Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1540
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES CARDOSO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
DIRECTOR COMERCIAL
Nº do Documento: SJ200809240015404
Data do Acordão: 09/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A RE VISTA
Sumário :
I - O período experimental destina-se a proporcionar ao empregador que comprove se o trabalhador possui as qualidades e aptidões laborais que procura e ao trabalhador que se certifique de que o trabalho que desenvolve é o que corresponde aos seus interesses e expectativas, antes de a relação laboral se estabilizar.

II - Para fixar o período experimental de duzentos e quarenta dias, nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, as expressões «pessoal de direcção» e «quadros superiores», constantes da alínea c) do art. 107.º do Código do Trabalho, não exigem que o trabalhador dirija ou supervisione outros trabalhadores nem que se insira numa organização na qual detenha, em termos hierárquicos, uma posição superior em relação a quaisquer outros elementos da mesma: o que releva é que se averigúe, e que se apure, que o trabalhador exerce funções de maior complexidade técnica, ou que pressupõem mais elevada confiança, mais elevado grau de responsabilidade ou mais especial qualificação do que as dos trabalhadores cujo período experimental é de cento e oitenta dias.

III - Mostra-se conforme àquele normativo legal o período experimental de duzentos e quarenta dias fixado no contrato de trabalho celebrado entre a ré, empresa dedicada ao comércio de motos, e o autor, nos termos do qual este foi contratado com a categoria profissional de “Director comercial”, para organizar e desenvolver todo o serviço de vendas, atender e contactar clientes, gizar planos de inserção e desenvolvimento de mercado e tudo fazer para que a ré viesse a obter um bom nome no mercado em que se insere e a obter quota apreciável nesse mesmo mercado, constatando-se que, efectivamente, o autor, embora sendo o único trabalhador da ré, contactou directamente clientes (concessionários), efectuou vendas, créditos e consignações, diligenciou pela obtenção de contratos de representação e promoveu a inserção da ré no mercado, com lhe competia como director comercial, e gozava de isenção de horário de trabalho, veículo automóvel atribuído pela ré, cartão de rédito desta com um limite mensal de € 1.000,00, e uma remuneração fixa e comissões de cerca de € 4.000,00.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
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I. Relatório
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AA, residente em Silveira, intentou acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma comum, contra I... Job – Comércio de Motos e Acessórios, Ld.ª, com sede em Leiria, pedindo que seja declarada a nulidade do despedimento de que foi alvo, dada a ausência de processo disciplinar, sendo a Ré condenada a pagar-lhe:
1. Uma indemnização de antiguidade, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 439.º do C.T., que calculou, na data da petição inicial, em € 12.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
2. A quantia de € 25.562,24, correspondente a retribuição, comissões, férias e subsídio de férias e de Natal, já vencida, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
3. As retribuições e subsídios de férias e de Natal que deixou de auferir na sequência do despedimento e que se vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a data em que se forem vencendo.
4. Uma indemnização por danos morais e patrimoniais em quantia não inferior a € 16.000,00.
Para tanto alegou, em síntese, que:
a) - Ao abrigo do contrato de trabalho sem termo junto a fls. 17 a 19 dos autos, trabalhou por conta, sob as ordens e direcção da Ré, desde 1 de Setembro de 2004 até 11 de Abril de 2005;
b) - Tinha a categoria profissional de director comercial, competindo-lhe “organizar e desenvolver todo o serviço de vendas, atendendo e contactando clientes, gizar planos de inserção e desenvolvimento de mercado e tudo fazer por forma a que primeira venha a obter um bom nome no mercado em que se insere e a obter quota apreciável nesse mesmo mercado”;
c) - Auferia mensalmente, a título de retribuição, a quantia de € 4.000,00, embora a R., oficialmente, declarasse como sua retribuição a quantia de € 1.177,50 e a cláusula 4.ª do contrato de trabalho mencionasse que a sua retribuição mensal ilíquida era de € 1.500,00;
d) - As comissões a que tinha direito pelas vendas que efectuava nunca foram consideradas nem pagas pela Ré;
e) - Em 11 de Abril de 2005, foi despedido pela Ré sem justa causa nem precedência de processo disciplinar, sem qualquer aviso prévio e sem que fosse alegado pela R. o período experimental ou qualquer circunstância atinente às suas competências e qualidade de trabalho;
f) - Nessa data, a Ré comunicou aos seus concessionários, com a menção de urgente, que “…no dia de hoje inclusive, o Sr. AAa, deixou de colaborar com a nossa empresa…”;
g) - No intuito de conferir aparência de licitude ao seu despedimento, a R. lhe enviou uma carta, datada de 11 de Abril de 2005, na qual comunicou o seguinte:
No âmbito do contrato de trabalho, V. Exa., demonstrou não possuir as qualidades de trabalho e de organização que consideramos imprescindíveis, para o bom desempenho da função.
Desta forma, e em consequência a nossa empresa denuncia o contrato de trabalho existente c/V. Exa., concedendo-lhe o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 105º do Código de Trabalho.
Lembramos que, tendo em atenção as funções de Director Comercial o período experimental tem a duração de duzentos e quarenta dias, nos termos da c) do artigo 107º do C.T..
Assim, e considerando os sete dias de aviso prévio, V. Exa., deixará de fazer parte dos quadros e funcionários da nossa empresa a partir do dia 21 de Abril de 2005.”;
h) - Este recurso, posterior, pela R., ao mecanismo do período experimental, para, por essa via, tentar conferir licitude ao despedimento, configura um claro abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil;
i) - Não consta do contrato de trabalho informação relativa ao período experimental de 240 dias e respeitante ao prazo de aviso prévio a observar;
j) - A R. omitiu tais informações, sabendo que não era conhecedor de que o contrato de trabalho celebrado estava sujeito a um período experimental de 240 dias;
l) - Se conhecesse o período experimental de 240 dias, não teria celebrado o contrato em apreço nem tinha apresentado a denúncia do seu anterior contrato;
m) - Na cláusula 2ª do seu contrato de trabalho consta que foi admitido para desempenhar as funções de “director comercial” e, no entanto, desde o início da execução do contrato, nunca exerceu as funções de director comercial, mas as de delegado comercial/vendedor;
n) - No período em que trabalhou por conta e direcção da R., era o seu único trabalhador, o seu único vendedor;
o) - A R. não lhe pagou a retribuição correspondente aos onze dias de trabalho prestado no mês de Abril de 2005, as quantias referentes às comissões a que tinha direito sobre as vendas que efectuou, no valor total de € 16.467,00, nem as quantias referentes à retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, correspondentes ao tempo de trabalho prestado.
