Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
171/10.8JALRA-A.C1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA - TRÁFICO E CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS ORDINÁRIOS - MEDIDAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE ORGANIZADA.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 306, § 518.
- Jescheck , Derecho Penal, Vol. II, p. 1192.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 909.
- Rui Pereira e Luís Bonina, “Problemas Jurídicos da Droga e da Toxicodependência”, RFDUL, pp.154 e 191.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.º 2, 412.º, N.ºS 3 E 4, 431.º, ALS. A) E B).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 50.º, N.º1, 71.º, 347.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
DL N.º 15/93, DE 22-1: - ARTIGOS 21.º, N.º1, 35.º.
LEI N.º 5/2002, DE 11-1: - ARTIGOS 7.º, N.º1, 8.º, 9.º, N.º3, AL. A).
Sumário :

I  -   O STJ, na consciencialização da gravidade das consequências tanto individuais, como familiares e colectivas, a que o tráfico de estupefacientes conduz, tem afirmado que a imposição de pena suspensa na sua execução é, salvo em condições especiais, manifestamente desaconselhável, por não se mostrar conforme à finalidade das penas expressas no art. 40.º do CP.

II -  No caso, a conduta do arguido é grave porque transportava (sem provar que fosse para seu consumo) uma quantidade muito elevada de haxixe (57 kg), com o que iria proporcionar a a distribuição de dezenas de milhares de doses, afectando um universo muito amplo de pessoas. Por outro lado, revela inconsideração pelo poder da autoridade pública, uma vez que, quando fiscalizado por militares da GNR que lhe solicitaram que saísse do veículo que conduzia, guinou, pondo-se em fuga, ao mesmo tempo que atingiu com o espelho um militar, que caiu no solo. Por último, importa destacar a evidente dificuldade de se fidelizar ao direito, tendo os factos descritos ocorrido apenas 21 dias após ter-lhe sido aprendido 13,13 g de haxixe, de que era consumidor (3 cigarros por dia), bem como de heroína (0,5 g por dia).

III - Apesar de do certificado de registo criminal do recorrente nada constar e de se referir a propósito da sua inserção que vive em casa dos pais,, como empregado de mesa, num restaurante e em casamentos e baptizados, a circunstância de ser consumidor de estupefacientes e de, por isso, estar sujeito às pulsões do consumo e do tráfico, tendendo para a reincidência, não favorece a formulação de um juízo de prognose favorável compatível com a simples suspensão da execução da pena de prisão.

IV - Assim, mostra-se adequada às finalidades de prevenção geral e especial do caso, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, a imposição ao recorrente da pena de 5 anos e 6 meses de prisão [em, substituição da pena de 4 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, fixada pela 1.ª instância].

    

      

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 171/10.8JALRA-A, do Tribunal Judicial da Marinha Grande, foram submetidos a julgamento :

AA ,

BB ;

CC e ,

DD ,

, vindo , a final , a ser condenados :

O AA , como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , p. e p . pelo art.º 21.º, n.º 1, do D. L. n.º 15/93, de 22/01) , Tabela Anexa I -C, e de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.º 1, do Código Penal , nas penas de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e de 6 (seis) meses de prisão, respectivamente , e em cúmulo jurídico em 5 anos de prisão , suspensa na sua execução por igual período ,acompanhada de regime de prova ;o BB , como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e . p. pelo art.º 21.º n.º 1 , do Dec.º -Lei n.º 15/93 , de 22/1 , Tabelas 1-A , I B e IC , em 7 anos de prisão , o DD , como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , de menor gravidade , p . e p . pelo art.º 25.º a ) , do Dec.º -Lei n.º 15/93 , de 22/1 , com referência à Tabela I-C, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão , suspensa na sua execução por 1 ano e 4 meses , acompanhada de regime de prova , absolvendo-se o arguido DD .

O Exm.º Procurador da República junto do Círculo Judicial inconformado com o teor da decisão recorrida quanto  ao arguido AA ,  interpõs recurso e nele sustentou o  agravamento da pena respeitante ao enunciado crime de tráfico de droga, bem como a declaração de perda a favor do Estado da importância pecuniária de € 275,00 que lhe fora apreendida.

O Tribunal da Relação , em recurso , alterando os termos da decisão , provendo ao recurso , condenou o arguido pela prática do  descrito crime de tráfico de estupefacientes , p . e p  pelo art.º 21.º n.º1 , do Dec.ºLei n.º 15/93 , de 22/1, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão ,mantendo a condenação como autor material do crime de coacção e resistência de funcionário , p . e . pelo art.º 347.º n.º 1 , do CP , em 6 meses de prisão e , em cúmulo jurídico , condenou o arguido na pena de 7 anos de prisão , bem como decretou a perda a favor do Estado do dinheiro apreendido , 250 € ( certamente por lapso , pois lhe foram apreendidos 275€)

É , agora, o arguido AA a interpor recurso perante este STJ apresentando na motivação as seguintes

CONCLUSÕES:

I - A condenação de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, aplicada em Ia instância afigura-se-nos justa, adequada e razoável, alterando a pena para 7 anos de prisão efectiva, para um arguido primário, à data dos factos toxico dependente, confessou integralmente e sem reservas os factos e mostrou arrependimento, viola os artigos 70° e 71° do Código Penal.

II - Ao contrário, o Tribunal da Ia Instância, teve em consideração a medida da culpa concreta do arguido e da ilicitude face aos factos dados como provados, alterando a medida da pena ao arguido o Tribunal da Relação de Coimbra, violou o disposto nos artigos 40°, n.° 2 e 71, n.° 1 at. a), do Cód Penal;

III - Na aplicação da medida da pena violou o douto acórdão os fins de prevenção geral que ultrapassou em muito a medida da culpa do arguido e descurou os fins de prevenção especial expressos na necessidade de reintegração do arguido encarado na vertente humana e social.

IV     - Quando se fala na prevenção especial não podemos de deixar de ter em conta o vector da socialização, pedra angular, estamos perante um arguido jovem, totalmente inserido na sociedade, onde trabalha, tem casa e família, sem antecedentes criminais.

