Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1364/11.6TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
FUNDAMENTOS E DETERMINAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / TRABALHO SUPLEMENTAR - RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS.
Doutrina:
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, pp. 551-552.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 199.º, 258.º, N.º5.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 227.º, N.ºS 1 E 2, 268.º, N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, N.º1, ALÍNEAS A) E D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2.12.2013, PROCESSO N.º 2375/08.4TTLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 27.2.2013, E, MAIS RECENTEMENTE, O DE 25.6.2014, PROCESSO N.º 764/11.6T4AVR.C2.S1.
Sumário :

I. É trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho, como tal se considerando também o que, em caso de isenção de horário de trabalho limitado a um determinado número de horas, seja prestado fora desse período.

II. O trabalho suplementar só pode ser prestado com fundamento em necessidades anormais de gestão (quando a empresa tenha de fazer face a acréscimos eventuais e transitórios de trabalho e não se justifique para tal a admissão do trabalhador), podendo ainda ser prestado havendo motivo de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade.

III. A determinação do trabalho suplementar cabe ao empregador, sendo o trabalhador obrigado, por regra, à sua prestação, excepto quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa.

IV. É exigível o pagamento do trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador, impendendo sobre o trabalhador o ónus da prova dos respectivos pressupostos, enquanto elementos de facto constitutivos do direito peticionado.

V. Não tendo sido prévia e expressamente determinada, não é de considerar como realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador a prestação de trabalho suplementar realizada a título espontâneo, prolongada para além do contratado período (de mais uma hora) de isenção de horário de trabalho, se o trabalhador não alegou/demonstrou que trabalho prestou suplementarmente, concretizando-o e justificando a sua necessidade.                                              

Decisão Texto Integral:

         Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                     I.

1.

Nos Autos epigrafados, AA demandou a Ré «Banco BB, S.A.», ambos devidamente identificados, mediante a presente acção de impugnação de despedimento, sob a forma de processo especial, apresentando o formulário previsto no art. 98.º-D do Código de Processo do Trabalho, onde declara opor-se ao despedimento cominado em 8-11-2011, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

A Ré apresentou articulado motivador do despedimento do trabalhador e o respectivo procedimento disciplinar.

 Para fundamentar o despedimento que promoveu, alegou, em síntese, que o A. concedeu crédito não autorizado (porquanto, por despacho de 22/06/2010, a Direcção de Crédito havia vedado qualquer facilidade de crédito, a nível local, às quatro sociedades que fazem parte do ‘Grupo CC’), através dos seguintes expedientes, que se multiplicaram em inúmeras operações bancárias autorizadas ou realizadas pelo (ou com o conhecimento do A.), gerente de cliente, e/ou o seu superior hierárquico, coordenador comercial, em conivência com o cliente:

- a) No período de 21/06 a 18/11/2010, depósitos em máquinas ATM de cheques sacados sobre OIC (outras instituições de crédito) que – depois e antes das contas DO sobre as quais foram emitidos serem debitadas – eram objecto de pedidos de devolução pelo beneficiário;

- b) No período de 11/08 a 17/11/2010, pagamento de cheques com o saldo das contas afectado por valores em cobrança e/ou negativo;

- c) No período de 07/07 a 15/11/2010, quando sabiam que os saldos das contas debitadas se encontravam afectados por valores em cobrança, transferências para outras contas bancárias onde eram creditados;

- d) Emissão de garantia bancária do montante de € 500.000, sem procederem previamente ao cancelamento de uma anterior, no valor de € 1.875.026,88, em que a responsabilidade da ‘CC, S.A.’ era de 25%;

- e) Emissão de papel comercial da emitente ‘CC – …, …, S.A.’, no valor de € 9.500.000;

- f) Desconto de um efeito da ‘CC – …, S.A.’, no valor de € 175.000, com vencimento em 23/12/2010, que não foi pago nesta data;