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Frustrada a conciliação das partes, na respectiva Audiência, a R. apresentou a sua contestação, suscitando a excepção da prescrição dos créditos reclamados e alegando, em resumo, que:
a) - À data da celebração do contrato de trabalho, a retribuição do Autor foi fixada no valor ilíquido de € 1.500,00 mensais, sendo esse o valor declarado nos recibos de remuneração e sobre o qual incidiam os descontos para a Segurança Social e a título de IRS;
b) - Conforme contratado entre ambos, o Autor receberia, como recebeu, a quantia mensal de € 4.000,00, sendo que tudo aquilo que excedesse o valor da remuneração mensal fixa era tido como adiantamento por conta das comissões vincendas, fazendo-se a posteriori o respectivo acerto (Cláusula 5ª, al. h), do contrato de trabalho);
c) - As comissões eram a calcular de acordo com o estabelecido na cláusula quinta do contrato de trabalho;
d) - A quantia mensal de € 4.000,00 sempre foi superior ao valor real das comissões a que o Autor teria direito;
e) - Este sempre recebeu valores adiantados;
f) - Admite ter despedido o Autor sem precedência de processo disciplinar, mas fê-lo licitamente e dentro das normas;
g) - Era e é uma empresa jovem, no início de actividade no mercado, constituída em 12/08/2004;
h) - Pretendia lançar novas marcas no mercado, necessitando para esse efeito de um Director Comercial para, junto do mercado e dos clientes, divulgar os produtos que comercializava;
i) – Beneficiava do apoio total dos funcionários da firma F... Motoshow, Lda., que era propriedade dos mesmos sócios da Ré;
j) - O Autor nunca pôs em causa o seu estatuto de Director Comercial, nem as funções que exercia, sempre se apresentou e foi apresentado aos clientes da Ré como Director Comercial e sempre exerceu e desempenhou essa mesma função;
l) - O tempo do período experimental relativo a trabalhadores que desempenhem cargos de direcção é de 240 dias, sendo esse o lapso temporal aplicável ao contrato de trabalho celebrado com o Autor:
m) - O Autor foi despedido quando ainda se encontrava dentro do período experimental e só o foi na medida em que se constatou que o seu perfil não correspondia ao que se pretendia para um Director Comercial;
n) - Calculadas as comissões a que o Autor teria direito, em resultado das vendas por ele efectuadas nos meses de Dezembro de 2004 a Abril de 2005, bem como as quantias pagas mensalmente ao Autor, os valores apurados seriam os seguintes:
- retribuição referente a onze dias de trabalho no mês de Abril de 2005 (1.500,00 €/30 x 11 = 550,00 €);
- Retribuição de férias (2 dias por cada mês de trabalho = 14 dias x 50,00 € = 700,00 €);
- subsídio de férias correspondente ao tempo de trabalho prestado (1500,00€/12 x 7 = 875,00 €);
- fracção proporcional de subsídio de Natal, referente ao ano da cessação do contrato (1.500,00€/12 x 7 = 875,00 €);
o que perfaz um total de € 3.000,00;
o) – Pagou, assim, ao Autor, a mais, a quantia de € 8.077,05 e, deduzindo a tal quantia os € 3.000,00 a que o mesmo tinha direito, a título de retribuição referente a onze dias de trabalho no mês de Abril, férias, subsídios de férias e de Natal, ainda tem um saldo favorável de € 5.077,05.
Termina, pedindo que se julgue procedente a excepção peremptória de prescrição, com a consequente absolvição do pedido, e, sempre e em todo e qualquer caso, seja absolvida do pedido.
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O Autor respondeu à matéria da excepção de prescrição, nos termos de fls. 81 a 84, defendendo a improcedência da mesma.
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No Despacho Saneador julgou-se improcedente a excepção de prescrição.
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Realizou-se a Audiência Preliminar, na qual foi entregue às partes o projecto de thema decidendum, com o elenco dos factos assentes e a base instrutória, não tendo havido reclamações em relação ao mesmo.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e, decidida a matéria de facto, sem reclamações, foi proferida sentença que concluiu do seguinte modo:
Com os fundamentos exposto[s], julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1) Declaro a ilicitude do despedimento do Autor, efectuado pela Ré, em 11 de Abril de 2005;
2) Condeno a Ré I... JOB – COMÉRCIO DE MOTOS E ACESSÓRIOS, LDA., a pagar ao Autor AA, a título de indemnização e outros créditos salariais (especificados supra), a quantia global de € 7.225,00.
3) Julgo procedente a excepção de compensação de créditos invocada pela Ré, que se faz nestes termos:
- Créditos do Autor sobre a Ré: € 7.225,00.
- Créditos da Ré sobre o Autor: € 8.077,05.
- Diferença favorável à Ré: € 852,05.
4) Condeno a Ré a pagar ao Autor as retribuições respeitantes ao período entre 27 de Junho de 2005 e o trânsito em julgado da presente sentença, à razão de € 1.500,00 mensais, deduzindo-se o que o Autor tenha eventualmente recebido a título de subsídio de desemprego e outras importâncias que tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
5) Determino que, sobre as referidas quantias seja feita a compensação com o crédito residual da Ré - € 852,05, relegando-se para liquidação em execução da presente sentença, a determinação dos valores devidos ao Autor, e da subsequente compensação com o crédito residual da Ré.
6) Julgo improcedentes os restantes pedidos formulados.”
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Inconformados, A. e R. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, vindo este, pelo acórdão proferido a fls. 316 e seguintes dos autos, a julgar improcedente o recurso interposto pela Ré e procedente o recurso interposto pelo Autor, condenando a Ré a pagar ao Autor (em tudo o mais se mantendo a sentença recorrida):
- As retribuições, a apurar em fase de liquidação, englobando retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal, respeitante ao período transcorrido entre 27 de Junho de 2005 e o trânsito em julgado do acórdão, calculadas à razão de € 1.500,00 mensais, acrescidos da média dos valores devidos ao Autor a título de comissões entre 1 de Setembro de 2004 e 11 de Abril de 2005 ; deduzindo-se os valores que o Autor tenha eventualmente recebido a título de subsídio de desemprego e outras importâncias que tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
- Quantia a apurar em fase de liquidação respeitante aos valores devidos a título de férias e subsídios de férias e de Natal pelo trabalho prestado em 1.9.2004 até 11.4.2005.
Mais se determina que sobre as referidas quantias seja feita a compensação com o crédito residual da Ré - € 3.027,05 - relegando-se para a competente liquidação de sentença ( artigo 661º do CPC) a determinação dos valores devidos ao Autor e subsequente compensação com o crédito residual da Ré.
Sobre os valores devidos acrescem juros de mora, à taxa legal, desde as datas em que as remunerações e subsídios deviam ter sido pagos até integral pagamento.”
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Desta feita, irresignada, a Ré recorreu de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1 - As presentes alegações reportam-se ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do D. acórdão que, no processo 7022/07-4 do Tribunal da Relação de Lisboa, negou provimento ao recurso interposto da 1ª instância, confirmando a decisão anterior que declarou a ilicitude do despedimento do Autor e, consequentemente, condenou a Ré a pagar-lhe, a título de indemnização e créditos salariais, a quantia de 7.225,00 € e bem assim as retribuições respeitantes ao período entre 27 de Junho de 2005 e o seu trânsito em julgado.
2 - Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz "a quo", ao decidir da forma como o fez, decidiu em desconformidade com os factos provados e não provados e com a lei, violando os artigos 9° do Código Civil e os artigos 107° al. c), art°s 438° n.° 1, 439° n.° 1 e 387° als. a) e b), todos do Código do Trabalho.