V       - A aplicação de uma pena de 7 anos de prisão ao arguido, mostra-se desadequada, desproporcional e desnecessária à protecção dos bens jurídicos violados e à reintegração do agente na sociedade merecendo a decisão recorrida ser revogada.

VI     - Quanto à repartição de culpas e o mesmo grau de dolo na actuação, entre o arguido AA e BB, invocadas no douto recurso, não são reais. Há sem dúvida um grau de culpa e grau de dolo na actuação um pouco diferente, além do BB de não ser primário, tendo sido condenado já por diversas vezes por este tipo de crime, na verdade e a manter-se a pena de 7 anos de prisão ao AA fica com a mesma pena do co-arguido BB, logo estamos perante a violação do artigo 13°, n.° 1 da CRP, por parte do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, inconstitucionalidade que desde já se argui.

VII    - Quanto à restituição do dinheiro, esteve muito bem o douto tribunal a quo e em cumprimento da Lei ordenou a restituição do dinheiro pois não ficou provado que era de proveniência ilícita mas antes fruto do seu trabalho, ao contrário do que alega no seu douto recurso não cabe ao arguido o ónus àa prova, mas sim à acusação provar a proveniência ilícita, mas no caso concreto o arguido provou que o dinheiro foi fruto do seu trabalho, e não era esporadicamente como invoca.

Normas Violadas: artigos 40°, 50°, 70°, 71° do CP. E artigo 13º n.º 1 e 31% n.° 1 da CRP.

O  parecer do Exm.º Magistrado do M.º P.º nas instâncias de recurso vai no sentido de se justificar a aplicação de uma pena superior a 5 anos de prisão, logo não suspensa na sua execução , reduzindo-se ligeiramente a pena aplicada , mantendo-se a declaração de perda do dinheiro a favor do Estado.

O Colectivo deu como provados os seguintes factos:

No dia 11.05.2010, cerca das 2h45m, os arguidos AA e BB, faziam-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-FA, marca Seat, modelo Ibiza, cor branca.

2. A referida viatura era conduzida pelo arguido AA.

3. Quando circulavam na Rua do Bico da Garcia, em Garcia – Marinha Grande, os arguidos foram interceptados pelos Militares da G.N.R. I...B... e P...G..., no decurso de uma fiscalização de trânsito.

4. A certa altura da fiscalização, foi solicitado ao condutor (que se havia identificado como AA), que saísse do carro.

5. De imediato, o arguido iniciou a marcha do veículo, guinando repentinamente e bruscamente para esquerda, abalroando dessa forma o Militar da G.N.R. I...B..., que o fiscalizava, e que, com o impacto da pancada do espelho retrovisor do carro, caiu ao chão.

6. Acto contínuo, os referidos agentes da G.N.R. seguiram o mencionado automóvel, que veio a ser abandonado pelos arguidos, algumas centenas de metros adiante, quando ficaram encurralados numa rua sem saída.

7. Os arguidos fugiram a pé, tentando levar consigo um fardo de haxixe, que acabaram por abandonar logo de seguida, face à aproximação dos Militares da G.N.R..

8. O fardo deixado pelos arguidos foi recuperado e apreendido pela G.N.R..

9. No interior do veículo de matrícula ...-FA, foi encontrado e apreendido um outro fardo de haxixe.

10. Os dois fardos de haxixe apreendidos têm o peso total de 57 quilos.

11. Ao fugirem, os arguidos deixaram perdido um telemóvel Samsung E1120.

12. No dia 31.05.2010, na Travessa 1º de Maio, nº 24, r/ch frente, Matos, Casal dos Ossos, Marinha Grande, encontravam-se, em tal residência, os arguidos AA, BB, DD e DD.

13. No interior da residência, encontravam-se, além do mais:

- um telemóvel Samsung E1120;

- um telemóvel Vodafone 235;

- um computador portátil ACER;

- um computador portátil Fujitsu Siemens.

14. No quarto do arguido DD, encontravam-se 580 euros (em notas de 100 euros, 50 euros, 20 euros e 10 euros) e um telemóvel Nokia N73, que lhe pertenciam;

15. No quarto do arguido BB, encontravam-se 62 gramas de haxixe, 10 gramas de cocaína (crack), 650 euros (em notas de 20 euros, 10 euros e 5 euros), 33 gramas de heroína, 1750 euros (em notas de 50 euros, 20 euros e 10 euros), 22 gramas de cocaína, uma balança de precisão de marca Diamond 500, 1217 gramas de haxixe em placas.

16. Na garagem, encontravam-se uma balança, um telemóvel Sony Ericsson T303, um telemóvel Nokia 1112, um telemóvel Vodafone 235.

17. Nessa data, o arguido AA detinha na sua posse: 19,13 gramas de haxixe, 275 euros (em notas de 5 euros e de 10 euros), e um telemóvel de marca LG, tudo objectos que lhe pertenciam.

18.Nessa data , o arguido BB detinha na sua posse : um telemóvel LG , 4, 96 grs de heroína , tudo objectos que lhe pertenciam e 170 euros ( em notas de 10 euros e de 20 euros ) .

19 Nessa data o arguido DD detinha na sua posse : um isqueiro , uma navalha , um telemóvel Nokia 95, 35, 80 grs de haxixe , tudo objectos que lhe pertenciam .

20.Nessa data o arguido DD detinha na sua posse : um telemóvel da marca Vodafone e três cartões Vodafone, tudo objectos que lhe pertenciam .

21. Ainda na mesma data na rua de S. Pedro de Moel , n.º 139.º 1.º Dt.º , em Marinha Grande , utilizada pelos arguidos BB e DD , encontravam-se oito cartões da Vodafone e 7 telemóveis ( um Nokia , um TMN Meo , um Samsung E 1070 , um Samsung GT –E 1080 , um Vodafone 236 e dois Vodafone 235) , que pertenciam uns ao arguido BB e outros ao arguido DD .

22. Na residência da família do arguido AA, sita na ...., foram apreendidas 13 plantas de Cannabis.

23. O arguido BB não tem carta de condução, sendo conduzido, por vezes, nas suas deslocações pelos arguidos AA e DD.

24 . O veículo de matrícula ....-FA foi vendido por EE , primo do arguido DD ao arguido BB , que pagou o preço de 1.500 euros em dinheiro .