- g) A partir de Outubro de 2012, rotação de cheques através de depósitos em OIC, realizados pelas empresas do ‘Grupo CC’, do mesmo valor e com cheques cruzados do próprio ‘Grupo CC’, tendo o trabalhador e o seu superior hierárquico passado a autorizar, em D+1, o pagamento dos cheques recebidos pela compensação e sacados sobre o DD, mesmo antes de saberem se os valores depositados em conta (e que lhe aumentava o saldo contabilístico) tinham boa cobrança, pelo que, quando em D+2 autorizavam o pagamento dos cheques que tinham sido depositados em contas do BB, as OIC’s já tinham recebido a confirmação da boa cobrança dos cheques que tinham recebido em depósito, sendo que tal movimentação fazia com que os clientes tivessem que cobrir o descoberto durante 3 dias, fazendo diariamente depósitos de cheques em rotação que atingiram um valor mensal da ordem dos sete milhões de euros.

Considerou que os referidos factos apurados no processo disciplinar tornaram impossível a manutenção da relação de trabalho, porquanto o trabalhador violou os deveres de obediência, de realizar o trabalho com zelo, diligência e lealdade e lesou interesses patrimoniais sérios da empresa, revelou manifesta indiferença pelo destino dos bens do seu empregador, sendo que os descobertos das empresas do ‘Grupo CC’ totalizavam, em 30/08/2011, o valor de € 8.463.732.

Concluiu, pedindo que seja declarado lícito o despedimento.

O A. contestou, suscitando a prescrição do procedimento disciplinar, por ter sido instaurado depois de decorrido o prazo de 60 dias previsto no art. 329.º, n.º 2, do CT/2009, e alegando não existir justa causa de despedimento, quer porque não praticou todos os factos que lhe são imputados, quer por não ser culposo o seu comportamento relativamente aos factos que aceita ter praticado, os quais justifica com as expectativas que lhe foram apresentadas como bem fundadas e com implementação rápida pelo Cliente ‘Grupo CC’, o que não se verificou.

Deduziu reconvenção.

Concluiu, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento, condenando-‑se a R. em conformidade.

A ré apresentou resposta à excepção e reconvenção.

Tramitada e discutida a causa, proferiu-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, declarando lícito o despedimento do A. e, em consequência, julgando improcedentes os pedidos formulados quanto a essa matéria, mas condenando a R. a pagar àquele a retribuição referente ao trabalho suplementar que este prestou, de 26/11/2006 a 18/11/2010 (duas horas por dia, de segunda a sexta feira), e a retribuição referente aos dias de férias vencidas e não gozadas por este (com o limite de 12 dias úteis), a determinar em sede de liquidação, acrescidos dos juros, à taxa legal, vencidos desde a data da notificação da contestação/reconvenção.

2.

Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra que, pelo Acórdão prolatado a fls. 1012-1075, deliberou (a) julgar procedente a apelação da ré, e, consequentemente, revogar a sentença recorrida no que toca à condenação da ré a pagar ao autor a retribuição referente ao trabalho suplementar que este prestou de 26.11.2006 a 18.11.2010 (duas horas por dia, de segunda a sexta feira), a determinar em sede de liquidação, acrescida de juros de mora, absolvendo-a desse pedido; (b) julgar improcedente a apelação do autor.

É o A. que, irresignado, nos traz ora a presente Revista, cuja motivação remata com o alinhamento destas conclusões:

1.Segundo o acórdão recorrido, para que o pagamento do trabalho suplementar seja exigível necessário se torna que o empregador, conhecendo-o, com toda a probabilidade não se oporia à sua prestação fora do período normal de trabalho.

2.Esta interpretação escapa ao normativo dos arts. 258.º, n.º 5, do Código de Trabalho de 2003 e 268.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009, que exigem apenas que da realização do trabalho suplementar não seja previsível a oposição do empregador.

