Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7509/19.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: -CONCEDIDA A REVISTA DO AUTOR,
-NEGADA A REVISTA DA RÉ
Sumário :
I. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, qualificado como “dano biológico”, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial futuro, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.

II. Para a quantificação do “dano biológico”, na vertente de dano patrimonial futuro, são convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do CC, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita,  pois o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico”, na ponderação casuística.

III. Há hoje uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de modo a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, erigindo-se, assim,  um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua dignidade e liberdade, correspondendo ao “dano ao projecto de vida”, como núcleo do “dano existencial”, com consequências extrapatrimoniais. Esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.

IV. Por isso, os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO


1.1.- O Autor - AA, residente na freguesia ..., ... - instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré - Fidelidade – Companhia de Seguros, SA, com sede no largo ..., ....

Alegou, em resumo:

Foi vítima de acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do condutor de veículo automóvel segurado pela ré, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais para cujo ressarcimento entende adequada a quantia global de € 137.850,00.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe:

“a) A quantia de € 40 000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais/danos morais.

b) A quantia de € 17.850,00 (6 meses e meio x € 2.750,00) (dezassete mil oitocentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais/lucro cessante.

c) A quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros) - a título de dano patrimonial/redução da capacidade de trabalho e de ganho, perda de capacidade aquisitiva.

d)- Os juros de mora, sobre as quantias acima peticionadas, que se vencerem a contar da citação da Ré para os termos da presente acção.”

A Ré contestou, defendendo-se por impugnação, alegando que o Autor também contribuiu para a responsabilidade do acidente, por não circular junto à berma/passeio, e questiona a totalidade dos danos.

1.2. -O interveniente Instituto da Segurança Social IP pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 724,86, quantia acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a notificação para contestar, a título de reembolso do valor do subsídio de doença pago ao Autor por força das lesões pelo mesmo sofridas na sequência do acidente de viação.

A Ré contestou alegando que o Autor é co-responsável pela verificação do acidente, e impugnou os pagamentos feitos, concluindo pela improcedência do pedido do interveniente.

1.3.- Realizada a audiência de julgamento, foi proferida (21/3/2022) sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:

“a) Condena-se a Ré, Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A., a pagar ao A., AA, a quantia de €115.628,13 (cento e quinze mil seiscentos e vinte e oito euros e treze cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

b) Condena-se a R. a pagar ao Instituto da Segurança Social, o valor de €724,86 (setecentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos), bem como juros de mora vencidos à taxa legal desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

c) Julga-se improcedente o remanescente do pedido deduzido pelo A. AA e dele se absolve a R..

Custas da acção pelo A. AA e pela Ré na proporção do vencimento e decaimento.

Custas do pedido do Instituto da Segurança Social pela R.”

1.4.-A Ré e o Autor (subordinadamente) recorrem de apelação e a Relação do Porto, por acórdão de 27/10/2022, decidiu:

“I- alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, acrescentando o ponto 66-A- ao elenco dos factos provados, com o seguinte teor:

Em sede de IRS, o rendimento declarado pelo autor, entre os anos de 2014 a 2016, ascendeu a:

- 2014 - € 6 000,00;

- 2015 - € 4 816,70; e - 2016 - € 3 500,01;

II-alterar a alínea a) do segmento decisório da sentença recorrida, passando o mesmo a constar do seguinte modo:

a) condena-se a ré” Fidelidade – Companhia de Seguros, SA”, a pagar ao autor AA a quantia de € 77.671,83, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;

III- No mais julgar improcedentes os recursos apresentados, no remanescente mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo de autor e ré, na medida do respectivo decaimento – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.”

1.5.- A Ré recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1)Pese embora o Acórdão recorrido se mostrar fundamentado na sua motivação, a ré entende que o mesmo deveria ter julgado o recurso de apelação de ré totalmente procedente no que concerne aos valores de indemnização a arbitrar quanto aos danos patrimoniais e danos não patrimoniais e discorda a ré do facto de o Tribunal a quo, quanto à liquidação do dano patrimonial futuro, se ter alicerçado no valor da remuneração média mensal auferida em Portugal por um trabalhador com formação superior da área da saúde, ao invés de partir do rendimento mensal do autor na data do sinistro, que era de € 963,34 e que resulta da factualidade provada.

2. Como resulta do ponto 66-A da factualidade provada, aditado pelo Acórdão recorrido, o autor declarou como auferido, em sede de IRS, entre os anos de 2014 a 2016, o seguinte € 6.000,00, € 4.816,70 e € 3.500,01, respetivamente.

3. Considerando que o acidente ocorreu em 03/06/2015 e que o Autor tinha até ao acidente trabalhado 5 meses (€ 4.816,70 : 5 meses= € 963,34) pelo que estava a auferir em média € 963,34 (novecentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos) por mês aquando do acidente, que o autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho pelo período de 249 dias; o Autor teve uma perda de ganho de  € 7.270,86 (sete mil duzentos e setenta euros e oitenta e seis cêntimos) (€ 963,34 : 30 dias = € 32,11 x 249 dias e deduzido montante de € 724,86 recebido a título de baixa médica.

4. Quanto à liquidação do dano patrimonial futuro, adveniente das limitações na capacidade de auferir rendimento e na integridade físico-psíquica de que o autor ficou a padecer após a data da cura em 25 de novembro de 2016; entende a ré que o montante a arbitrar ao autor deveria ter sido de € 24.000,00.

5. A indicação do montante de € 24.000,00 pela ré não é arbitrária, antes é baseada em toda a factualidade julgada como provada, nos critérios orientadores jurisprudenciais e atualistas, no julgamento de casos semelhantes, e, sobretudo, atende ao efetivo valor auferido pelo autor anteriormente/e à data do acidente

6. Considera, principalmente, a ré que é este – isto é, o valor auferido pelo autor anteriormente e à data do acidente, que era mensalmente, em média, de € 963,34 -de que se deve partir e nortear o cálculo do dano patrimonial futuro.

7. Na medida em que esta informação resulta dos factos provados e corresponde à realidade material da situação profissional do autor enquanto médico dentista anteriormente e independentemente do acidente, e, além disso, está conforme com a teoria da diferença que traduz a medida da indemnização em dinheiro a fixar, é o valor de remuneração mensal de € 963,34 que se impõe considerar e não um mero dado estatístico, sem relação com o presente caso concreto.

8. Reforça o acima referido, relativamente à indemnização por danos patrimoniais futuros, que no caso em apreço não estamos em face de sequelas que afetem ou agravem a capacidade de ganho do autor, mas “tão-só” de sequelas que envolverão esforços acrescidos (demasiado tempo em pé, postura esta prejudicial à saúde, em geral).

9. O esforço que irá ser exigido ao autor, em virtude das sequelas, para manter o nível de rendimentos auferidos antes do acidente coaduna-se com o valor de € 24.000,00 indicado pela ré, sendo o mesmo justo, proporcional e equitativo.

10. A recorrente não olvida os danos patrimoniais que resultaram provados, mas considera a compensação de € 27.500,00 atribuída no acórdão recorrido ainda assim excessiva e bastante desvirtuada dos demais arbitrados em casos similares.

11. O intuito desta compensação é tão-só o de atenuar um mal consumado e não o de pagar ou indemnizar um dano (s), tendo ainda de ser ter em conta os danos já ressarcidos por outras vias.