25. Em todas as supra referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, os arguidos AA , BB e DD conheciam a natureza e características daqueles produtos estupefacientes que lhes foram, respectivamente, apreendidos e sabiam que a sua detenção e/ou transporte eram proibidos e punidos por lei.

26. Agiram tais três arguidos livre, deliberada e conscientemente, em comunhão de esforços e interesses os arguidos AA e BB aquando do transporte, no veículo automóvel, dos dois identificados fardos de haxixe, conhecendo os arguidos AA, BB e DD a qualidade e natureza dos produtos estupefacientes que detinham e/ou transportavam, bem sabendo que os produtos estupefacientes são prejudiciais à saúde e nocivos à comunidade e que as suas condutas eram proibidas por lei.

27. O arguido AA, sabia que ao reagir à fiscalização dos Militares da G.N.R. da forma supra descrita, para a impedir, iria atentar contra o bem estar físico do Militar da G.N.R. que abalroou (provocando assim a sua queda ao solo), o que não o demoveu de o fazer.

28. Determinou a sua conduta com o objectivo de obstar à fiscalização do interior do veículo de matrícula ....-FA, pelos agentes de autoridade.

29. Sabia que quem o abordou eram Militares da Guarda Nacional Republicana, que se encontravam no exercício das suas funções.

30. Em todas as supra referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, com perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

31. Aquando da prática dos factos supra descritos, o arguido AA fazia serviços, como empregado de mesa, num restaurante, auferindo um rendimento de cerca de € 200,00 mensais.

32. Também fazia tais serviços em casamentos e baptizados, com o que auferia € 80,00 por dia, fazendo uma média de um ou dois desses serviços por mês.

33. O arguido AA, antes de ser detido à ordem destes autos, vivia em casa dos seus pais.

34. O arguido tinha a seu cargo uma prestação relativa a um crédito bancário contraído para a aquisição de um veículo automóvel, de marca Audi, modelo A3, sendo o valor da amortização mensal de € 280,00, estando tal crédito, neste momento, totalmente liquidado com a ajuda do pai do arguido.

35. O arguido AA, aquando da prática dos factos, era consumidor de heroína e de haxixe, consumindo 0,5 gramas de heroína por dia e fumando três ou quatro cigarros de haxixe por dia.

36. No relatório social do arguido AA consta escrito, além do mais, que:

«AA nasceu no seio de um agregado constituído pelos pais e 6 filhos. A família de origem apresentava sinais de disfuncionalidade e negligência no que respeita às condições habitacionais e ao acompanhamento dos filhos. O pai consumiu bebidas alcoólicas em excesso durante vários anos, e a mãe era considerada demitida das suas responsabilidades parentais e uma figura tendencialmente agressiva e hostil.

O início da escolaridade de AA registava falta de aproveitamento e um elevado absentismo, situação que, aliada às condições familiares referidas, motivou a sua colocação no Internato masculino de Leiria, quando contava cerca de 9 anos de idade, e onde se manteve até ao final do ano lectivo 2004/2003, contava então 17 anos de idade. Nesta altura, foi de férias para casa dos pais, como habitualmente, e não regressou dado que, alguns dias antes havia assumido comportamentos inadequados na Instituição, que originaram um processo (…).

No Internato prosseguiu a escolaridade e concluiu o curso de Formação profissional de Hotelaria que lhe conferiu o 9º ano. Posteriormente foi integrado num estágio profissional, num restaurante da cidade de Leiria, onde apenas permaneceu um mês, alegadamente por o trabalho que executava não ser do seu do seu agrado, preferindo ficar inactivo.

Quando abandonou a Instituição, AA reintegrou o agregado dos pais, que permanecia com características de disfuncionalidade. Apesar do pai já não revelar hábitos alcoólicos há alguns anos, devido a problemas de saúde, o ambiente familiar e as condições habitacional, não sofreram melhorias. Neste contexto o arguido optou por procurar outra situação habitacional, passando a residir sozinho em apartamento arrendado, mas decorrido algum tempo voltou para casa dos pais.

Após um período de cerca de um ano de inactividade, trabalhou numa fábrica de candeeiros por 6 meses, a que se seguiram várias tarefas, sobretudo no sector de pisaria, restauração e padaria, actividades temporárias mas que executa com regularidade, assegurando a sua manutenção económica.

(…) À data dos factos pelos quais se encontra indiciado, AA vivia com os pais e um irmão mais velho, num ambiente familiar algo disfuncional sem conflitos relacionais significativos.

O arguido desenvolvia actividade laboral, no sector da hotelaria, mas com carácter temporário. Auferia o salário mínimo nacional.

Consumia substâncias estupefacientes, haxixe e heroína e, convivia com pares com o mesmo problema aditivo, embora os seus convívios fossem extensivos a outros jovens não conotados com o consumo de estupefacientes, incluindo a namorada.

No meio social não são registadas referências negativas (…)».

37. No Certificado de Registo Criminal do arguido AA, nada consta.

38. O arguido BB trabalhou como montador de tectos falsos , declarando auferir um rendimento de cerca de €750 /800 mensais .

39.É pai de 2 filhas , com 17 e 7 anos de idade , que vivem com a mãe , pagando-lhes alimentos no valor global de cerca de €100/150 mensais .

40. O arguido BB , aquando da prática dos factos , era consumidor de heroína , declarando consumir 2 gramas por semana , sendo ainda consumidor de cocaína , ácidos e pastilhas .

41 .No relatório social do arguido BB consta escrito além do mais que :

(…) BB é o quarto de seis irmãos germanos , tendo crescido num agregado familiar de modesta condição económica e bom ambiente relacional . Durante a infância apresentou alguns problemas de saúde ( respiratórios ) o que terá prejudicado o seu percurso escolar , concluiu o 4.º ano de escolaridade , com treze anos de idade . ainda frequentou o 5 .º ano na Casa Pia /Xabregas, porém abandonou os estudos sem terminar o ano lectivo .

Com 13/14 anos começou a trabalhar , primeira numa mercearia , depois na montagem de tectos falsos , vindo a ser esta a principal actividade laboral que desenvolveu .

Durante cerca de quatro anos consecutivos trabalhou para o mesmo patrão , subempreiteiro de construção civil de onde saiu por falência da empresa .