3.A interpretação ínsita no acórdão recorrido viola frontalmente o artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) e d) da Constituição da República Portuguesa, no sentido de dificultar a prova do trabalhador, exigindo-lhe que prove que, com toda a probabilidade, o empregador, conhecendo-o, se não oporia à realização do trabalho suplementar, ao invés de apenas de tal execução não ser previsível a oposição do empregador, promovendo desta forma a exploração do trabalho gratuito e o enriquecimento do empregador.

4.Ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foram alegados (e provados) factos susceptíveis de comprovar que da realização do trabalho suplementar pelo recorrente não era previsível a oposição do banco recorrido.

5.Durante 16 anos, o horário normal do recorrente era das 8h30m às 17h30m, com uma hora de almoço e uma hora de isenção de horário de trabalho, o que desde logo inculca a necessidade prevista pelo empregador do seu trabalhador prolongar o horário de trabalho das 8h30m às 16h30m, com uma hora de almoço.

6.Entre 26 de Novembro de 2005 e 18 de Novembro de 2010, o recorrente cessava geralmente a sua actividade para o empregador cerca das 19:00 horas, donde se retira que se o empregador já admitia uma hora de trabalho a mais, com isenção de horário, não se ia previsivelmente opor ao trabalho suplementar diário de 1h30m do recorrente.

7.A realização diária, em geral, de 1h30m de trabalho suplementar, cinco dias por semana, durante dois meses de 2005, onze meses do ano de 2006, onze meses do ano de 2007, onze meses do ano de 2008 e quase dez meses do ano de 2009 (sendo que o recorrente não gozou alguns dias de férias vencidos nesse ano) não só afasta a previsibilidade de oposição do empregador como acentua a sua própria aquiescência.

8.Do mesmo modo, prestando o recorrente esse trabalho com honestidade, lealdade e empenho, norteado para a realização dos objectivos propostos, tendo a equipa de que fazia parte elevado a notoriedade e prestígio da instituição, obtendo quotas crescentes de mercado, com bons clientes e resultados, e desempenhando o recorrente o seu trabalho com a máxima diligência e profissionalismo, tudo dando à instituição, mesmo que em claro prejuízo da sua vida pessoal e familiar, é de concluir que esse trabalho é prestado com conhecimento do empregador e sem a sua oposição.

9.Nem fazia sentido que durante 5 anos o recorrente o tivesse prestado e, não o aceitando, o Banco recorrido não o tivesse proibido.

10.A repetição, ao longo dos dias, por vários anos, de trabalho suplementar permite concluir que não é previsível que dessa realização haja oposição do empregador para o respectivo pagamento ser exigível, foi expressamente acolhida por este Tribunal, em acórdão de 2 de Dezembro passado, acima identificado.

11.Além disso, sendo a testemunha, Dr. EE, superior hierárquico do recorrente, conhecia toda a actividade realizada na sucursal onde o recorrente prestava serviço, saindo sempre depois deste, competindo-lhe consentir na realização desse trabalho suplementar, o que sempre fez.

12.Pelo que também com este fundamento está inquestionavelmente afastada a possibilidade de não ser previsível oposição do empregador.

13.Decidindo como decidiu, o Tribunal recorrido violou o comando das disposições legais vertidas nas antecedentes conclusões 2. e 3.

Termina clamando que seja concedido provimento ao recurso e, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, seja o recorrido condenado a pagar ao recorrente a retribuição referente ao trabalho suplementar que este prestou de 26/11/2006 a 18/11/2010, uma hora e meia por dia, geralmente, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal.

O recorrido contra-alegou no sentido da manutenção do julgado, aduzindo, em resumo, que são factos constitutivos do direito de exigir o pagamento de trabalho suplementar a invocação de que a prestação do mesmo foi prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador, circunstâncias que o recorrente não alegou nem provou.

                                                                       ___

Neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto tomou posição, emitindo circunstanciado parecer em que propende no sentido da procedência do recurso, com a consequente revogação do Acórdão recorrido.

Notificado às partes, não foi oferecida qualquer resposta.

Visando a preparação da deliberação, entregou-se oportunamente cópia do projecto de solução aos Exm.ºs Juízes-Adjuntos.