12. Tanto mais por referência às quantias (menores) que a jurisprudência vem arbitrando quer para casos semelhantes quer para casos com danos patrimoniais mais graves, referindo-se abaixo as seguintes decisões para comparação:

13. Fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida e tendo em atenção a um padrão objetivo de extensão e gravidade dos danos neste caso, o grau de culpabilidade do segurado, a situação económica deste e a situação económica do autor (cfr. arts. 494 e 496 nº 3 do CC); será adequada uma compensação pelos danos não patrimoniais em quantia não superior a € 20.000,00.

O Autor contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

1.6.- O Autor recorreu de revista subordinadamente, com as seguintes conclusões:

A) - Porque o Autor era/é o único trabalhador da sociedade “C... Unipessoal, Lda”, sociedade de profissionais, sujeita ao regime de transparência fiscal (arts.6 nº1 a) e 151 CIRS), este tipo de sociedades  não são tributadas em sede de IRC, sendo os lucros apurados imputados aos sócios, em sede de IRS. No acórdão recorrido, não foram considerados os proveitos declarados pela sociedade, mas apenas os rendimentos da categoria A, englobados.

B)- O dano patrimonial mensal/anual que o Autor efectivamente sofreu e continua a sofrer, terá de ter sempre em conta um salário mensal superior ao salário médio mensal auferida em Portugal por um trabalhador com formação superior da área da saúde.

C).A idade de 70 anos, tida em conta para o cálculo da indemnização, não é aquela que vem sendo a considerada para tal efeito, mas sim no período provável de vida.

D)O  “dano biológico” (ou dano na saúde) não deve apenas ser considerado na sua vertente laboral, mas também na sua vertente pessoal, ou seja, a nível das atividades diárias e correntes, que não cessam com o termo da vida ativa ou idade da reforma do lesado, devendo, por isso, o horizonte temporal a considerar para efeitos do cálculo do dano patrimonial futuro ser o termo expectável da vida do lesado, segundo os dados oficiais.

E) Na determinação deste montante deverá partir-se das seguintes ideias-base:

1ª)- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

2ª)- No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;(…)

5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma sóvez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;

6ª)-Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (…)»

O quantum da indemnização não se destina a repor o «status quo ante»(inviável, em casos de danos que atingem a saúde e a integridade física do lesado), mas antes a consubstanciar uma compensação suscetível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida.

F) No caso concreto do Autor verifica-se que:

a)- À data do acidente, o Autor tinha 34 anos de idade;

b)- Detinha já a actividade profissional de dentista.

c)- Auferiria, não fora o acidente de uma retribuição média mensal, em Portugal de € 1.714,00.

d)-Ainda em situação de incapacidade para o trabalho foi-lhe oferecida uma remuneração mensal de € 3.600,00, na ...,

e)- Passando aí a auferir de um vencimento mensal de € 3.600,00, logo no ano de 2017, e de € 5.131,30, no ano de 2018,

f)- Sendo, de todo expectável, evoluções salariais futuras.

g)- Apresentando um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica quantificado em 6 pontos.

h)- Necessita de um esforço suplementar para o exercício da sua atividade profissional habitual, para mais exigindo a sua a profissão estar de pé, potenciando o esforço para estar em pé como sequela do acidente.

i)- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos.

j)- Resulta dos exames médicos que “ na situação em apreço, é de perspectivaraexistênciadeDanoFuturo(considerandoexclusivamentecomo tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico).”

j)- A sua esperança média de vida geral à data do acidente era de 83,5 anos de idade.

G.O argumento de que o recebimento da indemnização de uma só vez, relativamente a danos futuros, já não colhe aplausos na mais recente jurisprudência,

H. de cega aplicação, sempre diremos que:

1.- Utilizando aquele valor mensal de € 1.714,00, teríamos que:

- Em cada ano o Autor auferiria de um valor total de € 1.714,00 x 14 = € 23.996,00 x 6% = € 1.439,76.

2.- Fazendo incidir o défice de 6% sobre tal valor, teríamos:

a)- € 1.439,76 x 36 anos ( até aos 70 anos ) = € 51.831,36.

b)- € 1.439,76 x 49 anos ( até aos 83 esperança média de vida para os homens) = € 70.548,24.

3.- Fazer incidir 6% sobre o salário que o Autor já recebia em 2017, ou sejam, € 3.600,00 - e tratando-se de danos futuros, o valor resultante já nem considera o seu vencimento em 2018, que foi de € 5.131,30 – teríamos o seguinte valor indemnizatório:

3.600,00 e x 14 = 50.400,00 € 50.400,00 € x 6% = 3.024,00 €

3.024,00 € x 36 anos (até aos 70 anos) = € 108.864,00

3.024,00 € x 49 anos ( até aos 83 esperança média de vida para os homens) = € 148.176,00.

4.- Aditando a esta realidade, a realidade do facto dado por provado: “ na situação em apreço, é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico)”,

Assim, quando o ora Recorrente peticionou a quantia de € 80.000,00, para ser ressarcido dos verdadeiros danos patrimoniais futuros que vai continuar a sofrer, pediu bem menos do que aquilo que vai ser o seu verdadeiro prejuízo.

I.  Em relação aos danos não patrimoniais, o acórdão recorrido não apreciou, no caso dos autos, os componentes mais importantes do dano não patrimonial, do dano estético”, o “prejuízo de afirmação pessoal”, o “prejuízo da “saúde geral e da longevidade ", “pretium juventutis” e o “pretium doloris”.

L.A matéria de facto contida no Ponto I do “Dispositivo” do Acórdão Recorrido, deve ser retirada da matéria de facto dada por provada.

M. O Acórdão Recorrido violou o disposto nos artºs 483º, 493º, 494º,562º, 563º, 564º, 566º, do Cód. Civil, artº 607º do C.P.C., artº 6º do Código do IRC e artº 151º do Código do I.R.S.

A Ré contra-alegou, preconizando a improcedência do recurso subordinado.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- Delimitação do objecto do recurso

As questões submetidas a revista, delimitadas pelas respectivas conclusões, são as seguintes:

A impugnação dos factos provados aditados pela Relação ( ponto 66-A);

A quantificação dos danos patrimoniais - a perda de rendimentos desde o acidente até à data da consolidação das lesões;

A quantificação do dano biológico – como dano patrimonial futuro;

A quantificação dos danos não patrimoniais.

2.2.- Os factos provados

1- No dia 3 de Junho de 2015, pelas 18,10 horas, na Rua C..., da cidade ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos e pessoas, a seguir identificadas:

- Ligeiro de passageiros, de matrícula ..-NJ-.. propriedade da empresa M..., Ldª, com sede na Rua ..., ... ..., do concelho ..., conduzido, no seu interesse, sob as suas ordens, direcção, interesse e seguinte um percurso pré-determinado por esta, pelo empregado ao seu serviço, Sr. BB.

- Velocípede sem motor/bicicleta, propriedade do Autor, por este conduzido.

2- O Autor circulava no sentido poente-nascente, pelo lado direito da hemi-faixa de rodagem direita da referida Rua C....

3- Esta Rua C..., atento o sentido de marcha do Autor entronca na Rua L..., rua de onde provinha o ligeiro de passageiros, da qual saiu, para entrar na dita Rua C..., virando à direita, atento o seu sentido de marcha.

