Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2052/19.0T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TRANSAÇÃO JUDICIAL
VONTADE REAL DOS DECLARANTES
IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
CLÁUSULA CONTRATUAL
DENÚNCIA
COMUNICAÇÃO
SENHORIO
ARRENDATÁRIO
OPOSIÇÃO
ATUALIZAÇÃO DE RENDA
Data do Acordão: 04/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O regime legal da interpretação dos negócios jurídicos está concentrado, quanto às suas regras gerais, nos arts. 236.º a 239.º do CC.
II - Podendo afirmar-se, sem prejuízo de tais regras, que a primeira regra de interpretação até será a vontade real comum, o sentido subjetivo comum, ou seja, se há consenso das partes, do declarante e do declaratário, sobre o sentido da declaração, é de acordo com ele que a declaração deve ser interpretada.
III - Estando a segunda regra contida no art. 236.º, n.º 2, do CC, segundo a qual, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, prevalece o sentido subjetivo desde que o declaratário o conheça (em conformidade com o ditame da velha máxima falsa demonstrativo non nocet).
IV - E, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, desconhecendo o declaratário a vontade real do declarante, prevalece, segundo a terceira regra, contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, o sentido objetivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expetativa razoável do autor da declaração: é a chamada teoria da impressão do destinatário.
V - Assim, não havendo acordo das partes quanto à vontade real comum que presidiu ao texto de cláusula duma transação judicial e nada se tendo provado em termos do que era a vontade real dos declarantes, ficamos, em termos interpretativos, circunscritos/confinados à aplicação da regra contida no art. 236.º, n.º 1, do CC, pelo que, dizendo-se no texto da cláusula que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01-06-2018”, a interpretação da cláusula tem que ir no sentido de considerar que o contrato de arrendamento existente entre as partes ficou submetido ao NRAU em 01-06-2018 e não que o contrato de arrendamento fica sujeito ao regime do NRAU no prazo que estiver e/ou vier a ser previsto no art. 54.º, n.º 1, do NRAU (prazo que, após a data da transação, foi majorado de 5 para 10 anos e que nesta interpretação da cláusula faria o contrato ficar submetido ao NRAU apenas em 01-06-2023).
VI - Decorrido o prazo/período (previsto no art. 54.º, n.º 1, do NRAU) de suspensão da possibilidade de operar a transição do contrato para o NRAU, pode o senhorio promover novamente essa transição, remetendo, para o efeito, nova comunicação ao arrendatário, com o teor constante do art. 50.º, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário, com as consequências daí resultantes, os mesmos trâmites que seriam aplicáveis à primeira com a exceção constante do art. 54..º, n.º 6, al. a), deixando assim de ser possível ao arrendatário invocar alguma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º
VII - Nova comunicação em que o senhorio pode, assim como podia na primeira comunicação, propor, com total liberdade, o valor da renda, o tipo e a duração do contrato (como resulta do art. 50.º, al. a), para que remete o art. 54.º, n.º 6, do NRAU).
VIII - Inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de o senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto - apenas perante tal discordância do arrendatário, não exigindo o art. 33.º, n.º 5, que a discordância inclua o tipo e a duração do contrato - promover, querendo, a denúncia do contrato.
IX - Sendo isto que resulta do NRAU, a cláusula do mesmo contrato de transação (celebrada em 23-02-2016), em que se diz que “findo o período transitório de 5 anos, aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”, tem que ser interpretada e aplicada - uma vez que a transição para o NRAU está já estabelecida/fixada na anterior cláusula - em tudo o que a sua aplicação não estiver prejudicada, ou seja, como querendo dizer que, após 01-06-2018, a senhoria teria que voltar a repetir o procedimento (que é o que, em termos práticos, se prevê no art. 54.º, n.º 6, do NRAU), teria que voltar a remeter nova comunicação à ré/arrendatário, com o teor constante do art. 50.º, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário, com as consequências daí resultantes, os mesmos trâmites que seriam aplicáveis à primeira, com a exceção constante do art. 54.º, n.º 6, al. a), deixando de ser possível ao arrendatário a invocação de qualquer uma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º e inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de o senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto, promover, querendo, a denúncia do contrato.
Decisão Texto Integral:





Processo.º 2052/19.0T8BRG.G1.S1
6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Relatório
Vilela & Calheiros, Limitada, com sede na Rua de São Vicente, n.ºs 56 a 58, em Braga, propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Sosequeiras - Garagens, Veículos e Supermercados, Limitada, com sede no Largo São João do Souto, n.ºs 14 e 15, em Braga, pedindo que:
 fosse declarada a inexistência de fundamentos que obstassem à sujeição de contrato de arrendamento (que a ligava, como senhoria, à Ré, sua arrendatária) ao NRAU, a partir de 01 de junho de 2018;

 fosse declarada válida e eficaz a denúncia do dito contrato de arrendamento, por si efetuada em 30 de Julho 2018, com os efeitos já produzidos no termo do prazo de seis meses contado desde então (ou seja, em 30 de Janeiro de 19) ou, subsidiariamente, outra data que venha a resultar de diversa forma de cômputo do prazo;

 fosse declarado que a indemnização devida por si à Ré, pela dita denúncia, é de € 126.450,00;

 fosse declarada a constituição em mora da Ré na restituição do locado, a partir do trigésimo dia subsequente à data de produção de efeitos da denúncia referida (ou seja, em 01 de Março de 2019), ou, subsidiariamente, outra data que venha a resultar de diversa forma de cômputo do prazo;

 fosse a Ré condenada a entregar-lhe de imediato o imóvel antes locado, devoluto de pessoas e bens, contra o pagamento simultâneo, por si própria, da indemnização de € 126.450,00;

 fosse a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização, nos termos do art. 1045.º, n.º 1, do CC, no valor mensal de € 1.215,00, pela ocupação ocorrida em Fevereiro de 2019;

 fosse a Ré condenada a pagar-lhe o valor mensal correspondente ao dobro do valor da renda mensal (€ 1.215,00 x 2), correspondente a € 2.430,00, nos termos do art. 1045.º, n.º 2, do CC, desde a data da constituição em mora no respectivo dever de restituição da fração devoluta de pessoas e bens, acrescida do mesmo valor mensal de € 2.430,00 desde a presente data e até à efetiva e integral restituição do locado, totalmente livre de pessoas e bens;

 (subsidiariamente, face aos cumulativos pedidos anteriores) fosse autorizada a levantar os valores de rendas depositados, na Caixa Geral de Depósitos S.A., pela Ré (na conta ...50, ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade).
Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado, em 09 de Abril de 1962, como senhoria, com a S.…, Limitada, como arrendatária, um contrato de arrendamento sobre um prédio urbano (que identificou), destinado ao exercício da indústria de garagem e reparação de veículos automóveis; e ter a R. adquirido, antes de 1970, por meio de trespasse, a posição desta última no dito contrato.
Mais alegou que, pendendo posteriormente uma ação judicial entre ambas, tendo por objeto a dita relação arrendatícia, veio a mesma a terminar por transação, em 23 de Fevereiro de 2016, ficando nomeadamente acordado que o contrato ficaria sujeito ao NRAU a partir de 1 de Junho de 2018, após o que se aplicaria “o previsto no art. 54.º/6 do NRAU”.
Alegou ainda a A. que, não obstante o acordado na transação, veio a R. defender que a vontade real de ambas as partes foi submeter o contrato ao NRAU findo o período legal em vigor (que era então de 5 anos), pelo que, tendo a lei dilatado tal período para 10 anos, a transação deve ser interpretada como o contrato só ficando submetido ao NRAU em 1 de Junho de 2023; mas, não aceitando a A. tal interpretação (isto é, defendendo que o contrato ficou submetido ao NRAU em 1 de Junho de 2018), comunicou-lhe/propôs-lhe, em 02/06/2018, o valor da nova renda, o tipo e duração do contrato (ou seja, que o contrato passaria a ter prazo certo, a duração de 3 anos e a renda aumentada de € 1.250,00 para € 3.000,00), após o que, não aceitando o que a R. lhe contrapropôs em termos de valor da renda (em que a R. sustentava que não podia atualizar a renda ou, quando muito, tinha que respeitar os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 35.º do NRAU), denunciou em 27 de Julho de 2018 o contrato de arrendamento, contra o pagamento da indemnização de € 126.450,00 (equivalente a 5 anos de rendas, resultantes do valor médio da proposta da A. de € 3.000,00 e da contraproposta da R., correspondente à renda em vigor, de € 1.215,00).
Por fim, a A. alegou que, persistindo a R. na sua posição, deixou de lhe aceitar (após a denúncia efetuada) as quantias pretendidas entregar a título de rendas (passando aquela a depositá-las na Caixa Geral de Depósitos, S.A.); e, devendo-lhe aquela entregar o locado no final de Fevereiro de 2019 (trinta dias depois de a denúncia ter produzido os seus efeitos, ocorrendo esta seis meses depois de comunicada), não o fez, encontrando-se por isso em mora e obrigada a pagar-lhe uma indemnização mensal correspondente ao dobro da última renda devida por cada mês em que persista a indevida retenção do imóvel.

A R. contestou.
Alegou para o efeito, em resumo, que a data de sujeição do contrato de arrendamento em causa ao NRAU resultou do que então se dispunha no art. 54.º/1 do NRAU e, por isso, face à nova redação dada, em 2017, ao art. 54.º/1 do NRAU, tal deve ser considerado na interpretação do dito acordo, tanto mais que tal corresponde ao que era a sua vontade real, conhecida da A..
Mais alegou que, tendo a lei fixado um prazo judicial mais longo (passou de 5 para 10 anos), é este último que se aplica, nos termos do art. 297.º/2 do CC.
Alegou ainda que, ainda que assim se não entendesse (quanto à data de passagem do contrato de arrendamento em causa para o NRAU), sempre o primeiro período de vigência do mesmo seria, não de 3, mas de 5 anos; e o valor de renda outro, por expressa remissão da cláusula da transação para o art. 54.º/6 do NRAU.
Defendeu, pois, ser legalmente infundada a denúncia contratual operada pela A., quer por o contrato de arrendamento em causa só transitar para o NRAU em 01 de Junho de 2023, quer por, quanto ao primeiro período de vigência deste novo regime, não poder exigir a renda de € 3.000,00.
E concluiu pela total improcedência da ação.

A A. respondeu, negando que a vontade real da R. fosse, na transação havida, formada por remissão para o regime legal que se encontrava então vigente e no pressuposto de que o mesmo se mantivesse inalterado.

Realizada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que decidiu:
«(…) julga-se procedente a presente ação e, em consequência:
4.1- Declara-se a inexistência de fundamentos que obstassem à sujeição do contrato de arrendamento em discussão nos autos ao NRAU a partir de 1 de junho de 2018;
4.2 - declara-se válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento comunicada pela autora Vilela & Calheiros à Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda., em 30.07.2018;
4.3 - condena-se a Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda., à entrega do  ... do prédio urbano sito na Praça ..., da freguesia ... (...), ..., à autora Vilela & Calheiros, devoluto de pessoas e bens contra o pagamento simultâneo, por esta, da indemnização devida pela denúncia;
4.4 - declara-se que a indemnização devida autora Vilela & Calheiros à Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda., pela denúncia referida em 4.3 é de €126.450,00;
4.5 - declara-se a constituição em mora da Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda., na restituição do locado à autora Vilela & Calheiros, a partir do 30º dia subsequente à data de produção de efeitos da denúncia referida em 3.2, ou seja, em 01/03/2019;
4.6 - condena-se a Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda., pagar à autora Vilela & Calheiros uma indemnização correspondente ao valor mensal de €1.215,00, nos termos do art. 1045º n.º 1 do CC, pela ocupação ocorrida em fevereiro de 2019;
4.7- Condena-se a Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda. a pagar à autora Vilela & Calheiros, o valor mensal correspondente ao dobro do valor da renda mensal, correspondente a €2.430,00 (€1.215,00 x 2), nos termos do art. 1045º n.º 2 do CC, desde a data da constituição em mora no dever de restituição da fração devoluta de pessoas e bens, acrescida do mesmo valor mensal de 2.430,00, desde abril de 2019 inclusive e até à efetiva e integral restituição do locado, totalmente livre de pessoas e bens.;
4.8 - Mais se autoriza o levantamento pela autora Vilela & Calheiros, dos valores de rendas depositados pela ré, Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda., na Caixa Geral de Depósitos S.A., na conta ...50 ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade.”