Cumpre ora analisar, ponderar e decidir.

3.

O objecto do recurso.

Como flui das conclusões da motivação – por onde se afere e delimita, por via de regra, o teor e limites do thema decidendum, inexistindo temáticas de conhecimento oficioso – a questão proposta consiste em dilucidar e saber se, no caso, o A. tem ou não jus ao reclamado pagamento do trabalho suplementar.

                                                                        ___

                                                                         II.

                                                    Dos Fundamentos

1. – De Facto.

O thema decidendum, conforme se consignou, cinge-se à questão atinente ao peticionado pagamento do trabalho suplementar, concretamente o relativo ao período transcorrido entre 26 de Novembro de 2006 e 18 de Novembro de 2010.

Não vindo questionada, nem se nos afigurando haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto equacionável no âmbito da previsão do art. 682.º/3 – o recorrente, reportando-se à factualidade fixada, encontrou fundamento para a impugnação deduzida apenas no pretenso erro de interpretação e aplicação do art. 285.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2003 e do n.º 2 do art. 268.º do Código do Trabalho de 2009, como estampa a fls. 1088 –, limitamo-nos a remeter para os termos da decisão da matéria de facto constante do Acórdão sub judicio, em conformidade com o adrede previsto no art. 663.º, n.º 6, aplicável ex vi do art. 679.º, todos do NCPC.

Não obstante, convocar-se-ão, no desenvolvimento sequente, os factos, dos elencados, havidos por relevantes para o enquadramento e tratamento da problemática equacionada.

2. Os Factos e o Direito.

Conhecendo.

2.1 -

A questão.

    A deliberação trazida em Revista, acolhendo a apelação da Ré, revogou a sentença que sindicou apenas no que tange à condenação desta no pagamento ao A. da retribuição referente ao trabalho suplementar prestado de 26.11.2006 a 18.11.2010, pedido de que a absolveu.

No mais, julgando improcedente a apelação do A., ratificou o decidido quanto à verificação da justa causa e consequente licitude do despedimento cominado.

O A. restringiu o recurso, como se disse, à parte da deliberação que, revogando a decisão, não lhe reconheceu o direito ao reclamado pagamento da remuneração atinente ao trabalho suplementar. 

2.2 -

Lembremos os termos da respectiva fundamentação jurídica (transcrição parcial):

“Com base nos pontos de facto 154. e 155., na sentença dos autos o tribunal a quo concluiu que o autor realizou, no período de 26/11/2006 a 18/11/2010, trabalho suplementar, uma vez que trabalhou diariamente, de segunda a sexta-feira, mais duas horas para além do horário de trabalho e do período de isenção, relegando para liquidação de sentença o montante da retribuição desse trabalho que a ré deveria suportar, em resultado da condenação.

A conclusão de acordo com a qual o autor prestou trabalho suplementar está correcta, de acordo com a redacção que agora demos ao ponto de facto 155. Com base nesta redacção não é possível quantificar com precisão a quantificação do trabalho suplementar prestado, mas é possível concluir que ele foi prestado.

Na verdade, o art. 226.º do Código do Trabalho de 2009, nos seus n.ºs 1 e 2 estabelece que se (1.) considera trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho e que (2) no caso em que o acordo sobre isenção de horário de trabalho tenha limitado a prestação deste a um determinado período de trabalho, diário ou semanal, se considera trabalho suplementar o que exceda esse período.

Todavia, quer (nos termos do) art. 258.º n.º 5 do Código do Trabalho/2003, quer (do) n.º 2 do artigo 268.º do Código do Trabalho/2009, apenas é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

Esses factos constitutivos do direito de exigir tal pagamento teriam de ser provados pelo autor (art. 342.º n.º 1 do Código Civil).

Ora, o autor não alegou, nem provou que tenha prestado trabalho suplementar por expressa determinação da ré.

Por outro lado, também não alegou factos que, em concreto, permitissem inferir que o trabalho foi prestado em condições que excluiriam a hipótese de oposição da parte da ré.