4- Do lado direito desta Rua C..., atento o sentido de marcha do ligeiro de passageiros (nascente-poente), havia alguns veículos estacionados, num espaço próprio, ou seja, para além do espaço destinado à condução automóvel.

5- Havendo, no entanto, um outro veículo automóvel, igualmente estacionado no lado direito da via, atento o sentido de marcha do ligeiro de passageiros, veículo esse que, ao contrário, dos veículos acima referidos, ocupava parcialmente a hemi-faixa de rodagem direita da Rua C..., atento o sentido de marcha do ligeiro de passageiros.

6- O condutor do ligeiro de passageiros, ao entrar na Rua C..., imprimia ao veículo uma velocidade não apurada, sendo que no local a velocidade está limitada a um máximo de 50 Kms/hora.

7- Quando ultrapassava este veículo assim ali estacionado, o condutor do veículo ligeiro de passageiros não conseguiu manter o mesmo dentro da hemi-faixa de rodagem direita da via, por onde circulava.

8- Ultrapassou a linha divisória da dita Rua, penetrou na hemi-faixa de rodagem contrária àquela por onde circulava o Autor na sua “mão-de-trânsito”, indo embater, violentamente, contra este e contra a bicicleta por ele conduzida,

9- Arrastando o Autor e o velocípede para a hemi-faixa de rodagem direita da via, atento o seu referido sentido de marca, onde ficaram caídos.

10-Após assim os deixar caídos, próximos do eixo da via, o condutor

do ligeiro de passageiros, aquando da chegada do agente policial, tinha o veículo NJ estacionado no espaço referido em 5.

11-O acidente ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita da via, atento o sentido de marcha do Autor, o qual nada podia fazer para evitar o acidente.

12-Na sua violenta queda ao chão, o velocípede, o capacete de protecção que o Autor utilizava e ainda um telefone móvel, ficaram totalmente destruídos.

13-A Ré só teve conhecimento da dinâmica do acidente pela participação da Polícia de Segurança Pública e pelas averiguações do perito nomeado, uma vez que o condutor ou a proprietária do veículo abalroador só comunicaram danos próprios a tal companhia.

14- Prostrado no solo, após o acidente, e com dores, foi o Autor ali recolhido cerca de 20 minutos após o acidente e transportado para o Hospital ....

15-Ali chegado, foram prestados os seguintes socorros: - Às escoriações no nariz, no sobrolho e na zona do queixo. - Aos ferimentos no cotovelo direito, que apresentava uma ferida cortocontusa que teve de ser suturada com quatro pontos. - Toma de paracetamol, medicamento de baixa eficácia, o que originou que esta tenha suportado dores originadas pelo acidente. - Tentativa de estabilização, desinfeção e proteção da fratura cominutiva exposta de Grau 1 do joelho direito, com produto anti-séptico (Betadine) e envolvimento da ferida com gaze, para permitir o transporte para outra unidade hospitalar.

16-Por volta das 22 horas desse dia do acidente, o Autor foi transferido para o Hospital ..., uma vez que não pretendia lhe fosse extraída a rótula do joelho direito.

17-O que lhe aconteceria se fosse operado no Hospital ..., conforme lhe foi comunicado pelo serviço de ortopedia.

18-Neste Hospital ..., no dia seguinte – 04.06.2015 -sido submetido a uma intervenção cirúrgica, que consistiu em osteossíntese da fratura cominutiva da rótula direita, com parafusos e cerclege; Intervenção cirúrgica precedida de uma anestesia; Que perdurou por cerca de quatro horas; Tendo a dita intervenção cirúrgica durado cerca de duas horas.

19-Após acordar de tal intervenção cirúrgica, o Autor esteve internado, durante 4 dias, no dito Hospital ...,

20-Tempo durante o qual passou por dores intensas a nível do local da intervenção cirúrgica.

21-Com tomas de medicação para as dores (paracetamol), de 12 em 12 horas, incapaz de promover um alívio eficaz.

22- Regressado a casa, o Autor, sempre em repouso absoluto e durante 5 semanas, esteve com uma tala de imobilização na perna.

23- Tendo estado de baixa pela Segurança Social, a partir de 07.06.2015.

24-Em 28 de Julho de 2015 foram-lhe receitadas pelo Dr. CC, 20 sessões de fisioterapia, as quais englobavam crioterapia, estimulação eléctrica pontos motores, fortalecimento muscular, ultra-som, massagem manual e técnicas especiais cinesioterapia.

25-As quais visavam a recuperação da mobilidade da perna operada, a qual, após a operação e um mês de tala, ficou reduzida.

26-O Autor efectuou, então, as 20 sessões de fisioterapia, que tiveram lugar na F..., Ldª, com sede em ... – ..., conforme de factura nº ...21, de 11 de Agosto de 2015.

27-Impossibilitado de conduzir, face à perda verificada na perna operada, era o pai do Autor - DD, que já estava reformado, que o conduzia às sessões de fisioterapia, aguardando cerca de duas horas que estas terminassem.

28-O qual também o conduziu o Autor ao ... sempre que este teve que se deslocar a essa cidade para fazer os exames na universidade em que estava matriculado.

29-Em 8 de Setembro de 2015, pelo mesmo médico, foram receitadas mais 20 sessões de Fisioterapia, com a aplicação dos mesmos tratamentos - Doc. 6 -, que se junta e dá por reproduzido,

30-As quais foram dolorosas já que, para além da dor do período pós-cirúrgico, se verificou perda de massa muscular e amplitude de movimento da perna,

31-Que foram recuperados através de exercícios de mobilização passiva e ativa e que provocavam dor.

32-No dia 30 Setembro de 2016, o Autor foi submetido a 2ª intervenção cirúrgica na Casa de Saúde ..., na Avenida ..., ..., em ..., agora para remoção do material de osteossíntese e shaving da rótula, aquilo que vulgarmente se designa por tirar os ferros,

33-A qual visou a ligação dos diversos pedaços em que a rótula foi partida e que demorou cerca de duas horas, determinando que se mantivesse hospitalizado até ao dia 2 de Outubro de 2016.

34-Tempo durante o qual o Autor continuou a sofrer com dores e com a impossibilidade de caminhar, tendo tido alta no dia 2 de Outubro de 2016.

35-Regressado a casa o Autor permaneceu em repouso, com incapacidade temporária parcial de 53 dias e repercussão temporária na atividade profissional de 21 dias.

36-Tomando medicação durante oito dias.

37-Ao mesmo tempo que foi fazendo fisioterapia, na C..., Ldª, na localidade de ..., onde efectuou mais 20 sessões.

38-Que duravam cerca de 2 horas, cada uma, e que mais uma vez foram dolorosas, já que, para além da dor do período pós-cirúrgico, houve perda de massa muscular e amplitude de movimento da perna que foi operada,

39-A qual só foi parcialmente recuperada, após inúmeros exercícios de mobilização passiva e activa, exercícios que são dolorosos.

40-No dia 26 de Janeiro de 2017, ao Autor foi efectuada uma infiltração, sem medicação no joelho direito, com toma de medicação.

41-A Ré, no reconhecimento parcial da culpa do condutor do veículo seu segurado, na produção do acidente, assumiu/pagou todas as despesas originadas pelo acidente com Autor.

42-Designadamente com o custo das operações, fisioterapia, consultas médicas, substituição do material destruído no acidente.

43- O Autor nasceu em .../.../1982.

