Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A2577
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: CONTRATO DE EXPLORAÇÃO
DIREITO À IMAGEM
Nº do Documento: SJ200510250025776
Data do Acordão: 10/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 2788/04
Data: 02/24/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : O contrato de cedência da exploração comercial da imagem de um desportista profissional, celebrado para vigorar por período determinado, tendo em vista apenas a imagem do respectivo titular enquanto desportista, e tendo o desportista titular do direito à imagem sido previamente remunerado pela cedência, é válido, por não ser contrário a princípios de ordem pública.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Em 25/9/01, "A", instaurou contra "B", acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 40.000.000$00, parte não paga da contraprestação devida pela cedência que lhe fez, em 16 de Junho de 1998, da exploração da imagem de futebolista profissional do jogador profissional de futebol C, que expressamente deu o seu acordo a tal cedência, e que também em 16 de Junho de 1998 assinou contrato de trabalho desportivo com a ré mas que anteriormente, em 1 de Junho de 1997, cedera, em troca de uma contraprestação, aquele direito à autora, - sua exclusiva representante -, por um período de quatro anos, e juros legais de mora respectivos até integral pagamento, somando os vencidos 14.715.616$00, bem como juros que se vencerem nos termos do art.º 829º-A, n.º 4, do Cód. Civil.
A ré contestou invocando que, face aos seus estatutos, o contrato de cedência de imagem não é válido por não ter sido assinado por dois administradores seus mas apenas por um, para além do que, tendo o referido jogador, por carta de 6 de Agosto de 1999, rescindido unilateralmente o seu contrato com ela ré, transferindo-se por vontade própria para outro Clube, - o Imortal de Albufeira -, sempre teriam cessado as obrigações dela ré para com a autora, por caducidade do contrato de cedência de imagem, isto a admitir a sua validade.
Houve réplica, em que a autora rebateu a matéria de excepção.
Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória.

Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que, apresentadas alegações de direito por ambas as partes e indeferida reclamação da ré sobre aquela decisão, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré no pedido, referindo concretamente as quantias de 199.519,16 euros de capital e 73.401,18 euros de juros vencidos à data da propositura da acção.
Apelou a ré, tendo a Relação julgado a apelação procedente e revogado a sentença ali recorrida, absolvendo a ré do pedido, por considerar nulos os ditos contratos de cedência, mas negando razão à apelante quanto a outras duas questões (inexistência de contrato por falta de prova da inscrição da autora como empresária desportiva e impossibilidade de cumprimento do contrato a partir do momento em que o jogador deixou de representar a ré) por acórdão de que vem interposta a presente revista, agora pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - O direito à imagem alcançou posição relevante no âmbito dos direitos da personalidade, graças ao extraordinário progresso das comunicações e à importância que a imagem adquiriu no contexto publicitário. A captação e a difusão da imagem na sociedade contemporânea, tendo em vista o desenvolvimento tecnológico, causou uma grande exposição da imagem, principalmente de pessoas que obtiveram destaque nas suas actividades, consequentemente, à imagem foi agregado um valor económico expressivo;
2ª - Dotado de certas particularidades, o direito à própria imagem é um direito essencial ao homem. Não pode o titular privar-se da sua própria imagem, mas dela pode dispor para tirar proveito económico. Esta característica fundamental do direito à imagem implica uma série de consequências no mundo jurídico, pois quando é utilizada a imagem alheia sem o consentimento do interessado, ou quando se ultrapassa os limites do que foi autorizado, ocorre uma violação do direito à imagem;
3ª - O direito à própria imagem é inalienável e irrenunciável, uma vez que não há como dissociá-lo do seu titular. Entretanto, não é indisponível, e é esta a grande característica do direito à imagem: a possibilidade de dispor ou não da própria imagem para que outros a utilizem para diversos fins. Pode, assim, a pessoa explorar a sua própria imagem;
4ª - Dos estabelecidos direitos constitucionais ligados à personalidade e tendo em conta os seus limites, resultam direitos instrumentais de conteúdo patrimonial susceptíveis de exploração económica, com suporte último na própria imagem;