Os factos provados não nos dão conta que tipo de trabalho foi prestado suplementarmente, nem as circunstâncias que levariam à exclusão daquela hipótese de oposição.

A simples circunstância de tal prestação ocorrer com normalidade (geralmente) não é de molde a considerar que a ré, conhecendo a situação, a ela não se oporia.

 Necessário seria a demonstração do tipo de trabalho prestado e da sua efectiva necessidade para que se pudesse formular o juízo de que, conhecendo-o, a ré com toda a probabilidade não se oporia à sua prestação fora do período normal de trabalho.

Nestas condições, a apelação da ré não pode deixar de proceder, impondo-se a revogação da sentença recorrida na parte em que a condenou a pagar a remuneração do trabalho suplementar.”

2.3 -

O recorrente, inconformado, contrapõe essencialmente:

- Houve erro de interpretação e aplicação do art. 258.º/5 do Código do Trabalho/2003 e do art. 268.º do Código do Trabalho de 2009, discordando-se do entendimento de que não há factos demonstrativos do juízo de não ser previsível a oposição do empregador para lhe poder ser exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador.

(A circunstância de o A. desempenhar funções de gerência e de o seu período de trabalho incluir mais uma hora de isenção de horário de trabalho são a prova de que a R. reconheceu, ao longo dos 16 anos da relação, a necessidade de maior disponibilidade do seu trabalhador… pelo que deixa de não ser previsível que ele, empregador, se oponha ao trabalho do recorrente que se prolongue geralmente por mais hora e meia, todos os dias, para além daquela prestação);

- A interpretação do art. 258.º/5 do CT/2003, de conteúdo igual ao ínsito no art. 268.º/2 do CT/2009, vai no sentido da licitude do trabalho suplementar quando realizado ‘de modo a não ser previsível a oposição do empregador’ e não, como defende o Tribunal recorrido, de modo a que ‘a Ré, com toda a probabilidade, não se oporia à sua prestação fora do período normal de trabalho’.

(Esta divergência interpretativa do Tribunal recorrido muda as exigências de prova para a verificação da licitude do trabalho suplementar. No caso, resultou provado que o recorrente prestava diariamente 1 hora e meia de trabalho suplementar e a assiduidade dessa prestação – geralmente diária e durante 5 anos consecutivos – leva-nos a concluir que o recorrido não impunha ao recorrente que respeitasse o horário estipulado, nem se opunha a essa forma de execução do trabalho, repetida, dia após dia, ano após ano);

- A interpretação do Tribunal recorrido transforma uma norma consentânea com a Constituição da República Portuguesa numa interpretação desconforme com a mesma, pois a C.R.P. (alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 59.º) funda-se na dignidade da pessoa humana e a atenção que presta aos direitos dos trabalhadores funda-se nessa dignidade no âmbito laboral, cuja actividade é desenvolvida para prover às necessidades de uma vida digna, sendo que o entendimento feito dos normativos citados pelo Tribunal recorrido é o de fomentar a exploração do trabalho gratuito e o enriquecimento do empregador à custa do trabalhador, em clara violação constitucional;

- A matéria de facto adrede provada permite até ir para além do decidido no Aresto sub judicio, pois se provou que o Dr. EE, superior hierárquico do recorrente, conhecia todas as operações efectuadas na Sucursal, havendo diariamente um briefing geral e reunião individualizada sobre todas as situações, sem excepção.

Assim, tendo o superior hierárquico do recorrente conhecimento de todas as operações da sucursal, saindo sempre da sucursal após o recorrente, manifesto se torna não ser previsível a oposição do empregador, mas antes expressamente consentido o trabalho suplementar prestado pelo trabalhador/A.

2.4

Prosseguindo.

O reclamado pagamento de trabalho suplementar respeita ao período da relação juslaboral protagonizada decorrido entre 26.11.2006 e 18.11.2010.

