Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/08.4TBVLF.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
BENS COMUNS DO CASAL
MEAÇÃO
ALIENAÇÃO
BENS DE TERCEIRO
DÍVIDA DE CÔNJUGES
OPONIBILIDADE
PORTADOR IMEDIATO
RELAÇÕES IMEDIATAS
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
PATRIMÓNIO DO DEVEDOR
PACTO DE PREENCHIMENTO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / VENDA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / IMPUGNAÇÃO PAULIANA – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO ÀS PESSOAS E AOS BENS DOS CÔNJUGE / DIVIDAS DOS CÔNJUGES.
Doutrina:
- Abel Pereira Delgado, LULL, Anotada, 4.ª Edição, 1980, 63;
- Antonino Vazquez Bonome, Tratado de Derecho Cambiário, tercera edition, Dykinson, 1997, 167;
- António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias, Almedina, 2015, 352 e ss.;
- Carolina Cunha, Letras e Livranças, Paradigmas actuais, Almedina, 2012, 555 e 577;
- Conde Rodrigues, A Letra em Branco, AAFDL, 1989, 42 e 61;
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1966, Volume III, 68/69, 124 e 129;
- João Cura Mariano, Impugnação pauliana, Almedina, 2.ª Edição, 103-104;
- João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª Edição, 446, 447 a 451;
- José Carlos Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, 411 a 414;
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantia das Obrigações, 2012, 4.ª Edição, 58, 59, 63 a 69;
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 2002, 294;
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, Almedina, 857, 861 a 867;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. X, , 2015, Almedina, 361;
- Miguel JA Pupo Correia, Direito Comercial, 10.ª Edição, Ediforum, Lisboa, 2007, 479;
- Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Volume III, Títulos de Crédito, 1992, 113;
- Paula Costa e Silva, Impugnação pauliana e execução, em Cadernos de Direito Privado, nº 7 (2004), 59 e seg.;
- Paulo Sendim, Letra de Câmbio, L.U. de Genebra, Vol. I, Universidade Católica Portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, n.º 44, 176, e ss.;
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, Almedina, 329;
- Pedro Romano Martinez/Pedro Fuzeta da Ponte, em Garantias de cumprimento, 5.ª Edição, Almedina, 35-38;
- Pinto Furtado, Títulos de Crédito, Almedina, 2000, 143/144.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1, 663.º, N.º 7, 679.º E 825.º
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 610.º, 611.º, 612.º E 1696.º, N.º 1.
LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS N.º 1.º, 10.º E 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-07-1988, REVISTA DA BANCA, N.º 21, 77 E 92;
- DE 19-02-1991, REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS, ANO 51 (1991), N.º II, 559-560;
- DE 29-09-1993, C.J.(AC. DO STJ), ANO I, TOMO III, 35;
- DE 24-10-2002, PROCESSO N.º 02B1596, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-06-2003, PROCESSO N.º 03B1579, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-12-2004, C.J. (AC. DO STJ), ANO XII, TOMO III, 134;
- DE 15-03-2005, PROCESSO N.º 05A513;
- DE 03-05-2005, PROCESSO N.º 05A1086, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-12-2005, C.J. (AC. DO STJ), ANO XIII, TOMO III, 162;
- DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 06 A2589, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2006, C.J. (AC. DO STJ), ANO XIV, TOMO III, 168;
- DE 06-03-2007, PROCESSO N.º 07 A205, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-11-2008, PROCESSO N.º 07B4517;
- DE 23-09-2010, PROCESSO N.º 4688-B/2000.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2011, PROCESSO N.º 31/05-4TBVVD-B.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-12-2014, PROCESSO N.º 3573/11.9TBGDM.P1.S1;
- DE 24-02-2015, PROCESSO N.º 1235/10.3TBTMR.C1.S1;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 13/11.7TBPSR.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
Sumário :
I - As livranças em causa devem ser consideradas, por não conterem alguns dos requisitos essenciais, títulos cambiários em branco, admitidos nos termos do art. 10.º da LULL aplicável às livranças ex vi do seu art. 77.º.

II - Este tipo de título reconduz-se à ideia genérica de garantia de responsabilidades futuras, supondo, normalmente, uma relação fundamental que comporta um direito de crédito ainda não inteiramente definido.

III - O subsequente preenchimento do título, a ocorrer antes sempre da sua apresentação a pagamento, deve ser feito, naturalmente, de harmonia com o convencionado, sob pena de violação ou desrespeito do pacto, gerador do que se designa por preenchimento abusivo.

IV - Encontrando-se as livranças em causa no domínio das relações imediatas, a excepção de preenchimento abusivo pode ser oposta à portadora (a autora).

V - A aposição das datas de vencimento e dos montantes, tal como fora acordado no pacto de preenchimento, não constitui preenchimento abusivo.

VI - A impugnação pauliana constitui um instrumento jurídico conferido aos credores, com vista à conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, com ele se tutelando o interesse dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento.

VII - “Actuando” a impugnação pauliana sobre bens de terceiros (a restituir ao património do cônjuge devedor na medida necessária à satisfação do crédito do impugnante), nunca a acção poderia proceder apenas em parte, restrita à meação do cônjuge devedor.

VIII - Após o acto de alineação, os bens, passando a ser de terceiros, deixaram de fazer parte do património comum do casal e, consequentemente, deixa de ter cabimento qualquer consideração sobre se a dívida será somente da responsabilidade do cônjuge devedor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório


I O Banco AA, S.A.. intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, sua mulher, CC e a filha de ambos DD, alegando, em síntese, que:

É credor do réu no montante de, pelo menos, €3 249 856,92, sendo legítimo portador de livranças avalizadas por este que, com juros de mora, ascendem àquele montante global;

No dia 13 de Fevereiro de 2006, através de doação constante da escritura notarial outorgada no Cartório Notarial de V… N… F… C…, os réus BB e mulher CC declararam doar à ré DD os 19 prédios que identifica no artigo 1.º da petição inicial;

Essa doação foi feita com o exclusivo propósito, comum a todos os intervenientes, de defraudar e prejudicar o autor;

Foi a forma que os réus BB e mulher utilizaram para dissiparem o seu património e assim se furtarem ao pagamento das responsabilidades do primeiro para com o autor.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir que seja declarado nulo e de nenhum efeito o aludido contrato de doação constante da escritura notarial de 13 de Fevereiro de 2006, ordenando-se o cancelamento da inscrição no registo predial respeitante à aquisição de tais imóveis a favor da ré DD, e, subsdiariamente, seja declarada ineficaz essa doação, ficando o autor, no que for necessário para satisfazer o seu crédito, com o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e os de executar esses imóveis no património da ré DD.