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação ... de 04/11/2021, foi julgado parcialmente procedente, tendo-se “(…) em consequência, revogado a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão a:
Declarar a inexistência de fundamentos que obstassem à sujeição do contrato de arrendamento em discussão nos autos ao NRAU a partir de 01 de Junho de 2018;
Autorizar o levantamento pela Autora (Vilela & Calheiros, Limitada) dos valores de rendas depositados pela Ré (Sosequeiras - Garagens, Veículos e Supermercados, Limitada) na Caixa Geral de Depósitos S.A., na conta ...50, ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade;
Absolver a Ré do demais peticionado contra si pela Autora. (…)”

Agora inconformadas – quer a A. quer a R. – interpõem A. e R. recursos de revista, visando a A. a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine “in totum” o decidido na 1.ª Instância; e visando a R. a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue “válida a prova produzida através do depoimento da testemunha AA, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal a quo para reformular a decisão de facto e de direito, e/ou, em qualquer caso, que absolva a R. totalmente dos pedidos contra si formulados”.
Terminou a A. a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…)
Da nulidade processual:
I – O douto Acórdão recorrido entendeu que não estavam observados os pressupostos legais para a denúncia do contrato de arrendamento porque não havia desacordo das partes quanto ao valor da renda, tipo e duração do contrato por si propostos, pois tal ficara ultrapassado pela transação havida.
II - A Recorrente jamais foi confrontada com a perspetiva e construção jurídica exprimida no douto Acórdão, que nunca foi apresentada ou invocada pela própria Ré, ora Recorrida, ou pelo Tribunal da 1ª Instância, fazendo uma abordagem radicalmente distinta, traduzindo uma decisão-surpresa.
III - Ao adotar aquela posição e perspetiva sem ter feito operar o direito ao contraditório que poderia, quiçá, contribuir decisivamente para o sentido da decisão, verificou-se nulidade processual que expressamente se invoca, por preterição de ato legalmente imposto e cuja omissão foi suscetível de influir na decisão de mérito da causa (cfr. arts. 3º n.º 3 e 195º n.º 1 do CPC), a qual pode ser arguida e conhecida em sede de recurso.
IV - De todo o modo, deverá ser observada a denominada regra da substituição ao tribunal recorrido, estatuída no art. 665º do CPC, devendo o mérito da questão ser decidido na sua plenitude por este douto Supremo Tribunal de Justiça.
Dos demais fundamentos do recurso:
V - Os requisitos do desacordo para aplicação do art. 33º do NRAU não são cumulativos, mas – antes – alternativos, bastando para a sua aplicação desacordo quanto à renda, quanto ao tipo ou quanto à duração do contrato.
VI - O mencionado art. 33º resolve de uma forma simples o dissenso quanto ao tipo e duração do contrato, no seu n.º 4, al. b), determinando supletivamente que o contrato se considera celebrado por prazo certo, de cinco anos; é no dissenso quanto ao valor da renda que a solução legislativa determina duas opções para o senhorio: a denúncia do contrato ou uma atualização da renda segundo um critério objetivo por referência ao valor patrimonial tributário (cfr. als. a) e b) do n.º 5 do art. 33º do NRAU).
VII - Nenhuma das comunicações dirigidas pela Recorrente à Recorrida em 2018 visava alcançar a transição para o NRAU – a qual já estava definida para 01/06/2018 na transação judicial celebrada – mas, apenas, definir a renda, o tipo e duração do contrato findo que estava o período transitório dos cinco anos que antecedeu aquela data, uma vez que a transação, no entender da Recorrente, não resolveu tais questões, as quais tinham, necessariamente, de ser ultrapassadas.
VIII - A transação judicial celebrada definiu unicamente a renda até ao termo do período transitório, tendo-se limitado a estabelecer que “findo o período transitório de 5 anos aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU” (cfr. Cláusula Terceira).
Ou seja, a transação judicial não incluiu qualquer acordo que definisse a renda, tipo ou duração do contrato a partir de 01/06/2018, remetendo meramente para os mecanismos gerais da norma que identificou, o que não consubstancia acordo quanto a esses aspetos, mas a mera definição dos mecanismos futuramente aplicáveis.
IX – Sobre a interpretação e alcance da Cláusula Terceira da transação [“findo o período transitório de 5 anos aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”], o douto Acórdão recorrido considerou que essa remissão significou que as partes já haviam acordado na duração do contrato e no valor da renda para o primeiro período de vigência do NRAU; considera, pelo contrário, a Recorrente que essa remissão apenas operaria se as partes não viessem futuramente, após o momento da transição para o NRAU, a acordar quanto à renda, tipo e duração do contrato, situação em que funcionaria o mecanismo legal previsto naquela norma, o que não pode ser configurado como acordo preestabelecido quanto à renda, tipo e duração do contrato.
X - É notório pelo teor da transação que as partes circunscreveram o seu objeto ao mínimo essencial – data da transição para o NRAU e renda nesse período transitório.
As partes não quiseram ou não puderam, claramente, ir mais além, deixando em aberto os termos a vigorar após 01/06/2018 que tanto poderia surgir de acordo ulterior como, na sua falta, dos mecanismos supletivos que identificaram.
XI - Se as partes pretendessem definir igual renda para o primeiro período de vigência do NRAU, tê-lo-iam certamente dito, de acordo com as regras normais da experiência, atenta a essencialidade desse aspeto. Da mesma forma, se quisessem ter logo definido o tipo e duração do contrato, tê-lo-iam dito de forma clara e direta, em lugar de convocar uma norma legal com uma latitude e alcance muito mais extensos.
XII - A remissão operada pela dita Cláusula Terceira também abrange a parte da norma que refere “o disposto nos artigos 50º e seguintes”, o que significa, no caso concreto, o ressurgimento do mecanismo negocial para fixação da renda, tipo e duração do contrato. Seria estranha uma remissão para o n.º 6 do art. 54º da qual só se aproveitaria a sua alínea b), posto que, na visão do douto Acórdão recorrido, tudo o mais seria simplesmente insuscetível de ser aplicado.
XIII - Entende-se – com o devido respeito – não fazer sentido ver numa remissão para normas que assumidamente versam sobre desacordo no seguimento de processo negocial, uma forma de acordo (!). Como não faz sentido considerar a renda já fixada por acordo a partir de uma remissão para norma que estabelece os critérios de atualização de uma renda já atualizada (!), ressalvadas as ulteriores atualizações anuais.
XIV – Finalmente, mas mais importante, é notório que, na sucessão de comunicações e dos factos provados 15 a 18, nenhuma das partes se manifestou, direta ou indiretamente, no sentido de que, afinal, havia acordo quanto à renda, tipo e duração do contrato a vigorar após 01/06/2018, comportando-se ambas como se esse desacordo existisse.
XV - Pelas razões expostas, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 236º e 237º do CC já que, além de ver acordo onde as próprias partes viram desacordo, emprestou à transação um sentido que um declaratário normal manifestamente não lhe daria, à luz das regras normais da experiência, vendo nessa remissão a definição de um contrato com prazo certo, com a duração de três anos. O que poderia ter sido lapidarmente escrito, como o foi a data certa de transição para o NRAU e a renda do período transitório. Se as partes souberam ser precisas nesses aspetos temporários, também o saberiam ser na definição da renda futura e de um prazo certo de três anos, aspetos muito mais relevantes na economia do contrato a longo prazo, em lugar de operarem uma nebulosa remissão legal com implicações e pressupostos mais vastos e abrangentes donde, afinal, só seria aproveitável a al. b) daquele n.º 6, nada mais havendo a aproveitar caso se entendesse que a renda já estava fixada para o período posterior a 01/06/2018.
XVI - A interpretação do douto Acórdão recorrido exorbita, inclusive, o elemento literal da citada Cláusula Terceira. “Aplicar” significa mobilizar os mecanismos legais do conjunto da norma e não equiparar liminarmente a acordo uma solução mediata que decorre de uma única alínea, à qual apenas se chega através de uma operação de intermediação normativa. Pelo que foram abandonados os limites daquele art. 236º do CC pelo douto Acórdão recorrido.
XVII - Ainda que se equacionasse tratar-se de um caso duvidoso – o que também não se concede – também foram abandonados os limites do art. 237º, já que não existe matéria de facto provada donde se possa aferir o que conduziria ao maior equilíbrio das prestações, em face do negócio oneroso em causa.
XVIII – A remissão daquela Cláusula Terceira surge, precisamente, como resposta à questão de definir os mecanismos de apuramento da renda, tipo e duração do contrato após a produção de efeitos da transição para o NRAU fixada para 01/06/2018 e o eventual não acordo para tais aspetos. Essa incerteza seria colmatada pelos mecanismos supletivos de fixação da renda, tipo e duração do contrato, não se traduzindo – porém – num acordo prévio e à cabeça dessa trilogia.
XIX - A remissão feita na transação judicial para o n.º 6 do art. 54º do NRAU implica, por sua vez, a remissão expressa para os art. 50º e segts., o que determina o ressurgimento do respetivo mecanismo negocial, desta vez já não dirigido à definição do momento da transição para o NRAU, porque convencionado para 01/06/2018 por via da transação, mas para a definição daquela trilogia: renda, tipo e duração do contrato, para vigorar após essa transição.
XX – Aliás, todas as manifestações escritas da Recorrida eram de forma a manter a convicção da Recorrente no sentido de haver, efetivamente, desacordo quanto à renda, tipo e duração do contrato a partir de 01/06/2018.
XXI - Ao ressurgir de forma renovada esse mecanismo negocial enunciado nos arts. 50º a 55º do NRAU voltam a emergir as mesmas exatas opções supra descritas, enunciadas no art. 33º n.º 5, als. a) e b), por remissão expressa do art. 52º.
XXII - O que equivale a dizer, no caso concreto dos autos, que não tendo as partes acordado de forma completa sobre os aspetos essenciais do contrato já transitado para o NRAU, as mesmas entregaram-se, por opção voluntária e expressa, aos mecanismos legais que estabelecem as já referidas duas opções para o senhorio: a denúncia do contrato ou uma atualização da renda segundo um critério objetivo por referência ao valor patrimonial tributário (cfr. als. a) e b) do n.º 5 do art. 33º do NRAU). Esta segunda opção implicaria que a Recorrente se conformasse com a manutenção de um valor correspondente a 1/15 do valor patrimonial tributável, coincidência matemática que não lhe pode amputar aquele direito à denúncia.
XXIII - Conforme decorre do art. 50º do NRAU, quando o senhorio toma a iniciativa de iniciar esse processo negocial, não possui qualquer tipo de baliza ou limite na quantificação da sua proposta de renda, posto que o desacordo conduz, invariavelmente, ao critério correspondente a 1/15 do valor patrimonial do locado, sendo indiferente o quantum dessa diferença.
XXIV – Ademais, a lei consagra consequências que visam penalizar as propostas mais elevadas por parte do senhorio, já que a possibilidade de denúncia depende do pagamento de uma indemnização que tem por medida “o valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário” – cfr. al. a) do n.º 5 do art. 33º do NRAU, o que in casu significou elevar a indemnização em mais 53.550,00 €.
XXV - A Recorrente optou pela denúncia do contrato justamente porque as partes não lograram chegar a acordo nem quanto ao valor da renda, nem quanto à duração/prazo do contrato, a vigorar após 01/06/2018.
XXVI – Pelo que estavam totalmente preenchidos os pressupostos do direito à denúncia a que se refere a al. a) do n.º 5 do art. 33º no NRAU, aplicável ex vi art. 52º, tendo sido esse o sentido e efeito útil da mencionada Cláusula Terceira da transação: as partes, antevendo que poderiam não acordar futuramente quanto a aspetos sobre os quais não quiseram definir ab initio na transação, por entenderem não haver ainda condições para tal, entregaram-se ao mecanismo legal destinado a sanar o impasse sobre as condições essenciais do contrato a vigorar após 01/06/2018: renda e duração do contrato, sendo que apenas vieram a acordar implicitamente quanto ao tipo já em 2018.
XXVII - O que fez ressurgir as opções legais em toda a sua latitude – maxime a possibilidade de denúncia exercida pela Recorrente – tendo como única ressalva o disposto no n.º 6 do art. 54º.
XXVIII – A Recorrente não tinha de se conformar com a continuidade da renda preexistente, coincidente com o critério do 1/15 do VPT, numa fase em que as partes ainda podem almejar acordo integral quanto à trilogia renda/tipo/duração do contrato.
Como é comum a todas as situações de denúncia com os mesmos fundamentos, a mesma é uma opção que se coloca justamente quando o senhorio não se conforma com a sujeição a uma renda calculada por referência a 1/15 do valor patrimonial tributável, ainda que o valor até então vigente já coincidisse com esse critério.
XXIX - Atento o exposto, entende-se ser forçosamente de concluir que não existiu qualquer acordo quanto à renda a vigorar após o momento da transição para o NRAU, nem quanto à duração do contrato. Nesse sentido, estavam integralmente preenchidos os requisitos da denúncia operada pela Recorrente na comunicação de 27/07/2018 a que se refere o facto provado 19 e 20, ao abrigo do art. 33.º, n.º 5, al. a), do NRAU, aplicável ex vi do art. 52.º, do mesmo diploma. Normativos esses violados pelo douto Acórdão recorrido, a par dos já supra citados arts. 236º e 237º do CC.