5ª - A Constituição (art.º 26º) e a lei ordinária (art.ºs 70º, 79º e 81º do C.C.) traduzem o reconhecimento dos bens relativos à personalidade (direito à honra, direito à intimidade da vida privada, direito à imagem), mas entregam a definição sobre os correspondentes "âmbitos vitais" de cada um desses direitos à própria pessoa;
6ª - É este poder de disposição no âmbito da autonomia privada que está na base dos direitos de carácter patrimonial, os quais se tornam efectivos quando os bens constitucionalmente protegidos adquirem na vida económico - social a condição de bens de valor económico, susceptíveis de exploração no mercado;
7ª - Assim, dúvidas não subsistem que, ainda que, em princípio, a titularidade pela própria pessoa do âmbito vital protegido constitucionalmente podia fazer pensar numa construção jurídica imperativa como reflexo dos princípios da inalienabilidade e irrenunciabilidade, a sua adequação ao serviço da livre definição pela própria pessoa do "âmbito vital" de tal direito, torna inevitável a atribuição ao seu titular - original ou derivado - da faculdade de outorgar a terceiros a disposição sobre o bem protegido (a imagem);
8ª - É justamente esta capacidade de modelação pelo titular do âmbito do seu direito de personalidade (no caso, a imagem) do âmbito vedado a terceiros a que serve de plasma ao estipulado no plano constitucional e no plano legal ordinário, no qual se definem e concretizam os direitos de conteúdo patrimonial;
9ª - Ou seja, a vinculação estrita com a salvaguarda da intimidade da vida privada, da honra e da dimensão teleológica do direito à própria imagem, faz com que a dimensão constitucional que tais direitos assumem fique restringida a este concreto âmbito de natural reserva da própria esfera íntima. As suas numerosas vertentes colaterais ficam pois remetidas para o que estabeleça, àquele respeito, a legislação ordinária: efeitos indemnizatórios pelos danos eventualmente causados, efeitos estritamente sancionatórios pela violação daqueles, e, por último, os direitos patrimoniais que possam corresponder à pessoa cuja imagem seja explorada comercialmente;
10ª - Aqui chegados, interessa relevar como decorrência lógica do exposto, que: o direito à imagem não é indisponível e é esta a grande característica do direito à imagem: a possibilidade de dispor ou não da própria imagem para que outros a utilizem para diversos fins. Pode assim a pessoa explorar a sua própria imagem;
11ª - Consequentemente, temos assente a existência de um direito à imagem disponível para o seu titular e a possibilidade de cedência do direito à exploração comercial da imagem;
12ª - Pois bem: o jogador profissional de futebol C limitou voluntariamente o seu direito à imagem (consentimento livre e bem prestado) para a recorrente, que cedeu posteriormente à recorrida o direito de exploração comercial da imagem de futebolista profissional daquele;
13ª - Logo, cristalino se torna que foi o direito à exploração comercial da imagem do jogador C que constituiu o objecto mediato dos contratos celebrados entre recorrente e recorrida;
14ª - Assente este ponto, poder-se-á perguntar se um tal direito é ou não disponível, isto é, susceptível de ser objecto do comércio jurídico;
15ª - Trata-se de questão relevante, visto que foi precisamente tal direito que a sociedade recorrente transferiu, mediante um preço, para a esfera jurídico - patrimonial da recorrida;
16ª - O acórdão recorrido assenta na ideia de que o direito que as partes quiseram transferir teria sido o "próprio" direito à imagem, e que, o contrato entre a recorrente e a recorrida é um contrato nulo e de nenhum efeito por ofensa da ordem pública;
17ª - Cumpre desde logo observar que o argumento assenta numa proposição que não é exacta: que o objecto dos aludidos contratos seja o "próprio" direito à imagem;
18ª - É verdade que foi essa a designação que as partes assumiram no instrumento que cristalizou a declaração de vontade em que juridicamente se analisam os mencionados contratos. Todavia, o intérprete não está vinculado ao nomen juris utilizado pelas partes nas declarações negociais, à designação que usaram; decisiva, neste domínio, é apenas a regulamentação concreta dos interesses adoptada pelas partes, o objecto mediato das suas declarações negociais, em conjugação com a norma legal a que seja subsumível;
19ª - Todavia, através dos mencionados contratos, o jogador e a ora recorrente transferiram para a recorrida o direito de exploração da imagem de jogador de futebol de que o jogador é, inequivocamente, titular, sendo que a exploração comercial dessa imagem ficou a cargo da sociedade recorrente, direito esse que transferiu de forma onerosa para a recorrida;