Os réus contestaram, sustentando, em resumo, que:

A ré CC nada deve ao autor;

A doação foi um negócio pretendido por todos os intervenientes e a decisão dos réus BB e mulher de doar os prédios à sua filha foi feita com o intuito de facilitar as partilhas, sendo que aquela não tinha conhecimento da alegada dívida;

O réu BB desconhecia o significado da palavra aval quando as livranças dos autos lhe foram dadas para assinar, bem como as suas implicações;

O autor não cumpriu o dever de informação quanto ao clausulado dos contratos de empréstimo, tendo as livranças sido objecto de preenchimento abusivo;

O acordo de renovação e alteração da facilidade de crédito em relação ao réu BB é ineficaz, já que não foi assinado em conformidade com o que nele consta;

O aval é nulo por indeterminabilidade do seu objecto, não sendo possível estabelecer através dos contratos quais os créditos que visavam acautelar.

Com tais fundamentos, concluíram pela improcedência total da acção, ou, pelo menos pela sua improcedência na quota-parte respeitante à meação da ré CC.

Replicou o autor a pugnar pela validade do aval e pelo pleno conhecimento do réu BB, a quem foram prestados as informações e esclarecimentos necessários à concretização e renovação dos contratos, de que se estava a obrigar pessoalmente pelo pagamento de todas as quantias mutuadas, mantendo a sua posição inicial.

Na pendência da causa, faleceu o réu BB, tendo sido habilitadas a prosseguir os termos da demanda, no lugar do falecido, as duas rés (viúva e filha).

Foi admitida a substituição do Banco AA, S.A., pelo Banco EE, S.A., passando este a figurar como autor.

Foi elaborado despacho saneador, seguido de selecção da matéria de facto já assente e organização da base instrutória.

Após a audiência final, foi proferida sentença, datada de 01.09.2016, a julgar a acção procedente e a declarar nulo e de nenhum efeito o contrato de doação, ordenando também o cancelamento das respectivas inscrições registais a favor da ré DD.

Apelaram as rés, tendo a Relação de Coimbra, após alterar alguns pontos da matéria de facto, revogado a sentença na parte em que declarou nula a doação, por simulação, e, conhecendo do pedido subsidiário inicialmente formulado, julgou-o procedente, por considerar que se verificam os requisitos da impugnação pauliana, “determinando a ineficácia da doação, em relação ao autor, reconhecendo a este o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial e de executar os imóveis doados no património da ré DD”.

Persistindo inconformadas interpuseram as rés recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

1.° - O autor juntou com a sua petição inicial os documentos n.°s 25, 26, 27.

2.° - Tais documentos correspondem aos designados contratos de abertura de crédito em conta corrente, nos quais na respetiva cláusula 7 - B consta o pacto de preenchimento que o autorizou a preencher as livranças entregues em branco a BB.

3.° - Anexo a tais documentos encontram-se três cartas cujo assunto é a renovação e alteração da facilidade de crédito em conta corrente.

4.º - No seu recurso para o Tribunal recorrido, as recorrentes invocaram que BB não assinou a renovação de tais contratos na qualidade de garante, mas apenas na qualidade de membro da direcção da Adega Cooperativa de … pelo que os referidos contratos não se renovaram relativamente ao aval prestado por aquele.

5.º - O Tribunal recorrido considerou no entanto que: "Contudo, não se alegou e consequentemente não se provou, e o ónus da prova recaía sobre as Rés, que os montantes inscritos pelo Autor naquelas livranças respeitavam a obrigações mutuárias constituídas após a referida renovação/alteração e não a obrigações mutuárias constituídas na fase de vigência inicial daqueles contratos, pelo que não está demonstrado que o Autor ao preencher as referidas livranças tenha violado os pactos de preenchimento constantes desses contratos."(Pág. 40 da sentença recorrida).

6.° - Sucede que quer a recorrida (artigos 19.° e 20.° da petição inicial), quer as recorrentes (artigos 94.° a 102,° da contestação) alegaram factos dos quais resultou a prova dos factos provados em 13, 14, 23, 24, 25 e 26.

7.° - De tais factos resulta que o incumprimento dos contratos juntos como documentos n.°s 26, 27 e 28 com a petição inicial, ocorreu no dia 02 de Abril de 2006 e que a renovação/alteração ocorreu no dia 12 de Setembro de 2002, ou seja cerca de 3 anos e 7 meses antes do incumprimento.

8.° - Torna-se assim manifesto» ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, que os montantes inscritos pela recorrida nas livranças respeitavam a obrigações mutuárias constituídas após a referida renovação/alteração e não a obrigações mutuárias constituídas na fase de vigência inicial daqueles contratos.

9.° - Fica assim demonstrado, relativamente aos contratos juntos como documentos n.° 26, 27 e 28 com a petição inicial, que a recorrida violou os pactos de preenchimento constantes desses contratos por neles fazer constar obrigações mutuárias constituídas após a renovação/alteração.

10.° - Acresce ainda que, de acordo com a cláusula 9.ª, n.° 1 dos contratos de abertura de crédito em conta corrente, qualquer alteração ao presente contrato teria de ser acordada por escrito entre todos os contraentes incluindo o garante.

11.° - A cláusula 2.ª, n.° 2 dos contratos de fls. prevê o seguinte; "A denúncia do presente contrato far-se-á por carta registada com aviso de recepção enviada, com a antecedência mínima de quinze dias em relação ao fim do período em curso, para o domicilio constante do numero dois da cláusula com a epígrafe "Domicilio Electivo e Notificações."

12.° - A recorrida juntou aos autos os documentos n.ºs 29 e 30 com a petição inicial.

13.° - Tais documentos correspondem às cartas de denúncia de cada um dos contratos juntos como documentos n.ºs 25, 26, 27 e 28 com a petição inicial.

14.° - Sucede que, ao arrepio da referida cláusula 2ª, n.° 2, os contratos não foram denunciados através de carta registada com aviso de recepção.

15.° - Com efeito» não consta dos autos qualquer registo das referidas cartas, tão pouco o aviso de recepção assinado por BB.

16.° - Competia à recorrida o ónus da prova do cumprimento da cláusula 2.ª, n.° 2 dos contratos, ou seja que denunciou os contratos em obediência aos respetivo clausulado, enviando carta registada com aviso de recepção a BB.

17.° - Não tendo sido feita prova desse envio, os contratos não foram objeto de denúncia, pelo que sem prejuízo da invocada falta de renovação relativamente aos contratos juntos como documentos n.°s 26, 27 e 28 com a petição inicial, os mesmos e ainda o contrato junto como doc. n.° 25, encontram-se ainda em vigor, uma vez que se devem considerar como sucessivamente renovados até à presente data, sem que qualquer partes os tenha denunciado. (cláusula 2.ª, n.° 1 dos aludidos contratos).

18.° - Acresce ainda que as cartas juntas como documento n.° 29 e 30 com a petição inicial correspondem à declaração de vencimento antecipado prevista na cláusula 11.° do contrato junto como doc. n.° 25, e na cláusula 10.° dos contratos juntos como doc. n,° 26, 27 e 28 todos com a petição inicial.

19.° - Sucede que o n.° 2 das aludidas cláusulas previa que a declaração fosse feita por carta registada com aviso de recepção enviada para o domicilio, in casu, de BB.