Terminou a R. sua alegação com as seguintes conclusões:
(…)
V. No âmbito da apelação assim julgada, a Recorrente pretendia obter a reapreciação da matéria de facto, pretendendo que fossem julgados provados os 5 pontos da matéria de facto julgada não provada, indicando, entre outros, o depoimento de AA (Gravação com o n.º de  registo ..., audiência de 16-09-2020), sendo que, o Acórdão em crise, considerou que este depoimento “é nulo; e, assim, insuscetível de ser aqui valorado”, não se conformando a Recorrente com tal decisão; daí o presente Recurso;
VI. Resulta da motivação aposta no Acórdão que a transação da qual consta a cláusula relativa ao momento da transição do contrato de arrendamento para o NRAU ocorreu no âmbito de uma diligência de tentativa de conciliação (vide página 78 do Acórdão recorrido) que conduziu à composição do litígio, ou seja, mediante negociação não malograda.
VII. No âmbito da diligência de conciliação em causa, sabemos que as partes lograram pôr termo à ação.
VIII. Os factos que estiveram na origem desta situação não estão, nem podem estar, cobertos pelo segredo profissional na medida em que os mesmos foram reduzidos a escrito e é concretamente sobre o que está escrito que decorre o presente litígio entre as partes.
IX. A testemunha Dr. AA, Advogado, não depôs sobre quaisquer factos não contidos na transação dos autos e, muito menos, acerca de factos que lhe tenham sido transmitidos pela parte contrária, outrossim, sobre a convicção que norteou a elaboração daquela transação de acordo com os factos alegados e peticionados naqueles mesmos autos, não estando sujeito a segredo profissional na medida em que não se tratam de factos conhecidas apenas por se tratar de advogado.
X. Pelo menos mais duas testemunhas (que não eram advogadas) assistiram e tomaram conhecimento do contexto da transação e nenhuma das partes tem qualquer interesse atendível em que seja omitido o contexto desta transação até porque esse contexto nunca foi sigiloso.
XI. Aliás, do documento junto com a contestação sob o nº 7, junto aos autos a fls. 75, consta uma carta enviada pela Recorrida/Senhoria à Recorrente/Arrendatária, a 26.06.2013, muito antes da tentativa de conciliação, em que consta, expressamente, que: “Desde logo concordamos que, face à prova apresentada de que reúne as condições referidas no nº 4 do art. 51º do NRAU, o contrato de arrendamento só transite para o NRAU decorridos 5 anos após a vossa resposta, ou seja, a partir de 1 de junho de 2018”, o que mostra bem que a data de 01/06/2018 era apenas e só a data que constava da lei tendo sido essa data e nenhuma outra que foi aposta no documento a que chegaram as partes e que pôs termo à ação.
XII. Não se vislumbra que exista a nulidade do depoimento da testemunha AA (Gravação com o número de registo ..., audiência de 16-09-2020), o que se invoca e determina que a decisão recorrida viole o disposto no art. 674º, n.º 1, al b) do CPC.
XIII. Por causa do entendimento quanto à impossibilidade de valoração da prova, a decisão recorrida não apreciou, em concreto, a prova indicada pela Recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, razão pela qual devem os autos ser remetidos à Relação para efetivo conhecimento da impugnação da matéria de facto de acordo com os concretos meios probatórios indicados, no caso, o depoimento da testemunha AA (Gravação com o número de registo ..., audiência de 16-09-2020, o que se requer.
XIV. Mesmo que se mantenha a decisão de facto a que chegou o Tribunal “a quo”, impunha-se decisão de direito diversa daquela a que chegou a instância recorrida, impondo-se a total improcedência da ação dos autos.
XV. A Recorrida deu início ao procedimento legal previsto na Lei 6/2006, através do qual pretendeu operar a transição imediata do contrato de arrendamento e, ainda, a atualização da renda.
XVI. A Recorrente, por seu turno, não concordou com a transição imediata por se tratar de microempresa e, de igual modo, negou a atualização pretendida.
XVII. Na resposta, a Recorrida aceitou a invocação da circunstância de a Recorrida ser uma micro empresa e determinou, nos termos em que a lei previa, o seguinte: “Desde logo concordamos que, face à prova apresentada de que reúne as condições referidas no nº 4 do art. 51º do NRAU, o contrato de arrendamento só transite para o NRAU decorridos 5 anos após a vossa resposta, ou seja, a partir de 1 de junho de 2018”, ou seja, a transição do contrato para o NRAU sucederia 5 anos depois da receção, pela Recorrente, da comunicação a que alude o art. 54º/1 da Lei 6/2006 na redação dada pela Lei 31/2012 de 14/08.
XVIII. A Recorrente/arrendatária não se conformava com a exiguidade do prazo legal de 5 anos de transição tendo intentado ação através da qual invocou a inconstitucionalidade daquele art. 54º/1 da Lei 6/2006 na redação dada pela Lei 31/2012 de 14/08, tendo, porém, mais tarde, desistido de tal alegação aceitando a posição da Recorrida, ou seja, que a transição do contrato ocorreria, nos termos legais, ao fim daqueles 5 anos após a comunicação operada em 01/06/2013.
XIX. Na diligência que pôs termo àqueles autos, ambos os intervenientes agiram de acordo com a redação das leis então vigentes e não foi por elas consignada a transição imediata do contrato para o NRAU, bem pelo contrário;
XX. Na verdade, o que as partes declararam foi que essa transição ocorreria em 01/06/2018 – circunstância que convoca a aplicação de leis no tempo, mormente, as leis imperativas e consagradas em benefício da estabilidade das relações de arrendamento em contraponto à especulação imobiliária.
XXI. Ou seja, se as partes não acordaram na transição imediata para o NRAU, nem fixaram tal transição para data anterior à entrada em vigor da Lei 43/2017, de 14/06, verifica-se que a relação jurídica subsistia à data de entrada em vigor dessa mesma lei, a qual, como se sabe, alterou o prazo de transição dos contratos para 10 anos.
XXII. O acordo referido na lei é o que se refere a factos instantâneos e não a factos duradouros pois que, na falta de acordo do inquilino para momento imediato ou anterior aos 5 anos, valem (valiam) os 5 anos que a lei determinava; Hoje a lei determina um prazo para a transição de 10 anos.
XXIII. Nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 09/02/2017, “I. Se o arrendatário alegar e provar que é uma microempresa e que no locado existe um estabelecimento comercial aberto ao público, ou qualquer outra circunstância prevista no n.º 4 do art.º 51.º, a menos que haja acordo entre as partes, o contrato só é submetido ao NRAU passados 5 anos a contar da recepção pelo senhorio daquela invocação.”
XXIV. Ora, bem vistas as coisas, o direito que assiste ao Senhorio de operar a transição para o NRAU pode ser considerado um verdadeiro direito potestativo na medida em que, mesmo sem o acordo do arrendatário, ao fim de 5 anos (agora 10 anos), tal direito desencadeia efeitos na esfera jurídica deste independentemente da sua vontade, deixando, assim, o arrendatário num verdadeiro estado de sujeição.
XXV. Se atentarmos aos factos provados nos pontos 4, 5, 6, 7 e 8 e ao documento denominado “transação” temos que o momento da transição corresponde, nem mais nem menos, ao momento em que a lei reconhece que o arrendatário, aqui Recorrido, fica num estado de sujeição, ou seja, ao fim de 5 anos em 01/06/2018;
XXVI. Por fim, permita-se uma referência concreta ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05/12/2019, processo 1906/18.6T8VRL.G1, relatado pela Desembargadora Conceição Bucho, o qual, salvo diferente e melhor opinião, importa uma identidade de facto e de direito com o Acórdão Recorrido mas em sentido totalmente oposto quanto à aplicação da lei no tempo quanto ao momento em que ocorre a transição do contrato para o NRAU.
XXVII. Naquele Acórdão de 05/12/2019, verificou-se que o senhorio desencadeou o procedimento de comunicação de transição do contrato não habitacional para o NRAU e que o arrendatário respondeu invocando a sua condição de microempresa dizendo o seguinte: “assim, proponho que o presente contrato de arrendamento seja submetido ao NRAU no prazo de cinco anos a contar da receção por V. Excia, da presente resposta (...)”, tendo o Senhorio aceitado a proposta;
XXVIII. Ambas as instâncias concluíram pela aplicação do prazo de dez anos previsto na Lei 43/2017, de 14/06, o que está em clara oposição ao julgado nos autos em circunstâncias de facto praticamente idênticas.
XXIX. Assim sendo, à data de entrada em vigor da Lei 43/2017, não tendo ainda ocorrido a transição do contrato para o NRAU, há-de aplicar-se o prazo de transição da lei nova, no caso, o contrato de arrendamento não habitacional apenas poderia transitar para o NRAU em 01/06/2023.
Com o seu entendimento a decisão recorrida violou, entre outras disposições, o disposto nos artigos 30º, 33º, 35º, 50º, 51º, 52º e 54º do NRAU, artºs 12º, 236º, 237º, 297º.2,473º, 476º, 847º e 1045º.2 do C Civil, arts. 554.º,1 e 615º do CPC. (…)”