3 - O ponto axial da dissidência da recorrente reside na qualificação do despedimento como ilícito, em face da norma contida no artigo 107°, alínea c) do Código do Trabalho que estabelece que a duração do período experimental para pessoal de direcção e de quadros superiores é de 240 dias.
4 - E, subjacente a esta está uma outra questão que importa analisar: se o cargo de director comercial implica ou não a existência de outros trabalhadores, para efeitos da quantificação do período experimental.
5 - No entender da recorrente, o A. prestava o seu trabalho por conta desta, com as funções e a categoria profissional de Director Comercial e por consequência, esta relação laboral estava sujeita ao prazo de duzentos e quarenta dias de período experimental - art.º 107° al. c) do Cód. do Trabalho - pelo que, tendo a mesma ocorrido por denúncia da entidade empregadora, dentro desse prazo e com esse fundamento, não existe ilicitude no despedimento. E, consequentemente, não há lugar a qualquer indemnização.
6 - Para decidir a questão, o Meritíssimo Juiz "a quo" desenvolveu uma análise acerca do conceito de categoria profissional, para concluir que o prevalecente é o amplo, isto é, da caracterização da actividade efectiva, em detrimento de um mais restrito, radicado no conceito tradicional de categoria.
7 - Não se discute a justeza da análise feita no Acórdão recorrido sobre esta matéria. Discute-se, isso sim, da relevância de tal análise, para o caso em apreciação.
8 - O apuramento jurisprudencial do conceito de categoria profissional analisado, fez-se no contexto de divergência entre entidade patronal e trabalhador, quanto à respectiva qualificação, existindo divergência manifesta, em prejuízo do trabalhador, entre a categoria profissional nominal e as tarefas por este efectivamente desenvolvidas.
9 - Daí, e muito justamente, a jurisprudência vir a consagrar, que a categoria profissional se define "através do núcleo essencial das atribuições conferidas ao trabalhador".
10 - Porém, no caso dos Autos, não há divergência entre as partes e, a categoria profissional do A., consta da matéria assente: Director Comercial.
11 - De qualquer modo, vejamos a questão na óptica do Acórdão recorrido. É aceitável, que para efeitos da aplicação do art° 107° do Cód. de Trabalho, seja admissível atender à efectividade de funções, para qualificar, à luz das suas diversas alíneas, o cargo desempenhado pelo trabalhador? Talvez não. Um trabalhador admitido pela entidade patronal com a categoria de servente pode ser despedido ao fim de 100 dias de trabalho, sob a argumentação de que era ele também a pessoa que todos os dias se encarregava de levar o dinheiro da empresa para depósito no banco? Cremos que não. No contexto da cessação do contrato de trabalho no âmbito do período experimental, tratando-se do início do contrato, do período de experiência, relevará necessariamente de forma preponderante, o acordo que as partes celebraram. Efectivamente, a categoria profissional que para o trabalhador resultou desse acordo.
12 - Discordamos, pois, afinal, da extrapolação operada no aliás Douto Acórdão recorrido ao trazer à colação a questão da efectividade de funções para caracterizar a categoria profissional, quando esta não é posta em causa pelas partes, como também - apesar de desnecessariamente como vemos - a própria conclusão da análise, com a extensão do conceito de efectividade de funções para atribuição de categoria profissional, ao da qualificação dos cargos dos trabalhadores, para efeitos da cessação do C.T. em período experimental.
13 - Afirma-se, no Douto Acórdão recorrido, que a expressão" pessoal de direcção" pressupõe que o trabalhador dirija ou supervisione outros trabalhadores.
14 - E que a expressão “quadro superior” pressupõe que o trabalhador esteja inserido numa organização em que tenha outros trabalhadores numa relação de subordinação.
15 - Conclui, então que sendo o recorrido o único trabalhador, o único vendedor e o único "quadro" da empresa, e atendendo à categoria e às funções efectivamente desempenhadas pelo ora recorrido, este não pode[r] ser considerado pessoal de direcção ou quadro superior, pelo que a sua categoria profissional não se pode enquadrar no conceito que integra a previsão legal da al. c) do art° 107° do Código do Trabalho.
16 - Esta conclusão - para a qual, aliás, não encontramos suporte na Doutrina, na Jurisprudência ou na gramática - pressupõe uma organização empresarial de dimensão significativa e a ideia, a nosso ver errada, de que o conceito de dirigente implica a existência de trabalhador ou trabalhadores que lhe são subordinados.
17 - Na verdade, o exercício de um cargo de direcção integra o trabalhador no conceito de pessoal de direcção.
18 - E o conceito de direcção, não compreende necessariamente a existência de trabalhadores subordinados à pessoa que exerce esse cargo, o dirigente.
19 - Na verdade, o cargo de direcção pode reportar-se a uma empresa, a uma área da empresa, a um serviço da empresa, a um projecto, realidades que se podem desenvolver, sem trabalhadores subordinados. Basta que ao dirigente seja cometida a função de dirigir. E a direcção compreende organizar, planificar, gizar planos, desenvolver e executar o projecto, o que compreende, isso sim, uma autonomia de direcção. Não importa, nem é critério relevante para o efeito, que o director tenha sob as suas ordens trabalhadores subordinados, ou antes, desenvolva a sua actuação por recurso a outsourcing, ou mesmo que a natureza do projecto que dirige não careça de outros meios humanos.
20 - Ora, na verdade, o escopo de uma empresa é desenvolver uma actividade económica, e não dar ordens a trabalhadores subordinados. A empresa não tem por escopo dirigir trabalhadores. A direcção de trabalhadores, é, antes, um meio, nuns casos necessário e noutros desnecessário, para desenvolver o escopo da empresa. Donde, o pessoal de direcção da empresa, é o pessoal a quem estão cometidas tarefas de direcção da actividade que constitui o escopo da empresa. O exercício dos cargos de direcção pode, pois, compreender ou não, a direcção de outros trabalhadores subordinados.
21 - O recorrido era director comercial da empresa e detinha ampla autonomia, designadamente para gizar e organizar a sua implantação no mercado. A área comercial da empresa, era o seu domínio nuclear, pelo que se conclui que excluídas as questões administrativas e financeiras, o A. dirigia com ampla autonomia a actividade da empresa.
22 - Atenta a categoria e funções do A. na empresa, bem como a sua autonomia é, pois, de qualificar o cargo que desempenhava, como de pessoal de direcção ou quadro superior, e assim, no âmbito de previsão do disposto no art° 107° n° 1 al. c) do Cód. do Trabalho, tendo o contrato de trabalho que ligou as partes, cessado ao abrigo desta norma.
23 - Sem conceder, quanto ao anteriormente exposto, importa ainda referir o seguinte: o Douto Acórdão recorrido condenou ainda o arguido, a pagar ao recorrido, a título de indemnização e créditos salariais, a quantia de 7.225,00 € e bem assim as retribuições respeitantes ao período entre 27 de Junho de 2005 e o seu trânsito em julgado.