44- Gozava, desde que nasceu, de boa saúde, estando inscrito como ciclista individual na Federação Portuguesa de Ciclismo, participando nas inúmeras provas oficiais de BTT realizadas.

45-Sendo esse o seu passatempo preferido, de que muito gostava e lhe dava prazer, e dele agora privado.

46-A que acrescia o facto de tal desporto lhe permitir aliviar o stress e cansaço provocado pela sua própria profissão de médico dentista, causadora de determinadas posições, ditas de viciosas e prejudiciais à saúde geral.

47-Após a conclusão do seu curso superior na Faculdade de Medicina da Universidade ..., em 13 de Julho de 2007, o Autor passou a desenvolver a actividade de médico dentista através da “Sociedade Clínica Dentária ... Unipessoal, Ldª”, contribuinte nº ..., com sede no concelho ....

48-Atento o elevado número de médicos dentistas, o mercado de trabalho passou a ser mais escasso, motivo pelo qual o Autor, no ano de 2011, se matriculou no Curso de Mestrado Integrado em Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas ..., no ....

49-Face às anteriores habilitações na área da medicina, foi dada ao Autor a equivalência ao 3º Ano do Curso de Medicina Geral, vindo a concluir o Curso em Setembro de 2016.

50-Tendo em conta a sua inscrição no Curso de Medicina Geral, o Autor teve de reduzir a sua actividade como médico dentista, por forma a poder frequentar as aulas, já que aquele curso não admite a sua não frequência.

51-O acidente em apreço ocorreu quando o Autor se estava a preparar para os exames do ano lectivo de 2014/2015, que decorreram nos meses de Junho e Julho de 2015.

52- Chegados os exames, que decorreram no ..., porque não podia conduzir, o Autor era conduzido para os mesmos pelo seu pai, atrás indicado, o qual aguardava a conclusão dos mesmos de forma a regressarem em ....

53-Os exames práticos, feitos com doentes em contexto hospitalar, foram feitos pelo Autor ainda com a tala de imobilização instalada no na perna direita e deslocando-se de muletas.

54-No momento do acidente e nos momentos após o Autor pensou que ia morrer, passando por momentos de desorientação e pânico.

55-E posteriormente, face ao contacto com o serviço de ortopedia do Hospital ..., que ficaria sem a rótula.

56-No acidente, o Autor sofreu os ferimentos/lesões, a seguir identificados:

- Fractura cominutiva da rótula direita, exposta de grau I.

- Escoriações no nariz, no sobrolho e na zona do queixo.

- Ferimentos no cotovelo direito, com ferida corto-contusa.

- Escoriações no joelho esquerdo, no ombro do ombro direito

- Corte no cotovelo direito.

57-Após o acidente, o Autor, durante cerca de dois meses, não conseguia descansar como devia, uma vez que:

- Tinha dores muito fortes, mormente quando tinha necessidade de se mexer

– Dado que o acidente ocorreu no início da época de Verão, o calor que se fazia sentir era agravado sobremaneira pelo facto de ser obrigado a usar uma tala de imobilização que lhe cobria a totalidade da perna e coxa direitas;

- Acordava de noite, frequentes vezes, não conseguindo conciliar o sono, porquanto vivenciava o acidente de que fora vítima.

58- Fruto do acidente e das suas consequências, a capacidade de atenção e concentração do Autor, a que acresciam as dores, as dolorosas sessões de fisioterapia e o permanente incómodo, ficaram parcialmente reduzidas,

59-O que motivou não conseguisse o Autor apresentar-se a exame numa das disciplinas para as quais se preparava, antes da ocorrência do acidente,

60-Deixando/atrasando o exame a tal disciplina de biofísica, para o mês de Janeiro de 2016, facto que impossibilitou o Autor de poder iniciar o chamado “Período de Mobilidade”, no previsto mês de Setembro de 2015,

61-Apenas o iniciando, após a conclusão da referida disciplina de Biofísica, o que só veio a ocorrer em Janeiro de 2016.

62-Não obstante os tratamentos e assistência prestados, por todos os serviços clínicos por si frequentados, pagos na totalidade pela Ré, jamais o Autor conseguiu reverter a sua situação clínica àquele tempo em que praticava o referido desporto de ciclista e muito prazer e saúde lhe dava.

63-Em exame médico realizado ao Autor no dia 8 de Dezembro de 2015, no Hospital ..., o Médico radiologista refere: - Observa-se uma alteração estrutural da rótula direita, em relação com os antecedentes traumáticos. - Visualiza-se material de osteossíntese consistindo em parafusos e um fio metálico, que apresenta uma solução de continuidade. - Nota-se uma ligeira irregularidade do contorno da vertente superior da rótula em relação com fenómenos de entesopatia na inserção rotuliana do tendão do quadrícipe. - Define-se com alguma dificuldade as facetas articulares, embora o espaço articular esteja conservado e, na avaliação nas incidências axiais se nota uma boa congruência da rótula direita, bem como na esquerda, em relação às trócleas. -Os côndilos femoriais têm normal configuração e textura. - As superfícies articulares dos compartimentos femoro-tibiais são regulares e está preservada a amplitude dos espaços articulares.

64-Submetido a exames médicos, pelo médico que o operou, assim como por médicos da Ré Seguradora e ainda pelo Ortopedista, Dr. EE, foram emitidos os Relatórios Médicos a seguir transcritos (em word). FF - Médico - ORTOPEDIA -TRAUMATOLOGIA – ARTROSCOPIA Consultório: Av. ..., ... B-C-D - ... .... ...08 PERÍCIA DE AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL EM DIREITO CIVIL GG, consultor da Carreiro Médica Hospitalar de Ortopedia, Competência pela O.M. em Avaliação do Dano Corporal, pronuncia-se, após observação efectuada a AA, de 33 anos de idade, médico dentista/estudante de medicina, sobre o dano resultante de acidente de viação, no âmbito da metodologia própria da Medicina Legal de Reparação Civil do Dano

INFORMAÇÃO

A. HISTÓRIA DO EVENTO - Refere ter sido vítima de ocidente de viação em 03.Junho.2015 - colisão de automóvel com bicicleta onde seguia o sinistrado de que resultou traumatismo do joelho direito. Foi assistido na Urgência do Hospital ... - ... - após observação clínico e radiológica foi diagnosticado fractura cominutiva da rótula direita, tendo de seguida sido transferido para o Hospital ... onde foi submetido a cirurgia em 04.06,15 -osteossíntese da rótula. Teve alta do Hospital ... em 05.06.15, imobilizado com tala de Depuy, passando a ser seguido cm regime de Consulta Externa. Andou imobilizado com tala de Depuy durante 40 dias até consolidação da fractura, tendo depois cumprido programa de fisioterapia prescrito. Foi observado nos Serviços Clínicos da Companhia Seguradora em 14.12.15, tendo tido alta, ficando a aguardar Consulta de Avaliação Dano Corporal Compareceu na minha consulta cm 21.12.15 para observação clínica e elaboração de relatório de avaliação dano corporal.

B. DADOS DOCUMENTAIS - Nota de Alta do Hospital ... - ... de 05.06.15 - doc.l, donde se extrai que foi admitido a 03.06.15 por fractura cominutiva da rótula direita, exposta grau I, tendo sido submetido a osteossíntese da fractura com parafusos e cerciage em 04.06.15, vindo a ter alta a 05.06.15 imobilizado com tala de Depuy e consulta externa agendada para 2 semanas.