Apenas a A. apresentou resposta, terminando a sua contra-alegação com as seguintes conclusões.
(…) Da irrecorribilidade:
V – A apreciação do pedido I de simples apreciação negativa formulado na p.i., relacionado com a questão da data da transição do contrato para o NRAU, já mereceu igual decisão e fundamentação quer pela Primeira Instância, quer pela Segunda Instância, que consideraram encerrada a questão interpretativa, remanescendo o teor literal da cláusula primeira da transação judicial homologada por sentença, transitada em julgado em processo anterior.
VI - Ainda que se entendesse não haver uma plena identidade de fundamentação – o que não se concede – e tomando de empréstimo as palavras do douto Acórdão do STJ de 09/07/2015 (proc. 542/13.8T2AVR.C1.S1) é plenamente seguro e manifesto que a Segunda Instância não decidiu “de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada”.
VII - Verifica-se deste modo, quanto a essa questão, uma dupla conforme na aceção do art. 671º n.º 3 do CPC relativamente à sentença proferida em Primeira Instância e ao douto Acórdão da Relação ora recorrido, que se mostra irrecorrível quanto à apreciação do pedido I formulado na p.i.
Subsidiariamente, mas sem prescindir:
C - Dos fundamentos da revista:
VIII – O depoimento da Testemunha AA, Advogado que interveio no processo onde foi celebrada transação judicial, teve por escopo abalar a literalidade da transação e introduzir factos que a transcendem e lhe são exteriores, com reporte direto à formação vontade de ambas em partes no processo negocial e à sua putativa relação com o prazo legal então vigente, sua motivação e opções possíveis, a partir de conversas que refere terem ocorrido.
IX – A Testemunha depôs sobre o desenrolar da negociação que conduziu à transação, incidindo sobre o que é que cada parte teve supostamente em mente, designadamente porque é que as partes aceitaram um determinado prazo, indo ao ponto de afirmar que o que queriam dizer era reportar-se ao prazo legal, fosse ele qual fosse que, à data, era de cinco anos.
X - Dimensão à qual apenas teve acesso como efeito direto e necessário do exercício do mandato naquele processo enquanto Advogado e que implicou a interação quer com a contraparte, quer também com o seu Mandatário.
XI - É de destacar que o âmbito legal do sigilo profissional contempla as próprias dimensões indiretas dos factos sujeitos a sigilo, o que resulta manifestamente do n.º 3 do art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados [“O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”].
XII - Não só a referida Testemunha não promoveu o levantamento do sigilo profissional – cuja tentativa estava ao seu alcance – como a ora Recorrida levantou imediatamente a questão aquando do depoimento, arguindo a respetiva nulidade e proibição de prova, o que não foi atendido pela Primeira Instância mas foi atendido pelo douto Acórdão recorrido.
XIII - Também em nada releva o facto de existirem outras testemunhas que presenciaram os factos, já que, não sendo estas advogados, o seu depoimento é insuscetível de se repercutir sobre os bens jurídicos tutelados pelo regime legal e estatutário do sigilo profissional.
XIV - O objeto do depoimento colidiu diretamente com as als. a), e) e f) do art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, versando tal objeto sobre factos cujo conhecimento adveio à Testemunha por efeito do exercício das funções de Advogado, traduzindo uma violação grosseira do dever de sigilo profissional, consubstanciando constitui um meio proibido de prova, nos termos das disposições combinadas dos art.º 197º nº. 1 e 199º ambas do CPC e do nº 5, do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e concomitantemente, causa de nulidade na parte em que se reporta às negociações que presidiram e que antecederam a transação e as próprias tentativas de conciliação, o que constitui o núcleo essencial do desiderato probatório que a Apelante tentou, sem êxito, alcançar.
XV - No entanto, a admissão de tal depoimento – que não se concede – em nada determinaria a modificação do julgamento de facto quantos aos “factos não provados” 1 a 5, pelas razões e fundamentos constantes da resposta da Autora ao primeiro recurso da ora Recorrente, que nessa parte se dá por integralmente reproduzido, a que correspondem as suas conclusões XV a XIX.
C.2 - Questão da definição do momento de transição para o NRAU:
C.2.1 - Do caso julgado:
XVI - Expurgada a questão da interpretação na qual a Recorrente decaiu, nada mais resta do que o sentido literal constante da transação com a respetiva força de caso julgado, não podendo agora atacar os efeitos dessa transação com construções jurídicas relativas à alteração de prazos em curso, posto que o acordado na transação foi a transição numa data certa e não a definição de um prazo. Na transação, as partes fixaram um termo suspensivo para essa produção de efeitos, por recurso a data certa, não tendo fixado qualquer prazo.
XVII - A mera discussão de direito sobre a fixação de data certa para essa transição colide com o caso julgado material e os seus limites objetivos decorrentes daquela sentença homologatória, afrontando gravemente a estabilidade das relações jurídicas e sociais visadas por tal instituto, a paz jurídica e a inerente tutela das expectativas e proteção da confiança da contraparte.
XVIII - Assim, está vedado à Recorrente discutir na presente revista a questão do momento da fixação dos efeitos da transição para o NRAU, fora do quadro da interpretação da transação, por força da existência de caso julgado material, nos termos do art. 619º do CPC, o que expressamente se invoca.
Subsidiariamente, mas sem prescindir:
C.2.2 - Da questão substantiva:
C.2.2.1 - Questão da imperatividade do prazo de transição para o NRAU:
XIX – A transição dos contratos de arrendamento para o NRAU pode ser estabelecida por acordo, incluindo por via do processo negocial expresso pelas comunicações previstas no art. 50º e segts. do NRAU, inexistindo razões de ordem pública em contrário.
XX – Essa possibilidade é expressamente mencionada no art. 54º n. 1 do NRAU, tanto na redação da Lei n.º 79/2014 como na atual redação da Lei n.º 43/2017, o qual refere que caso o arrendatário invoque e comprove as circunstância legais “o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo das partes ou (…)”; o art. 31º n.º 9 do NRAU (que não mereceu qualquer alteração desde então) também estabelece que a não resposta do Inquilino à comunicação do Senhorio implica que o contrato fique submetido ao NRAU no 1º dia do 2º mês seguinte ao termo do prazo de resposta do arrendatário. Ou seja, a não reação do Inquilino tem a consequência legal de determinar uma imediata transição para o NRAU.
C.2.2.2 - Questão da alteração do prazo de transição do NRAU de 5 para 10 anos, por efeito da Lei 43/2017:
XXI - In casu, houve acordo com data certa pré-definida, o que afasta a aplicação de qualquer prazo supletivo, seja ele de 5 ou de 10 anos.
XXII - A questão do momento de transição do contrato para o NRAU pressupõe como questão prévia a inexistência de acordo, sendo aquela apenas convocada nesta hipótese. O art. 54º n.º 1 do NRAU, mesmo na sua redação atual, só se aplica nas hipóteses de não haver acordo [“(…) mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de 10 anos a contar da receção (…)”]. E, nos presentes autos, houve.
Mais uma vez, mesmo com a ampliação do prazo de 5 para 10 anos a Lei continua a prever expressamente a possibilidade de transição por acordo, seja qual for a qualificação dogmática ou as motivações daquele acordo judicial.
XXIII - Na transação de 23/02/2016 as partes não fixaram um prazo para a transição para o NRAU, mas definiram uma data certa e precisa para essa transição que equivale a um termo suspensivo. O que descaracteriza a conceção de “um prazo em curso” presente na construção jurídica ensaiada pela Recorrente e com base na qual procura fazer caber a invocada Jurisprudência.
XXIV - O Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2019 (proc. 1906/18- 6T8VRL.G1), invocado pela Recorrente, em lugar de retirar razão à Recorrida vem reforçar a razão desta: o acordo que fixou a data de transição para o NRAU nestes autos, com a respetiva sentença homologatória, traduziu um facto instantâneo e não um facto duradouro. Nada tendo abalado a validade e eficácia dessa transação, todo o facto – definição de data certa, por acordo – ocorreu sob a vigência da Lei Antiga, produzindo os seus efeitos de forma total e completa no domínio da mesma, embora sujeito a termo suspensivo. Pelo que, à data de entrada em vigor da Lei n.º 43/2017, de 14/06, os efeitos do acordo e sentença homologatória estavam totalmente sedimentados no Ordenamento Jurídico.
XXV - Assim, a produção de efeitos da transição foi fixada por acordo, nesse contrato processual, para 01/06/2018, ou seja, dois anos e quatro meses depois da respetiva celebração, não tendo as partes manifestado qual o prazo que consideravam em curso ou – sequer – se havia prazo em curso.
XXVI - Se é certo que as partes não acordaram numa transição imediata para o NRAU, acordaram, porém, de imediato uma data certa para essa transição, que já se situava a dois anos e quatro meses da sua produção de efeitos, num válido exercício da sua vontade, objeto de sentença homologatória, com a inerente força de caso julgado.
XXVII - A Jurisprudência convocada pela Recorrente não contempla nenhuma factualidade com paralelo ou analogia com os presentes autos, visto que em nenhum deles foi definido por acordo uma data certa para a transição para o NRAU e – muito menos – objeto de anterior sentença homologatória. As situações que foram analisadas diziam respeito a prazos que reconhecidamente ainda se encontravam em curso, o que não sucede nos presentes autos por ter sido fixada uma data certa.
XXVIII – Todas as demais questões potenciais (v.g. a invocação de circunstâncias impeditivas da transição para o NRAU ou o seu protelamento) foram totalmente ultrapassada pela transação judicial celebrada, o mesmo valendo para todos os antecedentes e posições constantes da troca de comunicações e posições entre as partes até à instauração da ação judicial no seio da qual as partes vieram a transigir, o que fere qualquer analogia com o citado Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2019.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*


II – Fundamentação de Facto
II - A – Factos provados
1 - Em 09 de Abril de 1962, Vilela & Calheiros, Limitada (aqui Autora) celebrou. com S..., Limitada, por escritura pública, um contrato de arrendamento, tendo por objeto o uso do  ... do prédio urbano sito na Praça ..., da freguesia ... (...), em ..., tendo sido acordada a renda mensal de Esc. 8.000$00, a pagar na sede da senhoria, com vencimento no primeiro dia útil do mês a que respeitasse, com efeitos desde 01 de Abril de 1960.
2 - O  ... referido no facto provado anterior destinou-se «ao exercício da indústria de garagem, com recolha, lubrificação e reparação de veículos automóveis, comércio de compra e venda dos mesmos e de combustíveis e lubrificantes, salão de exposições, compreendendo ainda todos os artigos relacionados com os referidos indústria e comércio».
3 - Entre 1960 e 1970, foi transmitida a posição contratual de S..., Limitada para Sosequeiras - Garagens, Veículos e Supermercados, Limitada (aqui Ré), por contrato de trespasse.
4 - Por carta datada de 29 de Abril de 2013, a Autora comunicou à Ré a intenção de transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), com o tipo de prazo certo, a duração de 5 anos, e a renda mensal de € 3.118,00.
5 - Por carta datada de 28 de Maio de 2013, recebida pela Autora em 01 de Junho de 2013, a Ré opôs-se à transição imediata do contrato para o NRAU, por invocação e comprovação da sua qualificação como microempresa.
6 - A Ré opôs-se ao valor proposto pela Autora para a renda mensal, com fundamento na mesma invocação da sua qualidade de microempresa e ainda por aplicação de errados coeficientes de localização e de afetação.
7 - Por carta datada de 26 de Junho de 2013, a Autora comunicou à Ré que o contrato transitaria para o NRAU «decorridos 5 anos após» a receção da carta referida nos dois factos provados anteriores, «ou seja, a partir de 1 de junho de 2018».
8 - A qualificação da Ré como microempresa foi aceite pela Autora, pela carta de resposta, datada de 26 de Junho 2013 (referida no facto provado anterior).
9 - Foi o valor da renda exigida pela Autora que levou a Ré a intentar contra ela uma acção (que correu termos na Instância Central ..., ... Secção Cível, J..., sob o n.º 5963/13....).
10 - No âmbito da ação intentada pela Ré contra a Autora (da Instância Central ..., ... Secção Cível, J..., n.º 5963/13....), as partes transigiram sobre o objeto do processo, nos termos seguintes:
«(…)

1ª)

O contrato identificado nos arts. a da petição inicial e no documento n.º 1 junto à mesma fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018.
2ª)

No período transitório, desde a vencida em 1 de setembro de 2013, a renda mensal é fixada em 1.215,00;
3ª)

Findo o período transitório de 5 anos aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU;

4ª)

Do depósito efetuado à ordem do tribunal, desde o correspondente documento n.º 11 junto à petição inicial, em 1.09.2013, até ao efetuado no presente mês de fevereiro, no total de 30 mensalidades, de 2.000,00 cada, cabe à senhoria o montante de 36.450,00 (correspondente a 30 x 1.215,00) e à arrendatária o remanescente de €23,550,00 (€ 60.000,00 - 36.450,00);

5ª)

A autora desiste dos demais pedidos formulados na petição inicial;