Posteriormente trabalhou com o pai na área da impermeabilização de edifícios , mantendo-se inactivo quando foi preso pela primeira vez  em 9/12/98 com 22 anos de idade

Com apenas quinze anos de idade passou a viver em união de facto com uma jovem de dezasseis anos , de cuja relação nasceram duas filhas , a primeira cerca de um ano após a união do casal e a segunda sete anos mais tarde .

O arguido iniciou o consumo de haxixe ainda na adolescência e , pouco tempo mais tarde , passou a consumir cocaína , comportamento de que se nunca desvinculou em absoluto .

(…) Colocado em liberdade condicional em 1.6.2009 , BB reintegrou o agregado familiar  dos pais , mantendo o apoio destes , bem como dos irmãos . Manteve igualmente o relacionamento próximo com as filhas , que vivem com a mãe .

Assim , durante os primeiros meses residiu em Lisboa e trabalhou com o pai . Entretanto foi fazendo deslocações à Marinha Grande onde viverá o avô e , sensivelmente em Dezembro de 2009 , mudou de residência para aquela cidade .

Residia numa casa arrendada que , segundo o próprio , partilhava com outro indivíduo .

Retomou o consumo de substâncias estupefacientes , que , segundo o próprio , nunca abandonou em definitivo mesmo na prisão .

No meio social que integrava à data dos factos o arguido é praticamente desconhecido .

43 . No certificado do registo criminal do arguido BB consta :

-uma condenação proferida em 6.12.99 e transitada em julgado em 31.12.99 , pela prática , em 8.1.98 , de um crime de tráfico de estupefacientes , p. e .p  pelo art.º 21.º n.º 1 , do Dec.º_lei n.º 15/93 , de 22/1 , Tabelas I-A , I-B e I-C , na pena de 1 ano e 6 meses de prisão .

Pese embora não constar do boletim de registo criminal que foi suspensa depreende-se que tal sucedeu da análise do boletim n.º 2 , porquanto por despacho de 16.4.2004 a pena foi declarada extinta nos termos do n.º 2 , do art.º 57.º , do CP .

-uma condenação , proferida em 13.5.2005 e transitada em julgada em 28.3.2005 , pela prática em 0.1.2004 , de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º 21.º n.º1 , do DL 15/93 , de 22/1 , com referência às tabelas I-A , I-Be I-C, na pena de 3 anos de prisão .

-uma condenação proferida em 14.12.2005 , transitada em julgado em 11.1.2006 , de um crime de condução sem habilitação legal ,p. e  p.pelo art.º 3.º n.ºs 1 e 2 , do Dec.º-Lei n.º 2/98 , de 3.1 , na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €2 , que por despacho de 20.7.2007 , foi declarada extinta , pelo seu cumprimento .

-uma condenação proferida em 19.9.2006 , transitada em julgado em 19.10.2006 , pela prática em 25.9.2001 , de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º 21.º do DL 15/93 , de 22/1 , na pena de 6 meses de prisão . . Em 29.5.2009 foi –lhe concedida a liberdade condicional pelo período compreendido entre a data da sua libertação e o dia 15.6.2010 , data prevista para o termo da pena .

-uma condenação proferida em 23.10.2006 , transitada em julgado em 7.11.2006 , pela prática em 12.5.2001 , de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e .p. pelo art.º 25.º do DL n. º 15/93 , de 22/1 , na pena de 2 anos de prisão , suspensa na sua execução por 4 anos , declarada extinta , nos termos dos art.ºs 2.º n.º 4 e 50.º n. º 5 , do CP .

44 . O arguido DD trabalha como ajudante técnico de frio , auferindo cerca de 800 € por mês .

45 . Vive com a sua avó em casa desta .

46. É consumidor de haxixe .

47. No relatório social de DD consta escrito além do mais que ( …) DD é fruto de um relacionamento sem vivência conjunta , perturbado pela toxicodependência do casal .

Na sequência , com oito meses , foi entregue aos cuidados da avó materna , passando a coabitar com esta e duas tias , na morada constante dos autos , inscrita num bairro e realojamento camarário , conotado com elevados índices de criminalidade , muito em concreto , com práticas de tráfico de estupefacientes .

As fases de infância e da adolescência foram descritos como períodos ausentes de carências materiais significativas pese embora a condição económico social modesta do agregado de pertença .

A principal vinculação afectiva foi com  a avó , com a qual ainda hoje mantém um relacionamento idêntico ao habitualmente verificado entre mãe /filho .Foi descrito um   enquadramento educativo investido em contrariar as eventuais influências desviantes de pares e em transmitir as as regras e normas socialmente vigentes .

Desde idade precoce o arguido aderiu a grupos de pares com características de desviância , de entre as quais a de consumo de substância de estupefacientes , tendo assumido o início de consumo de haxixe com cerca de 16 anos de idade . Entretanto o percurso escolar de DD foi marcado por algumas retenções , logrando a conclusão do 2.º ciclo de escolaridade , com posterior frequência de um curso de formação profissional na área da serralharia civil .

Com aproximadamente dezoito anos , o arguido referiu ter abandonado o sistema de ensino para inserir-se no mercado do trabalho . Do seu percurso releva-se a predominante ausência de vínculos contratuais , bem como a existência de períodos significativos de inactividade . (…) . Já trabalhou como lavador de vidros , como ajudante técnico de frio e na área de carga e descarga de mercadorias . Globalmente o arguido tem gerido autonomamente os seus proventos de maneira aleatória , não raro solicitando apoio quer à avó , quer às tias , entretanto autonomizadas .

(…) Á data dos acontecimentos subjacentes ao presente processo ,o arguida mantinha e mantém residência correspondente à morada dos autos , onde coabita com a avó materna de setenta e quatro anos .

( …) DD tem trabalhado com alguma regularidade para o padrasto , estabelecido por conta própria na de montagem e manutenção de aparelhos de ar condicionado . No entanto continua a recorrer ao apoio financeiro da avó e tias maternas .