24 - Para além disto, o Meritíssimo "Juiz a quo" entendeu, também, acrescer ao salário de 1.500,00€ mensais o valor médio das comissões atribuídas ao Autor/Recorrido entre 01/09/2004 e 11/04/2005, deduzindo-se os valores que o Autor/recorrido tenha, eventualmente, recebido a título de subsídio de desemprego e outras importâncias que tenha, eventualmente, obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
25 - Ora, a recorrente não pode deixar de referir que uma vez considerado que o despedimento do recorrido ocorreu dentro do período experimental, como é entendimento da recorrente, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização ou retribuições.
26 - O legislador, no artigo 437°, n° 1 do Código do Trabalho determinou, que se o despedimento for considerado ilícito, a entidade empregadora é condenada a remunerar o trabalhador pelo período decorrente entre o despedimento e o trânsito em julgado da sentença judicial que declarou aquela ilicitude. Isto, independentemente do facto de o trabalhador não ter efectuado a sua contraprestação de trabalho no período em causa. Mas se não o fez, não foi por culpa sua e daí, a ratio do preceito.
27 - Salvo melhor opinião, é manifestamente injusto, impor à entidade empregadora uma indemnização em caso de declaração da ilicitude do despedimento, a qual se mede pelo período de tempo que demora o processo a correr, factor ao qual é alheio.
28 - Para mitigar essa inaceitável injustiça, o legislador procurou mitigá-la e a dado passo, veio excluir do prazo que conta para tal indemnização, aquele que não é "imputável" aos tribunais. Isto é, o período decorrido, durante o qual a acção não entrou em Juízo.
29 - Daí ter consagrado, o que actualmente está vertido no art° 437° nº 4 do Código do Trabalho, ou seja, não compreende a dita indemnização, o período decorrido entre o despedimento e 30 dias antes de a acção ter dado entrada em Juízo.
30 - O A. reduziu[,] encurtou o dito prazo, retirando-lhe o período, objectivamente imputável ao trabalhador, anterior à propositura da acção.
31 - Mas o que sucede com a indemnização fixada na aliás Douta Sentença recorrida, é que esta considera a mesma computável a partir de 27-Jun.-2005, quando a acção deu entrada em Juízo no dia 20 de Julho de 2006.
32 - A dita indemnização, só pode contar-se a partir de 20 de Junho de 2006, conforme decorre do citado art. 437° n° 4 do Código do Trabalho.
33 - O dia 27 de Julho de 2005, terá sido quando o A. deu entrada num instituto do Ministério da Segurança Social de um pedido de apoio judiciário.
34 - E embora nada conste na Decisão recorrida sob essa matéria, admite-se que a mesma compreenda o entendimento, de que a indemnização em causa, consubstanciada no pagamento da quantia equivalente às retribuições deva ser contabilizada, não a partir dos trinta dias anteriores à propositura da acção, mas sim a partir da data em que foi apresentado pedido de apoio judiciário, por aplicação da norma do art° 33° n.º 4 da Lei 34/2004 de 29 de Julho.
35 - Ora, esta norma pressupõe o respeito dos prazos para interposição da acção na mesma lei consignados e destina-se apenas a salvaguardar os efeitos prescricionais e de caducidade dos direitos invocados.
36 - Pois na verdade, a indemnização consagrada no art° 437° nº 1 do Cód. do Trabalho integra um factor de determinação, correspondente ao período de tempo, que demora o processo a correr em tribunal, acrescido de trinta dias. Este factor resulta, necessariamente, como já se viu, do respeito pelo legislador, dos princípios da separação de poderes e da independência dos tribunais no exercício da função jurisdicional, previstos nos art°s 2° e 202° e 203° da Constituição da República Portuguesa.
37 - Já não revela o respeito por tais princípios, uma interpretação das disposições conjugadas dos art°s 33° n° 4 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho e 437° nº 4 do Cód. do Trabalho, que coloque na dependência da administração pública, isto é, do poder executivo, a dependência do cálculo do montante da indemnização a fixar à entidade empregadora como consequência da declaração da ilicitude de despedimento.
38 - Assim, ao reportar a 27 de Junho de 2005 - período em que terá sido entregue pelo A. à administração pública um requerimento de pedido de apoio judiciário - a data do início da indemnização devida ao A. consubstanciada no pagamento de retribuições mensais, o Acórdão recorrido violou o disposto no art° 437° n° 4 do Código do Trabalho, e ainda os princípios constitucionais da separação de poderes e da independência dos tribunais no exercício da função jurisdicional, previstos nos art°s 2° e 202° e 203° da Constituição da República Portuguesa, se interpretada aquela norma conjugadamente com a do art° 33° n° 4 da Lei n° 34/2004 de 29 de Julho, no sentido de ser a data da entrega em autoridade administrativa do pedido de apoio judiciário, a relevante para definir o termo inicial da indemnização computada no pagamento de retribuições ao trabalhador, na sequência de despedimento declarado ilícito.
39 - Na verdade, a acção foi interposta em 20-Jul.-2006. Donde, nesta hipótese, as retribuições que a recorrente teria a pagar, seriam as respeitantes ao período compreendido entre 20-Jun.-2006 e a data do trânsito em julgado da Sentença. Em 27-Jul.-2005, foi quando o A. requereu à Autoridade Administrativa o benefício do Apoio Judiciário, o que, no entender da recorrente, é irre1evante para a delimitação do período relativamente ao qual seriam devidas, nesta hipótese, retribuições. Tem-se por violado o preceituado no art° 437° n° 4 do Código do Trabalho e os princípios da separação de poderes e da independência dos tribunais no exercício da função jurisdicional, previstos nos art°s 2° e 202° e 203° da Constituição da República Portuguesa.
40 - Ainda no contexto da indemnização a que nos vimos reportando, condenou o Acórdão recorrido a Recorrente, a pagar ao recorrido tal indemnização, isto é, retribuições mensais, até ao seu trânsito em julgado.
41 - Sucede, que conforme consta dos autos, o recorrido pediu a indemnização prevista no art° 439° n° 1 do Cód. do Trabalho, a qual é substitutiva da reintegração.
42 - Fê-lo, na p.i., não tendo optado pela sua reintegração até à data da prolação da Sentença, nos termos do art° 438° n° 1.
43 - Sempre teria, pois, cessado o contrato de trabalho no momento da prolação da Sentença, pelo que neste caso, nunca existiria direito ao recorrido a auferir retribuições depois da data da prolação da Sentença - aqui recorrida -, data limite no seu cômputo, independentemente do trânsito em julgado da aludida Sentença.
44 - Devendo nesta hipótese, a Sentença recorrida, determinar o pagamento das retribuições até à data da sua prolação, pois a relação laboral em apreço, independentemente da licitude ou ilicitude do despedimento em discussão, não lhe sobreviveu.
45 - E, ainda que assim se não entenda, no que a recorrente não concede, sempre haveria apenas lugar ao pagamento das retribuições que o recorrido deixou de auferir, sem contemplar o valor médio das comissões.
46 - A lei refere expressamente a palavra retribuição excluindo qualquer outro tipo de remuneração.
47 - Pelo que os valores que o recorrido auferia a título de comissão não podem ser considerados como retribuição”.
E termina, pedindo que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que determine que a cessação do contrato de trabalho ocorreu dentro do período experimental, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 107.° do Código do Trabalho.