A disciplina jurídica concretamente aplicável é a constante dos diplomas sucessivamente vigentes nesse lapso temporal: o Código do Trabalho de 2003 e a sua versão revista em 2009 (esta aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro).

Dispõe-se ora no n.º 2 do art. 268.º do CT/2009 (previsão homóloga da antes constante no n.º 5 do art. 258.º do CT/2003, com igual redacção) que é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

A previsão legal actual, plasmada na predita fórmula, tem implicitado, necessariamente, o iter percorrido desde que a norma proclamada no art. 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12, condicionou a exigibilidade do pagamento do trabalho suplementar prestado à existência de prévia e expressa determinação do empregador, desencadeando a conhecida controvérsia doutrinária e jurisprudencial que culminou com a intervenção final do Tribunal Constitucional, tudo como bem se descreve no Acórdão desta Secção, de 2.12.2013, tirado na Revista n.º 2375/08.4TTLSB.L1.S1, (in www.dgsi.pt), a que nos reportamos.

Daí a patenteada diferença formal entre as duas sucessivas formulações.

O entendimento jurisprudencial sequente passou a reflectir a solução preconizada – vide, inter alia, o Acórdão de 27.2.2013, e, mais recentemente, o de 25.6.2014, prolatado na Revista n.º 764/11.6T4AVR.C2.S1.

(O citado Acórdão de 2.12.2013, contrariamente ao dito pelo recorrente, reitera igual juízo, como flui da sua fundamentação jurídica, independentemente do sentido da solução, naturalmente compaginada com o quadro de facto que interpretou e valorizou).  

Como se sabe, a exigência da prestação do trabalho suplementar, constituindo um acréscimo de disponibilidade do trabalhador perante o empregador[1], com o correspectivo prejuízo do seu direito ao descanso diário, pressupõe a prévia verificação de um apertado condicionalismo.

O trabalhador é obrigado[2]a realizar a prestação de trabalho suplementar apenas quando ocorram necessidades anormais de gestão (quando a empresa tenha de fazer face a um acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador), se verifique uma situação de força maior, ou ainda se/quando a sua prestação seja indispensável à prevenção ou reparação de prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade – art. 227.º, n.ºs 1 e 2, do CT/2009, regime homólogo do antes estabelecido no art. 199.º do CT/2003.

A sua determinação cabe, por óbvias razões, ao empregador, enquanto titular da empresa e detentor dos respectivos poderes organizativos e de direcção.

E, como é pacífico, impende sobre o trabalhador que reclame tal direito – ut regra geral do art. 342.º/1, do Cód. Civil – o ónus da prova da sua prestação nas condições em que o respectivo pagamento se torne exigível.

Excluído o cenário delineado na primeira parte da hipótese legal (a prestação em causa não lhe foi solicitada ou determinada, prévia e expressamente, pelo empregador) – …está aliás assente, no caso, ut factualizado sob os pontos 3. e 154. da FF[3], que integrava a remuneração mensal (ainda) uma contratada verba atinente a subsídio de isenção de horário de trabalho, que pagava a prestação de uma hora a mais para além do horário de trabalho normal/convencional, período que assim se prolongava diariamente das 8:30 horas até às 17:30 horas, com uma hora para almoço –, importa ora saber se é ou não devido o pagamento do trabalho prestado pelo A. fora (para além) do seu horário de trabalho, sponte sua.

Hoc opus hic labor est.

Tratando-se, no caso, como sobredito, de trabalho prestado ao empregador de modo/a título espontâneo, impõe-se ponderar: se, por um lado, o empregador não deve beneficiar, sem contrapartida[4], de um ganho ou proveito efectivo, por outra banda não pode sufragar-se, aprioristicamente – sob pena de subversão da dilucidada ratio legis da previsão normativa – que seja o trabalhador a definir e/ou a gerir se/quando é devida a prestação de trabalho suplementar.

A reclamada remuneração postula, pois, que o trabalhador justifique a indispensabilidade da sua realização, nos termos do condicionalismo fundante, acima relembrado.