6ª)
As custas em dívida a Juízo serão suportadas por Autora e Ré, em partes iguais, prescindindo reciprocamente de custas de parte e procuradoria disponível.
(…)»
11 - Por sentença datada de 23 de Fevereiro de 2016, foi homologada a transação referida no facto provado anterior.
12 - O valor da renda mensal passou a ser de € 1.215,00, com efeitos a partir de Setembro de 2013 e até Janeiro de 2019.
13 - Após a transação referida nos factos provados enunciados sob os números (em 4) e 5), a Autora e Ré não se entenderiam quanto à data da sujeição do contrato de arrendamento ao NRAU, e quanto à denúncia do contrato que a Autora efetuaria.
14 - Em 29 de Maio de 2018, a Ré enviou à Autora uma carta (que a recebeu em 30 de Maio de 2018), onde lhe comunicou, além do mais, que na decorrência do regime imperativo da Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho, conjugada com o disposto no art. 297.º, n.º 2 do CC, e ressalvando eventuais alterações legislativas, entendia que o termo do prazo de transição para o NRAU, aplicável ao contrato de arrendamento, estava prorrogado para 01 de Junho de 2023.
15 - Em 01 de Junho de 2018, a Autora enviou à Ré uma carta (que a recebeu em 05 de Junho de 2018), comunicando-lhe que, transitando o referido contrato de arrendamento para o NRAU, com efeitos desde 01 de Junho de 2018, lhe propunha que o contrato em causa fosse convertido em contrato com prazo certo, com a duração de 3 (três) anos, sendo o valor da renda (de € 1.215,00) aumentado para € 3.000,00 (três mil euros).
16 - Na carta de 01 de Junho de 2018, a Autora comunicou à Ré que considerava inaplicável o disposto no n.º 4 do art. 51.º do NRAU, uma vez que as circunstâncias aí previstas apenas relevavam para a fixação de um período de transição para o NRAU, sendo que, nos presente caso, o período de transição (cinco anos) fora já fixado e acordado na transação efetuada (na ação judicial, sob o n.º 5963/13....), nos termos da qual o contrato de arrendamento ficou sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01 de Junho de 2018.
17 - Em 02 de Julho de 2018, a Ré comunicou por carta à Autora (que a recebeu em 04 de Julho de 2018), que: não aceitava a transição imediata do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, porquanto o respetivo prazo legal transitório atualmente aplicável só terminaria em 31 de Maio de 2023; e, subsidiariamente, não aceitava a limitação do primeiro período do regime do NRAU a 3 anos (por preferir o prazo legal supletivo, atualmente de 5 anos), nem a pretensão da Autora fixar em € 3.000,00 a renda mensal devida nesse mesmo primeiro período do regime do NRAU (de 3 anos), por preferir a renda calculada com as limitações do art. 35.º, n.º 2, als. a) e b), do NRAU.
18 - Em 27 de Julho de 2018, a Autora comunicou à Ré por carta (que a recebeu em 30 de julho de 2018) que, ao abrigo do disposto no art. 33.º, n.º 1, do NRAU (aplicável ex vi do art. 52.º, do mesmo diploma), não aceitava a proposta, quer quanto à duração do contrato, quer quanto ao valor da renda.
19 - Com a carta de 27 de Julho de 2018, a Autora comunicou à Ré que, nos termos do disposto no art. 33.º, n.º 5, al. a), do NRAU (aplicável ex vi do art. 52.º, do mesmo diploma), denunciava o contrato de arrendamento, pagando-lhe uma indemnização no montante de € 126.450,00 correspondente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pela senhoria (€3.000,00) e pela arrendatária (€1.215,00).
20 - Com a carta de 27 de Julho de 2018, a Autora comunicou à Ré que a denúncia produziria efeitos no prazo de seis meses a contar da receção da comunicação, findo o qual deveria, no prazo de trinta dias, desocupar e entregar-lhe o locado (art. 33.º, n.º 7, do NRAU, aplicável ex vi do art. 52º, do mesmo diploma); e que, aguardava que lhe indicasse o dia e a hora em que procederia à entrega do locado, momento em que seria efetuado o pagamento da mencionada indemnização.
21 - Em 27 de Julho de 2018, a Autora denunciou por carta o contrato de arrendamento; e ofereceu à Ré a indemnização de € 126.450,00.
22 - Em 24 de Agosto de 2018, a Ré respondeu à Autora por carta (que a recebeu em 28 de Agosto de 2018), comunicando-lhe que não aceitava a transição imediata do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, porquanto o respetivo prazo legal transitório atualmente aplicável só terminaria em 31 de Maio de 2023.
23 - Com a carta de 24 de Agosto de 2018, a Ré comunicou à Autora que não aceitava a limitação do primeiro período do regime do NRAU de 3 anos, por ser aplicável o prazo legal supletivo, atualmente de 5 anos.
24 - Com a carta de 24 de Agosto de 2018, a Ré comunicou à Autora que não aceitava a fixação da renda em € 3.000,00 para esse mesmo primeiro período do regime do NRAU.
25 - Com a carta de 24 de Agosto de 2018, a Ré comunicou subsidariamente à Autora que, ainda que se entendesse serem aplicáveis o prazo de transição e o prazo do primeiro período do regime do NRAU alegados, não aceitava a denúncia do contrato, uma vez que aceitava a fixação da renda no máximo legal previsto no art. 54.º, n.º 6, al. c), do NRAU e, assim, beneficiava do regime especial previsto nesse n.º 6 (que afasta a remissão para o regime geral dos arts. 50.º e seguintes, até porque, aí, o art. 52.º reafirma que a remissão para o art. 33.º só é admitida sem prejuízo do disposto no art. 54.º).
26 - Em 04 de Janeiro de 2019, a Ré efetuou um pagamento à Autora, por meio de transferência bancária, no valor de € 911,25, que imputou ao valor líquido da renda relativa ao mês de fevereiro de 2019, o que a Autora recusou com fundamento na cessação do contrato por denúncia.
27 - Em 28 de Janeiro de 2019, a Autora respondeu à Ré por carta (que a recebeu em 29 de Janeiro de 2019), comunicando-lhe, além do mais, que a não entrega do locado no prazo fixado na sua comunicação de 27 de Julho de 2018, importaria os efeitos indemnizatórios legais, designadamente os previstos no art. 1045.º, n.ºs 1 e 2 do CC e o recurso aos meios processuais adequados.
28 - Com a carta de 28 de Janeiro de 2019, a Autora procedeu ainda à devolução à Ré de € 911,25, através do cheque n.º ...43, sacado sobre a Caixa Económica Montepio Geral.
29 - Em 01 de Fevereiro de 2019, a Ré comunicou por carta à Autora (que a recebeu em 04 de Fevereiro de 2019), além do mais que, reiterava a posição e os fundamentos aduzidos na carta de 24 de Agosto de 2018, não aceitando, expressamente a denúncia.
30 - Com a carta de 01 de Fevereiro de 2019, a Ré devolveu ainda à Autora o cheque n.º ...43, no valor de € 911,25.
31 - Com a carta de 01 de Fevereiro de 2019, a Ré confirmou o pagamento da referida renda do mês de Fevereiro de 2019, através da transferência bancária realizada por si a 04 de Janeiro de 2019, para o IBAN ...1 6.
*

II. - B – Factos não Provados
Não se provou que:
a) Na transação judicial referida no ponto 10 dos factos provados, na 1.ª Cláusula, as partes se limitaram a concretizar o termo do período transitório em cumprimento do prazo legal supletivo/imperativo de 5 anos prescrito no art. 54.º, n.º 1, do NRAU;
b) Na transação judicial referida no ponto 10 dos factos provados, na 2.ª Cláusula, as partes concretizaram a fixação da renda para a parte aplicável, daquele “período transitório” /de suspensão de 5 anos, em estrita conformidade com o disposto no art. 54.º, n.º 2, do NRAU, na redação em vigor em 2016;
c) Na transação judicial referida no ponto 10 dos factos provados, a 3.ª Cláusula se limita ao cumprimento dos normativos legais ordinários, ao remeter de forma expressa para o n.º 6 do art. 54.º do NRAU, tendo as partes convencionado que «Findo o período transitório de 5 anos aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do artigo 54.º do NRAU»;
d) A Autora conhecia a vontade da Ré incluir na transição (em sentido amplo) para NRAU as duas fases previstas no art. 54.º, n.º 1 e n.º 6 do mesmo diploma;
e) A Autora não podia contar com o sentido da declaração/acordo como uma livre composição de interesses.
*