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O A. respondeu, defendendo a manutenção do acórdão recorrido e terminando com as seguintes conclusões:
“1.ª- A decisão recorrida encontra-se exemplarmente fundamentada, quer nas normas e preceitos constantes da mesma, quer na forma como a exposição da matéria é efectuada.
2.ª - No caso concreto, para efeitos de qualificação jurídica, sempre deverá ser dada prevalência à "realidade" sobre o ficcionado. Isto é, às "tarefas efectivamente realizadas pelo trabalhador e não àquela que a entidade patronal lhe atribua de forma arbitrária ... ", conforme consta da decisão recorrida.
3ª - Na situação em causa estamos perante um despedimento ilícito.
4ª - No que respeita à exclusão das importâncias recebidas pelo recorrido a titulo de comissões para cálculo da retribuição a ter em conta, como a recorrente defende, tal interpretação é contrária à lei, conforme resulta expressamente dos arts. 249.° e seguintes do Código do Trabalho.
5.ª- Devem ser consideradas no cálculo da remuneração a ter em conta, as importâncias auferidas pelo recorrente a título de comissões.
6.ª - A decisão recorrida não padece de qualquer vício invocado pela recorrente nas suas alegações.
7.ª - No demais o recorrido adere aos mui doutos fundamentos constantes do Acórdão proferido”.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que a revista deve ser concedida.
O aludido parecer foi notificado às partes, mas não suscitou qualquer resposta destas.
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Colhidos os “vistos” legais, cumpre decidir:
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II. Fundamentação de facto
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O acórdão recorrido considerou assente a seguinte factualidade que se aceita por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
“1. O A. trabalhou por conta da R., sob as suas ordens e direcção, desde 1 de Setembro de 2004 até 11 de Abril de 2005, ao abrigo do contrato de trabalho sem termo, junto aos autos a fls. 17 a 19, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2. Com a categoria profissional, estipulada no contrato, de director comercial.
3. Competindo-lhe «organizar e desenvolver todo o serviço de vendas, atendendo e contactando clientes, gizar planos de inserção e desenvolvimento de mercado e tudo fazer por forma a que primeira venha a obter um bom nome no mercado em que se insere e a obter quota apreciável nesse mesmo mercado».
4. Durante a vigência do contrato, a Ré sempre pagou mensalmente ao Autor a quantia de € 4.000,00.
5. A Ré só declarava, a título de retribuição do A., a quantia de 1.177,50€, conforme recibos de vencimento, cujas cópias se juntam, como documentos de fls. 20 e 21.
6. Na cláusula 4.ª do contrato de trabalho, consta que a retribuição mensal ilíquida é de 1.500€.
7. Estipularam as partes na cláusula 5.ª, do mesmo contrato, que o A. tem, ainda, direito às comissões nas vendas que realize, nos termos e condições constantes nas alíneas a) a i) da considerada cláusula:
«a) 150,00 (cento e cinquenta euros) por cada unidade (velocípede com motor, motociclo, moto quatro, mota de água, etc.) vendida das marcas Cagiva e Husqvama;
b) 10% sobre a margem líquida obtida pela primeira na venda de unidades da marca MV Agusta;
c) 1% sobre o total de vendas de peças e acessórios da marca, Cagiva, Husqvama e MV Agusta;
d) as comissões aludidas nas alíneas a) e b) somente serão pagas pela primeira ao segundo, desde que as facturas sejam pagas pelo cliente, vencendo-se no trigésimo dia após boa cobrança das facturas;
e) por cada mês de mora por parte do cliente no pagamento das quantias em débito, será descontado ao segundo, no que concerne à alínea a) 20,00 € (vinte euros) em cada unidade e no tocante à alínea b) um por cento; (…)
g) no caso de campanhas promocionais que a primeira leve a cabo, por razões de estratégia própria ou estratégia da marca, em que o preço de venda ao público dos bens comercializados pela primeira sofra uma redução, as comissões devidas ao segundo serão negociadas caso a caso, devendo constar de documento escrito e assinado por primeira e segundo;
h) a primeira outorgante entregará ao segundo outorgante, no último dia útil de cada mês, o valor de 4.000,00 (quatro mil euros), sendo que tudo aquilo que exceda o valor da remuneração mensal fixa será tido e considerado como adiantamento por conta das comissões vincendas;
i) quadrimestralmente primeira e segundo, em reunião a haver para o efeito, farão acertos de contas, tendo em atenção o valor referido na alínea g) e os montantes das comissões vencidas e pagáveis».
8. E, nos termos da cláusula h), que é pago ao A. “…no último dia útil de cada mês, o valor de 4.000,00€ (quatro mil euros), sendo que tudo aquilo que exceda o valor da remuneração mensal fixa será tido e considerado como adiantamento por conta das comissões vincendas.”.
9. Certo é que, na realidade a R. sempre pagou, ao A., mensalmente a quantia líquida de 4.000€.
10. Em 11 de Abril de 200[5], foi o A. despedido pela R. sem invocação de justa causa, nem organização e precedência de processo disciplinar.
11. No dia 11 de Abril de 200[5], quando o A. se apresentou no seu local de trabalho, a R., comunicou, verbalmente, ao A. que estava despedido, e que a partir, desse mesmo dia, 11 de Abril, deixava de trabalhar para a R..
12. O A. solicitou a intervenção da Polícia de Segurança Pública, conforme participação cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 22.
13. Na qual consta, em sede de informações complementares, que «…o AA (ora A.) estava a ser despedido, de imediato, sem que para tal fossem tomados em conta os seus direitos (…) Segundo Luís Gaspar (Sócio gerente da R.) o João estava realmente a ser despedido, mas nada lhe tinha sido negado, apenas pretendia um computador portátil e um telemóvel, que se encontravam na sua posse e são pertença da empresa».
14. No mesmo dia, 11 de Abril de 2005, a R. comunicou aos seus concessionários, sob a menção de urgente, que «…no dia de hoje inclusive, o Sr. AAa, deixou de colaborar com a nossa empresa…», conforme cópia que junta aos autos a fls. 23.
15. A R. enviou ao A., carta, datada de 11 de Abril de 200[5], junta aos autos a fls. 24, pela qual comunica, em síntese, o seguinte:
«No âmbito do contrato de trabalho, V. Exa., demonstrou não possuir as qualidades da trabalho e de organização que consideramos imprescindíveis, para o bom desempenho da função.
Desta forma, e em consequência a nossa empresa denuncia o contrato de trabalho existente c/V. Exa., concedendo-lhe o prazo a que alude o n.º 2 do artº 105º do Código de Trabalho.
Lembramos que, tendo em atenção as funções de Director Comercial o período experimental tem a duração de duzentos e quarenta dias, nos termos da c) do artº 107º do C.T.
Assim, e considerando os sete dias de aviso prévio, V. Exa., deixará de fazer parte dos quadros e funcionários da nossa empresa a partir do dia 21 de Abril de 2005».
16. Nos recibos de vencimento do A. (fls. 20 e 21 dos autos) consta, expressamente, a categoria de “Chefe de Vendas”.
17. Na data do despedimento a R. não pagou ao A., nem o fez até hoje, a retribuição correspondente aos onze dias de trabalho prestado no mês de Abril de 2005.
18. Também o A. não recebeu as quantias referentes à retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de [N]atal, correspondentes ao tempo de trabalho prestado.
19. No período em que o A. trabalhou por conta e direcção da R., era o seu único trabalhador, o seu único vendedor.
20. O Autor remeteu à Ré o e-mail cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 56, onde consta: «Como é do conhecimento de V. Exª, a minha relação laboral com a empresa I... Job, na qual desempenhava as funções de Director Comercial desde 1 de Setembro de 2004 (...)».
21. A Ré mandou fazer e forneceu ao Autor cartões de apresentação da empresa Ré, personalizados para o Autor, onde consta: «AA – Director Comercial» – fls. 57 dos autos.
Da base instrutória:
22. Entre outras funções, o Autor contactou directamente com os clientes (com o esclarecimento de que se tratava de concessionários), efectuou vendas, créditos e consignações, diligenciou pela obtenção de contratos de representação; e promoveu a inserção da R. no mercado, estando previsto receber comissões pelas vendas que efectuasse.
23. Conforme contratado entre Autor e Ré, aquele receberia, como recebeu, a quantia mensal de 4.000,00€, sendo que tudo aquilo que excedesse o valor da remuneração mensal fixa era tido como adiantamento por conta das comissões vincendas, fazendo-se à posteriori o respectivo acerto.
24. Sucede que, a quantia mensal de 4.000,00€, sempre foi superior ao valor real das comissões a que o Autor teria direito, tendo este recebido sempre valores adiantados.
25. O Autor foi contratado pela Ré para exercer as funções de Director Comercial da empresa, competindo-lhe dentro dessas atribuições organizar e desenvolver todo o serviço de vendas, atendendo e contactando clientes, gizar planos de inserção e desenvolvimento de mercado e tudo fazer por forma a que a primeira venha a obter um bom nome no mercado em que se insere e a obter quota apreciável nesse mesmo mercado.
26. Calculadas as comissões, em resultado das vendas por ele efectuadas nos meses de Dezembro de 2004 a Abril de 2005, e as quantias pagas mensalmente ao Autor, resulta um saldo a favor da Ré no valor de 8.077,05€”.
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O acórdão recorrido considerou ainda assente, tal como se reputara em sede de Despacho Saneador, o seguinte:
“- O Autor requereu o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de encargos com o processo, nomeação de patrono e pagamento de honorários em 27 de Julho de 2005.
- A Ilustre Patrona do Autor foi nomeada pela Ordem dos Advogados em 5 de Janeiro de 2006.
- A acção deu entrada em 20 de Ju[l]ho de 2006”.
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III. Fundamentação de Direito
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Face ao teor das conclusões da revista que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso (arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art. 1.º, n.º 2, a), do CPT), as questões a decidir são as seguintes:

1.ª A de saber se ocorreu um despedimento ilícito, em face da norma contida no artigo 107°, alínea c), do Código do Trabalho, que estabelece que a duração do período experimental para o pessoal de direcção e quadros superiores é de 240 dias.
Subjacentemente a esta, importa analisar a questão de saber se o cargo de director comercial implica ou não a existência de outros trabalhadores, para efeitos da quantificação do período experimental, ou seja, se a inclusão de um trabalhador no «pessoal de direcção» referido na alínea c) do art.º 107 do Código do Trabalho pressupõe que o mesmo dirija ou supervisione outros trabalhadores e se a qualificação do trabalhador como “quadro superior”, prevista na mesma disposição legal, exige que o mesmo esteja inserido numa organização na qual detenha, em termos hierárquicos, uma posição superior em relação a quaisquer outros elementos da mesma.
2.ª A de saber se, ao reportar a 27 de Junho de 2005 – 30 dias antes da data da entrega pelo Autor do pedido do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de encargos com o processo, nomeação de patrono e pagamento de honorários - e não a 20 de Junho de 2006 – 30 dias antes da propositura da acção - o Acórdão recorrido violou o disposto no art° 437.°, n.° 4, do Código do Trabalho, e os princípios constitucionais da separação de poderes e da independência dos tribunais no exercício da função jurisdicional, previstos nos art.°s 2.°, 202.° e 203.° da Constituição da República.
3.ª A de saber se, tendo o Autor pedido na petição inicial, em substituição da reintegração, a indemnização prevista no art.° 439.°, n° 1, do Código Trabalho, o mesmo tem direito a auferir as retribuições respeitantes ao período entre 27 de Junho de 2005 e o trânsito em julgado da sentença.
4.ª. A de saber se no cômputo das retribuições que o recorrido deixou de auferir se deve contemplar o valor médio das comissões.
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Vejamos a 1.ª questão:
Perante a matéria fáctica assente, o Acórdão recorrido, concordando com a decisão da 1.ª instância, entendeu que a expressão «pessoal de direcção», constante da alínea c) do art.º 107 do Código do Trabalho, pressupõe que o trabalhador dirija ou supervisione outros trabalhadores.
Do mesmo modo, no tocante à qualificação de um trabalhador como “ quadro superior”, prevista na mesma disposição legal, entendeu que “para integrar tal conceito o trabalhador tem que estar inserido numa organização em que tenha outros trabalhadores numa relação de subordinação”.
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Posição diferente foi defendida pela ilustre Procuradora-Geral-Adjunta que, no seu Parecer, depois de exprimir o entendimento de que “para se apurar se um trabalhador faz parte do «pessoal de direcção» de uma empresa, o que releva são as funções por ele efectivamente exercidas, o grau de autonomia decisória e de iniciativa no exercício dessas funções e a posição que ele ocupa na organização empresarial”, concluiu que, no caso em apreço, o autor deve ser qualificado como “pessoal de direcção”.
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A relação criada pelo contrato de trabalho contende com interesses sérios de ambas as partes: da entidade patronal, que ambiciona o incremento ou a melhoria da actividade da sua empresa e suporta o risco de poder falhar; do trabalhador, que precisa de realizar-se profissionalmente e de prover ao seu sustento e ao do seu agregado familiar.
Assim, como escreve Monteiro Fernandes, “do ponto de vista da entidade patronal, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas; do ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem intolerável a permanência indefinida do vínculo assumido” (Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, pág. 323).
Ora, só o concreto desenrolar da relação laboral criada pode revelar se a mesma corresponde àqueles interesses de ambas as partes.
Por isso, a lei criou um período experimental ou de prova, durante o qual qualquer das partes pode pôr termo ao contrato sem necessidade de invocação de justa causa e sem direito a indemnização.
O período experimental não é uma criação recente do nosso Direito Laboral, embora a sua ratio tenha evoluído. Na verdade, o período experimental já estava consignado na Lei n.º 1952, de 10 de Março de 1937, mas apenas em favor da entidade patronal. A partir do Decreto-Lei n.º 47032, de 27 de Maio de 1966, o período experimental passou a estar consignado também a benefício do trabalhador, solução que a LCT consolidou (art.º 44).
Nos termos do disposto no art.º 107 do actual Código do Trabalho, o período experimental, nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, é de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores, aumentando para 180 dias se os trabalhadores exercerem cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como se desempenharem funções de confiança.