Daí que o pedido desse pagamento, em tais circunstâncias, deva ser analisado e interpretado restritivamente[5].

Essa preocupação subjaz ao entendimento jurisprudencial firmado no sentido de que o direito ao pagamento do trabalho suplementar espontâneo não decorre da sua simples prestação, sem mais, exigindo-se ao trabalhador a prova de que o mesmo foi prestado de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

No Acórdão sob protesto concluiu-se pela negativa, como se disse.

Acertadamente, podemos adiantá-lo já.

Tudo visto e ponderado, não resulta da factualidade retida que o A. tenha logrado a demonstração do contrário.

As razões contrapostas, aquilatadas na sua consistência e fundamentos, à luz do delineado referencial de significação, não podem acolher-se.

Com efeito, aduz o recorrente:

- Sendo o período de trabalho do requerente, prestado para o DD ao longo de 16 anos, das 8:30 horas às 17:30 horas, (com uma hora de almoço e uma hora de isenção de horário de trabalho), o reconhecimento pelo R. da necessidade de ser prestada, desde logo, mais uma hora para além do horário convencionado para os trabalhadores do sector bancário – isto atendendo ao facto de o A. desempenhar funções de gerência, que exigiam maior disponibilidade – deixa admitir que não seja previsível que o empregador se oponha ao trabalho que se prolongue geralmente por mais hora e meia, todos os dias, para além da hora a mais já remunerada ao abrigo da isenção de horário de trabalho.

[Diremos que não é necessariamente assim. E não será mesmo o contrário disso, como retorquiu o recorrido? Se o empregador apenas contratou com o A. a isenção de horário de trabalho pelo tempo correspondente a uma hora para além do horário convencional, foi, certamente, (por que não admiti-lo?) por não querer que o trabalho se prolongasse por mais tempo].

- Do desempenho dedicado, diligência e profissionalismo do A., diz este, fácil é de concluir que esse trabalho (…o prestado para além do isenção do horário) é prestado com conhecimento do empregador (implícito ou tácito) e sem a sua oposição.

[Como replica o recorrido, na contra-minuta, não só o alegado mérito do A. não se compagina com os resultados factualizados que integraram a conduta sancionada com a cominação do lícito despedimento, ratificado nas Instâncias, como realmente o A. não alegou sequer, e menos provou, que esse trabalho suplementar foi prestado com o conhecimento do R.].

- Sempre nos mesmos termos, nada alegando, nem consequentemente provando, que tenha passado a fazer posteriormente às 17:30 horas, que não fizesse antes, e que justificasse que, no período em causa, prestasse a sua actividade para o R. até cerca das 19:00 horas, o recorrente pretende ver nas palavras por que se exprimiu o raciocínio da decisão (baseada nos arts. 258.º/5 do CT/2003 e 268.º/2 do CT/2009) uma divergência interpretativa que…muda as exigências de prova para a verificação da licitude do trabalho suplementar.

Na sua óptica, segundo a Lei, basta que não seja previsível a oposição do empregador à execução do trabalho suplementar para que o pagamento deste possa ser exigido, ao passo que, segundo o Tribunal recorrido, torna-se indispensável que, com toda a probabilidade, o empregador não se oponha à sua prestação.

E remata que …não se trata de mera semântica, mas de um conteúdo substancialmente diferente, que altera um tratamento jurídico, garantido constitucionalmente pelo direito à retribuição e ao direito à duração máxima da jornada de trabalho, previsto no art. 59.º, n.º 1, alíneas a) e d), da C.R.P.  

[Não vemos – sem menoscabo pelo empenho retórico – em que termos e/ou medida a interpretação da norma de subsunção (arts. 258.º/5 do CT/2003 e 268.º/2 do CT/2009) que conduziu ao juízo assim alcançado possa implicar a alteração do paradigma, relativamente às exigências de prova para a verificação da (i)licitude do trabalho suplementar, consoante se use uma ou outra formulação verbal, seja a letra do texto legal (…’de modo a não ser previsível a oposição do empregador’), seja a utilizada na deliberação sujeita (…’de modo a que a Ré, com toda a probabilidade, não se oporia à sua prestação fora do período normal de trabalho’).