20.° - Ora, não consta dos autos o documento de registo e o aviso de recepção assinado por BB, sendo que o ónus da prova de tais factos competia à recorrida.

21.° - Face ao exposto, não se encontravam vencidos os montantes inscritos nas livranças à data do seu preenchimento, pelo que ao preencher tais montantes a recorrida violou o pacto de preenchimento previsto na cláusula 7.° e 7.° B dos aludidos contratos.

22.° - Em resumo a recorrida não respeitou as cláusulas 9.° n.° 1, 2,° n.° 2, 10.° e 11.° dos contratos juntos como documentos n.°s 25, 26, 27 e 28 com a petição inicial,

23.* - Ao preencher as livranças em clara violação do aludido clausulado, a recorrida não respeitou o pacto de preenchimento acordado na cláusula 7.ª e 7.ª B dos referidos contratos.

24.° - Pelo que a decisão do Tribunal recorrido violou assim o disposto nos art-ºs, 10,° 33.° e 77.° da Lei Uniforme de Letras e Livranças e o artigo 406.°, n.° 1 do Cód. Civil, incorrendo em erro de aplicação de lei substantiva.

25,° - Acresce que dos factos provados não é possível concluir que BB tenha praticado actos no exercício do comércio, já que nem mesmo a qualidade de comerciante lhe pode ser atribuída.

26.° - Daí que não seja equacionável o apelo à presunção do art. 15.° do Cód. Comercial, ficando por demonstrar que a divida contraída por BB tenha sido em proveito comum do casal.

27.° - Nada poderá assim afectar o acto de doação dos bens, enquanto praticado por CC, uma vez que sobre ela não impende qualquer obrigação ou responsabilidade pelo pagamento da divida.

28.° - Pelo que a ineficácia da escritura de doação, por via do instituto da impugnação pauliana, não pode afetar a meação da recorrida CC nos bens comuns e que foi objeto de doação para a recorrida DD.

29,° - Posição esta que é defendida, entre outros, pelo acórdão da Relação de Coimbra de 14-10-2014 em dgsi. (Proc. 1235/10.3TBTMR.C1).

30.° - A decisão do Tribunal recorrido violou assim o disposto no art, 483.°, n.° 2 e 1696.°, n.° 1, do Código Civil, incorrendo em erro de aplicação de lei substantiva.

Pedem em consequência a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição do pedido subsidiário ou, pelo menos, a sua insubsistência no tocante à meação da recorrente CC.

A autora ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1 - Corre termos neste Tribunal a acção executiva n.º 117/07.0 TBVLF em que o Exequente, aqui autor, apresentou uma livrança, cuja cópia certificada foi junta a fls. 91, a qual contém na parte frontal os seguintes dizeres:

- “Local e data de emissão: V… R… 02-11-16”;

- “Importância (em euros): 383.149,06”;

- “Valor: caução”;

- “Vencimento: 2007-07-05”;

- “No seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança ao Banco AA, S.A., ou à sua ordem, a quantia de trezentos e oitenta e três mil cento e quarenta e nove euros e seis cêntimos”.

- “Assinatura dos subscritores: carimbo com os dizeres “Cooperativa GG, CRL e a direcção FF, (assinatura ilegível) e BB”;

- “Nome e morada dos subscritores: Cooperativa GG, CRL Est. Nacional …., 5150- V… N.. F… C…”.

2 - No verso da livrança identificada em 1, o Executado BB, aqui 1.º réu, apôs a sua assinatura com a menção “dou o meu aval à firma subscritora”.

3 - Corre termos neste Tribunal a acção executiva n.º 118/07.9 TBVLF em que o Exequente, aqui autor, apresentou três livranças, cujas cópias certificadas foram juntas a fls. 92, 93 e 94, as quais contêm na parte frontal os seguintes dizeres:

1ª livrança (fls. 92): “n.º 50…77”;

- “Local e data de emissão: V… R… 2001-09-19”;

- “Importância (em euros): € 550.056,98”;

- “Valor: caução”;

- “Vencimento: 2007-07-05”;

- “No seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança ao Banco AA, S.A.., a quantia de quinhentos e cinquenta mil e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos”;

- “Assinatura dos subscritores: carimbo com os dizeres Cooperativa GG e a gerência FF, BB e (assinatura ilegível)”;

- “Nome e morada dos subscritores: Cooperativa GG, CRL, Est. Nacional …, 5150 V… N… F… C…”.

2ª livrança (fls. 93): “n.º 500…20”;

- “Local e data de emissão: V… R… 02-03-15”;

- “Importância (em euros): € 550.056,98”;

- “Valor: caução”;

- “Vencimento: 2007-07-05”;

- “No seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança ao Banco AA, S.A.., a quantia de quinhentos e cinquenta mil e cinquenta e seis euros e noventa e oito cêntimos”;

- “Assinatura dos subscritores: carimbo com os dizeres “Adega Cooperativa de …e A gerência FF, BB e (assinatura ilegível) ”;

- “Nome e morada dos subscritores: Adega Cooperativa de …, CRL, Est. Nacional …, 5150 V… N… F… C…”.

3ª livrança (fls. 94): “n.º 50…38”;

- “Local e data de emissão: V… R… 02-03-15”;

- “Importância (em euros): € 1.650.170,94”;

- “Valor: caução”;

- “Vencimento: 2007-07-05”;

- “No seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança ao Banco AA, S.A.., a quantia de um milhão seiscentos e cinquenta mil e cento setenta euros e noventa e quatro cêntimos”;

- “Assinatura dos subscritores: carimbo com os dizeres “Adega Cooperativa de … e A gerência FF, BB e (assinatura ilegível)”;

- “Nome e morada dos subscritores: Adega Cooperativa de …, CRL, Est. Nacional …, 5150 V… N… F… C…”.

4 - No verso de cada uma das livranças identificadas em 3, BB, apôs a respectiva assinatura com a menção “dou o meu aval à firma subscritora”.

5 - As livranças identificadas em 1 e 3 foram entregues ao autor pela “Cooperativa GG, CRL” e “Adega Cooperativa de …, CRL”, através, entre outros, de BB.

6 - As livranças referidas em 1 e 3 foram subscritas e avalizadas em branco, concretamente na parte referente ao local e data da emissão, à importância, à data de vencimento, à ordem de pagamento e à conta de crédito cujo montante pretendiam garantir.