20ª - Esse fenómeno translativo da exploração da imagem de que o jogador C é indiscutivelmente titular, operado por via daqueles contratos, em nada contende com a inalienabilidade, irrenunciabilidade, intransmissibilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade do direito à imagem enquanto direito de personalidade;
21ª - O que se verificou foi que o jogador limitou voluntariamente o seu direito de forma livre e bem informada para aproveitamento comercial e económico da sua imagem, tendo-o feito através de um contrato, estabelecendo condições formais (limite temporal, benefícios e possibilidade de cedência a terceiros) e materiais (pois não é uma renúncia nem se transmite o "próprio" direito à imagem);
22ª - Após ter recebido, da esfera jurídica do jogador, o direito de explorar comercialmente a imagem daquele jogador de futebol, a recorrente não procedeu ela própria a essa comercialização por qualquer dos meios que servem de suporte a essa actividade: antes procedeu à sua alienação onerosa, ex contractu, a uma outra entidade, no caso, a recorrida;
23ª - Sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa - Secção Cível no acórdão de 13/3/2001, relativo ao processo n.º 11314/00, aí se referindo, em síntese: "A irrenunciabilidade dos direitos de personalidade não impede a eventual relevância do consentimento do lesado: este não produz a extinção do direito e tem um destinatário que beneficia dos seus efeitos (...).
A limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade deve, todavia, para ser válida, como negócio jurídico, ser conforme aos princípios de ordem pública (art.º 81º e 280º do C.C.). (...).
O direito à imagem pode, portanto, em princípio, ser objecto de válidas limitações voluntárias, sendo tal direito o mais "exterior" e "público" dos direitos da pessoa (física), torna-se o mais susceptível de ser ofendido. (...).
Sendo possível o consentimento, nada impede que este seja prestado directamente ao utilizador da imagem ou por interposta pessoa. (...).
Neste caso, ficou provado que a autora negociou directamente com o SNJPF, tendo celebrado com este Sindicato o direito à utilização e reprodução da imagem dos jogadores nas colecções de cromos, tendo resultado igualmente provado que o SNJPF obtém dos seus filiados autorização para, em nome deles, negociar contratos em que esteja em causa a exploração comercial da imagem dos jogadores profissionais de futebol. (...).
A imagem de jogadores de futebol não pode ser usada sem o consentimento dos próprios ou da entidade por aquele autorizada para negociar contratos em que a exploração comercial daquela imagem esteja em causa";
24ª - A recorrente e a recorrida são sociedades comerciais, portanto, pessoas colectivas "stricto sensu", associações de direito privado de fim económico lucrativo;
25ª - O princípio fundamental no domínio da capacidade das sociedades comerciais consta do art.º 6º, n.º 1, do CSC, que reproduz quase literalmente a norma do art.º 160º do C.C., consagrando, para as sociedades comerciais, o princípio conhecido da especialidade do fim;
26ª - Desta norma e dos restantes números do mesmo artigo, conclui-se que a limitação da capacidade ínsita no princípio da especialidade se afere pelo fim genérico da sociedade comercial que consiste na prática de actos de comércio com o escopo de obter lucros para partilhar pelos sócios;
27ª - Definido deste modo o perímetro da capacidade da sociedade comercial, segue-se que, no caso dos autos, nenhum obstáculo ao ponto de vista da capacidade das sociedades intervenientes recorrente e recorrida se levantaria, relativamente ao acto jurídico - contrato - que celebraram e através do qual se transmitiu para esta última o direito de exploração comercial da imagem do jogador de futebol C, com o consentimento expresso deste;
28ª - Trata-se inequivocamente, de actos de comércio iluminados com o propósito da obtenção de lucro (art.º 2º do Cód. Comercial). A plena conformidade de tais actos jurídicos com o fim genérico de ambas as sociedades não suscita dúvida fundada;
29ª - Destarte, a aquisição pela recorrida daquele direito de exploração de que era titular a ora recorrente com consentimento expresso do titular à imagem (o próprio jogador) não constitui um acto juridicamente ilícito;
30ª - Não existe, pois, qualquer violação aos princípios da ordem pública previstos no art.º 81º, n.º 1, e 280º, n.ºs 1 e 2, do C.C.;
31ª - Não se verifica, por isso, a nulidade do contrato dos autos;
32ª - Ao decidir de forma diversa, o acórdão recorrido violou o correcto entendimento dos citados preceitos (art.º 26º da Constituição da República Portuguesa e art.ºs 70º, 79º e 80º do C. Civil).