É apenas um pormenor semântico, sem qualquer diferença substantiva, pois, em boa verdade e para o que aqui releva, as expressões equivalem-se quanto ao alcance (’não seja previsível a oposição do empregador’ = o empregador …’com toda a probabilidade não se oporia’ ) – …assim o A. tivesse cumprido, como era seu ónus, o encargo de alegação e demonstração das circunstâncias de facto constitutivas do direito que legitimam o peticionado pagamento do trabalho suplementar, como se disse acima.

Não é ajustado dizer-se, pois, como se concederá, que, com a formulação usada, o Tribunal recorrido tenha feito uma interpretação que implica maior exigência de prova, tornando mais difícil a posição do impetrante.

Como se nos afigura apodíctico, por fim, este dilucidado entendimento das coisas em nada contende com o direito à retribuição e à duração máxima da jornada de trabalho, direitos plasmados no convocado princípio programático da C.R.P. – art. 59.º, n.º 1, alíneas a) e d).

 Não é disso que se trata, em rectas contas].

- Exercendo o A., à data, a função interna de Gestor de Cliente Sénior, com a categoria profissional de Gerente de Estabelecimento, a circunstância de as decisões, a nível local, sempre serem tomadas pelos gerentes de conta – com o conhecimento e anuência do Director/Coordenador da sucursal, Dr. EE, superior hierárquico – em nada altera a equação.

Como o recorrente concede, aliás, foi atendendo ao facto de o mesmo desempenhar funções de gerência que o R. reconheceu a necessidade de o A. prestar mais uma hora para além do horário previsto para os trabalhadores do sector bancário.

O que passou o A. a fazer a mais, no reclamado período, para além do horário contratado – …em proveito/benefício/interesse do R., e nas condições legais em que é possível prestar-se trabalho suplementar –, de modo a não ser previsível a oposição do empregador, não consta, não flui por qualquer modo, do elenco factual reportado…

E só a demonstração da prestação de trabalho suplementar, concretamente identificado, justificada, repete-se, à luz do falado condicionalismo legitimador, cumpriria o ónus de alegação e prova, enquanto facto constitutivo do invocado direito do A., assim viabilizando a ponderação acerca das circunstâncias em que foi prestado: …de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

É esse, em acertada interpretação, o juízo consignado na fundamentação jurídica do Aresto revidendo quando justamente se considerou, como acima reproduzido, que – não tendo o A. alegado nem provado que tenha prestado trabalho suplementar por expressa determinação do R. –, também não alegou factos que, em concreto, permitissem inferir que o trabalho foi prestado em condições que excluiriam a hipótese de oposição por parte do R.

Acompanhamos, pois, ratificando-a – porque consentânea e consonante com a Jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal, cuja bondade se mantém – a certeira conclusão aí alcançada, em cujos relembrados termos …a simples circunstância de tal prestação ocorrer com normalidade (geralmente) não é de molde a considerar que a ré, conhecendo a situação, a ela não se oporia.  

Soçobram, consequentemente, as razões que enformam as alinhadas conclusões recursórias.

Tudo tratado, do essencial que cumpria conhecer-se, vamos terminar.

                                                                        ___

                                                                        III.

                                                              DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão impugnado.

Custas pelo recorrente.

(Anexa-se sumário).

                                                                      ****

Lisboa, 17 de Dezembro de 2014

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1] - Cfr., v.g., M. Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, pg. 551-552.
[2] - …Salvo quando, havendo motivos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa – n.º 3 do art. 227.º do CT/2009, correspondente à previsão antes delineada no art. 198.º da primeira Codificação.
[3] - FF = Fundamentação de Facto.
[4] - Enriquecendo, sem causa.
[5] - Assim, também, M. Rosário Palma Ramalho, loc. cit. na precedente nota 2.