- Boletim ADAC-Informação de 14.12.15 - doc.2 -donde se extrai que aguarda contacto da seguradora para avaliação dano corporal. - Relatório Médico - Serviço Ortopedia - Centro Hospitalar ... de 31.10.15 - doc. 5, donde se extrai que foi admitido em 03.06.15, após atropelamento por veículo ligeiro enquanto circulava de bicicleta, do qual resultou fractura cominutiva da rótula direita, exposta grau I, tendo sido submetido a osteossíntese cm 04.06.16. Teve boa evolução com recuperação do arco de mobilidade e consolidação da fractura.

C. ANTECEDENTES 1. Pessoais: sem interesse para a presente avaliação. 2. Familiares: sem importância para a presente avaliação.

ESTADO ACTUAL

A. QUEIXAS - dores no joelho direito - dores a subir e descer escadas - dores quando tem joelho muito tempo flectido e quendo esta muito tempo em pé - dificuldade emandar de bicicleta - desde o acidente que não consegue andar de bicicleta, por dor

B. EXAME OBJECTIVO 1. Estado Geral O examinado apresenta-se colaborante, consciente, orientado no tempo e no espaço. O examinado é dextro e tem marcha sem claudicação. 2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento O examinado apresenta as seguintes lesões e / ou sequelas: - cicatriz cirúrgica na linha média da face anterior do joelho direito de 13 cm - aumento do diômetro da rótula direita (dta- 8 cm; esq - 6 cm) - atrofia da coxa de 2 cm - 51/53 - dor à palpação da rotula - Zoeller positivo; plaina positivo -flexão/extensão do joelho completa, mas do no extremo arco de movimento da flexão. 3. Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento - Sem interesse para a presente avaliação;

C. EXAMES COMPLEMENTARES Rx joelho direito de 06.07.15 - doc.3: mostra fractura cominutiva da rotula em consolidação, pós-osteossíntese com parafusos e cerciage. Na superfície articular da faceta interna da rótula observa-se irregularidade da superfície articular.

Rx joelho direito de 08.12.15 - doc 4: fractura da rotula direita consolidada, com ainda presença de material de osteossíntese - parafusos e cerciage (cerciage partida); irregularidade na superfície articular da rotula direita e na cortical superior; boa congruência articular.

DISCUSSÃO

1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológico e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumático, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui o pré-existência do dano corporal.

2. A data da consolidação médico-legal é fixável em 14.12.15, data da alta definitiva pelos Serviços Clínicos da Fidelidade.

3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - Défice Funcional Temporário (corresponde ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, excluindo-se aqui a sua repercussão na actividade profissional). Considerou-se o:

- Défice Funcional Temporário Total {anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e corresponde aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), é fixável num período de 2 dias, correspondente ao internamento no H Santo António (03.06.15 a 05.06.15). -Défice Funcional Temporário Parcial {anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial e correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitação), fixável num período de 192 dias.

Repercussão Temporária na Activídade Profissional {correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual).

Considerou-se a:

-Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), fixável num período de 72 dias (03.06.15 a 14.08.15).

- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial {anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Parcial), correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas actividades, ainda que com limitações), é fixável num período de 122 dias a 25%

- Quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões)), fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo.

4. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes:

- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (refere-se à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais, corresponde ao dano que vinha sendo tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral - nomeadamente no Anexo II do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, e referido na Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, como dano biológico). Este dano é avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida) e a experiência médico-legal relativamente a estes casos, tendo como indicativo a referência à Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec-Lei 352/07, de 23/10). Assim, consideraram-se os danos permanentes constantes da tabela seguinte:

- síndrome patelo-femoral joelho direito pós fractura exposta cominutiva da rotula enquadrável em Mc0632 (1 a 8 pontos). Assim, com base na avaliação retirada da Tabela e considerando o facto de as sequelas (não afetando o(a) examinado(a) em termos de autonomia e independência), são causa de sofrimento físico, limitando-o(a) em termos funcionais, propõe-se um Défice Funcionai Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos. Na situação em o preço, é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como ta! o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico).

-Repercussão Permanente na Actividade Profissional (corresponde ao rebate das sequelas no exercício da atividade habitual da vítima - atividade à data do evento, isto é, na sua vida laboral, para utilizar a expressão usada na Portaria n° 377/2008, de 26 de Maio, tratando-se do parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate profissional). Neste caso, as sequelas descritas que deram origem à incapacidade permanente geral proposta, são compatíveis com o exercício da actividade profissional do sinistrado - médico.

- O Dano Estético Permanente (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem da vítima, quer em relação a si próprio, quer perante os outros), é fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

-Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer (corresponde à impossibilidade estrita e específica para vítima de se dedicar a certas actividades lúdicas, de lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, não estando aqui em causa intenções ou projectos futuros, mas sim actividades comprovadamente exercidas previamente ao evento traumático em causa e cuja prática e vivenda assumia uma dimensão e dignidade susceptível de merecer a tutela do Direito, dentro do principio da reparação integral dos danos; trata-se do dano anteriormente designado por Prejuízo de Afirmação Pessoal). É fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravida decrescente tendo em conta os aspetos referidos no capítulo "Queixas - Vida afetiva, social e familiar".

- Ajudas técnicas - necessita de em tempo oportuno de fazer extração de material de osteossíntese.

CONCLUSÕES

1. boto da cura/consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14.12.15;

2. Período de Défice Funcional Temporário Total fixável em 2 dias;

3. Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 192 dias;

4.Período de Repercussão da Actividade Profissional Total fixável em 72 dias;

5.Período de Repercussão da Actividade profissional Parcial de 25% fixável em 122 dias;

6. Quantum Doloris fixável no grau 4/7;

7. AA é portador de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico - Psíquica de 6 pontos a partir da data de consolidação, admitindo-se a existência de Dano Futuro;

8. As sequelas acima descritas exigem esforços acrescidos na atividade profissional do sinistrado;

9. Dano estético fixável no grau 3/7;

10. Repercussão Permanente nos Actividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 4/7;

11. Ajudas técnicas - necessita de fazer extração material de osteossíntese.

Nos termos deste exame médico, no que toca a sequelas temos que:

a) - O Autor ficou a padecer - refere também o dito Relatório Médico de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos.

b)Existe um dano futuro, considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico do Autor.

c) - Um Dano Estético Permanente (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros), sofrido pelo Autor é fixável num grau 3, numa escala de 7 graus de escala crescente.

d) - Um Quantum Doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

Acrescendo a estas sequelas:

a) - Uma cicatriz cirúrgica na linha média da face anterior do joelho direito de 13 cm.

b) - Um aumento do diâmetro da rótula direita (dta- 8 cm; esq – 6 cm).

c)- Uma atrofia da coxa de 2 cm – 51/53.

d) - Dor à palpação da rotula – Zoeller positivo; plaina positivo.

e) - Flexão/extensão do joelho completa, mas dor no extremo arco de movimento da flexão.

f) - Exigência de esforços acrescidos na atividade profissional do Autor.

As identificadas sequelas repercutem-se, necessariamente e de forma negativa, na atividade profissional do Autor, já que tem de permanecer muitas horas de pé.