48. Do certificado de registo criminal do DD  consta :

-uma condenação proferida em 9.9.2003 e transitada em julgado em 29.9.2003 , pela prática em 8.9.2003 , de um crime de condução sem habilitação legal ,p. e  p.pelo art.º 3.º n.ºs 1 e 2 , do Dec.º-Lei n.º 2/98 , de 3.1 , na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €3 , que por despacho de 17.12 .2004, foi declarada extinta , pelo seu cumprimento .

- uma condenação proferida em 8.13.2006 e transitada em julgado em 26.4.2006  , pela prática em 9.6.2005  , de um crime de condução sem habilitação legal ,p. e  p.pelo art.º 3.º n.ºs 1 e 2 , do Dec.º-lei n.º 2/98 , de 3.1 , na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €3 , que por despacho de 26.9.2008, foi declarada extinta , pelo seu cumprimento .

49. O arguido DD encontra-se desempregado desde Fevereiro de 2010 .

50. Vive com sua mãe em casa desta .

51 No seu relatório social consta escrito além do mais que

( …) DD é o filho único de um casal da classe média , de pai oficial da marinha e mãe cabeleireira ( tendo abandonado posteriormente a profissão ) . Tem uma irmã uterina , fruto do primeiro casamento da mãe , 14 anos mais velha , com quem estabelece uma ligação regular .

Nasceu em Lisboa , tendo vivido na Buraca até aos 11 anos , altura que a família se mudou para o concelho do Seixal , por melhor acesso ao mercado habitacional .

Devido à actividade profissional do pai ( engenheiro da marinha mercante ) que o deixava ausente de casa por vários meses consecutivos , foi com a mãe que estabeleceu uma forte vinculação afectiva . Esta era uma figura preponderante , forte , mas permissiva , desculpabilizante e protectora . O pai era uma figura ausente , mas respeitada e exigente com o cumprimento das regras de educação impostas . O processo educativo do arguido foi , por isso , marcado por alguma ambivalência e oscilação entre a protecção /tolerância e a repressão /respeito .

O seu percurso escolar foi iniciado no ensino pré-primário , com boa integração e adaptação .

Concluiu o primeiro ciclo na Escola Primária da Torre da Marinha , com uma retenção no 3.º ano , devido , segundo o arguido , à mudança de residência . Fez o 2.º ciclo na Escola Preparatória de Arrentela e o 7.º e 8.º ano na Escola Secundária da Torre da Marinha , muito próxima da sua residência .

Foi nesta altura quando se começaram a evidenciar algumas alterações num percurso até então regular e sujeito a apertado acompanhamento e supervisão materna .

Aos 15/16 anos aderiu a grupos de pares com comportamentos aditivos , iniciando uma trajectória instável , com absentismo escolar e confronto com as regras , a frequência de centros comerciais locais , salões de jogos , etc .

Na sequência de processo disciplinar abandona o ensino aos 18 anos sem ter completado o 9.º ano de escolaridade .

Fez o serviço militar obrigatório com especial agrado , mas recusou a incorporação no Comando Territorial do Ministério do Exército ., onde concluiu o tempo de serviço , sem qualquer reparo. Actualmente reconhece ter perdido a melhor oportunidade da sua vida .

Iniciou o seu percurso profissional na Siderurgia Nacional , como operador de máquinas elevatórias ( para o qual está habilitado profissionalmente ) , durante 4 anos e depois 3 anos na Coca Cola . Voltou à Siderurgia Nacional até à separação dos pais ,ocorrida em 2004/2005 .

Em 2007 acompanha a mãe para a Marinha Grande , onde fixaram residência .

O divórcio dos progenitores , após 30 anos de casamento , terá marcado profundamente o arguido e contribuído para uma instabilidade emocional  , agravada para o seu desenraizamento social , que tiveram repercussões ao nível profissional .

Desde então DD  não voltou a adquirir estabilidade profissional com pequenos períodos de actividade em empresas de trabalho temporário . Desde Fevereiro de 2010 que se encontra inactivo .

DD reside desde há 3 anos com a mãe , de 68 anos , doméstica , num apartamento T2 que adquiriram no centro da Marinha Grande e que lhes permite boas condições habitacionais .

A sobrevivência dos dois elementos é assegurada pela pensão de alimentos que a mãe recebe do ex-marido , no valor de 250€ , bem como de pequenas quantias que vai retirando de poupanças anteriores .

(…) Desde Fevereiro de 2010 que o arguido não desenvolve qualquer actividade regular , fazendo apenas alguns dias de pequenas tarefas ,para empresas de mudanças e transportes ou na agricultura ( apanha de fruta ) . Encontra-se inscrito no Centro de Emprego , onde se desloca com regularidade (…) .

Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

Os poderes de cognição deste STJ , cingindos às conclusões do recurso , respeitam à medida da pena , havida por desproporcionada e excessiva , e à declaração , indevida,  de perda a favor do Estado da soma apreendida ao arguido , em inquérito ( 275 €) .

A fixação da medida concreta da pena envolve para  o juiz,  escreve Iesheck , in Derecho Penal  , pág. 1192 , Vol. II , uma certa margem de liberdade individual  , não podendo , no entanto , esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser ,  estruturalmente aplicação do direito ,  devendo  ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os  efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente , por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP .

Essa margem de  discricionaridade , escreve aquele penalista , op . e loc. citados, no que não se mostra positivado na lei , e por isso , não plenamente controlável de um modo racional, colhe justificação  já que se trata de converter a quantidade de culpabilidade e demais múltiplas vertentes da  formação da pena em “ magnitudes penais “, porém fora  disso o direito penal moderno fornece regras nucleares  para a determinação da pena , funcionando a culpa , entre nós , num sistema pragmático da pena , como o vertido no art.º 40.º , do CP,  não como fundamento , em si ,  dela  , mas como um limite  , um  “ antagonista “ aos fins de prevenção geral e especial.

O legislador abandonou , assim , uma concepção retributiva pura , de punir por punir , ou uma concepção mista como em geral se aceita , considerando a função de retribuição e de prevenção , para assinalar à pena um objectivo de prevenção geral e especial , limitado pela culpa .

A prevenção geral , enquanto fim público da pena , não é tanto o de intimidar o potencial delinquente( prevenção geral negativa ) , segundo a teoria psicológica da coacção , atribuída a Feuerbach , mas antes o de reforço da consciência jurídica colectiva ante o crime , de observância da lei e do seu sentimento de segurança face à violação da norma , estabilizando as suas expectativas desejáveis de tranquilidade e de confiança nos órgãos aplicadores da lei .