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.
Em contra alegações, a recorrida pugnou pela confirmação do mesmo acórdão.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os como tais declarados no acórdão recorrido, para o qual nessa parte se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, uma vez que não há impugnação da matéria de facto nem fundamento para a sua alteração.
Em causa está saber se o designado "contrato de cedência de imagem" celebrado entre a recorrente e a recorrida com intervenção concordante do jogador titular do respectivo direito enferma de nulidade por violação de princípios de ordem pública na medida em que estariam em questão direitos de personalidade (aquele direito à imagem), como o entendeu o acórdão recorrido.
O direito à imagem é um direito fundamental de personalidade, como tal consagrado na Constituição da República Portuguesa (art.º 26º, n.º 1), o que significa que qualquer pessoa, seja qual for o seu nível económico, social, cultural, é titular de tal direito. Acresce que os direitos fundamentais da personalidade são inatos, absolutos, inalienáveis e irrenunciáveis, "dada a sua essencialidade relativamente à pessoa, da qual constituem o núcleo mais profundo" (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 215).
Encontra-se tal direito, por outro lado, civilmente protegido nos art.ºs 70º, 71º e 79º do Cód. Civil, que, referindo no n.º 1 deste dispositivo, precisamente sob a epígrafe de "direito à imagem", que "o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela (...), de novo se referindo apenas ao "retrato" nos restantes números do mesmo artigo, conduz ao entendimento de que o dito direito é o que tem por objecto imediato, não o de colher a imagem de uma pessoa, mas o de dar difusão ao retrato - considerado como retrato físico - dessa pessoa, expondo-o, reproduzindo-o ou lançando-o no comércio.
São três, pois, as formas de exercício do direito à imagem previstas na lei: exposição, ao público ou a outra pessoa, reprodução, e exploração comercial do retrato em que a imagem de uma pessoa foi colhida.
Em primeira linha, como da própria exigência de consentimento da pessoa retratada feita naquele n.º 1 resulta, só essa pessoa é titular do mencionado direito, só ela podendo, pois, exibir, reproduzir, ou explorar comercialmente qualquer retrato que contenha a sua imagem.
Além disso, no que ao contrato de trabalho do praticante desportivo respeita, dispunha o art.º 10º, n.º 1, do Dec. - Lei n.º 305/95, de 18/11 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva), - dispositivo esse inalterado pela Lei n.º 28/98, de 26/6, que revogou aquele Dec. - Lei -, que todo o praticante desportivo profissional tem direito a utilizar a sua imagem pública ligada à prática desportiva e a opor-se a que outrem a use ilicitamente para exploração comercial ou para outros fins económicos.
Quer isto dizer que o direito à imagem, em si, enquanto direito de personalidade, é inalienável, mas a exploração comercial da imagem de alguém não o é, podendo ser feita pelo próprio titular desse direito directamente ou por intermédio de outrem, ou por outrem com o seu consentimento. Pelo que um contrato de cedência do próprio direito à imagem seria efectivamente nulo por contrário à ordem pública, nos termos dos art.ºs 81º, n.º 1, e 280º, n.º 2, do Cód. Civil, mas o mesmo não se passa em relação à cedência daquela exploração comercial, que a lei expressamente permite. O que não pode ser cedido é, pois, o direito à própria imagem (se o fosse, o titular nem poderia mostrar a ninguém uma fotografia de si próprio, nomeadamente incluí-la no seu bilhete de identidade, onde acabaria por ser exibido a outrem), não o direito à sua exploração comercial.
É certo que o contrato em causa foi designado pelas partes como "contrato de cedência de imagem". Mas o Tribunal não se encontra vinculado a tal designação, pois o art.º 664º do Cód. Proc. Civil apenas determina a sua sujeição aos factos articulados. Ora, dos termos do contrato celebrado entre o jogador e a recorrente, e consequentemente dos do contrato celebrado entre esta e a recorrida, o que resulta é que o que foi cedido foi o direito à exploração comercial da imagem do jogador enquanto futebolista profissional, mediante um preço e durante um determinado período, e não o direito puro e simples à sua imagem.