III – Fundamentação de Direito
Na origem dos presentes autos está a transação (o contrato de transação, previsto no art. 1248.º e ss do C. Civil) feita pelas partes em anterior processo (em que era A. a aqui R. e em que era R. a aqui A.), sendo que ambos os processos – este e o havido anteriormente – versam, em termos de controvérsia jurídica, sobre o mesmo tema, ou seja, sobre a aplicação das alterações que com o NRAU (mais exatamente, com as alterações de 2012 e posteriores) foram introduzidas/possibilitadas nos contratos de arrendamento urbano antigos.
Assim, para se apreender as questões (e respetivos contornos) que preenchem o objeto das revistas, há que ir um pouco atrás, ao momento em que a aqui A. deu início àquilo a que no NRAU (desde as alterações introduzidas pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto) se designa (quer no seu art. 30.º, quer no seu art. 50.º, ao caso aplicável) como “a transição para o NRAU e a atualização da renda”, dependente da “iniciativa do senhorio”.
Vejamos:
A aqui R. era, não se discute (como resulta dos 3 primeiros pontos dos factos), arrendatária não habitacional da A. (dum contrato iniciado em 09/04/1962) e esta, sendo sua senhoria, em 29/04/2013, tomou (nos termos do já citado art. 50.º do NRAU) a “iniciativa” acabada de referir, ou seja, comunicou à R. a intenção de transição do contrato para o NRAU, com o tipo de prazo certo, a duração de 5 anos e a renda mensal de € 3.118,00”.
Ao que a R. respondeu, invocando/comprovando ser microempresa[1] – o que, nos termos conjugados dos arts. 54.º/1 e 51.º/4/a) do NRAU, era (e continua a ser) obstáculo a que o contrato ficasse de imediato sujeito ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) – e opondo-se quer à transição imediata do contrato para o NRAU quer à renda mensal proposta pela A. (designadamente, por, segundo a aqui R., haver errada aplicação de coeficientes de localização e de afetação na avaliação e fixação do VPT do locado).
Em face de tal resposta, a A. – aceitando a invocação da R. ser microempresa e o significado jurídico de tal invocação – comunicou à R. que o contrato transitaria para o NRAU decorridos 5 anos, «ou seja, a partir de 1 de junho de 2018».
E foi neste ponto da troca de comunicações (e de divergência) entre as partes (mantendo a aqui A. a exigência da renda mensal de € 3.118,00) que surgiu o primeiro litígio/processo (em que foi lavrada a transação que está na origem dos presentes autos): a aqui R. intentou ação (processo n.º 5963/13....) contra a aqui A., em que sustentou ser exíguo o prazo de 5 anos para a transição para o NRAU (defendendo a inconstitucionalidade de tal prazo de 5 anos e que o mesmo devia ser, pelo menos, de 10 anos) e que a pretendida renda se baseava em errados coeficientes de localização e de afetação, o que se refletia no VPT do locado e, por sua vez, no montante/valor de renda exigida (superior ao que podia se exigível).
Tendo sido no âmbito de tal ação que as partes – no decurso da diligência de tentativa de conciliação – disseram, no dia 23/02/2016, estar transigidas sobre o seu objeto, tendo acordado (o que de imediato foi homologado por sentença), no que aqui interessa, que:
 - O contrato de arrendamento existente entre ambas “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018”;
- No período transitório, desde a vencida em 1 de setembro de 2013, a renda mensal é fixada em 1.215,00;
 - Findo o período transitório de 5 anos, aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU.
E é justamente na interpretação/aplicação de tal transação que está a divergência que origina os presentes autos; divergência que, em síntese, se situa no seguinte:
Sustenta a aqui R. que, ao dizerem, na transação, que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018”, se limitaram a querer dizer que o contrato transitaria para o NRAU nos termos da lei, pelo que, à época da transação, tal transição ocorreria na data referida na transação (por a transição ocorrer ao fim de 5 anos, segundo o art. 54.º/1 então vigente), porém, tendo a lei majorado tal prazo de transição para 10 anos (com a redação que a Lei 43/2017, de 14-06, deu ao art. 54.º/1 e 6/a) do NRAU), é este o prazo/lei aplicável, pelo que, para a aqui R. e segundo a transação, o contrato só ficará sujeito ao NRAU a partir de 31/05/2023.
Sustenta a aqui A., ao invés, que a transição do contrato para o regime do NRAU ficou definitivamente fixada/estabelecida (“com efeitos desde 01.06.2018”) na transação que colocou termo ao anterior processo, não havendo lugar à interpretação efetuada/pretendida pela R..
Pelo que a partir daqui – da interpretação de tal cláusula da transação – a A. passou ao momento seguinte previsto no NRAU (e, segundo a A., noutra cláusula da transação) e, aplicando/interpretando o art. 54.º/6 do NRAU, comunicou, em 01/06/2018, à R. as alterações que o contrato de arrendamento, agora transitado/submetido ao NRAU, passaria a ter em termos de valor da renda, tipo e duração, ou seja, propôs-lhe que o contrato “fosse convertido em contrato com prazo certo, com a duração de 3 anos, sendo o valor da renda (de € 1.215,00) aumentado para € 3.000,00”.
Sustentando/respondendo a R. – em linha com a interpretação que fez/faz da primeira cláusula – que ainda não está chegado o momento (por não estar ainda findo o período de 10 anos, a seu ver aplicável) para tal e que não aceita que o contrato de arrendamento tenha já transitado para o NRAU; e, além disso (isto é, ainda que se considere que o contrato transitou para o NRAU), que a A. faz errada interpretação da cláusula da transação em que acordaram que, findo o período transitório, “aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”, ou seja, não aceitando nem o prazo de duração de 3 anos do contrato (por preferir o prazo legal supletivo, atualmente de 5 anos, de acordo com o art. 54.º/6/b) do NRAU, na redação da Lei 43/2017, de 14-06), nem a pretensão de fixar em € 3.000,00 a renda mensal, por preferir a renda calculada com as limitações do art. 35.º, n.º 2, als. a) e b), do NRAU (de acordo com o art. 54.º/6/c) do NRAU, na redação da Lei 43/2017, de 14-06).
Resposta esta a que a A. “replicou”, comunicando à R. que, “ao abrigo do disposto no art. 33.º/1 do NRAU (aplicável ex vi art. 52.º, do mesmo diploma), não aceitava a proposta da R., quer quanto à duração do contrato, quer quanto ao valor da renda”; e mais comunicando que, “nos termos do disposto no art. 33.º/5/a) do NRAU (aplicável ex vi art. 52.º), denunciava o contrato de arrendamento, pagando-lhe uma indemnização no montante de € 126.450,00, correspondente a 5 anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pela senhoria (€3.000,00) e pela arrendatária (€1.215,00)”.
Sendo como epílogo desta troca de comunicações (e de divergências) entre as partes que surge este o litígio/processo em que nos encontramos, colocando-nos as revistas – e são duas, de ambas as partes, uma vez que o acórdão recorrido acabou por chegar a uma solução que, em termos úteis, dá ganho parcial a ambas as partes – perante as duas seguintes questões:
A revista da R., perante a questão de saber/dizer se (e quando) ocorreu a transição para o NRAU do contrato de arrendamento não habitacional; questão em cujo perímetro se coloca a “questão prévia” da inadmissibilidade (ou não) do depoimento, como testemunha, do Dr. AA, que foi advogado da R. no anterior processo havido entre as partes.
A revista da A., perante a questão – logicamente dependente duma resposta afirmativa à 1.ª questão, ou seja, de se considerar que já ocorreu a transição para o NRAU do contrato de arrendamento – da aplicação do art. 54.º/6 do NRAU (e da interpretação da atinente cláusula da transação), o mesmo é dizer, sendo-se concreto, perante a questão de saber se a A. podia fazer a proposta contratual que fez (em termos de renda, tipo e duração do contrato) e se depois podia, recebida a resposta da aqui R. e arrendatária, denunciar o contrato de arrendamento.
Assim,
Quanto à 1.ª questão (isto é, quanto à revista da R.):
Começando pela “questão prévia” da inadmissibilidade (ou não) do depoimento, como testemunha, do Dr. AA, que foi advogado da R., patrocinando-a designadamente no anterior processo havido entre as partes (o já referido processo n.º 5963/13....), ou seja, no processo em que foi lavrada a transação que está na origem do presente litígio/processo.
O Dr. AA foi arrolado como testemunha pela R. e produziu o seu depoimento em audiência (não obstante a oposição da A.) e foi o mesmo valorado em 1.ª Instância, vindo o Acórdão recorrido, no âmbito da impugnação da decisão de facto suscitada pela R., a considerar que “os factos sobre os quais a dita testemunha foi chamada a depor (nomeadamente, vontade real das partes quanto ao concreto teor da transação em causa) foram por ela conhecidos exclusivamente mediante a sua qualidade de advogado, e quando exercia o patrocínio forense da Ré (conforme, desde logo, resulta do teor do concreto depoimento prestado, sendo que nem a própria testemunha o contrariou)”, pelo que, não tendo a testemunha sido previamente autorizada pela sua Ordem Profissional a depor, concluiu-se, no Acórdão recorrido, que “o depoimento por si produzido é nulo; e, assim, insuscetível de ser aqui valorado”.
Ao que a R. agora objeta que “os factos que estiveram na origem da transação não estão, nem podem estar, cobertos pelo segredo profissional na medida em que os mesmos foram reduzidos a escrito e é concretamente sobre o que está escrito que decorre o presente litígio entre as partes” (conclusão VIII); acrescentando que “a testemunha Dr. AA, advogado, não depôs sobre quaisquer factos não contidos na transação dos autos e, muito menos, acerca de factos que lhe tenham sido transmitido pela parte contrária, outrossim, sobre a convicção que norteou a elaboração daquela transação de acordo com os factos alegados e peticionados naqueles mesmos autos, não estando sujeito a segredo profissional na medida em que não se tratam de factos conhecidas apenas por se tratar de advogado” (conclusão IX), pelo que, concluiu a R., não existiu qualquer nulidade na produção do seu depoimento e, em consequência, a impugnação da matéria de facto por si suscitada terá que ser de novo apreciada pela Relação, uma vez que esta, no Acórdão recorrido, não tomou em conta todos os meios de prova validamente produzidos, designadamente, o depoimento do Dr. AA.
Não tem a R., como é muito evidente, qualquer razão.
Nem se percebe, com todo o respeito, o racional da argumentação da R.: o Dr. AA patrocinou a R. em todo o anterior processo, na diligência de tentativa de conciliação de tal processo as partes celebraram transação e, colocando-se a questão da interpretação do clausulado de tal transação, o Dr. AA pode, segundo a R., ser ouvido sobre a vontade real da R. (vertida no clausulado da transação) por, ainda segundo a R., “não estar sujeito a segredo profissional, na medida em que não se trata de factos conhecidas apenas por se tratar de advogado”.
Como é muito manifesto, é exatamente o contrário: tudo o que o Dr. AA possa saber sobre a vontade real da R. sabe-o apenas e só por ter sido (e na qualidade de) advogado da R..
Como se refere no Acórdão recorrido, o EOA (Lei 145/2015, de 09-09) consagra, no seu art. 92.º, o segredo profissional em termos amplos, não o restringindo sequer aos factos que sejam conhecidos por via do exercício de mandato judicial, antes abrangendo todos os que sejam conhecidos por via do exercício da advocacia e assentem na confidencialidade que é própria relação de confiança em que a mesma se funda.
Segredo profissional do advogado que, como ali também se refere, visa duas finalidades: proteger a imprescindível confiança entre o advogado e o seu cliente (numa vertente eminentemente privada); e preservar o interesse público na correta e eficaz administração da justiça (numa vertente eminentemente pública).
Afirmando-se mesmo que o «dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade»[2]; e que «o sigilo é um dever de toda a classe, é condição da plena dignidade do Advogado bem como da Advocacia»[3].
Daí que a Ordem dos Advogados exija que o dever de segredo/sigilo seja cumprido com zelo e intransigência e que no art. 92.º/4 do EOA se disponha que o «advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento».
Era exatamente isto que tinha que acontecer e não aconteceu: o Dr. AA não pediu autorização e não foi autorizado pelo Presidente do seu Conselho Regional, pelo que, tratando-se de factos de que teve conhecimento no exercício das suas funções de advogado estava obrigado a guardar segredo profissional sobre os mesmos, pelo que, não o tendo feito, prestando depoimento sobre os mesmos e revelando factos cobertas pelo sigilo profissional de advogado, tem o seu depoimento – como bem foi considerado e decidido no Acórdão recorrido – que ser considerado nulo (nos termos dos arts. 197.º/1 e 199.º do CPC), em linha com o que se dispõe no art. 92.º/5 do EOA, segundo o qual os «atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo».
Não tem, pois, a impugnação da matéria de facto, suscitada pela R., que ser de novo apreciada pela Relação, uma vez que esta, no Acórdão recorrido, tomou em conta todos os meios de prova validamente produzidos (não tomou em consideração o depoimento do Dr. AA, mas este não foi validamente produzido).
Isto dito, passando à 1.ª questão propriamente dita (saber/dizer se e quando ocorreu a transição para o NRAU do contrato de arrendamento não habitacional existente entre as partes):
Como resulta do relato inicial, as Instâncias consideraram que o contrato de arrendamento existente entre as partes passou a estar sujeito ao NRAU em 01/06/2018, dando assim razão à posição defendida pela A.; que, perante tal conformidade decisória das Instâncias, vem defender que se está perante dupla conforme (perante acórdão da Relação que confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª Instância – cfr. art. 671.º/3 do CPC) e que, por isso, não devia ser admitido na revista da R. tal objeto.
Sendo pertinente tal “observação” da A., inclinámo-nos, porém, para considerar – face à exiguidade da fundamentação da 1.ª Instancia, em que apenas se diz a R. não logrou “validar a sua tese interpretativa, mormente por falta de prova dos factos elencados em a) e e)” e que “inexistem fundamentos para arredar o sentido expresso que consta do texto da transação” – que a fundamentação da 2.ª Instância, que circunstanciadamente se debruça sobre os critérios interpretativos constantes do art. 236.º e ss. do C. Civil e sobre a aplicação dos mesmos aos factos dos autos, acaba por ser, em substância, “essencialmente diferente” e, por conseguinte, não vimos obstáculo à admissibilidade da revista da R..
A afirmação de que um determinado sentido dum texto/declaração é inequívoco tem que ser o resultado da sua interpretação – ultrapassado há muito o velho brocardo latino em que se dizia “in claris non fit interpretatio” – pelo que, no caso, a interpretação da cláusula da transação em causa (em que se acordou que o contrato de arrendamento existente entre ambas “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018”) não dispensava/dispensa o percurso jurídico efetuado na 2.ª Instância.
Como é sabido, o regime legal da interpretação dos negócios jurídicos está concentrado, quanto às suas regras gerais, nos artigos 236.º a 239.º do C. Civil.
Podendo afirmar-se, sem prejuízo de tais regras, que a primeira regra de interpretação até será a vontade real comum, o sentido subjetivo comum, ou seja, se há consenso das partes, do declarante e do declaratário, sobre o sentido da declaração, é de acordo com ele que a declaração deve ser interpretada.
Estando então a segunda regra contida no art. 236.º/2 do C. Civil, segundo a qual, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, prevalece o sentido subjetivo desde que o declaratário o conheça: em conformidade com o ditame da velha máxima “falsa demonstrativo non nocet”, o 236.º/2 do C. Civil estabelece que, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
E, em caso de divergência entre o sentido subjetivo da declaração e o seu sentido objetivo, desconhecendo o declaratário a vontade real do declarante, prevalece, segundo a terceira regra, contida no art. 236.º/1 do C. Civil, o sentido objetivo da declaração, salvo se o declarante não puder contar com ele, isto é, desde que tal sentido não colida com a expetativa razoável do autor da declaração.
É a chamada teoria da impressão do destinatário, em que a declaração vale com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; em que o que é objeto de interpretação não é a vontade como “facto da vida anímica interior”, mas a declaração como ato significante (em que, numa interpretação normativa, não se dá relevo nem à vontade real do declarante nem à vontade real do declaratário).
E em que a expressão “real declaratário” significa que o declaratário é considerado nas condições concretas em que se encontrava, tomando-se em conta os elementos que ele conheceu efetivamente, mais os que uma pessoa razoável – ou seja, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz – teria conhecido e imaginando-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável.
Perante tais regras interpretativas – a que importa acrescentar o maior pendor de objetivismo colocado quando se está perante negócios formais, na medida em que, quanto a estes, de acordo com o art. 238.º do C. Civil, não pode a declaração valer com um sentido que não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respetivo documento – não pode deixar de concordar-se (quanto à interpretação da cláusula sub judice) com o percurso e desfecho expostos no acórdão recorrido.
Não é que a tese interpretativa da R. seja ilógica e/ou que estejamos perante um caso em que o sentido da tese interpretativa da A. seja totalmente inequívoco, porém, tudo ponderado, face aos elementos factuais provados, o desfecho interpretativo não pode ser outro.
Não havendo acordo das partes quanto à vontade real comum que presidiu ao texto da cláusula e nada se tendo provado em termos do que era a vontade real dos declarantes (como resulta do elenco dos factos não provados), ficamos, em termos interpretativos, circunscritos/confinados à aplicação da regra contida no art. 236.º/1 do C. Civil: à chamada teoria da impressão do destinatário.
E aqui, colocando-nos na posição dos “reais declaratários”, tomando em conta todos os elementos e circunstâncias que eles conheceram e ponderaram – tudo o que antecedeu a transação (e que supra relatámos) e a transação no seu todo global – não podemos omitir, numa primeira observação, que o clausulado da transação não prima pela “harmonia”.
Como começámos por referir, o litígio versa, em termos de controvérsia jurídica, sobre a aplicação das alterações que com o NRAU (mais exatamente, com as alterações de 2012 e as posteriores) foram introduzidas/possibilitadas nos contratos de arrendamento urbano antigos, tema cheio de detalhes, minudências e dificuldades interpretativas.
No caso, como já se referiu, tomando o senhorio a iniciativa, nos termos do art. 50.º do NRAU (que, no que para aqui interessa, não teve alterações desde 2012), da “transição para o NRAU” e da “atualização da renda”, o arrendatário podia (e continua a poder) obstar à imediata “transição para o NRAU”, invocando/comprovando (nos termos, já referidos, dos arts. 51.º/4/a) e 54.º/1 do NRAU), como foi o caso, ser uma microempresa.
E a partir daqui – invocando/comprovando o arrendatário ser uma microempresa – não está previsto, no NRAU, que logo ali, de imediato, o senhorio comunique ao arrendatário que então o contrato transita passados 5 ou 10 anos (como eram/são os prazos à época e hoje, após a Lei 43/2017): o que está previsto – e resulta, à época e hoje, da conjugação do disposto nos n.º 1 e 6 do art. 54.º do NRAU – é que, passado o prazo (de 5 ou 10 anos) em que o contrato não fica submetido ao NRAU, o senhorio promova “a transição do contrato para o NRAU, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e ss” – cfr. art. 54.º/6 do NRAU.
Trata, pois, o art. 54.º/6 do NRAU do momento em que o contrato de arrendamento, finalmente (sem lhe poderem ser colocados os obstáculos do art. 51.º/4 do NRAU), vai poder transitar para o NRAU, ou seja, a aplicação do art. 54.º/6 do NRAU significa, aos olhos do legislador, muito claramente, que, no momento em que se procede à sua aplicação, ainda o contrato não transitou para o NRAU.
E – é onde se pretende chegar – é aqui que dizemos que o clausulado da transação não prima pela “harmonia”.
Numa cláusula diz-se que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018” e noutra cláusula, da mesma transação, diz-se que, após essa data, “aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”, ou seja, fixa-se a data do início da sujeição do contrato ao NRAU e, ao mesmo tempo, diz-se que posteriormente se aplica um preceito cuja aplicação pressupõe que o contrato ainda não está sujeito ao NRAU.
E é justamente por isto – olhando para tais duas cláusulas do contrato de transação e tendo presente o significado jurídico, na economia do NRAU, duma norma como a do art. 54.º/6 – que afirmámos que a tese interpretativa da R. não é ilógica e/ou que o sentido da tese interpretativa da A. não é totalmente inequívoco.