65- O Autor, já como médico dentista, criara já no ano de 2008 a “Sociedade Clínica Dentária ... Unipessoal, Ldª”, através da qual passou a exercer a atividade de médico dentista e da qual era o único trabalhador, a qual, desde o ano de 2008, apresentou os seguintes resultados/receitas:

2008 - Desde 16/10 a 31/12/2010 - € 4 830,00; 2009 – € 41 161,90;

2010 – € 35 975,59; 2011 – € 32 522,59; conforme se pode verificar do quadro 11 das declarações modelo 22 dos citados anos.

66- Nesse ano de 2011, ano em que ingressou no dito Curso de Medicina - Instituto ..., na cidade ..., o Autor passou então a dedicar menos tempo à sua Clínica, Razão pela qual as receitas da sua Clínica baixaram, nos anos de: 2012 - Para € 22 924,75; 2013 - Para - € 10 593,47; 2014 - Para - € 10 870,40; 2015 - Para € 10 926,31;conforme se pode constatar do quadro 11 das declarações modelo 22 dos citados anos.

66-A - Em sede de IRS, o rendimento declarado pelo autor, entre os anos de 2014 a 2016, ascendeu a:

- 2014 - € 6 000,00;

- 2015 - € 4816,70;

 - 2016 - € 3 500,01.

67-Caído em situação de doença, por força do acidente, ocorrido no dia 03 de Junho de 2015, Autor, porque só teve cerca de 6 meses e meio após o acidente, perdeu todo um rendimento.

68-Ainda na situação de doente, o Autor foi contactado pela empresa Centro de Cuidado ..., com sede em ..., na ..., sentido de saber se estava interessado em ingressar nos seus quadros técnicos, com a profissão de dentista, propondo-lhe um salário mensal de € 3 600,00.

69- O Autor, porque não podia ocultar tal situação de impossibilidade de, nesse momento, aceitar tal convite, respondeu à dita empresa, dizendo que agradecia e aceitava o convite, mas só podia ingressar nos seus serviços mal estivesse curado.

70- Veio, então, o Autor a ser admitido ao serviço dessa empresa, no mês de Julho de 2017, onde passou a auferir de um vencimento mensal de € 3 600,00 (três mil e seiscentos euros).

71- Para onde foi ganhar, no ano de 2017, no ano seguinte à assinatura do contrato, um rendimento mensal de € 3 600,00.

72- Auferindo, a partir de Julho de 2018, de um rendimento bruto mensal de € 5 131,30.

73- Resulta das conclusões do Relatório do INML:

- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/11/2016;

- Período de Défice Funcional Temporário Total por um período de 6 dias;

- Período de Défice Funcional Temporário Parcial por um período de 536 dias;

- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total por um período total de 249 dias;

- Período de Repercussão Temporária na actividade profissional parcial por um período de 293 dias;

- Quantum doloris fixável no grau 4/7

- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 6 pontos;

- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, tendo uma repercussão permanente na actividade profissional;

- Dano estético Permanente fixável no grau 3/7;

- Repercussão Permanente na Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4/7.

74- O Autor é beneficiário da Segurança Social Portuguesa, inscrito com o nº ....

75-Em consequência das lesões sofridas, o Instituto de Segurança Social pagou ao Autor o montante de €724,86 (setecentos e vinte e quatro euros e oitenta e seis cêntimos) a título de Subsídio de Doença, no período compreendido entre 04.06.2015 a 14.08.2015, o que aliás se demonstra na certidão adiante junta sob a designação de doc. nº 1, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais.

76-À data do acidente em apreço nos autos, 3/06/2015, a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, relativa ao veículo automóvel marca RENAULT modelo ... com a matrícula ..-NJ-.. estava transferida para a aqui Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice ...85 conforme apólice que ao diante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida, nomeadamente com as coberturas e com os limites dos capitais seguros aí expressos.

77-A Rua ... tem 7,40 metros de largura.

78-A faixa de rodagem tem duas via de trânsito uma para cada sentido de marcha, separadas por uma linha longitudinal descontinua.

79-Na altura do acidente o A. não tinha qualquer obstáculo que o impedisse de circular junto à berma/passeio.

2.3.- Os factos não provados

a) O velocípede do A. circulasse junto à berma da sua hemi-faixa de rodagem;

b) O veículo automóvel ..-NJ-.. circulasse a uma velocidade superior a 70 Kms/hora;

c) No Hospital ..., na cidade ..., o Autor passou a noite numa maca, em pleno corredor do serviço de urgência de ortopedia, uma vez que não havia camas disponíveis;

d) Na sequência do referido em 67- dos factos provados, o rendimento do A. nunca seria inferior aos cerca de € 33 000,00 anuais, valor médio que auferira nos anos de 2010 e 2011, ou seja, um rendimento mensal de € 2 750,00;

e) O velocípede conduzido pelo Autor circulava sobre o eixo da via e foi embater na frente do lado direito do veículo seguro na Ré;

f) O condutor do NJ, nas circunstâncias supra expostas, não podia evitar a colisão frontal com o velocípede;

g) O Autor, em consequência das lesões e sequelas do acidente, pode exercer a sua atividade profissional sem qualquer limitação;

h) As lesões e sequelas do Autor decorrentes do acidente estão estabilizadas/consolidadas e não determinam uma perda da capacidade de ganho do Autor.

2.4. – A impugnação de facto (aditamento pela Relação do facto provado enunciado no ponto 66-A)

A Relação alterou a matéria de facto aditando o ponto 66-A ao elenco dos factos provados, com o seguinte teor - “Em sede de IRS, o rendimento declarado pelo autor, entre os anos de 2014 a 2016, ascendeu a:- 2014 - € 6 000,00;- 2015 - € 4816,70;  - 2016 - € 3 500,01”.

O Autor pretende na revista que se dê sem efeito este facto, alegando que estando a sociedade “C... Unipessoal, Lda”, sociedade de profissionais, sujeita ao regime de transparência fiscal ( arts.6 nº1 a) e 151 CIRS), este tipo de sociedades  não são tributadas em sede de IRC, sendo os lucros apurados imputados aos sócios, em sede de IRS, pelo que não foram considerados os proveitos declarados pela sociedade, mas apenas os rendimentos da categoria A, englobados.

Tem sido reiteradamente afirmado ( cf., por todos, Ac STJ de 17/1/2023 ( proc nº 286/09), em www dgsi )que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art.46 da Lei nº62/2013 de 26/8 (“Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito” ).

Na verdade, o art.662 nº4 do CPC é imperativo ( “ Das decisões da Relação previstas nos nº1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” ), bem como o disposto no art.674 nº3 ( primeira parte) CPC ( “ O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista” ) e ainda o art.682 nº2  CPC (“ A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº3 do artigo 674” ).

Não se verificando as situações previstas no art.674 nº3 ( 2ª parte) e 682 nº3 CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a matéria de facto.

2.5.- A quantificação dos danos patrimoniais - a perda de rendimentos desde o acidente até à data da consolidação das lesões.

Está em causa a quantificação do dano patrimonial do Autor pela perda de rendimento que teve por força da incapacidade de que ficou afectado entre a data do acidente (03 de Junho de 2015) e o momento da cura/consolidação das lesões (25 de Novembro de 2016).