7 - Por escritura pública, designada “justificação e doação”, celebrada em 13 de Fevereiro de 2006, no Cartório Notarial de V… N… F… C…, perante a notária do mesmo, HH, BB e CC, declararam doar à ré DD, os seguintes prédios:

7.1. prédio urbano, composto de casa térrea, sito em C…, freguesia de M…, concelho de V.... N... F.. C..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Foz Côa sob o n.º 6…6, e inscrito na matriz sob o artigo …7;

7.2. prédio rústico, composto de terreno de cultura, vinha e pastagem, com oliveiras, amendoeiras e árvores de fruto, sito em M… ou B…, freguesia de M…, concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Foz Côa sob o n.º 6…7, e inscrito na matriz sob o artigo 1…7;

7.3. prédio rústico, composto de terreno de centeio, vinha, pastagem, oliveiras, amendoeiras, figueiras, pereiras e marmeleiros, sito em V… L…, freguesia de L…, concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Foz Côa sob o n.º 1…3, e inscrito na matriz sob o artigo 1…0;

7.4. prédio urbano, composto de casa térrea, sito em E… V…, freguesia de M…, concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Foz Côa sob o n.º 6…8, e inscrito na matriz sob o artigo 2…4;

7.5. prédio urbano, composto de casa altos e baixos, sito na Rua do C…, freguesia de M…, concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Foz Côa sob o n.º …1, e inscrito na matriz sob o artigo 3…2;

7.6. prédio rústico, composto de terra de cultura e pastagem com oliveiras, sito em C…, freguesia de M…, concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Foz Côa sob o n.º …5, e inscrito na matriz sob o artigo 3…9;

7.7. prédio rústico, composto de terreno de cultura e pastagem com oliveiras, sito em Z…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º …6, e inscrito na matriz sob o artigo 3…5;

7.8. prédio rústico, composto de terreno de pastagem e oliveiras, sito em V… C…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º …0, e inscrito na matriz sob o artigo 3…3;

7.9. prédio rústico, composto de terreno de pomar, vinha, pastagem com oliveiras, amendoeiras e cordões de videiras, sito em C… ou A…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6….7, e inscrito na matriz sob o artigo 5…3;

7.10. prédio rústico, composto de terreno de vinha e pastagem com oliveiras e amendoeiras, sito em C… R.., freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…8, e inscrito na matriz sob o artigo 2…7;

7.11. prédio rústico, composto de terreno de cultura, vinha, pastagem com amendoeiras, laranjeiras e figueiras, nogueiras e pereiras, casa agrícola e releixos, sito em A…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…9, e inscrito na matriz sob o artigo 6…8;

7.12. prédio rústico, composto de terreno de cultura e pastagem, sito em C… ou A…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…0, e inscrito na matriz sob o artigo 5…2;

7.13. prédio rústico, composto de terreno de cultura e pastagem com oliveiras e amendoeiras, sito em F…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.° 6…1, e inscrito na matriz sob o artigo 1…9;

7.14. prédio rústico, composto de terreno de cultura, vinha e pastagem com oliveiras, sito em S…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…2, e inscrito na matriz sob o artigo 3…9;

7.15. prédio rústico, composto de terreno de cultura e pastagem com amendoeiras, sito em S…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…3, e inscrito na matriz sob o artigo 3…6;

7.16. prédio rústico, composto de terreno de pastagem e oliveiras, sito em C… ou A…., freguesia de M… descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…4, e inscrito na matriz sob o artigo 5…4;

7.17. prédio rústico, composto de terreno de cultura, pastagem com oliveiras e amendoeiras, sito em A…, freguesia de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 6…5, e inscrito na matriz sob o artigo 5…3;

7.18. prédio rústico, composto de terreno de vinha com oliveiras, sito em T…, freguesia de L…, concelho de M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de M… sob o n.º …3, e inscrito na matriz sob o artigo 1…2;

7.19. prédio rústico, composto de terreno de batata, centeio, pastagem com oliveiras, amendoeiras, figueiras e videiras em cordão, sito em V… L…, freguesia de L…, descrito na Conservatória do Registo Predial de M… sob o n.º 8…6, e inscrito na matriz sob o artigo 1…9.

8 - A ré DD é filha dos réus BB e CC.

9 - BB foi tesoureiro da “Adega Cooperativa de …” e da “Cooperativa GG, CRL” até ao dia 17 de Dezembro de 2006.

10 - A ré CC era conhecedora do referido em 9.

11 - Em 17 de Dezembro de 2006 tomaram posse os novos corpos gerentes da “Adega Cooperativa de …” e da “Cooperativa GG, CRL” para o quadriénio de 2006 a 2010.

12 - BB nasceu no dia 6 de Janeiro de 1930 e casou com a ré CC no dia 3 de Setembro de 1955.

13 - O autor enviou à Direcção da Adega Cooperativa de … CRL, em 12 de Setembro de 2002, as cartas de fls. 81, 82, 94, 95, 106 e 107 com o assunto “Renovação e alteração da facilidade de crédito em conta corrente” (alterado pela Relação).

14 - BB, enquanto membro da Direcção da Cooperativa assinou as cartas referidas em 13, nelas escrevendo “Damos o nosso acordo” (alterado pela Relação).

15 - Por escritura pública designada “compra e venda”, celebrada no dia 09 de Fevereiro de 2005, no Cartório Privado da Dra. II, em V… F… de X…, os 1º réu e a 2.ª ré acordaram, respectivamente, comprar e vender “a fracção autónoma, designada pela letra “M”, correspondente ao primeiro andar – escritório número sete e arrecadação, do prédio urbano situado em C…, na Alameda …, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na …. Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …3 e inscrito na matriz sob o artigo 9…9, pelo preço de €. 110.000,00 (alterado pela Relação).

16 - O prédio identificado em 15 é composto por uma divisão ampla, uma casa de banho e uma arrecadação e tem uma área total de 109 m².

17 - Tem afecto, de modo exclusivo, um lugar de estacionamento na 1ª cave.

18 - No dia 15 de Novembro de 2002, o autor celebrou com “Cooperativa GG, CRL”, um acordo escrito intitulado “contrato de abertura de conta empréstimo, tesouraria trimestral”, mediante o qual concedeu àquela cooperativa um empréstimo no valor de € 375.000,00, onde se estipulou o seguinte, além do mais:




Cláusula 1.ª (Modalidade, Montante e Finalidade)

1. O Banco AA concede um financiamento ao cliente, que o aceita, até ao montante máximo de EUR 375.000,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, conforme o disposto na cláusula com a epígrafe “Utilização/Funcionamento”.




Cláusula 2.ª (Prazo de vigência)

1. O presente contrato é celebrado pelo prazo de 114 dias, contados a partir da data da sua assinatura pelo Banco AA, depois de devidamente assinado pelo Cliente e Garante, e de constituídas as garantias que sejam exigidas ao abrigo do presente Contrato, sendo sucessivamente renovado por períodos trimestrais se não for denunciado pelo Banco AA ou pelo Cliente.




Cláusula 3.ª (Utilização/Funcionamento)

1. A Abertura de crédito far-se-á pela disponibilização de crédito até ao montante estabelecido no número 1 da cláusula com a epígrafe “Modalidade, Montante e Finalidade” na conta n.º… aberta, junto do Banco AA, em nome do Cliente, e adiante designada Conta Crédito, a partir da data referida no número um da cláusula com a epígrafe “Prazo de Vigência”.

2. A disponibilização referida no número anterior é efectuada mediante solicitação do Cliente e autorização do Banco AA.




Cláusula 7.ª (Garantias)

LIVRANÇA COM AVAL E ACORDO DE PREENCHIMENTO:

1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advém para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações para este do presente contrato, o Cliente entregou ao Banco AA uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo Garante, podendo o Banco AA accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas.

2. O Banco AA fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos:

a) data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato;

b) valor – qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.

3. O Garante aceita o acordo de preenchimento acima estabelecido a avaliza a livrança nos seus precisos termos.

19 - No dia 19 de Setembro de 2001, o autor celebrou com “Adega Cooperativa de …, CRL”, um acordo escrito intitulado “contrato de abertura de crédito em conta corrente”, mediante o qual concedeu àquela cooperativa um empréstimo no valor de 100.000.000$00 (equivalente a € 498.797,90), onde se estipulou o seguinte, além do mais:




Cláusula 1.ª (Modalidade, Montante e Finalidade)

1. O Banco AA concede um financiamento ao cliente, que o aceita, até ao montante máximo de PTE 100.000.000$00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, conforme o disposto na cláusula com a epígrafe “Utilização/Funcionamento”




Cláusula 2.ª (Prazo de vigência)

1. O presente contrato é válido até 2/1/2002, contados a partir da data da sua assinatura pelo Banco AA, depois de devidamente assinado pelo Cliente e Garante, e de constituídas as garantias que sejam exigidas ao abrigo do presente Contrato, sendo sucessivamente renovado por períodos trimestrais se não for denunciado pelo Banco AA ou pelo Cliente.




Cláusula 3.ª (Utilização/Funcionamento)

1. A Abertura de crédito far-se-á pela disponibilização de crédito até ao montante estabelecido no número 1 da cláusula com a epígrfe “Modalidade, Montante e Finalidade” na conta n.º… aberta, junto do Banco AA, em nome do Cliente, e adiante designada Conta Crédito, a partir da data referida no número um da cláusula com a epígrafe “Prazo de Vigência”.

2. A disponibilização referida no número anterior é efectuada mediante solicitação do Cliente e autorização do BES.




Cláusula 7.ª (Garantias)



B - LIVRANÇA AVALIZADA:

1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advém para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações para este do presente contrato, o Cliente entregou ao Banco AA uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo Garante, podendo o Banco AA accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas.

2. O Banco AA fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos:

a) data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato;

b) valor – qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.

3. O Garante aceita o acordo de preenchimento acima estabelecido a avaliza a livrança nos seus precisos termos.

20 - No dia 15 de Março de 2002, o autor celebrou com “Adega Cooperativa de …, CRL”, um acordo escrito intitulado “contrato de abertura de crédito em conta corrente”, mediante o qual concedeu àquela cooperativa um empréstimo no valor de € 498.798,00. onde se estipulou o seguinte, além do mais:




Cláusula 1.ª (Modalidade, Montante e Finalidade)

1. O Banco AA concede um financiamento ao cliente, que o aceita, até ao montante máximo de € 498.798,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, conforme o disposto na cláusula com a epígrafe “Utilização/Funcionamento”




Cláusula 2.ª (Prazo de vigência)

1. O presente contrato é válido até 11/9/2002, contados a partir da data da sua assinatura pelo Banco AA, depois de devidamente assinado pelo Cliente e Garante, e de constituídas as garantias que sejam exigidas ao abrigo do presente Contrato, sendo sucessivamente renovado por períodos trimestrais se não for denunciado pelo Banco AA ou pelo Cliente.




Cláusula 3.ª (Utilização/Funcionamento)

1. A Abertura de crédito far-se-á pela disponibilização de crédito até ao montante estabelecido no número 1 da cláusula com a epígrfe “Modalidade, Montante e Finalidade” na conta n.º… aberta, junto do Banco AA, em nome do Cliente, e adiante designada Conta Crédito, a partir da data referida no número um da cláusula com a epígrafe “Prazo de Vigência”.

2. A disponibilização referida no número anterior é efectuada mediante solicitação do Cliente e autorização do Banco AA.




Cláusula 7.ª (Garantias)



B - LIVRANÇA AVALIZADA:

1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advém para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações para este do presente contrato, o Cliente entregou ao Banco AA uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo Garante, podendo o Banco AA accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas.

2. O Banco AA fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos:

a) data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato;

b) valor – qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.

3. O Garante aceita o acordo de preenchimento acima estabelecido a avaliza a livrança nos seus precisos termos.

21 - No dia 15 de Março de 2002, o autor celebrou com “Adega Cooperativa de …, CRL”, um acordo escrito intitulado “contrato de abertura de crédito em conta corrente”, mediante o qual concedeu àquela cooperativa um empréstimo no valor de € 1.496.394,00, onde se estipulou o seguinte, além do mais:


“…


Cláusula 1.ª (Modalidade, Montante e Finalidade)

1. O Banco AA concede um financiamento ao cliente, que o aceita, até ao montante máximo de € 1.496.394,00, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito, conforme o disposto na cláusula com a epígrafe “Utilização/Funcionamento”




Cláusula 2.ª (Prazo de vigência)

1. O presente contrato é válido até 11/9/2002, contados a partir da data da sua assinatura pelo Banco AA, depois de devidamente assinado pelo Cliente e Garante, e de constituídas as garantias que sejam exigidas ao abrigo do presente Contrato, sendo sucessivamente renovado por períodos trimestrais se não for denunciado pelo Banco AA ou pelo Cliente.




Cláusula 3.ª (Utilização/Funcionamento)

1. A Abertura de crédito far-se-á pela disponibilização de crédito até ao montante estabelecido no númro 1 da cláusula com a epígrfe “Modalidade, Montante e Finalidade” na conta n.º… aberta, junto do Banco AA, em nome do Cliente, e adiante designada Conta Crédito, a partir da data referida no número um da cláusula com a epígrafe “Prazo de Vigência”.

2. A disponibilização referida no número anterior é efectuada mediante solicitação do Cliente e autorização do Banco AA.




Cláusula 7.ª (Garantias)



B - LIVRANÇA AVALIZADA:

1. Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advém para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações para este do presente contrato, o Cliente entregou ao Banco AA uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo Garante, podendo o Banco AA accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas.

2. O Banco AA fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos:

a) data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato;

b) valor – qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.

3. O Garante aceita o acordo de preenchimento acima estabelecido a avaliza a livrança nos seus precisos termos.

22 - As livranças identificadas em 1 e 3 destinavam-se a servir de caução aos empréstimos concedidos pelo autor e melhor referidos em 18, 19, 20 e 21.

23 - A livrança identificada em 1 foi emitida em 16 de Novembro de 2002 e venceu-se no dia 05 de Julho de 2007.

24 - As livranças identificadas em 3 foram emitidas, respectivamente, em 19 de Setembro de 2001, 15 de Março de 2002 e 15 de Março de 2002 e venceram-se todas no dia 5 de Julho de 2007.