Dos termos do transcrito art.º 79º, n.º 1, do Cód. Civil, podem resultar dúvidas quanto ao que pode ser cedido: se o direito à exploração comercial de apenas um determinado retrato, uma concreta fotografia, por exemplo mediante a venda de uma fotografia artística ou a sua exposição publicitária, ou se o direito à exploração comercial de retratos vários, de toda e qualquer reprodução mecânica ou artística da imagem de uma pessoa, produzidos porventura durante uma campanha publicitária, ou durante um período mais ou menos lato.
Só que, na hipótese dos autos, o que está em causa não é o poder de dispor em geral da imagem da pessoa para fins comerciais, o poder de lançar no comércio todos e quaisquer retratos de que alguém, não titular do respectivo direito à imagem, disponha. O que está em causa é apenas a exploração comercial, durante um período determinado e com proveito económico para o próprio desportista, da imagem de desportista profissional de um futebolista - à qual a própria lei reconhece portanto valor económico -, por meio dos retratos, filmes, desenhos ou outras formas de exibição que, apenas nessa qualidade e durante esse período, sejam produzidos com base na sua imagem, e não no que possa respeitar a todo e qualquer aspecto da sua vida íntima e privada.
Ora, não se vê em que possa ofender a ordem pública a exploração comercial dessa imagem por entidade distinta do respectivo titular, por um período de tempo limitado, permitida por lei quanto aos praticantes desportivos sem a restrição que em face do disposto no art.º 79º, n.º 1, do Cód. Civil, se possa entender existir para as pessoas em geral, e livremente consentida pelo titular do direito à imagem, que, sem deixar de ser titular desse direito, sem a ele renunciar por meio da cedência em causa, consegue, mediante o recurso directo ou indirecto a tal exploração ou por cedência remunerada, a terceiros, da mesma, extrair rendimentos dela aproveitando a notoriedade que com o tempo e o esforço que dedique à actividade desportiva que pratique consiga alcançar.
Obviamente que a exploração em causa produzirá benefícios económicos para a empresa que, autorizada pelo desportista, a ela proceda, mas, perante o risco que esta corre, e como dessa actividade não resulta a perda do direito à imagem pelo próprio titular mas apenas uma limitação provisória da exploração comercial da mesma enquanto desportista, tal não choca a ordem pública, e, não constituindo subtracção genérica do direito à imagem do desportista, é a forma de possibilitar a este, como titular desse direito, que, por sua vez, também aufira por essa via benefícios económicos para ele próprio, ao receber uma contraprestação pela cedência do direito àquela exploração comercial.
É, aliás, mesmo esse o meio normal, a fim de poder concentrar-se no exercício da sua actividade desportiva, pelo qual procede ele próprio também a essa exploração da sua imagem, permitida pela legislação especial já indicada, na qual, como se disse, não se estabelece restrição idêntica à que possa resultar do disposto no dito art.º 79º. O que se compreende, pois, se em relação às pessoas em geral raramente atingirão uma permanente notoriedade que origine valor comercial a mais que um seu retrato isolado, o mesmo não se passa com desportistas que venham a adquirir alguma nomeada, justificativa de exibições frequentes de retratos seus, com fins económicos, as quais seriam enormemente dificultadas se fosse necessária a celebração de um contrato de cedência por cada retrato concreto com vista à sua exploração comercial em benefício, também, dele próprio.
Assim, tem de se concluir não haver fundamento bastante para se entender ser nulo o contrato celebrado entre o jogador e a recorrente, nem o contrato celebrado entre esta e a recorrida.
Há que reconhecer, pois, razão à recorrente, tanto mais que a recorrida não requereu ampliação do âmbito do recurso àquelas outras questões em relação às quais decaiu, nos termos do art.º 684-A, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, tendo por isso o acórdão recorrido transitado em julgado nessa parte (art.º 684º, n.º 4, do mesmo Código).

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se que fique a valer o decidido na sentença da 1ª instância.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 25 de Outubro de 2005
Silva Salazar,
Ponce de Leão,
Afonso Correia.