À prevenção especial adequa-se a finalidade particular da pena , tendo como destinatário a pessoa do delinquente , prevenindo a sua reincidência , insuflando-lhe regras de readaptação à sociedade , pela afirmação da crença de que o crime não compensa e o seu autor não passa sem ser descoberto

Aquela visão programática e  utilitarista da pena é condicionada fortemente pela importância e gravidade dos bens jurídicos a proteger retratadas na moldura pena penal abstracta que acolhe a filosofia das penas à luz do sistema penal reinante , complementada com os critérios para a determinação da sua medida em concreto , apelando, para além da culpa e prevenção , segundo o concretismo da situação, também às circunstâncias que não fazendo parte do tipo  depõem contra  ou a favor do arguido , contexto sempre de ponderar porque o crime é , salvo raras circunstâncias , fruto de circunstâncias concomitantes ou préexistentes à sua prática –art.º 71.º , do CP .

O arguido , conduzindo uma viatura, no dia 11.05.2010, cerca das 2h45m, ....-FA, marca Seat, modelo Ibiza, tipo ligeiro , propriedade do arguido BB , acompanhado deste foi mandado parar , na Rua do Bico da Garcia, em Garcia – Marinha Grande, pelos militares da GNR , em serviço de fiscalização , I...B... e P...G..., que  solicitaram  ao arguido AA que saísse do carro.

De imediato, o arguido iniciou a marcha do veículo, guinando repentina e bruscamente para esquerda, abalroando dessa forma o militar da G.N.R. I...B..., que o fiscalizava, e que, com o impacto da pancada do espelho retrovisor do carro, caiu ao chão.

Acto contínuo, os referidos agentes da G.N.R. seguiram o mencionado automóvel, que veio a ser abandonado pelos arguidos, algumas centenas de metros adiante, quando ficaram encurralados numa rua sem saída.

 Os arguidos fugiram a pé, tentando levar consigo um fardo de haxixe, que acabaram por abandonar logo de seguida, face à aproximação dos militares da G.N.R..

 O fardo deixado pelos arguidos foi recuperado e apreendido pela G.N.R..

 No interior do veículo de matrícula ....-FA, foi encontrado e apreendido um outro fardo de haxixe.

 Os dois fardos de haxixe apreendidos têm o peso total de 57 quilos.

 No dia 31.05.2010, na residência sita na  ..., encontravam-se , os arguidos AA, BB, DD e DD.

Nessa data o arguido AA detinha na sua posse: 19,13 gramas de haxixe, 275 euros (em notas de 5 euros e de 10 euros) e um telemóvel de marca LG, tudo objectos que lhe pertenciam.

Na residência da família do arguido AA, sita na ...., foram apreendidas 13 plantas de cannabis.

Os bens jurídicos a acautelar com a incriminação pelo tráfico de estupefacientes são  a protecção da saúde individual, da  liberdade individual  do consumidor , da economia do Estado , porque  o tráfico propicia economias paralelas , subterrâneas  ,  de complexa sindicância  , fazendo do tráfico um negócio temível e comunitariamente repugnante , fundamentalmente pela devastação  física e psíquica do consumidor , geralmente as camadas mais jovens do tecido social , instabilidade e , na maior parte dos casos , a desgraça total do seu  agregado  familiar , censurável , em alto grau, no plano ético-jurídico , até pelos elevados custos sociais a que conduz .

O crime em causa é apenas comparável pela sua repercussão anti-ética aos crimes mais graves contra as pessoas ;  as drogas são uma grave ameaça para a saúde e o bem estar de toda a humanidade , para a independência dos Estados , para a democracia , estabilidade dos países , estrutura de todas sociedades e para a esperança de milhões de pessoas e suas famílias , é assim que se lhes referiu a 20.ª Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas –cfr. Rui Pereira e Luís Bonina , in Problemas Jurídicos da Droga e da Toxicodependência ,RFDUL ,  págs.154 e 191  .

Traficar ,  é fazer conscientemente  mal a outrém , um acto dotado de ressonância  ética, punível  dentro de uma moldura penal de 4 a 12 anos de prisão , por aplicação do art.º 21.º n.º 1 , do Dec.º-Lei n.º 15/93 , de 22/1, na sua forma de crime simples .

O crime em causa está, essencialmente ,  associado aos de roubo , porte ilegal de armas , violação , desobediência  e condução ilegal de viaturas , donde, como se reconhece ,  o seu carácter altamente criminógeno

A punição do narcotráfico, mais do que uma luta localizada , é um combate que se dirige a um flagelo à escala universal , conhecendo o consumo entre nós de heroína estabilização , o de cocaína um aumento ligeiro , tendo a nível do consumo de haxixe , como aliás a nível europeu , registado um acréscimo mais significativo sobretudo a nível das classes estudantis , funcionando Portugal como placa giratória na difusão para o continente europeu .

O  traficante  é insensível à desgraça alheia , cria alarme e insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei  caso  estes não ofereçam  um ponto óptimo de “ quantum “ punitivo capaz de assegurar uma tutela efectiva e consistente dos bens jurídicos , não sendo aconselhável descer abaixo  de um limiar mínimo abaixo do qual , comunitariamente ,   a punição – cfr. Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 306.-não realiza a sua finalidade , além do mais de protecção dos importantes bens jurídicos que põe em crise .

Este STJ , na consciencialização  da gravidade das consequências tanto individuais , como familiares e colectivas , amplamente divulgadas , a que o tráfico de estupefacientes conduz , tem afirmado que a imposição de pena suspensa na sua execução pela sua prática é , salvo em condições especiais , é manifestamente desaconselhável , por não se mostrar conforme à finalidade das penas , segundo o art.º 40.º , do CP .