25 - Não obstante as diversas insistências do autor, as livranças identificadas em 1 e 3 não foram pagas no seu vencimento nem até à propositura da presente acção.

26 - O incumprimento do acordo escrito referido em 18 remonta a 21 de Janeiro de 2007, e o dos referidos em 19, 20 e 21 a 2 de Abril de 2006.

27 - Na data referida em 7, BB e as rés tinham conhecimento da emissão das livranças referidas em 1 e 3.

28 - E sabiam que as mesmas não conseguiriam ser pagas pela subscritora e pelos outros dois co-avalistas.

29 - Pelo que decidiram celebrar a escritura pública referida em 7.

30 - Com o intuito de frustrar a recuperação do crédito pelo autor.

31 - Não obstante a celebração da escritura pública referida em 7, BB e as rés continuaram a tratar os prédios rústicos aí identificados e a recolher e vender os respectivos frutos.

32 - Com a celebração da escritura pública referida em 7, o BB viu diminuído o seu património.

33 - Para o desempenho das funções de tesoureiro da “Adega Cooperativa de …, CRL” e da “Cooperativa GG, CRL” BB deslocava-se semanalmente às respectivas instalações, sitas em F… C….

34 - Sempre que era urgente colher a assinatura de BB em algum documento, não se encontrando o mesmo presente nas instalações da “Adega Cooperativa” ou da “Cooperativa GG”, um funcionário destas deslocava-se à sua residência, sita em M….

35 - BB chegou a assinar documentos sobre o capot do veículo da “Adega Cooperativa” e da “Cooperativa GG”, a pedido de funcionários desta que o localizavam, para esse efeito, na sua residência ou a trabalhar nos prédios rústicos.

36 - Durante a sua vida profissional, BB foi … e funcionário da Câmara Municipal de V… N… F… C…, tendo exercido nesta, sucessivamente, as funções de …, …. de 2.ª classe, …. de 1.ª classe, 3.º oficial interino, 2.º oficial interino, tendo ainda exercido funções de … «ah-hoc» de execuções fiscais administrativas, e prestado serviço na C….

37 - Na referida Câmara Municipal BB, entre o mais, entregava e distribuía o correio e avisos; passava licenças de construção, de motocicleta, canídeos e despachava os mais diversos expedientes na secretaria.

38 - BB não tinha formação, pelo menos não de natureza formal, na área de contabilidade ou economia.

39 - Nos últimos dois anos em que exerceu as funções de tesoureiro na “Adega Cooperativa” e na “Cooperativa GG”, BB já se encontrava reformado e ocupava a maior parte do seu tempo no trato de prédios rústicos.

40 - BB frequentou o ensino escolar até ao 4.º ano de escolaridade, da antiga escola primária.

41 - Durante o tempo que ocupou o cargo de tesoureiro da “Adega Cooperativa” e da “Cooperativa GG”, e dadas as dificuldades económicas que as mesmas atravessavam, BB assinou diversas “livranças” e “letras”.

42 - À data da assinatura das livranças identificadas em 1 e 3, BB conhecia as dificuldades económicas da “Adega Cooperativa” e da “Cooperativa GG”.

43 - Durante o mês de Dezembro de 2005, BB começou a sentir dores de estômago, cabeça e vómitos frequentes.

44 - Que o fizeram recear pela sua vida.

45 - A ré CC possui o 3.º ano de escolaridade e sofre, há pelo menos 25 anos, de depressão crónica.

46 - BB foi submetido a uma intervenção cirúrgica em Maio de 2007, com assepsia da vesícula e sofreu um acidente vascular cerebral.

47- A ré DD não reside com BB e a ré CC há mais de 25 anos, residindo desde então em L… e em L….

48 - Os acordos escritos referidos em 18, 19, 20 e 21 estavam preenchidos quando foram apresentados para assinar a BB.

49 - BB assinou, na qualidade de garante, os acordos acima referidos nos pontos 18 a 21 (aditado pela Relação).


III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação das recorrentes (art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil[1]), passam pela análise e resolução das seguintes questões jurídicas por elas colocadas a este tribunal:

- Preenchimento abusivo das livranças avalizadas por BB;

- Falta de fundamentos para a procedência da impugnação pauliana no tocante à meação da recorrente CC.

Debrucemo-nos, então, separadamente sobre cada uma dessas questões.

1 - Preenchimento abusivo das livranças avalizadas por BB

Em causa estão os títulos cambiários em que se fundam as execuções movidas pelo autor (identificadas nos pontos 1 a 6 dos factos apurados antes descritos), mais precisamente as livranças subscritas, na qualidade de avalista (entre outros), por BB, ex-cônjuge e pai, respectivamente, das recorrentes CC e DD. Trata-se de situação muito corrente no tráfico comercial e que corresponde à denominada letra/livrança-caução que é entregue ao credor, pelo menos com uma assinatura nela aposta[2], e que fica em poder do mesmo, a quem é atribuída a faculdade de a preencher, em caso de qualquer incumprimento da obrigação caucionada, fixando-lhe a data do vencimento.

Esta modalidade de título cambiário, legalmente reconhecida (art.º 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças – LULL, aplicável às livranças ex vi do art.º 77º) reconduz-se à ideia genérica de garantia[3] de responsabilidades futuras, supondo, normalmente, uma relação fundamental que comporta um direito de crédito ainda não inteiramente definido, porque falta determinar, por exemplo, data de vencimento ou o respectivo montante, e aparece como expediente para fazer face ao espectro do incumprimento de prestações pecuniárias.

Associado a este tipo de título cambiário, de formação sucessiva, ou seja aquele a que falta algum dos requisitos indicados no art.º 1º da LULL, mas que contém, pelo menos, uma assinatura aposta, com o intuito de contrair uma obrigação cambiária, está o chamado acordo ou pacto de preenchimento, que permite distingui-lo do titulo cambiário incompleto, caracterizando-se este por não existir qualquer acordo ou pacto para o respectivo preenchimento[4].

O acordo ou pacto de preenchimento é uma «convenção extracartular, informal e não sujeita a forma[5], em que as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a data do pagamento, etc."[6]. O subsequente preenchimento do título, a ocorrer antes sempre da sua apresentação a pagamento, deve ser feito, naturalmente, de harmonia com o convencionado, sob pena de violação ou desrespeito do pacto, gerador do que se designa por preenchimento abusivo[7].

No caso, como já se disse, foram dadas à execução livranças subscritas, entre outros, pelo entretanto falecido BB, na qualidade de avalista, que interveio igualmente no pacto de preenchimento, como se alcança dos pontos 1 a 6 e 18 a 22 do elenco factual provado, nada obstando a que as recorrentes, sucessoras daquele, invoquem a sua desconformidade, discrepância ou contrariedade relativamente ao acordo de preenchimento, também designadas por preenchimento abusivo e abuso de preenchimento[8]. É que, como ensina Ferrer Correia[9]«nas relações imediatas…nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extracartulares, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta. Fica sujeito às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem».