O Autor reclamou a quantia de €17.850,00 a título de danos patrimoniais, correspondente à perda total de rendimento no período de seis meses e meio ( “Caído em situação de doença, por força do acidente, ocorrido no dia 03 de Junho de 2015, Autor, porque só teve cerca de 6 meses e meio após o anuais, valor médio que auferira nos anos de 2010 e 2011, ou seja, um rendimento mensal de € 2.750,00, Razão pela qual reclama da Ré o pagamento da quantia de € 17.850,00 (6 meses e meio x € 2.750,00”).

A sentença atribuiu o montante de €17.412,80, tomando por referência o valor do € 10.926,31 reportado ao ano de 2015 ( “Considerando que o acidente ocorreu em 3 de Junho de 2015, significa que o  A. estava a auferir uma média de €2.185,26 mensais (€10.926,31 : 5 meses)  aquando do acidente. Tendo o A. estado totalmente incapacitado para o trabalho pelo período de 249 dias, significa que o A. teve uma perda de ganho de €18.137,66 (€2.185,26 : 30 dias = €72,842 x 249 dias”). No entanto, o A. recebeu a título de baixa médica a quantia de €724.86, valor que será de deduzir ao montante acima referido, pelo que lhe assistirá uma indemnização, a título de danos emergentes, no montante de €17.412,80.”)

A Relação quantificou o dano em € 15 171,83, mas a Ré, em recurso de revista, reclama € 7.270,86, tomando por referência o rendimento global declarado fiscalmente pelo Autor em 2015, no montante de € 4.816,70 e o período de incapacidade total para o trabalho de 249 dias.

Verifica-se, desde logo,  que a Ré desconsiderou o período de incapacidade parcial de 293 dias, em que houve perda de rendimento.

Segundo a factualidade apurada, o Autor ficou totalmente afectado na sua capacidade para o trabalho durante 249 dias ( de 3/6/2015 a 14/12/2015 e de 3/6/2016 a 25/11/2016 ) e com limitação parcial durante 293 dias ( 15/12/2015 a 2/10/2016 )

A Relação justificou de forma pertinente e adequada, sem deixar de lançar mão da equidade, conforme consta da fundamentação:

“Não sendo conhecida a extensão da limitação de que o autor se viu afectado entre Dezembro de 2015 e Outubro de 2016, não parece possível, agora ou em decisão ulterior, mais do que uma aproximação ao valor da indemnização adequada (nº 3 do artigo 566º do Código Civil) quanto aos rendimento que o autor deixou de obter até ao momento da sua cura clínica.

Tendo presente que o autor, nos primeiros 5 meses de 2015, auferiu € 4 816,70, parece razoável ponderar que, até ao final desse ano iria retirar pelo menos [(4.816,70:5):30 (x227) =] € 7 290,00 fruto da sua actividade profissional.

Em todo o ano de 2016 o autor apenas auferiu € 3 500,01, quando é certo que, no ano anterior, é razoável considerar que seria de [4 816,70 + 7 290 =] € 12 106,70 o valor que auferiria não fora o sinistro.

Logo, mantendo o autor limitações na sua capacidade trabalho entre 01 de Janeiro e 25 de Novembro de 2016, considera-se que não atingiu o rendimento do ano anterior devido às lesões que o sinistro lhe causou, tendo direito a haver da ré, como compensação relativa ao ano de 2016, o valor de [12 106,70 – 3 500,01 =] 8 606,69 [no que se inclui a compensação pela repercussão total na capacidade de desenvolver a actividade profissional durante 22 dias, bem como pela repercussão parcial nessa capacidade].

Ou seja, num total de [7 290 + 8 606,69 =] € 15 896,69.

A esta quantia deve ser deduzido o valor que o autor recebeu a título de subsídio de doença, quedando em dívida [15 896,69 – 724,86 =] € 15 171,83.

O valor fixado pela decisão recorrida a este título deve ser reduzido nesta medida, procedendo parcialmente o recurso interposto pela ré.”

Aderindo-se à justificação, mantém-se a quantificação do dano no valor de € 15 171,83.

2.6.- O dano biológico – enquanto dano patrimonial futuro

O Autor pediu a quantia de € 80.000,00. A sentença fixou o montante de €58.215,33 e acórdão recorrido em € 35.000,00

O Autor reclama na revista o valor de € 80.000,00 (montante pedido) e a Ré € 24.000,00.

Está comprovado que, em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, e as sequelas são em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, tendo uma repercussão permanente na actividade profissional de médico-dentista.

Esta afectação do Autor no plano funcional, no que vem sendo qualificado como “dano biológico”, com repercussão negativa a nível da sua actividade geral e na profissão habitual, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial, conforme jurisprudência prevalecente.

O dano biológico que emerge da incapacidade geral permanente, de natureza patrimonial, reclama a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir no respectivo rendimento salarial, consubstancia um “dano de esforço,” na medida em que o lesado para desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de uma maior actividade e esforço suplementar. (Neste sentido, no plano jurisprudencial, por exemplo, Ac STJ de 16/6/2016 ( proc. nº 1364/06), Ac STJ de 5/12/2017 ( proc. nº 505/15), Ac STJ de 22/2/2022 ( proc nº 1082/19), Ac STJ de 21/4/2022 ( proc. nº 96/18), disponíveis em www dgsi.pt ).


Muito embora as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “teoria da diferença” se ajustem mais facilmente, à diminuição da capacidade de ganho, o certo é que a incapacidade funcional ou “dano biológico”, numa perspectiva sistémica da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro.

Para a quantificação do dano biológico, são convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do CC, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4 do CC). Neste contexto, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida.

Por vezes a jurisprudência, para o cálculo indemnizatório do dano biológico, socorre-se de tabelas financeiras, mas é a equidade o critério de orientação (art.566 nº3 CC), repudiando-se, assim, a utilização de critérios mais positivistas, baseado em equações e fórmulas matemáticas. Note-se que os tribunais não estão vinculados às tabelas fixadas na Portaria nº 377/2008 de 26/5 (alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25/6) que se destinam apenas a agilizar as propostas razoáveis na resolução extrajudicial, conforme jurisprudência estabilizada ( cf., por ex., Ac STJ 13/4/2021 ( proc nº 448/19), em www dgsi.pt ).

Neste contexto, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, relevam, designadamente, os seguintes tópicos:

A esperança média de vida. Como tem vindo a salientar a jurisprudência, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum. Ora, o que está em causa é não só o maior esforço despendido na actividade laboral, enquanto trabalhador, mas também a actividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade funcional. Por conseguinte, mantendo-se este dano na saúde para além da vida activa, é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.

Considerando que o Autor nasceu a .../.../1982, tendo 33 anos e 6 meses à data do acidente ( 3/6/2015), a esperança média de vida, nessa data, é de 77,6 para os homens ( cf dados do INE ),significa que a esperança média de vida para o Autor, desde o acidente, será de 44 anos.

A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até as duas actividades em simultâneo.

O Autor, médico dentista, trabalhava na sociedade unipessoal que criou para o efeito, sendo que em 2015 foram declaradas fiscalmente como receitas da Clínica a quantia de € 10.926,31 e rendimento do trabalho no valor de 4.816,10.

Demonstrando-se que o Autor era o único trabalhador da sociedade “C... Unipessoal, Lda”, trata-se de uma sociedade de profissionais sujeita ao regime de transparência fiscal ( art.6 nº1 a), 151 CIRS ), pelo que tanto o vencimento ( rendimentos da categoria A) como os lucros da sociedade são imputados directamente aos sócios para efeitos do IRS.