A conduta do arguido é grave porque transportava ( sem se provar que fosse para si ) quantidade muito elevada de haxixe , 57( cinquenta e sete )  Kgs , que iria proporcionar a distribuição de dezenas de milhares de doses , afectando um universo muito amplo de pessoas , a cuja miséria se mostrou de todo insensível

Grave ,porque denotando enorme inconsideração  para com o poder da  autoridade em funções e suas pessoas não hesitou , quando militares da GNR o fiscalizavam e lhe solicitaram que saísse do veículo , em fazer uma manobra de marcha atrás , guinando subitamente para a esquerda , pondo o automóvel em marcha , em fuga , sem deixar de atingir com o espelho ; o militar I...B... , que ainda caiu ao solo , pondo-se , embora sem sucesso , em fuga , incorrendo em crime de resistência e coacção de funcionário , previsto no art.º 347.º n.º 1 , do CP , punível com prisão até 5 anos , que tutela o bem jurídico da sua autonomia funcional , da sua “ autonomia intencional “ e só acessoriamente a sua integridade física ( cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , pág. 909) , integridade que também lesou .

E denotando evidente dificuldade em se fidelizar ao direito, decorridos 21dias sobre os supra descritos factos , detinha em seu poder , e foram –lhe apreendidas, mais  19,13 gramas de haxixe, de que era consumidor( três cigarros por dia ) bem como de heroína (0, 5 grs por dia ) .

O arguido sabia que praticava um acto contra a lei ao transportar os dois fardos de haxixe e deter este produto e , pelo uso da violência , abalroando com o veículo , o militar em serviço de fiscalização da GNR , quis opôr –se à prática de um acto legítimo relativo ao exercício de funções públicas .

A vontade de  praticar os crimes em causa, de tráfico de estupefaciente foi firme e repetida envolvendo , como a de resistência e coacção sobre funcionário,  dolo,  de catalogar como intenso .

A elevada quantidade de estupefaciente transportado , a insistência em consumar o crime , pois que , depois da fuga encetada e os militares da   G.N.R. perseguirem o automóvel, onde seguiam e que veio a ser abandonado ,  ainda tentaram  levar consigo um fardo de haxixe,  o modo de execução do crime descrito, exercendo o arguido AA violência junto do militar da GNR , abalroado com o espelho retrovisor esquerdo do veículo , densificam o grau de contrariedade à lei , situando a ilicitude em grau muito elevado –art.º 71.º n.º 2 a) , do CP .

Os sentimentos revelados, de pura insensibilidade, pelo grau de lesividade que a distribuição daquela quantidade provocaria , não abonam em favor , pelo contrário, o arguido , como igualmente não o favorecem o ser consumidor de heroína e de haxixe , porque esse consumo integra a prática de contraordenação , que é um ilícito , embora de degrau menor,  relativamente ao tráfico .

O Colectivo deu como provado que o arguido assumiu “ a generalidade dos factos de que vinha acusado” , mas essa assunção comportando , é certo , o alcance de confissão dos factos , é de reduzido relevo , porque o transporte e posse de estupefacientes foi constatada pela autoridade policial não restando outra alternativa ao arguido , distanciando –se do arrependimento de que se reclama merecedor porque este é uma atitude interna de repúdio do facto criminoso e sua consequências , implicando a crença na sua acidentalidade e a convicção de que o acto se não voltará a repetir podendo o tecido social ostracizado tranquilizar .E essa atitude não vem demonstrada , apesar de invocada

Do facto de do  seu certificado de registo criminal nada constar não ressalta  bom comportamento anterior francamente desmentido pelo  facto de  ser consumidor de heroína e de haxixe , atitudes contrárias à lei , demonstrativas  de culpa na formação de personalidade conforme aos padrões de legalidade exigíveis .

A sua inserção no meio familiar ,vivendo na casa de seus pais  , não funciona como atenuante porque não diminui nem a culpa e nem a ilicitude, o mesmo se dizendo do facto de trabalhar, fazendo serviços, como empregado de mesa, num restaurante e  em casamentos e baptizados,  uma  ou duas vezes  por mês, limitando-se a cumprir aquilo que é  uma obrigação sua .

Por tudo isto não se justifica uma pena próxima do mínimo legal , de 4 anos de prisão, havendo que situar-se acima dele , pois o circunstancialismo agravativo supera em larga escala o atenuativo .

A premente necessidade de prevenir a prática do crime de tráfico de estupefacientes entre nós é fortemente sentida pela comunidade , para sua protecção , particularmente dos seus elementos mais jovens , mas sobretudo das suas camadas mais jovens , atenta a prática frequente,  para o efeito se reclamando vigorosa intervenção dos tribunais , implicando , por parte destes ,  a devida ponderação de interesses , impondo-se , ao nível da prevenção especial, que a pena a aplicar ao agente do crime deve fazê-lo interiorizar o mal que praticou, o que passa por uma pena privando-o do bem precioso da liberdade para não voltar a repetir .

De outro modo ficaria a sociedade sem compreender outra punição e o agente do crime sem sentir o seu mau procedimento, convencendo-se de uma falsa leveza .

E esquecido ficaria , por subestimado , todo o esforço , aos mais vários níveis , incluindo o humano e financeiro , que os Estados , incluindo o nosso , vem despendendo na luta contra o tráfico de estupefacientes , a que os tribunais devem estar atentos , bem como à projecção de efeitos nefastos sobre o tecido social .

A suspensão da execução da pena supõe , enquanto medida pedagógica e de reabilitação do condenado , que o tribunal , no momento da condenação , o tribunal esteja em condições de emitir um juízo de prognose favorável , ou seja de que a simples censura do facto e a ameaça da execução da pena( art.º 50.º n.º n.º 1 , do CP) o afastarão da prática , no futuro , da criminalidade , funcionando como prevenção da reincidência , ao qual “ não bastará nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto , sendo de atender especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto –CFr. Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 518 .

Esse juízo de prognose atentará no estilo de vida do condenado , no seu enquadramento profissional , familiar e social , no seu passado criminal , na pessoa daquele , pressuposto da assunção pelo tribunal de um risco prudente de que  virá , de futuro , a acatar a lei .

Mas ainda que este juízo positivo se apresente ao julgador , jamais a adopção de suspensão da execução da pena terá cabimento se a simples censura do facto e a ameaça de prisão deixar de realizar de forma adequada e suficiente , pondo-as em crise , as finalidades da punição  –art.º 50.º n.º 1 , do CP .

Este caso , pela sua gravidade , pelo juízo de reprovação  ético social de que sofre , é , pelo que se deixa dito , incompatível com uma simples suspensão , acrescentando-se que , por o facto de o arguido ser consumidor de estupefacientes , sujeito , por isso mesmo , às pulsões criminais próprias , de tráfico e de consumo futuros , tendendo para a reincidência,  não favorecem  a formulação daquele juízo de prognose favorável , daquele risco assumido de manutenção em liberdade sem afrontamento da lei .

O arguido aponta a violação do princípio da igualdade quando comparativamente com o arguido , BB que, não obstante ,  ter várias condenações pela prática de crime de tráfico de estupefacientes , foi condenado numa pena de 7 anos de prisão , sendo o ora recorrente , que é primário , sancionado na Relação com 6 anos e 6 meses de prisão pelo descrito crime , acrescido da pena de 6 meses pelo crime de coacção e resistência , e em cúmulo jurídico 7 anos .

O princípio da igualdade , com dignidade constitucional no art.º 13.º , da CRP , postula que todos os cidadãos são iguais à face da lei , o tratamento por igual de situações em pé de igualdade  , mas não veda , antes impõe , o tratamento desigual do que o é , proibindo distinções arbitrárias , fora de compreensão racional e da lógica , devendo ser uma preocupação do julgador que situações parificadas mereçam tratamento idêntico e desiguais diferenciada solução penal .

Com este alcance o que avulta do julgamento é uma desigualdade de situações factuais , com implicações penais , pois o arguido BB era o dono do ligeiro que transportava o haxixe apreendido , era detentor no seu quarto de 62 gramas de haxixe, 32 gramas de cocaína, 33 gramas de heroína e 1217 gramas de haxixe em placas, tendo consigo uma porção de heroína ( 4, 96 grs ) ao ser-lhe efectuada busca em 31.5.2010 , considerando-se , ainda , que sofreu , do antecedente, 4 quatro condenações por tráfico de estupefacientes e uma por condução ilegal de viatura , o que constitui  índice de uma culpa mais grave e traz acrescidas exigências de prevenção na medida em que as condenações anteriores não serviram para o fidelizar ao direito , apresentando dificuldades em manter conduta lícita .

O arguido AA era o condutor do veículo transportando o haxixe e é de sua exclusiva autoria a fuga encetada á acção de fiscalização da GNR , iniciando repentinamente a marcha do veículo ao ser mandado parar , manobrando para a esquerda , vindo , ainda , na sequência a atingir um  militar da patrulha , que caiu ao chão sem, contudo sofrer ferimentos , tendo em seu poder ao ser-lhe efectuada busca em 31.5. 2010 , 19, 3 grs de haxixe .

Se pelo simples confronto da factualidade , desigual , se impõe , à evidência  , pena mais grave para o arguido BB , não deixa , contudo , de revestir conduta grave a do recorrente , pois que o transporte de haxixe e a sua posse , a fuga à autoridade fiscalizadora e a forma como foi posta em prática , densificam a culpa do arguido , tudo importando uma clara distanciação do limite mínimo do arco penal de 4 a 12 anos de prisão , porém a justificar que se situe abaixo da de 7 anos cominada ao arguido BB , fixando-se pela prática do descrito crime a pena de 5 anos e 6 meses de prisão

O Tribunal Colectivo  ordenou a restituição do dinheiro apreendido e fundamentou a não declaração de perda a favor do Estado sob invocação de que não era proveniente de actividade ilícita , “producta sceleris” ; essa quantia como outras , escreveu-se a fls 1244 “ , não tinha “ alguma relação com os crimes por que foram julgados e condenados “ os arguidos , incluindo o AA.

Na verdade os bens obtidos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes devem  ser declarados perdidos a favor do Estado , por força do art.º 35.º , do Dec.º _lei 15/93 , de 22/1 , independentemente da sua perigosidade pressuposta no art.º 109.º , do CP , tratando –se aquela de uma regra especial sobre perda de bens .

Mas a Relação invocando o preceituado no art.º 7.º n.º 1 , da Lei n.º 5/2002 , de 11/1 , considerando vigorar uma presunção de que essa importância era vantagem da actividade criminosa e que essa presunção não foi ilidida pelo arguido , como lhe incumbia por força do art.º9.º n.º 3 , al.a) de tal Lei , revogou , também , o decidido em 1.ª instância .

Essa presunção é uma presunção “juristantum “, não absoluta , que pode ser ilidida por prova em contrário –art.º 9.º citado de tal Lei , que se propôs estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira

A decisão de 1.ª instância ao declarar que tal importância não é produto do crime arredou o funcionamento do art.º 35 .º e de qualquer presunção , sobrepondo-se –lhe , em termos de se não poder concluir que , considerando o produto do seu salário e as necessidades em gastos com o vício da droga , essa soma não se mostra congruente com o seu nível de rendimento .

Aquela presunção cessa ante a comprovação de que não é “ producta sceleris “

O Tribunal da Relação alterou claramente a matéria de facto o que só através dos processos consentidos nos art.ºs 410.º n.º 2 , 412.º n.ºs 3 e 4 e 431 a) e b) , todos do CPP , lhe é consentido .

Sublinhe-se que o M.º P.º não desencadeou o mecanismo processual , previsto na Lei n.º 5/2002 , de 11/1 , impondo que,  de acordo com o seu art.º 8.º , aquele Magistrado,  na acusação, ou no momento ulterior enunciado no seu n.º 2 , liquide a importância a declarar perdida , o que muito claramente não fez , não podendo a Relação fundar-se nele para decidir como decidiu .

Nessa medida o segmento do acórdão da Relação não pode manter-se

Pelo exposto se revoga o acórdão da Relação ao declarar-se perdida a favor do Estado a importância de 250€ ( eram 275€ ) e se altera a medida da pena quanto ao arguido AA pelo descrito crime de tráfico de estupefacientes , fixada em 5 anos e 6 meses de prisão , que vai condenado , em cúmulo jurídico , com a de 6 meses pelo crime de resistência e coacção , na pena única de 5 ( cinco) anos e 9 ( nove) meses de prisão .

Concede-se , pois , provimento parcial ao recurso .

Sem tributação .

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Julho de 2012


Armindo Monteiro (relator)

Santos Cabral