Só que o momento onde a R. tinha que fazer prevalecer a sua lógica interpretativa – segundo a qual se limitaram a querer dizer que o contrato transitaria para o NRAU nos termos da lei, pelo que, à época da transação, tal transição ocorreria na data referida na transação (por a transição ocorrer ao fim de 5 anos, segundo o art. 54.º/1 então vigente), porém, tendo a lei majorado tal prazo de transição para 10 anos, com a Lei 43/2017, é este o prazo/lei aplicável – era a decisão de facto respeitante ao que, dentro de tal lógica, foi alegado pela R. em termos de vontade real dos declarantes e, a tal propósito, como já se referiu, nada se provou.
Como começámos por referir, estamos, em termos interpretativos, circunscritos/confinados à aplicação da regra contida no art. 236.º/1 do C. Civil: o que temos é apenas o texto das duas cláusulas (com, reconhece-se, a sua não completa harmonia), a circunstância da A., antes da transação, logo haver comunicado à R. (ao arrepio do que resulta do referido art. 54.º/6 do NRAU) que o contrato transitaria para o NRAU decorridos 5 anos e o disposto no art. 54.º/1, segundo o qual, “mediante acordo das partes”, a submissão ao NRAU (dos contratos de arrendamento não habitacionais) pode não seguir exatamente o preceituado em tal normativo.
Ademais – e não é nada irrelevante – temos que a tese interpretativa da R. (e, lembra-se, movemo-nos apenas no uso do critério interpretativo referido no art. 236.º/1 do C. Civil) acaba por conduzir e significar que onde, no texto do transação, consta que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018” se quer dizer que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU, mas não se fixa a data em que tal ocorrerá, dependendo tal data do prazo que estiver e/ou vier a ser previsto na lei ou leis que entretanto estejam e venham a estar em vigor”, interpretação esta que, sendo a transação judicial um negócio formal (cfr. art. 290.º do CPC), representa um sentido que não tem um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto da cláusula (o que não é permitido pelo já referido art. 238.º do C. Civil).
Como se refere no Acórdão recorrido e se concorda, (…) as partes acordaram na definição de uma data fixa (01 de Junho de 2018) a partir da qual o contrato de arrendamento que as unia passaria a estar sujeito ao regime do NRAU, tal como a aqui Autora defendera resultar da aplicação da lei então em vigor (…). (…) nessa definição, coincidente com a aplicação do regime legal então em vigor (o art. 54.º, n.º 1, do NRAU, na versão da Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, onde se lia que, caso «o arrendatário invoque e comprove uma das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos do n.º 4 do artigo 51.º»), as partes não previram, nem salvaguardam, a sua alteração posterior, mercê de uma qualquer alteração legislativa, nomeadamente reforçando a proteção dos interesses de uma, em detrimento da outra (por forma a que a dita data fixa, se ainda não atingida, o viesse a refletir). Com efeito, sendo amplamente discutida naqueles autos a questão da aplicação ao contrato de arrendamento em causa do novo regime do arrendamento urbano, estando ambas as partes representadas por advogados, não seria crível que, tendo-o previsto e querido - ambas, ou uma delas com o conhecimento e a aceitação da outra - não o tivessem expressamente consignado na transação havida, atento nomeadamente o seu carácter formal (não podendo a respetiva vontade valer sem um mínimo de correspondência no seu texto, aqui de todo em todo inexistente).
Enfim, a interpretação da cláusula sub-judice da transação tem que ir no sentido de considerar que o contrato de arrendamento existente entre as partes ficou submetido ao NRAU em 01/06/2018[4].
Não vindo ao caso, face a tal interpretação da cláusula, o que a R. invoca na revista sobre a aplicação da lei no tempo e sobre ser aplicável a alteração (passagem de 5 para 10 anos) que a Lei 43/2017 introduziu no art. 54.º/1 e 6 do NRAU.
O prazo de 10 anos de tal Lei 43/2017 aplica-se, evidentemente, aos prazos que estiverem em curso (por força do art. 12.º/2 do C. Civil) e conta-se do modo constante do art. 297.º/2 do C. Civil, porém, como também é evidente, a questão dos autos/revista é outra e diversa.
Aqui, do que se trata é de interpretar uma cláusula dum contrato de transação e considerando-se/interpretando-se que o contrato de arrendamento existente entre as partes ficaria, por acordo entre as partes, submetido ao NRAU a partir da data de 01/06/2018, não se chega a colocar a invocada questão da aplicação da lei no tempo: é que as partes, insiste-se, logo acordaram, segundo a interpretação que efetuámos, a data do início da submissão ao NRAU, não dizendo que o início da submissão ocorreria nos termos do art. 54.º/6, hipótese esta em que, então sim, perante a nova iniciativa que o senhorio teria que tomar para lograr a transição para o NRAU, teríamos a questão de aplicação da lei no tempo que a R. invoca.
Em síntese: não havia qualquer prazo em curso para se pedir a transição para o NRAU, tendo as partes logo estabelecido, por acordo – o que, repete-se, é permitido pelo art. 54.º/1 do NRAU – a data exata em que tal transição ocorreria.
Quanto à 2.ª questão (isto é, quanto à revista da A.):
Tendo-se considerado que, em 01/06/2018, ocorreu a transição para o NRAU do contrato de arrendamento, coloca-se a questão da aplicação do art. 54.º/6 do NRAU (e da interpretação da atinente cláusula da transação), o mesmo é dizer, como já se referiu, coloca-se agora a questão de saber se a A. podia fazer a proposta contratual que fez (em termos de renda, tipo e duração do contrato) e se depois podia, recebida a resposta da aqui R. e arrendatária, denunciar o contrato de arrendamento.
Vejamos:
Os contratos de arrendamento “não habitacionais” celebrados anteriormente à vigência do DL 257/95, como é o caso do arrendamento dos autos, tinham natureza vinculística, constituindo, nessa medida, contratos sem duração limitada, contratos em que a liberdade desvinculativa do senhorio, à luz do regime vigente em que foram celebrados, se encontrava praticamente excluída.
Entretanto, em 2006, com o NRAU (Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro), o legislador veio dizer que tais contratos passaram a ficar submetidos automaticamente ao NRAU (cfr. art. 26.º/1, ex vi art 28.º do NRAU), porém, com as especificidades previstas no respetivo regime transitório (também constante do NRAU), ou seja, no caso do arrendamento dos autos, foi o mesmo equiparado (cfr. art. 26.º/4, ex vi art 28.º do NRAU) aos contratos de duração indeterminada, aplicando-se assim a tais relações arrendatícias antigas as normas constantes do art. 1099.º e ss. do C. Civil, não lhes sendo, todavia, aplicável o art. 1101.º/c) do C. Civil, o que significava dizer que, em regra, o senhorio continuava vinculado à manutenção do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (uma vez que é o “não aplicável” art. 1101.º/c) do C. Civil que concede ao senhorio o poder de denunciar o contrato, o poder de, livre e sem qualquer fundamento, promover a sua desvinculação através da denúncia ad nutum).
Foi esta situação – de manutenção do “vinculismo” – que as alterações introduzidas ao NRAU em 2012 (Lei 31/2012) vieram alterar, permitindo que, em certos termos e seguindo-se determinados procedimentos (dependentes da iniciativa do senhorio, como já se referiu), as relações arrendatícias antigas pudessem transitar integralmente para o NRAU, para um dos tipos contratuais previstos no atual art. 1094.º/1 do C. Civil e, dentro do contrato com prazo certo, com a duração a estipular pelas partes ou de forma supletiva, nos termos, designadamente, dos art. 31.º/10/b), 33.º/5/b) e 54/6/b) do NRAU (nos números da lei atualmente vigente); após o que, transitado o contrato integralmente para o NRAU e nele produzidas as correspondentes alterações, passou o senhorio, num 2.º momento, conforme a modalidade contratual escolhida seja o prazo certo ou a duração indeterminada, a poder opor-se à respetiva renovação, nos termos do art. 1097.º do C. Civil, ou a denunciar o contrato com fundamento no (até ali inaplicável e que com a transição integral para o NRAU deixou de ser inaplicável) art. 1101.º/c) do C. Civil.
Não ficaram, todavia, por aqui as alterações introduzidas ao NRAU em 2012: efetivamente, após a comunicação inicial do senhorio (prevista nos arts. 30.º e 50.º do NRAU) e a resposta do arrendatário (prevista nos arts. 31.º e 51.º do NRAU) – em que um e outro fazem, com total liberdade, as suas propostas e contrapropostas quanto às alterações a introduzir ao contrato, ou seja, no que diz respeito ao valor da nova renda, ao tipo e à duração do contrato – a lei concedeu ao senhorio, caso não aceite o valor de renda contraproposto pelo arrendatário, a tomada de duas posições (cfr. arts. 33.º/5 e 52.º do NRAU)[5]:
- proceder à denúncia do contrato de arrendamento (pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a 5 anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e arrendatário);
- atualizar a renda em conformidade com os critérios constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do art 35.º (considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos - cfr. art. 33.º/5/b) e atual art. 54.º/6/b) e c) do NRAU).
Foi exatamente aquela primeira opção que a aqui A. e senhoria exerceu, nada se vislumbrando, desde já se antecipa, que pudesse/possa obstaculizar tal exercício.
Como atrás se referiu, num primeiro momento, em 2013, a R./arrendatária invocou uma das circunstâncias excecionais referidas no art. 51.º/4 do NRAU – concretamente, a existência duma microempresa no locado – a fim de paralisar o efeito pretendido pela A./senhoria na transição do contrato para o NRAU, porém, tal efeito paralisador é “transitório” e, mais tarde, em 2018, quando a A./senhoria toma a nova e segunda iniciativa, “o arrendatário não pode invocar novamente qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do art. 51.º” (cfr. art. 54.º/6/a) do NRAU).
E é a invocação/comprovação de uma das circunstâncias referidas no n.º 4 do art. 51.º que obsta à possibilidade do senhorio (ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do art. 33.º, ex vi art. 52.º), em tal primeiro momento, denunciar o contrato na sequência da receção da resposta do arrendatário, “uma vez que tal prerrogativa apenas lhe é facultada perante a mera discordância do arrendatário relativamente ao valor da renda proposto por aquele sem que haja, contudo, a invocação e prova documental de uma daquelas circunstâncias excecionais[6].
Se a invocação/comprovação duma das circunstâncias excecionais referidas no n.º 4 do art. 51.º obsta (além de obstar à transição para o NRAU, durante o prazo referido no art. 54.º/1) ao uso da faculdade de denúncia, a partir do momento em que não pode haver tal invocação/comprovação (duma circunstância excecional), passa a poder exercer-se a possibilidade de denúncia, ou seja, quando se promover novamente a transição do contrato, pode o senhorio, querendo, quando receber uma resposta do arrendatário em que o mesmo se opõe ao valor da renda proposto pelo senhorio, denunciar o contrato de arrendamento.
Enfim, decorrido o prazo/período (previsto no art. 54.º/1 do NRAU) de suspensão da possibilidade de operar a transição do contrato para o NRAU, pode o senhorio promover novamente essa transição, remetendo, para o efeito, nova comunicação ao arrendatário, com o teor constante do artigo 50.º, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário, com as consequências daí resultantes, os mesmos trâmites que seriam aplicáveis à primeira com a exceção constante do art. 54.º/6/a), deixando assim de ser possível ao arrendatário invocar alguma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º e inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de o senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto – apenas perante tal discordância do arrendatário, não exigindo o art. 33.º/5 que a discordância inclua o tipo e a duração do contrato – promover, querendo, a denúncia do contrato; e podendo o senhorio nesta nova comunicação, assim como podia na primeira comunicação, propor, com total liberdade, o valor da renda, o tipo e a duração do contrato (como resulta do art. 50.º/a), para que remete o art. 54.º/6 do NRAU).
É isto que resulta do NRAU (após as alterações de 2012) e é naturalmente a esta luz e tendo isto presente que a cláusula do contrato de transação (celebrada em 23/02/2016), em que se diz que “findo o período transitório de 5 anos, aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU, tem que ser compreendida e interpretada.
Como acima já se explicou/reconheceu, as cláusulas da transação não estão em harmonia perfeita: numa cláusula, repete-se, diz-se que o contrato de arrendamento “fica sujeito ao regime do NRAU com efeitos desde 01.06.2018” e noutra diz-se que, após essa data, “aplicar-se-á o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”, ou seja, fixa-se o início da sujeição do contrato ao NRAU e, ao mesmo tempo, diz-se que posteriormente se aplica um preceito cuja aplicação pressupõe que o contrato ainda não está sujeito ao NRAU.
Pelo que, a nosso ver, sem prejuízo do art. 54.º/6 não poder ser já totalmente aplicável – uma vez que a transição para o NRAU já estava estabelecida/fixada/acordada para o dia 01/06/2018 – a interpretação/compatibilização das cláusulas em causa passará pela aplicação do art. 54.º/6 em tudo o que a sua aplicação não estiver prejudicada.
E – é o ponto – só está prejudicada a “promoção da transição para o NRAU” (por estar já estabelecida/fixada/acordada), podendo aplicar-se, na totalidade a parte restante, ou seja, o que ademais ali se dispõe, designadamente o que se diz no corpo do art. 54.º/6, ou seja, podendo aplicar-se, “com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 50.º e ss., com as seguintes especificidades”.
É este, na economia do litígio a da transação que lhe colocou termo, o sentido, com todo o respeito por opinião diversa, da cláusula da transação em análise: a A/senhoria tinha, em 2013, tomado a iniciativa de operar a transição do contrato para o NRAU (com tudo o que isso podia significar, quer em termos de possível atualização da renda, quer em termos de possível denúncia do contrato) e a R/arrendatária tinha (com a invocação/comprovação da circunstância excecional referida no art. 51.º/4/a) do NRAU) paralisado transitoriamente tal pretensão, pelo que, estando as partes cientes de tal “paralisação transitória”, ao dizerem que, após 01/06/2018, se aplicaria “o previsto no n.º 6 do art. 54.º do NRAU”, quiseram naturalmente dizer que, após 01/06/2018, a A./senhoria teria que voltar a repetir o procedimento (que é o que, em termos práticos, se prevê no art. 54.º/6), teria que voltar a remeter nova comunicação à R./arrendatário, com o teor constante do artigo 50.º, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário, com as consequências daí resultantes, os mesmos trâmites que seriam aplicáveis à primeira, com a exceção constante do art. 54.º/6/a), deixando de ser possível ao arrendatário a invocação de qualquer uma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º e inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de o senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto, promover, querendo, a denúncia do contrato.
Não se concorda, pois, com todo o respeito, com o que, a tal propósito, se raciocinou e concluiu no acórdão recorrido.
É certo que, na comunicação inicial (de 2013), a A./senhoria propôs um prazo certo para o contrato e um valor atualizado para a renda, porém, isto foi na perspetiva da transição imediata para o NRAU, o que, não tendo tal acontecido (por a R./arrendatária haver invocado/comprovado o obstáculo da alínea a) do art. 51.º/4 do NRAU), retirou oportunidade à imediata discussão sobre o tempo do contrato e sobre o valor da renda no momento da completa submissão do contrato, no futuro, ao NRAU.
É claro que, ainda assim, as partes podiam ter logo estabelecido/acordado, na transação, sobre o tipo e tempo e sobre o valor da renda no momento, posterior, da completa submissão do contrato ao NRAU.
Mas – admitindo por hipótese de raciocínio que foi/era esta a vontade das partes – exprimiram-se bastante mal, na medida em que remeteram a expressão duma tal vontade para um preceito (o já inúmeras vezes referido art. 54.º/6) que pouco estabelece de certo e seguro quanto ao tipo ou duração do contrato e quanto ao valor da renda, antes reenviando a questão do tipo, duração do contrato e valor da renda para o “jogo” da proposta e contraproposta (a que se referem os artigos 50.º e 51.º do NRAU), não excluindo, em tal reenvio, a denúncia do contrato pelo senhorio (prevista no art. 52.º do NRAU); sendo que tal 54.º/6 apenas estabelece como algo certo e seguro, em termos supletivos, o que consta das alíneas b) e c) do art. 54.º/6, ou seja, o que estabelece como certo e seguro é só para funcionar no caso de nada resultar do referido “jogo” entre senhorio e inquilino e/ou de não ter havido denúncia.
Se, como acaba por ser a conclusão do Acórdão recorrido, a vontade das partes foi acordarem, quanto ao tipo, duração do contrato e valor da renda o que está estabelecido, em termos supletivos, nas alíneas b) e c) do art. 54.º/6, exprimiram-se dum modo que um declaratário normal não retira, em termos razoáveis, do texto da cláusula em causa: é que a remissão constante da cláusula é para o art. 54.º/6 e não (apenas) para as alíneas b) e c) do art. 54.º/6, sendo que, como acima se explicou, o essencial do sentido jurídico de tal remissão está no corpo do art. 54.º/6 e significa, acima de tudo, como também se explicou, uma nova comunicação ao arrendatário, aplicando-se a esta comunicação e respetiva resposta do arrendatário o que consta dos art. 50.º a 53.º do NRAU.
Importa não esquecer que o art. 54.º/6 remete, num primeiro momento, para o disposto nos artigos 50.º e ss – ou seja, para uma proposta do senhorio, para uma contraproposta/resposta do arrendatário e para uma “réplica” do senhorio – e só depois, “na falta de acordo ou silêncio das partes”, entram em funcionamento as alíneas b) e c) do mesmo art. 54.º/6.
Enfim, assiste razão à A./senhoria quando defende que o contrato de transação não definiu o tipo e duração do contrato, nem a atualização da renda, após a integral submissão do contrato ao NRAU[7], tendo as partes remetido essas questões para momento ulterior, para o que viesse a resultar a partir de nova comunicação/iniciativa da A./senhoria[8].
Pelo que, aqui chegados, tendo-se respondido às questões colocadas pelas revistas, podemos afirmar, concluindo, que a revista da R. improcede e que a revista da A. procede, o que equivale à repristinação do decidido em 1.ª Instância – com a correção do ponto 4. 7., em que, como bem observa o A. lhe é concedida uma duplicação de valores que ele não pediu e a que ele não tem direito – e significa a total procedência da ação.
Efetivamente:
Tendo-se interpretado a 1.ª cláusula do contrato de transação com o sentido de considerar que o contrato de arrendamento existente entre as partes ficou submetido ao NRAU em 01/06/2018, tem razão a A. quando pede, no 1.º pedido, que seja “declarada a inexistência de fundamentos que obstem à sujeição de contrato de arrendamento (que a ligava, como senhoria, à Ré, sua arrendatária) ao NRAU, a partir de 01 de junho de 2018”.
Tendo-se interpretado a outra cláusula sub-judice com o sentido da A./senhoria ter que voltar a remeter nova comunicação à R./arrendatária, com o teor constante do artigo 50.º, aplicando-se a esta comunicação – em que a A/senhoria tem total liberdade quanto ao que propõe em termos de valor da renda, tipo e duração do contrato – e respetiva resposta do arrendatário as mesmas regras e trâmites da primeira comunicação, deixando de ser possível à R./arrendatária a invocação qualquer uma das circunstâncias excecionais previstas no n.º 4 do art. 51.º e inexistindo qualquer obstáculo à possibilidade de a A/senhorio, perante a discordância do arrendatário relativamente ao valor atualizado da renda por si proposto, promover, querendo, a denúncia do contrato, tem razão a A./senhoria quando pede:
 - que seja declarada válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento, por si efetuada em 30 de Julho 2018 (data do recebimento da carta a comunicar a denúncia), com os efeitos produzidos no prazo de seis meses (cfr. art. 33.º/7, ex vi art. 52.º do NRAU);
 - que seja declarado que a indemnização devida por si à R., pela dita denúncia, é de € 126.450,00 (cfr art. 33.º/5/a), ex vi art. 52.º do NRAU);
 - que seja declarada a constituição em mora da R. na restituição do locado, a partir do trigésimo dia subsequente à data de produção de efeitos da denúncia referida, ou seja, a partir de 01 de Março de 2019 (cfr. art. 33.º/7/parte final, ex vi art. 52.º do NRAU);
 - que seja R. condenada a entregar-lhe de imediato o imóvel/locado, devoluto de pessoas e bens, contra o pagamento simultâneo, pela A., da indemnização de € 126.450,00 (cfr. art. 33.º/9, ex vi art. 52.º do NRAU);
 - que seja a R. condenada a pagar-lhe uma indemnização, nos termos do art. 1045.º/1 do CC, no valor de € 1.215,00, pela ocupação ocorrida durante o mês de Fevereiro de 2019;
 - que seja a R. condenada a pagar-lhe o valor mensal correspondente ao dobro do valor da renda mensal (€ 1.215,00 x 2), ou seja, € 2.430,00, nos termos do art. 1045.º/2 do CC, desde a data da constituição em mora, iniciada em 1 de Março de 2019, até à efetiva e integral restituição do locado totalmente livre de pessoas e bens;
 - que seja a A. autorizada a levantar os valores de rendas depositados, na Caixa Geral de Depósitos S.A., pela R. (na conta ...50, ou outra que sirva, ou venha a servir, a mesma finalidade).