Para o pessoal de direcção e quadros superiores – situação que agora importa analisar -, o período experimental é de 240 dias.
No caso de o período experimental ter durado mais de 60 dias, o empregador, para denunciar o contrato, tem de dar um aviso prévio de 7 dias (art.º 105, n.º 2, do mesmo CT).
Todavia, como refere Abílio Neto, em anotação a este artigo, o não cumprimento total ou parcial do aviso prévio não preclude a faculdade de denúncia, ficando apenas a entidade patronal obrigada “a pagar uma indemnização de valor igual à retribuição de base correspondente ao período de antecedência em falta (cf. art. 448.º), que acrescerá às férias e aos subsídios de férias e de Natal também devidos” – Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 3.ª Edição Actualizada, Maio 2006, pág. 199.
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O CT não define o que deva entender-se por “pessoal de direcção” ou por “quadros superiores”, para efeitos do disposto na alínea c) do seu art.º 107.
Esta omissão cria ao intérprete dificuldades como as referidas por Júlio Vieira Gomes (Direito do Trabalho, Vol. I, pág. 256) e Maria Irene Gomes (Reforma do Código do Trabalho, pág. 356), de que nos dá conta a ilustre Magistrada do Ministério Público, no seu Parecer.
Estas dificuldades aumentam se tivermos em consideração a crescente maleabilidade das organizações empresariais e a crescente complexidade das relações laborais.
Com efeito, o tipo de organização tradicional da empresa, comportando um conjunto de trabalhadores escalonados em pirâmide significativamente elevada e devidamente hierarquizada, com os consequentes poderes de direcção e os correspondentes deveres de obediência, há muito que entrou em crise.
O recurso cada vez mais frequente ao outsourcing, por razões de conveniência e de economicidade, implica que muitas das actividades que confluem para o produto final das empresas não sejam hoje realizadas ou desenvolvidas por trabalhadores das próprias empresas, mas por trabalhadores de outras mais preparadas ou vocacionadas para as realizar com maior eficácia, eficiência ou economia.
Por outro lado, o aparecimento de grupos empresariais constituídos por várias empresas pertencentes à mesma entidade ou em que uma delas é dominante determina, não raras vezes, que os trabalhadores, embora vinculados a apenas uma das empresas, desempenhem materialmente trabalhos para outras do mesmo grupo, mormente para as de criação recente. Em certos casos a integração de funções é tão intensa nos grupos empresariais que, em determinados níveis organizacionais, o pessoal trabalha indistintamente para todas as empresas do grupo.
Finalmente, a altura da pirâmide dos recursos humanos tem vindo a baixar, diminuindo o número dos graus hierárquicos, aproximando dirigentes e executores, tornando a estrutura da empresa mais maleável e dando maior celeridade à transmissão da informação.
Além disso, o recurso crescente, e muitas vezes contínuo, a trabalhadores de empresas de trabalho temporário está a conferir maior complexidade à organização do trabalho no interior das empresas e a reduzir as suas necessidades de trabalhadores próprios.
Também as próprias relações laborais se têm complicado com a proliferação dos contratos a termo, as cedências de trabalhadores de ou a outras empresas e a cada vez mais difícil distinção destas relações das derivadas dos contratos de prestação de serviço, nas suas diversas espécies.
Todas estas crescentes dificuldades aconselham algum pragmatismo, e mesmo algum casuísmo, na análise das características exigidas para definir pessoal de direcção e quadros superiores.
Como referem Júlio Manuel Vieira Gomes (obra citada, pág. 495) e Maria Irene Gomes (obra e pág. citadas), estes conceitos não são precisos e a sua concretização deve ser feita casuisticamente.
E foi, por certo, este pragmatismo que esteve na mente do legislador quando estipulou os prazos de 180 e 240 dias, nas alíneas b) e c) do art.º 107 do actual Código do Trabalho.
Segundo este preceito, nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental, que é de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores, aumenta para 180 dias, no caso de os trabalhadores exercerem cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como se desempenharem funções de confiança, e eleva-se para 240 dias, nos casos do pessoal de direcção e dos quadros superiores.
Esta diferente forma de estipular o prazo de 180 dias e o de 240 dias só aparentemente pode significar que o legislador, num e noutro caso, se socorreu de critérios totalmente diferentes.
Com efeito, se o legislador, ao alargar o prazo de 90 para 180 dias, teve em consideração o facto de os trabalhadores exercerem cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como se desempenharem funções de confiança, ao alargar ainda mais o prazo, para 240 dias, continuou certamente coerente com este critério e, por isso, só pode ter tido em vista os casos em que os trabalhadores exerçam cargos de ainda maior complexidade técnica, mais elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma ainda mais especial qualificação, bem como se desempenharem funções de mais elevada confiança.
Assim, se o legislador, na alínea c) do art.º 107 do CT, em vez de repetir as características da alínea anterior, aumentando-lhes apenas o grau de intensidade, utilizou as referências mais concretas a pessoal de direcção e quadros superiores, não o fez, por certo, por mudança de critério ou de sentido teleológico, mas por pragmatismo, sabendo, como se tem de presumir, quão difícil seria distinguir o grau de intensidade dessas características para efeitos de um ou de outro prazo.
Serão, pois, essencialmente as características que justificam o alargamento do prazo de 90 para 180 dias, embora em mais elevado grau de intensidade, que devemos procurar para definir o pessoal de direcção e os quadros superiores, para efeitos do disposto na alínea c) do citado art.º 107, nas quais se não inclui a necessidade de o trabalhador dirigir ou supervisionar outros trabalhadores nem a de se inserir numa organização na qual detenha, em termos hierárquicos, uma posição superior em relação a quaisquer outros elementos da mesma.
De resto, como, aliás, se dá conta no douto Parecer da Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, para se qualificar o pessoal de direcção e os quadros superiores sempre se atendeu mais às características intrínsecas ou ligadas aos cargos - posição na hierarquia empresarial, funções efectivamente exercidas, grau de autonomia decisória, de responsabilidade e de iniciativa, nível remuneratório e de confiança - do que às extrínsecas ao mesmo, como seria a existência de trabalhadores de escalão inferior.
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No caso concreto, como resulta da matéria fáctica assente, o A. foi contratado com a categoria profissional, estipulada no contrato, de director comercial.
E, para além de aceitar a categoria atribuída no contrato que celebrou com a R., o A. recebeu cartões de apresentação da empresa nos quais constava essa categoria e até a lembrou em correspondência dirigida a terceiros, já depois de cessar funções.
Assim, a sua categoria profissional titulada no contrato e aceite por ambas as partes era a de director comercial.
O facto de nos recibos de vencimento do A. constar, expressamente, a categoria de “Chefe de Vendas” não representa qualquer obstáculo a esta conclusão já que, mormente em pequenas empresas, as designações de director comercial ou de chefe de vendas apontam a mesma realidade.
Ao A. competia, nos termos contratuais, organizar e desenvolver todo o serviço de vendas, atendendo e contactando clientes, gizar planos de inserção e desenvolvimento de mercado e tudo fazer para que a R. viesse a obter um bom nome no mercado em que se insere e a obter quota apreciável nesse mesmo mercado.
E provou-se que, de facto, entre outras funções, o A. contactou directamente com os clientes (concessionários), efectuou vendas, créditos e consignações, diligenciou pela obtenção de contratos de representação e promoveu a inserção da R. no mercado, como lhe competia como director comercial, não se verificando, pois, divergências substanciais entre as funções exercidas e as que contratualmente lhe foram cometidas.
Assim, não divergindo, em termos relevantes, a categoria profissional normativa ou categoria-estatuto da contratual ou categoria-função, concluímos que a categoria do A. era a de director comercial.
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A Classificação Nacional de Profissões de 1994 (DR., II Série, de 18 de Abril de 1995, 1 de Setembro de 1995 e 2 de Julho de1999), embora sem carácter vinculativo, insere o Director Comercial no Grande Grupo 1, relativo aos Dirigentes e Quadros Superiores de Empresa.
As funções que aí lhe são cometidas são as seguintes:
“1.2.3.3.05 – Director Comercial
Define a política de vendas organizando e dirigindo as actividades comerciais da empresa:
Avalia a situação das vendas e identifica oportunidades de negócio; consulta os órgãos de decisão com vista a determinar as tabelas de preços, as condições de desconto e de entrega e a fixar os orçamentos relativos aos vendedores e à promoção de vendas; define e estabelece o programa de vendas.
Pode interferir directamente nos contratos de venda, especialmente os mais relevantes, bem como organizar e contratar os estudos de mercado referentes às operações de venda.
Pode tratar com agências da preparação e apresentação das campanhas publicitárias”.
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Também o CCT celebrado entre a ACAP e a FETESE e publicado no BTE n.º 27, de 22.7.2003, tornado extensível pela Portaria nº 484/2005, de 18 de Maio, publicada no DR, I Série – B, n.º 96, págs. 3429 a 3431, embora não referindo expressamente o Director Comercial, inclui os Directores de Serviço, em cujo conteúdo funcional aquele se integra, no nível 1 (anexo II) e estipula-lhes as seguintes funções (Anexo III):
“Director de Serviços – É o trabalhador que estuda, dirige, organiza e coordena, nos limites dos poderes de que está investido, as actividades da empresa, ou de um ou vários dos seus departamentos. Exerce funções tais como colaborar na determinação da política da empresa; planear a utilização mais conveniente da mão-de-obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orientar, dirigir e fiscalizar a actividade da empresa segundo os planos estabelecidos, a política adoptada e as normas e regulamentos prescritos; criar e manter uma estrutura que permita explorar e dirigir a empresa de maneira eficaz; colaborar na fixação da política financeira e ou outras e exercer a verificação dos custos”.
*
Verifica-se, assim, que, nos termos da referida Classificação Nacional de Profissões, o Director Comercial é incluído no grupo dos Dirigentes e Quadros Superiores de Empresa e que entre as funções que aí lhe são cometidas não se encontra a de dirigir ou supervisionar outros trabalhadores nem a de exercer poderes hierárquicos em relação a quaisquer outros trabalhadores da empresa.
Aliás, a mesma Classificação prevê a existência de directores, ao lado dos gerentes, nas pequenas empresas, apesar destas empresas, segundo os próprios termos do documento, poderem comportar entre 0 a 9 trabalhadores (cf. Sub Grupo 1.3.1); ou seja, pode haver directores em empresas que não possuem outros trabalhadores para dirigir.
E também, no CCT aplicável, os Directores de Serviços, em cujo conteúdo funcional o Director Comercial se integra, estão colocados no nível 1, que é o nível profissional de topo, e, entre as funções que aí lhe são atribuídas, não se encontra a de dirigir ou supervisionar outros trabalhadores nem a de exercer poderes hierárquicos em relação a quaisquer outros trabalhadores da empresa.
*
Por outro lado, as funções que o A desempenhava ao serviço da R. não só se integram perfeitamente nas atribuídas ao Director Comercial, na mencionada Classificação Nacional de Profissões, e aos Directores de Serviços, no CCT, como se revestem das características que, nos termos acima expostos, devem ser procuradas para se definir o pessoal de direcção e os quadros superiores, para efeitos do disposto na alínea c) do art.º 107 do CT.
Com efeito, estas funções, em especial o relacionamento directo com os concessionários, envolvendo, designadamente, contratos de representação, concessões de crédito e consignações, para além da sua elevada complexidade técnica, pressupõem um grau muito elevado de responsabilidade, uma muito especial qualificação e, naturalmente, uma confiança muito forte da administração ou gerência da empresa.
Por outro lado, a isenção de horário de trabalho, o vencimento mensal mínimo previsto, incluindo a remuneração fixa e comissões, na ordem dos 4000 euros, a atribuição de veículo pela empresa e a concessão de cartão de crédito da mesma empresa com o limite mensal de 1000 euros, conferidos pelo contrato de trabalho celebrado entre as partes, revelam que o A. foi colocado numa elevada posição na hierarquia da empresarial, própria de quem tem poderes de direcção.
*
Para além do que acima se explanou, o facto de o A., no período em que trabalhou por conta e direcção da R., ser o único trabalhador, o seu único vendedor, não pode ser decisivo para obstar à sua qualificação como pessoal de direcção ou quadro superior ainda por outra razão:
Como resulta do contrato de trabalho celebrado entre A. e R., a actividade a desenvolver era o comércio de motos (velocípedes com motor, motociclos, motos quatro, motas de água, etc.).
Neste ramo de actividade, para além de todos os condicionalismos impostos pela crescente maleabilidade das organizações empresariais e pela crescente complexidade das relações laborais, a que acima se aludiu, é usual e bem conhecido que as vendas, assim como a assistência pós-venda, se processam habitualmente através de empresas concessionárias. Neste caso, não necessitam os fabricantes ou importadores de quadros de vendedores que procedam à venda directa, mas, sim, de responsáveis ou altos quadros que, munidos de poderes de representação, decisão e iniciativa, possam angariar, negociar e lidar de perto com os concessionários.
*
De resto, destinando-se o período experimental a proporcionar à entidade patronal que comprove se o trabalhador possui as qualidades e aptidões laborais que procura e ao trabalhador que se certifique de que o trabalho que desenvolve é o que corresponde aos seus interesses e expectativas, antes de a relação laboral se estabilizar, não se vislumbra como é que a existência ou não de outros trabalhadores na empresa pode ser decisiva na estipulação de um prazo maior ou menor para aqueles efeitos.
*
Assim, tendo a denúncia do contrato de trabalho ocorrido dentro do período experimental, não se verificou o despedimento ilícito invocado, pelo que se julga esta questão procedente e, em consequência, prejudicado o conhecimento de todas a restantes.
E, não se provando a ocorrência do despedimento ilícito, improcede todo o pedido, já que naquele fundado.
*
*
IV. Decisão:
*
Pelo exposto, decide-se conceder a revista, revogando-se a Acórdão recorrido e absolvendo-se a R. I... Job - Comércio de Motos e Acessórios, Lda., do pedido.
*
Custas pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe assista.

Lisboa, 24 de Setembro de 2008

Alves Cardoso (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira