Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1084/19.3PWLSB-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
CRIMINALIDADE VIOLENTA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
Data do Acordão: 12/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO DE HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO QUALIFICADO / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / CRIMES CONTRA A HONRA / CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA / RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA À AUTORIDADE PÚBLICA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.
Doutrina:
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 132.º, N.º 2, ALÍNEA I), 152.º, N.ºS 1, ALÍNEA D) E 2, 181.º, N.º 1, 184.º E 347.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 1.º, ALÍNEA J), 202.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 222.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A), B) E C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º, N.º 1 E 31.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 109/16.9GBMDR-B. S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I -  A providência de habeas corpus configura incidente que visa assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido (revisitem-se os citados arts. 27.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, da CRP), com o sentido de pôr termo às situações de prisão ilegal, designadamente motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial (revisite-se ainda o citado art. 222.º, n.ºs 1 e 2, als. a) a c), do CPP).
II - Na decisão que aplicou a prisão preventiva ao requerente considerou-se haver fortes indícios de ele ter praticado os seguintes crimes: - 2 de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152. °, n.º 1, al. d) e n.º 2, do CP; - 1 de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347. °, n.º 1, do CP; - 1 crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 181. °, n.º 1, 184. °, com referência à al. I) do n.º 2 do art. 132. °, do CP. Os 3 primeiros crimes são puníveis com pena de prisão de 1 a 5 anos, e o último com pena de prisão de máximo inferior a 6 meses.
III - O crime do art. 347. º, n.º 1, do CP, inclui-se na categoria prevista na al. j) do art. 1.º do CPP, por se realizar mediante conduta dolosamente dirigida contra a “autoridade pública”. Por sua vez, os crimes de violência doméstica integrar-se-ão na criminalidade violenta se se realizarem através de condutas dolosamente dirigidas contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual.
IV - Só pode, assim, concluir-se que a prisão preventiva, fundando-se na forte indiciação destes 3 crimes ou somente em algum deles, é admissível à luz do artigo 202.º, nº 1, al. b), do CPP, não podendo dizer-se que foi aplicada por facto pelo qual a lei a não permite (art. 222.º, n.º 2, al. b), do CPP).
Decisão Texto Integral:

Acordam, precedendo audiência, os Juízes da 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. Vem o arguido AA, melhor identificado nos autos em epígrafe, requerer a concessão da providência de Habeas Corpus nos termos do artigo 222. °, n.º 2. al. b), do Código de Processo Penal (CPP), o que faz nos seguintes termos que se transcrevem:

(…)

1 - O ora Req.te foi detido a 11/11/2019, em sua casa, onde reside com os seus pais, na sequência do pedido de comparência da P.S.P., efectuado pela sua irmã, BB, que se encontrava também no referido domicílio.

2- O pedido de comparência da sua irmã deveu-se ao facto de o arguido e aquela terem desencadeado uma discussão familiar, na sequência da qual o arguido, é certo, deu uma bofetada na irmã.

3 - Também é certo que o arguido, no contexto de ambiente de tensão para o qual também contribuiu um dos agentes que ali se deslocaram, invectivou os mesmos e terá resistido à detenção.

4 - O arguido foi notificado, a 11/11 de que aguardaria os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, embora a notificação refira que foi notificado do conteúdo do despacho, "...nomeadamente..." (da prisão preventiva), pois o despacho que a fundamenta apenas lhe foi lido (e à sua defensora), oralmente.

5 - Tanto quanto o arguido sabe, a fundamentação teve como base apenas a informação policial tendo-lhe sido imputados os crimes de violência doméstica, resistência e coacção e injúria agravada, sendo os ofendidos os seus pais, no primeiro crime referido, os quais aliás se recusaram a assinar a queixa quando tal lhe foi solicitado pela autoridade policial.

6 - Parte dos factos imputados ao arguido durante a ocorrência são deturpados ou falsos, não resultando o menor indício que o arguido molestou os pais (de quem cuida) psicologicamente ou por outra forma qualquer.

DISPÕE O ART° 202° DO C.P.P.:

7 - 1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a). Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;

b). Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c). Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d). Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e). Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com  pena  de  prisão  de  máximo  superior  a  3   anos;

f). Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

2 - Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que possível, um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes.

DO FUNDAMENTO DO "HABEAS CORPUS":

8 - Entende o arguido que a ilegalidade da prisão radica em dois factos que a lei não permite, a saber:

a) A nenhum dos crimes imputados ao arguido corresponde pena de prisão superior a 5 anos, não se enquadrando os factos participados em nenhuma das restantes alíneas do art° 202 do C.P.P.;

b). Inexistem fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de máximo superior a 5 anos, o que aliás sempre seria impossível, pois a nenhum dos crimes corresponde tal medida de pena.

9 - Quanto à primeira razão invocada o que parece ter acontecido, ou só pode ter acontecido, é que se somou o limite máximo das penas correspondentes aos crimes imputados, o que na verdade excede os 5 anos, procedimento que a Lei não permite, caso contrário estaria a porta aberta à prisão preventiva para qualquer cidadão que cometesse 10 crimes de pequena gravidade puníveis com pena até 2 anos, por exemplo.

10 - Quanto à segunda razão invocada os indícios que existem consubstanciam-se na participação policiai, tendo o arguido optado por não prestar declarações no interrogatório por não se encontrar em condições emocionais para o efeito, pretendendo faze-lo logo que seja possível.

11 - Ou seja não existem indícios fortes, nem existe crime doloso punível com pena de prisão superior a 5 anos.

12 - Donde se conclui que o ora requerente continua preso - ilegalmente - e a sua detenção/prisão é motivada por facto pelo qual a lei não permite [al. b) do n° 2 do artigo 222° do CPP).

Termos em que se requer a V. Exas., Venerandos Conselheiros, deliberação no sentido da procedência do presente pedido de HABEAS CORPUS, ordenando-se a imediata libertação do preso ora requerente.

Assim se fazendo JUSTIÇA.

(…).

2. A Senhora Juíza lavrou despacho, em 4.11.2019, nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 1, do CPP, informando o seguinte:

(…)

O arguido AA foi detido a 10.11.2019;

o mesmo arguido foi presente para primeiro interrogatório judicial de arguido no dia 11.11.2019;

por despacho proferido nessa mesma data, foi o arguido indiciado pela prática de dois crimes de violência doméstica p.p. pelo artº152º nº 1 al. d) e nº 2 do CP, um crime de resistência e coacção p.p. pelo art.º 347º nº 1 do CP e um crime de injúria agravada p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181º nº 1 e 184º por referência à al. I) do nº 2 do art.º 132º, do CP;

e foi determinada a sujeição do arguido a prisão preventiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191º a 193º, 196º, 202º nº 1 al. b) e 204º al. c) todos do C.P.P.;

o arguido mantém-se preso, ininterruptamente, desde o dia 10.11.2019.

(…).

3. Foram solicitados diversos elementos ao Tribunal de 1.ª Instância, a saber:
. o auto de primeiro interrogatório judicial de arguido, realizado no dia 11.11.2019 e o despacho judicial proferido que indiciou o arguido pela prática de dois crimes de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, um crime de resistência e coacção p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 e um crime de injúria agravada p.e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º por referência à al. I) do n.º 2, do artigo 132.º, todos do CP, e que lhe determinou a medida de coacção de prisão preventiva;
. o auto de notícia elaborado pela PSP;
. a promoção do Ministério Público de fls. 23 a 26 que se refere no despacho judicial e que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido/requerente.

4. Foi levada a audiência, nos termos previstos nos artigos 223.º, n.º 2 e 424.º, do CPP.

II.

5. Nos termos do previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), sob a epígrafe direito à liberdade e à segurança, (i) “todos têm direito à liberdade e à segurança” e (ii), “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão”.

6. Por sua vez, o n.º 1 do artigo 31.º, da CRP, sob a epígrafe de habeas corpus, prescreve que “haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal”. “Trata-se de um direito subjetivo (direito-garantia) reconhecido para a tutela de um outro direito fundamental, dos mais importantes, o direito à liberdade pessoal” - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.

7. O n.º 2, do artigo 222.º, do CPP, sob a epígrafe de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, determina que, relativamente a pessoa presa, o pedido “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

 b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

 c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”.

8. A providência de habeas corpus configura incidente que visa assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido (revisitem-se os citados artigos 27.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, da CRP), com o sentido de pôr termo às situações de prisão ilegal, designadamente motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial (revisite-se ainda o citado artigo 222.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do CPP).

Em suma, a providência habeas corpus apenas pode ser utilizada para impugnar os precisos casos de prisão ilegal, nos termos do citado n.º 2, do artigo 222.º, do CPP.

9. Aliás, como tem sido sublinhado na jurisprudência tirada neste Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus constitui uma medida extraordinária ou excepcional de urgência (no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de impedir ou reagir contra prisão ou detenção ilegais) perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei; não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs., do CPP). A providência não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (cfr., por todos, o acórdão de 04.01.2017, no processo n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada, in www.dgsi.pt).

10. Em suma, cumpre assim sinalizar que, diante dos citados preceitos, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem sedimentado a interpretação de que a providência de habeas corpus não cuida da reanálise do caso trazido à sua apreciação, mas tão só pretende almejar a constatação de uma ilegalidade patente, em forma de erro grosseiro ou de manifesto abuso de poder.

11. E, por último, como se sublinha, na anotação 4 ao artigo 222.º, do CPP (em “Código de Processo Penal – Comentado”, Almedina, 2014, pág. 909), o que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário”.

III.

Dito isto,

12. Cumpre, pois, apreciar as questões suscitadas no requerimento que deu origem à presente providência, a saber, da ilegalidade da prisão do requerente, tais sejam:
i. A nenhum dos crimes imputados ao arguido corresponde pena de prisão superior a 5 anos, não se enquadrando os factos participados em nenhuma das alíneas do artigo 202.º, do CPP;
ii. Inexistem fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de máximo superior a 5 anos;
iii. Pelo que, o requerente encontra-se preso - ilegalmente - e a sua detenção/prisão é motivada por facto pelo qual a lei não permite, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 222. °, do CPP.

13. Compulsados os autos importa fazer o seu iter processual certificado na presente providência.
14. A Sra. Procuradora Adjunta, junto do tribunal de 1.ª Instância, validou a constituição como arguido de AA, por no seu entender haver fortes suspeitas da prática de crimes, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 3 (cfr. fls. 41 a 44 dos autos).
Mais promoveu com base no auto de notícia, que o arguido fosse sujeito a 1.º interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto no artigo 141.º, por entender que tendo em conta a gravidade dos factos, o TIR não é suficiente para prevenir o cometimento de outros ilícitos da mesma natureza.
Consta desta promoção o seguinte e transcreve-se:
(…)

1. O arguido é filho dos ofendidos CC, nascido em 00-00-00 e CC, nascida em 00-00-00.

2. O arguido reside com os ofendidos, na residência destes, sita na Rua .............. de M........° ......, em Lisboa.

3. O arguido é uma pessoa agressiva e padecerá de doença do foro psicológico/psiquiátrico ainda não diagnosticada.

4. O arguido quando se exalta começa a gritar com os ofendidos, intimidando-os e levando-os a fazer aquilo que ele pretende.

5. No dia 10/11/2019, pelas 13h15, no interior da residência comum, o arguido, na sequência de uma discussão com a sua irmã EE, desferiu-lhe um estalo na face.

6. A PSP foi chamada ao local.

7. Na presença dos agentes da PSP, o arguido começou a gritar, dirigindo as seguintes expressões à sua irmã: "vais-te arrepender, não cuidas dos pais e eu é que sou o mau, abandonaste-os, cobardolas, por causa de um estalo chamas a polícia, vais-te arrepender".

8. A PSP conseguiu serenar os ânimos e saiu da residência.

9. Assim que os Agentes da PSP saíram da residência, o arguido começou novamente a gritar, ameaçando a sua irmã que lhe dava outro estalo, mas que desta vez iria para o hospital.

10. O arguido, na presença dos ofendidos, dirigiu ainda à sua irmã as seguintes expressões: "falsa, cobardolas, medricas, puta de merda, não vales nada".

11. Em simultâneo, o arguido questionava os ofendidos se alguma vez lhes tinha feito mal e se alguma vez os tinha abandonado.

12. Nesse momento, os Agentes da PSP entraram novamente na residência e verificaram que os ofendidos se encontravam muito nervosos e receosos.

13. Quando os agentes da PSP tentaram levar a ofendida para outro local, para evitar que a mesma continuasse a assistir aos comportamentos do arguido, este agarrou a ofendida pelo braço, ao mesmo tempo que dizia que ela não saía dali, porque ele não deixava.

14. Após, os agentes da PSP tentaram dialogar com o ofendido que se encontrava sentado num sofá e, nesse instante, o arguido colocou-se em cima do seu pai e, adoptando uma postura intimidatória para com ele e evitando que o mesmo contasse ã PSP o que se tinha passado.

15. Quando os Agentes da PSP tentavam retirar o arguido de cima do ofendido, este dirigiu-lhes as seguintes expressões: "cobardes, bófia de merda, estão-me a agredir, vão-se arrepender".

16. Quando os Agentes da PSP tentaram falar com a ofendida, o arguido começou a empurrá-los para longe daquela, evitando que conseguissem falar com a mesma.

17. Perante o comportamento do arguido, o Agente da PSP FF deu voz de detenção àquele e, nesse momento, o arguido desferiu uma bofetada na face daquele. Após, tentou continuar a agredi-lo com pontapés e arranhões, tentando evitar a consumação do acto de detenção.

18. Em simultâneo, o arguido dirigiu ao agente da PSP FF, que é do Norte do país, as seguintes expressões: "cobardolas, vou fazer com que sejas expulso da polícia; tenho bons conhecimento; vou estragar a tua vida; ...., deves ser daqueles, com essa pronuncia deves ser daqueles, os gajos do norte são todos paneleiros, ó FF; ...; maricas; cabrão; és um filho da puta; vais-te arrepender do eu estás a fazer".

19. O arguido, quando entrou na viatura da PSP, desferiu pontapés nas costas do Agente da PSP e dirigiu-lhe as seguintes expressões: "eu vou enervá-lo; eu quero enervá-lo; quero que ele se passe; oh FF; filho da puta".

20. No interior do Posto da PSP, o arguido dirigiu as seguintes expressões ao Agente da PSP FF: "vão-se arrepender disto; eu tenho bons conhecimentos na polícia; eu conheço o Superintendente GG; vou fazer com que o Agente que me trouxe de casa seja expulso da polícia".

21. O arguido agiu com o propósito de molestar psicologicamente os ofendidos e de a perturbar na sua liberdade e segurança, o que conseguiu.

22. Mais, pretendia intimidar aqueles, como efectivamente sucedeu.

23. Ao actuar do modo descrito, sempre no interior da habitação comum, o arguido sabia que molestava psicologicamente os seus progenitores.

24. O arguido bem sabia a relação familiar que o unia aos ofendidos, seus pais, e que estes eram pessoas especialmente fragilizada em razão da idade, sendo que nenhuma dessas circunstâncias o coibiu de os maltratar psiquicamente.

25. Os Agentes da PSP encontravam-se devidamente uniformizados e no exercício das suas funções.

26. O arguido sabia que estava perante Agentes da PSP e que aqueles tinham legitimidade para lhe ordenar que falasse mais baixo e não agarrasse com força os seus pais.

27. 0 arguido agiu ainda, de forma livre e consciente, com o propósito, concretizado, de dirigir ao agente da PSP FF expressões que ofendem o seu bom-nome, a honra e a consideração de a mesma goza.

28. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as condutas por si perpetradas eram proibidas e punidas por lei.

A factualidade supra indiciada resulta do teor do auto de notícia por detenção de fls. 2-6 e do CRC de fls. 21.

Tendo em conta a gravidade dos factos em investigação nos presentes autos, a prova indiciária até agora recolhida, afigura-se-nos que o TIR não é suficiente para prevenir o cometimento de outros ilícitos da mesma natureza.

Pelo exposto e a fim de serem sujeitos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do art. 141° do C.P.P., apresente os autos e o detido ao Mm. JIC.

Lisboa, 11/11/2019, (11h30)

(…).

15. Realizado 1.º interrogatório judicial de arguido detido, foi proferido despacho que remetendo para a promoção de 23 a 26 (dos autos principais) (e supra transcrita) indiciou o arguido pela prática de dois crimes de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, um crime de resistência e coacção p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 e um crime de injúria agravada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º por referência à al. I) do n.º 2, do artigo 132.º, todos do CP. Mais foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 191.º a 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. b) e 204.º, al. c), todos do CPP (cfr. fls. 28 a 32 dos autos).
16. Apreciemos:
Na decisão que aplicou a prisão preventiva ao requerente considerou-se haver fortes indícios de ele ter praticado os seguintes crimes:

  - dois de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152. °, n.º 1, al. d) e n.º 2, do CP;

  - um de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 47. °, n.º 1, do CP;

 - um crime de injúria agravado, p. e p. pelos artigos 181. °, n.º 1, 184. °, com referência à alínea I) do n.º 2 do artigo 132. °, do CP.

Os 3 primeiros crimes são puníveis com pena de prisão de 1 a 5 anos, e o último com pena de prisão de máximo inferior a 6 meses.

Só é, por isso, admissível a prisão preventiva, relativamente aos 3 primeiros crimes, se se verificar alguma das situações referidas nas alíneas b) a f) do nº 1, do artigo 202.º, n.º 1, do CPP.

No presente caso, entendeu-se que ocorre a situação da alínea b) – “fortes indícios de prática de crime que corresponde a criminalidade violenta”.

Nos termos da alínea j), do artigo 1.º, do CPP, a “criminalidade violenta” é integrada pelas “condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e a autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”.

Não se diz concretamente em quais dos crimes se funda a decisão de aplicar ao requerente a prisão preventiva, sabendo-se apenas, quanto a isso, que só pode ter sido na indiciação dos 3 primeiros ou em algum ou alguns deles, na medida em que só eles são susceptíveis de integrar o conceito de criminalidade violenta.

O crime do artigo 347º, nº 1, do CP, inclui-se sem dúvida nessa categoria, por se realizar mediante conduta dolosamente dirigida contra a “autoridade pública”.

Por sua vez, os crimes de violência doméstica integrar-se-ão na criminalidade violenta se se realizarem através de condutas dolosamente dirigidas contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual.

Não obstante a natureza vaga das imputações que no despacho de indiciação, por simples remissão para a promoção do MP, são feitas ao requerente, com referência aos pais, percebe-se que estão em causa condutas consideradas integradoras do conceito de maus-tratos psíquicos, dirigidas contra a liberdade pessoal dos ofendidos, e por essa via incluídas na criminalidade violenta.

Só pode, assim, concluir-se que a prisão preventiva, fundando-se na forte indiciação destes 3 crimes ou somente em algum deles, é admissível à luz do artigo 202.º, nº 1, alínea b), do CPP, não podendo dizer-se, como pretende o arguido/requerente, que foi aplicada por facto pelo qual a lei a não permite.

17. Pelo que, não colhe a leitura que o arguido/requerente faz da alínea b), do n.º 2, do artigo 222.º, do CPP, no seu caso em concreto, ou seja, que a sua prisão foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

Destarte, a situação de privação de liberdade a que o requerente se encontra sujeito, tal qual a configurou na sua petição de habeas corpus, não sofre, manifestamente, de qualquer ilegalidade que possa constituir fundamento desta providência.

18. Por tudo o exposto, não pode o pedido de habeas corpus lograr deferimento.

IV.

19. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se indeferir o pedido de habeas corpus formulado pelo arguido AA, por falta de fundamento bastante.

O arguido suportará a taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) unidades de conta – artigo 8.º n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 12 de dezembro de 2019

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP.

Margarida Blasco (Relatora)

Helena Moniz

Manuel Braz