Aliás, este entendimento é também acolhido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[10], como o ilustra, por exemplo, o acórdão de 23.9.2010 – Proc. 4688-B/2000.L1.S1[11], com o seguinte sumário: “1. Em execução fundada em título de crédito….é, porém, lícito ao executado/embargante opor ao exequente/embargado excepções fundadas na relação causal, desde que nos situemos no plano das relações imediatas; 2. Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de letra subscrita e avalizada em branco, e tendo a avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o sacador, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção”.

Definido que às recorrentes assiste o direito de invocar tal excepção, não valendo, por isso, as regras da abstracção, literalidade e autonomia, vejamos se, como sustentam, ocorreu o suposto preenchimento abusivo das livranças. A tal propósito, importa ter presente o teor do pacto de preenchimento (que assumiu forma escrita, como se vê das várias cláusulas dos contratos aludidos em 18 a 21 do elenco factual provado) e que se encontram associados à subscrição e à entrega das livranças ao autor (e exequente nas já referidas execuções) e ao posterior preenchimento destas, no tocante à data de vencimento e respectivo valor. Referimo-nos, como é óbvio, à “cláusula 1.ª” inserida nesses contratos, na qual é definido o montante de cada empréstimo adiantado à Adega Cooperativa de…e/ou Cooperativa GG, CRL, e “à cláusula 7.ª” a estabelecer que « para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advém para o Cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação para ele resultante do presente contrato, nomeadamente e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações para este do presente contrato, o Cliente entregou ao Banco AA uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo Garante, podendo o Banco AA accioná-la ou descontá-la caso se verifique o incumprimento das obrigações assumidas, ficando o Banco AA autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos: a) data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato; b) valor – qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente contrato.

Perante a clareza do pacto de preenchimento, aceite pelo garante avalista (cfr. 3 dessa cláusula), em conjugação com a restante matéria de facto provada, em especial com os contratos que lhes estão associados e o não pagamento das livranças, é difícil descortinar que mais poderá ser dito nesta matéria, para além do que consta do bem elaborado acórdão recorrido, sobre a evidência de o preenchimento ter respeitado o acordo efectivamente realizado.

Não há razões para o falecido Adriano se eximir à responsabilidade assumida através dos avais que prestou (art.º 32º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças – LULL, aplicável às livranças ex vi do art.º 77º) e dos acordos de preenchimento que subscreveu, não podendo ser acolhida a retórica argumentativa arquitectada pelas recorrentes, suas sucessoras, para afastar essa responsabilidade e concluírem, sem fundamento válido, pelo desrespeito dos pactos de preenchimento e, muito menos, pela subsistência dos contratos associados às livranças avalizadas.

Improcedem, pois, quanto à primeira das enunciadas questões as conclusões das recorrentes.


2 - Falta de fundamentos para a procedência da impugnação pauliana no tocante à recorrente CC

Insurgem-se também as recorrentes contra a procedência da impugnação pauliana em relação à doação de imóveis realizada em 13 de Fevereiro de 2006, através da qual o BB, devedor do autor por força dos aludidos avais (e entretanto falecido) e a recorrente CC, então casada com aquele, doaram à filha de ambos, a recorrente DD os 19 imóveis identificados no ponto 7 dos factos provados.

Como se sabe, a impugnação pauliana (azione revocatória, acción revocatória, action paulienne, gläubigeranfechtung), referida nos art.ºs 610º e ss. do Cód. Civil, permite aos credores, mesmo de direitos ainda não exigíveis, reagir contra actuações jurídicas do devedor que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito[12]. Constitui, portanto, um instrumento jurídico conferido aos credores, com vista à conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, com ele se tutelando o interesse dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento[13].

A sua procedência depende, segundo os arts. 610.º a 612.º do Cód. Civil, da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos[14]:

- realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito (eventus damni) e não seja de natureza pessoal;

- anterioridade do crédito em relação ao acto ou, sendo ele posterior, prática do acto dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

- natureza gratuita do acto ou, sendo ele oneroso, que alienante e adquirente tenham agido de má fé;

- impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade.

Tais pressupostos encontram-se inquestionavelmente verificados, como de forma bem proficiente acentua o acórdão recorrido, com abono em inúmera jurisprudência e doutrina, e em termos que merece o nosso inteiro aplauso.

Aliás, as recorrentes não questionam sequer a sua existência, incidindo a sua discordância apenas no tocante à afectação da meação da recorrente CC nos bens comuns doados à sua filha, sustentando que, sendo devedor do autor apenas o falecido BB, e tendo sido doados pelo casal bens comuns, apenas a meação do devedor pode ser afectada com a impugnação pauliana.

Reconhece-se que, como assinala o acórdão posto em crise, este entendimento foi em tempos perfilhado pela jurisprudência e doutrina[15], mas já não corresponde à perspectiva actual, tendo ganho terreno e solidificando-se orientação oposta[16]que aqui inteiramente se acolhe. Esta partindo das alterações operadas pelo D L n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, no anterior regime-regra da moratória forçada (eliminando-a), modificando também os art.ºs 1696º do Cód. Civil e 825º, do C. P. Civil, e atentando na caracterização e efeito da impugnação no que concerne aos bens pertencente a terceiro, propendeu por considerar que a circunstância de apenas um dos cônjuges ser responsável pela dívida não constitui obstáculo à procedência integral da impugnação pauliana, uma vez que os bens que se pretendem executar com a dedução da impugnação pauliana já foram transmitidos para terceiro, neste caso para a recorrente DD, e deixaram de pertencer ao casal, não havendo já qualquer meação de um cônjuge não devedor a respeitar.

Deste modo, pese embora a recorrente CC  não ser devedora do autor e não ser responsável pela dívida que o seu ex-cônjuge gerou perante aquele na decorrência dos avais prestados nas livranças dadas à execução, tal facto não obsta, contrariamente ao sustentado pelas recorrentes, à procedência integral da impugnação pauliana. O efeito essencial desta reside na circunstância de o credor impugnante poder executar os bens (mesmo no património do obrigado à restituição, no caso a recorrente DD) como se os mesmos não tivessem saído do património do devedor, ou seja, permite que os bens alienados pela doação sejam executados, como se tivessem retornado ao património do devedor (o seu pai) e não se mantivessem já na titularidade da adquirente.

Por outro lado, “actuando” a impugnação pauliana sobre bens de terceiro (da recorrente DD) nunca poderia proceder apenas em parte, restrita à meação que o cônjuge devedor teria nesses bens, na medida em que, com a doação, os bens deixaram de fazer parte do património comum do casal constituído pela recorrente CC e falecido BB e, consequentemente, deixa de ter qualquer sentido falar da natureza comum desses bens e, menos ainda, do respeito da meação do cônjuge não devedor (a recorrente CC).

