000,00;

- que o próprio 2o réu acompanhou o referido gerente da G.... ao Montepio para melhor explicar a situação do prédio prometido vender, no propósito de auxiliar a G... a conseguir o financiamento por esta solicitado àquele banco;

- que o Montepio negou a concessão do dito financiamento por considerar não ter a G.... condições para a sua obtenção;

- que posteriormente, a G.... tentou ainda obter financiamento bancário, para o mesmo efeito, na CGD, o que não conseguiu;

- que perante o impasse criado, o 2o réu pressionou aquela para realizar a escritura, até porque o Millenium BCP também o pressionou para pagar o financiamento, para garantia do qual havia sido dado de hipoteca o imóvel referido;

- que o Millenium BCP ameaçou as representadas do 2o réu com a propositura de uma execução hipotecária;

- que tal facto sido comunicado pelo 2o réu à G...., na pessoa do seu sócio-gerente HH., dizendo que considerava o contrato findo por facto imputável à G...., elucidando do mesmo modo aquele gerente que teria de entregar ao Millenium BCP o dito imóvel, em pagamento;

- que na tentativa de preservar os interesses da G...., o 2o réu conseguiu que o Millenium BCP facultasse, pelo prazo de 1 ano, à G....., a possibilidade desta lhe adquirir o prédio com o pagamento da importância pré-fixada que onerava a seu favor o mesmo prédio;

- que a G...., nem durante aquele período de um ano nem posteriormente, mostrou qualquer interesse ou fez qualquer diligência junto daquele banco para adquirir o mencionado prédio.


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Do Direito

Quanto à primeira questão importa lembrar que a legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou.

Da simples leitura da PI e do que dispõe o art.º 30º do CPC, em particular o seu nº 3 é absolutamente claro, até para um não jurista, que os AA. têm legitimidade processual. Como resulta das citadas normas o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, exprimindo-se este pela utilidade derivada da procedência da acção, e sendo considerados, na falta de indicação da lei em contrário, titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Ora como decorre da PI, os aqui Autores recorridos são, indiscutivelmente os titulares da relação material controvertida tal como foi configurada por eles na referida peça processual.

Assim a alegada ilegitimidade processual activa dos AA., é por demais evidente que não tem o mínimo fundamento legal. Consequentemente improcede essa alegada excepção dilatória da ilegitimidade activa invocada pelos recorrentes.

 Coisa diferente será a chamada legitimidade material, substantiva ou “ad actum”  e que consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.

 Os recorrente também invocam essa alegada ilegitimidade substantiva e já o tinham feito na apelação, sendo que a Relação não acolheu a sua pretensão.

Vejamos então se os AA. possuem essa legitimidade substantiva.

Os AA. invocam como fonte dessa legitimidade ad actum, um contrato de cessão de créditos celebrado entre a originária promitente compradora, a sociedade G.... (de que os AA. eram sócios maioritários) e os próprios AA., concomitantemente com um contrato de cessão das suas quotas naquela sociedade à sua mãe e, até então, consócia minoritária.

Decorre do referido contrato e encontra-se consignado nas al. P) e O) da factualidade provada que por via do mesmo, …« os aqui autores declararam assumir para si, em partes iguais, quaisquer obrigações que resultassem para a sociedade na decisão a proferir na acção, tendo ainda declarado que se obrigavam a cumprir a eventual condenação dessa sociedade, e que esta teria direito de regresso sobre eles por qualquer condenação que tivesse de cumprir, tendo também esse direito relativamente a custos implicados pela pendência da acção». E a « A sociedade aceitou a assunção da dívida e cedeu-lhes, na proporção de metade para cada um, qualquer eventual direito ou crédito que resultasse para a sociedade da referida acção judicial, o que a sociedade declarou também aceitar».

A acção em causa é a referida na al. K) dos factos provados, na qual a promitente compradora formula contra os RR., os seguintes pedidos:

«a) - reconhecerem resolvido em 02.06.09 o contrato promessa ora junto como doc. 1 por seu incumprimento culposo

ou quando assim se não entenda,

b) - reconhecerem o mesmo contrato resolvido por impossibilidade definitiva de cumprimento consequente à alienação do bem prometido vender a favor de terceiro

e, em qualquer dos casos de procedência do pedido

c) - pagarem à A. a quantia de duzentos e vinte mil euros correspondentes ao dobro do sinal que receberam da A. por via do mesmo contrato promessa

d) - pagarem à A. a quantia de€ 50.000,00 referentes aos custos e encargos assumidos e decorrentes do projecto e licenciamento da construção

e) - valor este acrescido de juros legais vencidos desde 02.06.09 ou 00.00.00 consoante a procedência do pedido principal ou subsidiário

f) - pagarem as custas e procuradoria».

Apesar do que foi consignado nas alíneas P) e O) da decisão de facto, corresponder ao que resulta do contrato a transcrição do que dele consta é mais impressiva e permite uma melhor compreensão do sentido do objecto da cessão.

Do contrato de cessão de quotas, alteração parcial do pacto social e cessão de créditos de 30 de dezembro de 2011[4], celebrado entre os AA. e a G.... (constante de fls. 59 a 63) e no que tange à cessão de créditos consta o seguinte:

«….Disseram finalmente os outorgantes, sendo o segundo na indicada qualidade em que outorga[5] :

Que o primeiro outorgante [6] e o representado do segundo outorgante assumem em partes iguais, a partir desta data, com a aceitação da referida sociedade, todas as eventuais obrigações que decorram ou resultem para a citada sociedade da acção condenatória  (sublinhado nosso) que corre termos no quarto juízo cível do Tribunal Judicial de …., sob o processo número quatro três cinco zero barra dez …, em que são réus CC. e mulher, DD., e EE., cabeça de casal na herança aberta por óbito de LL. e autora a dita Sociedade “G.... – Imobiliária, Lda, “ obrigando-se a cumprir a eventual condenação que daí resulte para a sociedade, tendo esta sociedade direito de regresso sobre o primeiro outorgante e sobre o representado do segundo outorgante por qualquer condenação que tenha de cumprir no âmbito deste processo (sublinhado nosso) bem como tem a dita sociedade direito de regresso sobre o sobre o primeiro outorgante e sobre o representado do segundo outorgante, por todos os custos e danos emergentes do referido processo judicial sendo que ficará a pertencer ao primeiro outorgante e ao representado do segundo outorgante, na proporção de metade para cada um deles qualquer eventual direito ou crédito que resulte para a sociedade da supra referida acção judicial.

Que a terceira outorgante[7], em nome da dita sociedade, na sua qualidade de única sócia e gerente aceita a assunção de obrigações e a transmissão de créditos eventualmente resultantes do exposto no parágrafo precedente.»

Do que acaba de transcrever-se resulta com absoluta clareza que a promitente compradora – a G.... - não cedeu nem quis ceder aos AA. a sua posição contratual no contrato promessa que celebrou com os RR.. nem lhes cedeu qualquer crédito consolidado que tivesse sobre os RR., naquela dita qualidade de promitente compradora. O que foi objecto de cedência foi sim um crédito litigioso (art.º 579º nº 3 do CC) reclamado na acção de condenação que corria termos sob o nº 4350/10…, no quinto Juízo Cível da Comarca de …. ou com mais propriedade o que resultasse do desfecho da dita acção. Esta não foi sequer uma cessão integral do eventual crédito litigioso, em termos de conferir aos aqui AA., a possibilidade de se substituir à G..... na sobredita acção. Na verdade os termos em que a cessão foi feita não consente essa amplitude à cedência, nem conferem tal direito aos cessionários, porquanto o eventual crédito que foi cedido pela G..... e aceite pelos AA, e o que foi assumido por estes em termos de eventuais obrigações por parte dos RR., perante a G... foi apenas o resultado do que viesse a ser decidido definitivamente na sobredita acção ou seja os aqui AA. teriam apenas direito, por força do dito contrato de cessão de créditos, a receber os créditos que resultassem da procedência da acção e teriam como obrigações o que dela também decorresse em termos de condenação (sendo certo que não havia pedido reconvencional) designadamente quanto a pagamento de custas e honorários ao mandatário da G.... .

Esta conclusão é completamente cristalina em face dos termos da cessão e daí que os aqui AA., não tivessem sequer requerido a sua habilitação como cessionários da G..... em acto seguido à dita cessão nem mesmo quando, escassos três meses depois de concluída a cessão, aquela sociedade foi declarada insolvente e o respectivo administrador não quis prosseguir com a referida acção o que determinou a extinção da respectiva instância. Ora com a extinção da instância naquela acção, por acto imputável ao A., extingiu-se também o eventual direito dos AA.. Na verdade o seu direito dependia do que viesse a ser decidido naquela acção e na dita acção nada foi decidido e já nada pode vir a ser decidido, porquanto aos aqui AA. não foi sequer cedido o direito de prosseguir aquela demanda e muito menos o de demandar os RR, no âmbito do sobredito contrato promessa e o administrador da insolvência da G.... não quis prosseguir com a acção.

 Assim sendo é obvio que os AA. não têm legitimidade substantiva para demandar os RR., pois não são titulares de qualquer direito decorrente do alegado incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a G.... e os RR.

Estando demostrado que, pelo contrato de cessão acima mencionado, aos AA.. não foi cedido nenhum crédito que o cedente tivesse sobre os RR., relativo ao sobredito contrato promessa, aqueles não são titulares do direito que se arrogam para demandar os RR., e, portanto, não têm legitimidade substantiva, por não serem titulares da relação material controvertida invocada. A ilegitimidade substantiva activa, porque respeita ao mérito da causa, implica a improcedência da acção e a consequente absolvição dos RR., de todos os pedidos.

Com este desfecho fica prejudicado o conhecimento das restantes questões objecto da revista.


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Em síntese:

I - A chamada legitimidade material, substantiva ou “ad actum”, consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.

II – Constando do contrato de cessão de créditos invocado pelos AA., que o crédito cedido é o que vier a resultar de uma acção de condenação, interposta pelo cedente (promitente comprador) contra os promitentes vendedores e não tendo a dita acção atingido o seu termo por aquele ter sido declarado insolvente e o administrador não ter querido prosseguir com a acção, tal cessão não confere ao cessionário, nem o direito de se substituir ao cedente naquela acção nem muito menos o direito de voltar a demandar o promitente vendedor.

III – Nestas circunstâncias o cessionário não é titular dos direitos que cabiam ao promitente comprador, já que nunca lhe foram cedidos e consequentemente não tem legitimidade substantiva para demandar os promitentes vendedores, por questões ligadas ao eventual incumprimento do contrato promessa, devendo estes serem absolvidos dos pedidos.


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Concluindo

Pelo exposto acorda-se na procedência da revista, revoga-se o acórdão recorrido e absolvem-se os RR., dos pedidos.

Custas pelos AA.

Registe e notifique.


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Consigna-se, nos termos do disposto no art.º 15-A do DL nº 10-A/2020 e para os efeitos do nº 1 do art.º 153º do CPC, que os Srs. Juízes Adjuntos, têm voto de conformidade, mas não assinam, em virtude do julgamento ter decorrido em sessão (virtual) por teleconferência.

Lisboa, em 28 de Janeiro de 2021.

José Manuel Bernardo Domingos (relator)

António Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Gomes

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[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Contrato que serve de fundamento à acção.
[5] Procurador do sócio BB., autor na presente acção.
[6] AA., autor na presente acção.
[7] Anterior consócia dos AA. e a partir desta escritura de cessão de quotas, única sócia da Sociedade Grandelar