*

IV - Decisão
Nos termos expostos, nega-se a revista da R. e concede-se a revista da A. e, em consequência, revoga-se parcialmente o Acórdão recorrido e repristina-se o decidido na 1.º Instância (com a retificação do ponto 4.7 cuja redação correta é a seguinte: “4.7- Condena-se a Sosequeiras Garagens Veículos e Supermercados, Lda. a pagar à autora Vilela & Calheiros, o valor mensal correspondente ao dobro do valor da renda mensal, correspondente a € 2.430,00 (€1.215,00 x 2), nos termos do art. 1045º n.º 2 do CC, desde a data da constituição em mora no dever de restituição da fração devoluta de pessoas e bens, ocorrida em 01 de Março de 2019, até à efetiva e integral restituição do locado totalmente livre de pessoas e bens”).
Custas nas Instâncias e neste Supremo, de ambas as revistas, a cargo da R..

*

Lisboa, 27/04/2022


António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ana Paula Boularot

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

________________________________________________________


[1] À época de tal resposta, a lei então vigente falava em “microentidade”, sendo que, em 2014, substitui tal expressão por “microempresa”
[2] António Arnaut, Iniciação À Advocacia: História -Deontologia. Questões Práticas, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 65.
[3] Augusto Lopes Cardoso, Do Segredo Profissional da Advocacia, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, 1998, pág. 17.
[4] Com o que fica prejudicado o argumento do caso julgado (formado pela sentença que homologou a transação) também esgrimido pela A., embora se possa/deva dizer que também as sentenças, como atos jurídicos, são interpretáveis, aplicando-se-lhes, nos termos do art. 295.º do C. Civil, as disposições jurídicas constantes dos referidos 236.º e 238.º do C. Civil; e, no caso, estando-se perante uma sentença “meramente” homologatória, a sua interpretação não deixará/ia de refletir a interpretação do que ela própria homologou, ou seja, não deixará/ia de refletir a interpretação do contrato de transação (ou seja, o argumento do caso julgado não impede a interpretação da sentença homologatória e esta remete para a interpretação, efetuada, do contrato de transação).
[5] Sem prejuízo das especificidades previstas nos artigos 35.º e 36.º do NRAU, não aplicáveis ao nosso caso, que, repete-se, é um arrendamento para fim não habitacional.
[6] Manual de Arrendamento e Despejo, Edgar Valente, Pág. 255.
[7] Repare-se que a cláusula que fala da renda (€ de 1.215,00) diz que é a renda para o “período transitório”.
[8] Com o que consideramos prejudicado o conhecimento da nulidade invocada – por, segundo a A., ter sido surpreendida com a configuração jurídica efetuada pelo Acórdão recorrido, na parte em que neste se considera que o acordado, na transação, não permitia que se dissesse que havia desacordo quanto ao valor da renda, tipo e duração do contrato, após a sua transição para o NRAU – na medida em que, como acabamos de expor, não aderimos à configuração jurídica efetuada no Acórdão recorrido; sem prejuízo de se poder dizer que a questão suscitada pela A. não se inclui entre as nulidades (até pelos poderes de cognição concedidos ao tribunal, nos termos do art. 5.º/3 do CPC), tratando-se, isso sim, como expusemos, dum “erro de julgamento”.