Esta é a jurisprudência persistente do STJ, como se constata compulsando os acórdãos citados na última nota de rodapé que mais desenvolvidamente analisaram esta questão, sendo que um deles revogou inclusive o mais recente acórdão da Relação de Coimbra a que as recorrentes lançaram âncora, citando-o e transcrevendo-o profusamente, para tentarem obter a redução da impugnação, confinando-a à meação do falecido Amílcar, pretensão que não pode proceder.

Não se desconhece que o nº 1 do art.º 1696º do Cód. Civil estabelece que pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns. Mas esta disposição não tem (directamente) aplicação à situação vertente porque, como já se deixou sublinhado, com a transmissão dos bens para o património de terceiros deixa de poder considerar-se a qualidade que os bens tinham antes da transmissão. Depois da transmissão não se poderá já falar em património comum do casal transmitente, mas sim de bens de terceiros.

É certo que tal solução amplia o património com o qual o credor contava para a satisfação da dívida, uma vez que, sendo a dívida da responsabilidade apenas de um dos cônjuges, a execução vai recair sobre bens que integravam a comunhão conjugal. Contudo, há que ter em conta que a eliminação do anterior regime-regra da moratória forçada, efectuada pelo D L n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que modificou a redacção dos art.º 1696º do Cód. Civil e 825º, do C. P. Civil, mais tarde confirmada pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março, que voltou a alterar o texto daquele último artigo, passou a permitir que bens comuns respondessem pela satisfação de dívidas que apenas responsabilizavam um dos cônjuges. Em vez da admissibilidade da simples penhora da meação do devedor no património comum, passou a permitir-se que na execução movida contra apenas um dos cônjuges se penhorem os bens comuns do casal, desde que o cônjuge não devedor não requeira a separação de bens, não se descortinando motivo para, em sede de impugnação pauliana, se poder somente considerar impugnada a alienação da quota/meação do devedor, nesses bens comuns, como defendem as recorrentes.

Nesta conformidade, soçobram ou mostram-se deslocadas todas as conclusões das recorrentes, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe apontam, nem viola as disposições legais ou convencionais que indicam.


IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar consequentemente o acórdão recorrido.

 Custas pelas recorrentes.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, 12 de Outubro de 2017

António Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que o recurso tem por objecto decisão proferida já depois de 01 de Setembro de 2013 e o processo é posterior a 01 de Janeiro de 2008 (cfr. os seus art.ºs 5º, n.º 1, 7º, n.º 1, e 8º).
[2] Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, vol. III, 1966, pág. 124, Paulo Sendim, “Letra de Câmbio” - L.U. de Genebra, vol. I, Universidade Católica Portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, n.º 44, pág. 176,  e ss.
[3] No sentido amplo de reforço ou segurança da posição creditória, como esclarece Carolina Cunha, in Letras e Livranças, Paradigmas actuais, Almedina, 2012, pág. 555.
[4] Cfr, a propósito desta distinção, Antonino Vazquez Bonome, Tratado de Derecho Cambiário, tercera edition, Dykinson, 1997, pág. 167, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1966, Volume III, pág. 124, Pinto Furtado, Títulos de Crédito, Almedina, 2000, págs. 143/144, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Volume III, Títulos de Crédito, 1992, pág. 113, e Conde Rodrigues, A Letra em Branco, AAFDL, 1989, pág. 42.
[5] Mas em que a sua redução a escrito é bastante aconselhável, por facilitar a sua prova.
[6] Cfr, neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, Almedina, pág. 329, Miguel JA Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, Ediforum, Lisboa, 2007, pág. 479, Abel Pereira Delgado, LULL, Anotada, 4ª edição, 1980, pág. 63, e, entre outros, o acórdão do STJ, de 3 de Maio de 2005 – 05A1086, in www.dgsi.pt.
[7] Cfr, neste sentido, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1966, Volume III, pág. 129, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, Almedina, pág. 329, Miguel JA Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, Ediforum, Lisboa, 2007, pág. 479, Conde Rodrigues, A Letra em Branco, AAFDL, 1989, pág. 61.
[8]Cfr., sobre a propriedade do uso destas expressões, Carolina Cunha, Letras e Livranças, Paradigmas actuais, Almedina, 2012, pág. 577.
[9]In Lições de Direito Comercial, 1966, Volume III, págs. 68/69.
[10]Cfr., “inter alia”, os acórdãos do STJ de 6 de Março de 2007 – 07 A205 – de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2589, e de 22.2.2011, Proc. 31/05-4TBVVD-B.G1.S1, acessíveis através de www.dgsi.pt.
[11] Acessível também através de www.dgsi.pt.
[12] Cfr. a tal propósito, José Carlos Brandão Proença, in Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 411, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 2002, pág. 294.
[13] Cfr., neste sentido, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 446, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Garantia das Obrigações, 2012, 4ª edição, págs. 58 e 59, e Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 857.
[14] Cfr., para maior desenvolvimento, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 447 a 451, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Garantia das Obrigações, 2012, 4ª edição, págs. 63 a 69, José Carlos Brandão Proença, in Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, págs. 411 a 414,António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias, Almedina, 2015, págs. 352 e ss, e Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, págs. 861 a 867.
[15] Cfr. neste sentido, Menezes Cordeiro, na anotação ao acórdão do STJ.de 19-2-1991, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 51 (1991), n.º II, págs. 559-560, Maria do Patrocínio Paz Ferreira, em anotação ao acórdão do S.T.J. de 5-7-1988, na Revista da Banca, n.º 21, pág. 92, e, entre outros, os acórdãos do STJ de 5.7.1988, na Revista da Banca, n.º 21, pág. 77, de 29.9.1993, na C.J.(Ac. do STJ), Ano I, tomo 3, pág. 35, de 24.10.2002 (02B1596), e de 5.6.2003 (03B1579), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[16] Cfr, a este propósito, Paula Costa e Silva, em Impugnação pauliana e execução, em “Cadernos de Direito Privado”, nº 7 (2004), págs. 59 e seg., Pedro Romano Martinez/Pedro Fuzeta da Ponte, em Garantias de cumprimento, págs. 35-38, 5.ª ed., Almedina, Menezes Cordeiro, em Tratado de Direito Civil, vol. X, pág. 361, ed. de 2015, Almedina, João Cura Mariano, Impugnação pauliana, Almedina, 2ª edição, págs. 103-104, e, entre outros, os acórdãos do STJ de 9.12.2004, na C.J. (Ac. do STJ), Ano XII, tomo 3, pág. 134, de 13.12.2005, na C.J. (Ac. do STJ), Ano XIII, tomo 3, pág. 162, de 14.12.2006, na C.J. (Ac. do STJ), Ano XIV, tomo 3, pág. 168, de 15.3.2005 (05A513), de 6.11.2008 (07B4517), de 09-12-2014 (proc. 3573/11.9TBGDM.P1.S1), de 24.2.2015 (proc. 1235/10.3TBTMR.C1.S1), e de 12.03.2015 (proc. 13/11.7TBPSR.E1.S1), os últimos acessíveis em www.dgsi.pt.