Por outro lado, releva o facto de haver sido contratado por uma empresa H... para ingressar nos quadros como médico dentista, com uma proposta salarial de € 3.600,00 por mês, mas devido à lesões, não estando ainda curado, só em Julho de 2017 foi admitido com um salário mensal de € 3.600,00, e desde Julho de 2018 um salário mensal bruto de € 5 131,30 ( cf pontos 68 a 72 dos factos provados ).

A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.

O Autor ficou com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico- Psíquica de 6 pontos a partir da data de consolidação.

A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade em pontos ( com o DL nº 352/2007) e não em percentagem é de livre apreciação, sendo um dos elementos a atender em sede de equidade ( cf., por ex., Ac STJ de 18/12/2013 (proc. nº 150/10) em www dgsi.pt ).

Valorando estes elementos, em juízo de equidade, a quantia de € 80.000,00, actualizada nesta data, revela-se proporcional., pois de modo algum se apresenta excessiva. Basta atentar que se dividirmos este montante pelos 44 anos de esperança média de vida chegamos a um valor de € 1.818,00 por ano ( €151,00/ mês ).

2.7.- Os danos não patrimoniais

O acórdão recorrido estimou os danos não patrimoniais em € 27.500,00, e a Ré/recorrente reclama apenas a quantia de € 24.000,00, enquanto o Autor/recorrente preconiza o montante fixado na sentença, ou seja, € 40.000,00.

Para a valoração equitativa dos danos não patrimoniais, relevam os factos provados descritos nos pontos 15 a 40, 43, 51 a 64, 73.

Comprova-se que em consequência do acidente, o Autor teve as seguintes lesões: Fractura cominutiva da rótula direita, exposta de grau I; Escoriações no nariz, no sobrolho e na zona do queixo; Ferimentos no cotovelo direito, com ferida corto-contusa; Escoriações no joelho esquerdo, no ombro do ombro direito; Corte no cotovelo direito.

E ficou com as seguintes sequelas: a) - Uma cicatriz cirúrgica na linha média da face anterior do joelho direito de 13 cm; b) - Um aumento do diâmetro da rótula direita (dta- 8 cm; esq – 6 cm);c)- Uma atrofia da coxa de 2 cm – 51/53; d) - Dor à palpação da rotula – Zoeller positivo; plaina positivo; e) - Flexão/extensão do joelho completa, mas dor no extremo arco de movimento da flexão; f) - Exigência de esforços acrescidos na atividade profissional do Autor.

Foi submetido a duas intervenções cirúrgicas ( 4/6/2015 e 30/9/2016), a um total de 60 sessões de fisioterapia, de forma dolorosa. Gozava de boa saúde e participava em provas oficiais de BTT.

O Autor, que tinha 33 anos e 6 meses na data do acidente, é portador de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos; Quantum doloris fixável no grau 4/7; Dano estético Permanente fixável no grau 3/7; Repercussão Permanente na Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4/7.

A indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória sobre o lesante (natureza mista).

A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, distinguindo-se, como mais significativos, o chamado “ quantum doloris”, ou seja, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “ dano estético”, o “ prejuízo de afirmação pessoal”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes, o prejuízo da “ saúde geral e longevidade, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar, o “ pretium juventutis”.

Porém, como já em 2005 escreveu o aqui Relator em “Notas Sobre Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação”, Revista do CEJ 2º Semestre 2005, Número 3, pág.58 e segs, a propósito das várias vertentes do dano não patrimonial:

“Embora sem rigor sistemático, é patente uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento.

Na doutrina e jurisprudência italianas começou a emergir na década de setenta a noção de “dano pessoal”, incorporando todos os danos que lesam a estrutura psicossomática do ser humano, e mais recentemente com a definição conceitual de “dano existencial”, visando abarcar os danos que não sendo estritamente morais originam consequências não patrimoniais (…).

Pretende-se, assim, erigir um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projecto de vida”, com consequências extrapatrimoniais.

Na verdade, esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral”.

Partindo desta concepção e como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial ( arts.496 nº3 e 494 do CC ), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, sendo certo que o seguro de responsabilidade civil é também um elemento a ter em conta, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.

Desde alguns anos que a jurisprudência vem afirmando que os padrões de indemnização têm de evoluir, acompanhando os tempos modernos, chegando-se a enfatizar que não se poderia manter uma tradição miserabilista, sob pena dos tribunais não estarem a acompanhar a evolução da vida, causando prejuízos irreparáveis aos lesados em acidentes de viação.

Neste contexto, entre outros tópicos, apela-se, por exemplo, aos critérios da convergência real das economias no seio da União Europeia, aos montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório fixados em aplicação da Directiva do Conselho, 84/5 de 30/12/83 (Segunda Directiva-Seguros), aos seus constantes aumentos e dos respectivos prémios, como índices emergentes da preocupação legal de protecção dos lesados em matéria de acidentes de viação.

Considerando os factos provados, seguindo este critério de orientação e porque os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados, em juízo de equidade, o valor de € 40.000,00, actualizado nesta data, mostra-se adequado e proporcional.

Em resumo, improcede a revista da Ré e procede a do Autor, fixando-se o valor global da indemnização em € 135.171,83, sendo:

- € 15.171,83 a título de dano patrimonial pela perda de rendimento entre a data do acidente (03 de Junho de 2015) e o momento da cura/consolidação das lesões (25 de Novembro de 2016), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

- € 80.000,00, a título dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, com juros de mora à taxa legal, desde a presente data.

- € 40.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros de mora, à taxa legal, desde a presente data.

Importa referir que, uma vez actualizada nesta data a indemnização quanto ao dano patrimonial futuro e dano não patrimonial, os juros de mora só podem vencer-se a partir do presente acórdão, por força do AUJ nº4/202 de 9/5/2002 ( “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”).

Daqui resulta, como tem sublinhado a jurisprudência ( cf., por todos, Ac STJ de 152/2022, proc nº 899/19), em www dgsi.) ser incompatível a fixação de taxa de juros de mora desde a citação em cumulação com atualização da indemnização em função da taxa de inflação (correção monetária).

2.8.- Síntese conclusiva

1. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, qualificado como “dano biológico”, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial futuro, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.

2. Para a quantificação do “dano biológico”, na vertente de dano patrimonial futuro, são convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do CC, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita,  pois o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico”, na ponderação casuística.

3. Há hoje uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de modo a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, erigindo-se, assim,  um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua dignidade e liberdade, correspondendo ao “dano ao projecto de vida”, como núcleo do “dano existencial”, com consequências extrapatrimoniais. Esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.

4. Por isso, os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente o recurso da Ré e procedente o recurso do Autor, e consequentemente revogar parcialmente o acórdão recorrido.

2)

Condenar a Ré a pagar ao Autor a indemnização global de € 135.171,83, sendo:

- € 15.171,83 a título de dano patrimonial pela perda de rendimento entre a data do acidente (03 de Junho de 2015) e o momento da cura/consolidação das lesões (25 de Novembro de 2016), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

- € 80.000,00, a título dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, com juros de mora à taxa legal, desde a presente data.

- € 40.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros de mora, à taxa legal, desde a presente data.


3)

Custas da revista pela Ré, sendo as das instâncias por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Maio de 2023.

Jorge Arcanjo (Relator)

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira