Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2450/14.6T8FNC-A.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ARRESTO
PENHORA
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
POSSE
MEIOS DE PROVA
PROVA PLENA
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
INSTRUMENTO NOTARIAL
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
FORMALIDADES AD PROBATIONEM
BEM IMÓVEL
NEGÓCIO CONSIGO MESMO
SENTENÇA CRIMINAL
PROVA INDICIÁRIA
DECISÃO-SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
SANEADOR-SENTENÇA
CONHECIMENTO DO MÉRITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 12/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS AUTÊNTICOS – DIREITO DAS COISAS / POSSE / SIMPLES DETENÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, Código Processo Civil, Anotado, 22ª edição, p. 948;
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código Processo Civil, volume 3º, p. 381;
- Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 5ª edição, p. 248;
- Lebre de Freitas e Armindo Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, p. 408;
- Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, p. 96;
- Menezes Cordeiro, A Posse, Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina 2000, 3ª edição actualizada, p. 54 a 65 e 75 a 78;
- Moitinho de Almeida, Restituição de posse e ocupações de imóveis, Coimbra Editora, 5ª edição, p. 59 e ss.;
- Orlando de Carvalho, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, p. 105 e 106;
- Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina 2002, p. 175 a 177;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, Volume III, 2ª edição revista e actualizada, p. 5 e 6;
- Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, p. 548;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 310/311.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 362.º, 368.º, 369.º, 370.º , 371.º E 1253.º, ALÍNEA C).
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-09-2011, PROCESSO N.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1;
- DE 06-11-2012;
- DE 15-01-2013;
- DE 18-02-2014, PROCESSO N.º 3083/11.4TBFARE.E1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Conquanto não seja uma regra absoluta, a decisão de facto é da competência das instâncias, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole lei adjectiva, afronte disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

II. Na procuração irrevogável com poderes para alienar imóveis, o procurador fica com poderes sobre o imóvel, idênticos aos do proprietário, quanto ao uso, fruição e disposição, com a faculdade de fazer negócios consigo mesmo, devendo ser lavrada por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.

III. Pese embora concebamos a impossibilidade de substituição de um instrumento público exigido por lei como requisito de forma de uma declaração negocial para que se façam valer os efeitos do negócio, como se fora válido, nada impede a utilização de documentos de menor força probatória e de prova testemunhal ou até o recurso a presunções judiciais, para a demonstração de que o negócio objecto do outorgado instrumento público é nulo ou inexistente.

IV. Para que uma procuração seja irrevogável, não basta que isso se proclame no respectivo instrumento ou tão pouco que se declare que é outorgada no interesse próprio do mandatário, impondo-se a demonstração de uma relação subjacente àquela outorga que sustente essa irrevogabilidade.

V. A procuração notarial irrevogável, conquanto exarada por autoridade ou oficial público competente, e reconhecendo estar controvertido o pagamento do preço da fracção, consignada no aludido instrumento autêntico, que, na sua indemonstração, inviabilizaria a comprovação de uma relação subjacente à outorga da procuração notarial irrevogável que sustente essa irrevogabilidade, temos de convir que o mandante, outorgante da procuração irrevogável, não podia dispôr do bem a vender, condizente à fracção ajuizada, uma vez que esta havia sido arrestada e entretanto convertida em penhora, nos autos principais, sendo no minimo, o acto de disposição da fracção, ineficaz em relação ao arrestante/embargado, importando uma situação de indisponibilidade relativa, porque com a apreensão judicial do imóvel, houve a entrega a um fiel depositário, importando que o mandante da procuração irrevogável estivesse “desapossado” do bem, à data da outorga da procuração notarial irrevogável, pois, o direito do arrestado foi esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passaram para o tribunal, e, neste sentido, indemonstrada a relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável que sustente essa irrevogabilidade, a aludida procuração irrevogável não encerra meio de prova com força probatória plena.

VI. Demonstrado o arresto que “desapossou” a fracção ajuizada do seu dono, importando que o direito do arrestado tivesse sido esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passaram para o Tribunal, que os exerce através de nomeado fiel depositário, temos de concluir que os factos, alegadamente praticados pelo embargante, enquanto promitente-comprador, foram em nome alheio, traduzindo o exercício possessório, nessa qualidade.

VII. A sentença proferida em processo-crime, corrido à revelia do embargado/exequente, constitui, presunção elidível quanto aos factos enunciados no respectivo incidente de oposição por embargos de terceiro, não fazendo qualquer sentido, na sua impugnação, afirmar-se que encerra força probatória plena.

VIII. A prova indiciária produzida nos embargos de terceiro, nada representa para a apreciação do mérito da causa, desde logo, porque decorre num momento processual em que o contraditório não está inteiramente instalado, discutindo-se, na fase liminar do incidente, matéria alheia à decisão sobre o mérito dos embargos, importando somente matéria restrita à decisão liminar que contende com a probabilidade séria de existência do direito arrogado, donde se retira, aliás, a razão de ser, da permitida repetição da prova produzida liminarmente, em audiência final, ainda que tenha sido produzida naquela fase introdutória, pelo que, que não relevam, em sede de julgamento do mérito dos embargos de terceiro, os factos do despacho preliminar.

IX. O Tribunal, precedentemente à reconhecida liberdade quanto à subsunção jurídica dos factos, deve proporcionar às partes, a invocação de todos os fundamentos, tidos por válidos, face às plausíveis soluções de direito, importando cumprir o contraditório quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito, que não tenha sido percepcionada pelos intervenientes processuais, de acordo com um razoável juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.

X. No incumprimento desta obrigação (audição dos intervenientes processuais), ocorrerá vício susceptível de ser invocado, enquanto nulidade processual que encerra uma nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

XI. Reconhecendo que o Tribunal deve respeitar as várias soluções prováveis/verosímeis da questão de direito, caso o enquadramento jurídico do litígio suscite mais do que uma solução jurídico-dogmática, temos que, atendendo aos factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica arrogada, impõe-se o imediato conhecimento da causa, na fase processual do saneador, quando, cingindo-se a questão decidenda à questão da arrogada posse do embargante sobre a coisa penhorada, e, resultando apenas, que o contrato preliminar, mediante o qual o promitente vendedor se obrigou a uma prestação de facto futura (negócio prometido de compra e venda), a favor do promitente-comprador, uma vez que, encerrando este qualificado contrato-promessa, um contrato com efeitos meramente obrigacionais, a par da não demonstração de que lhe foi atribuída eficácia real, outrossim, desconsiderado o instrumento notarial atinente à procuração irrevogável, entretanto outorgada por quem não podia dispor do imóvel, temos que o promitente-comprador não pode ser reconhecido como titular de qualquer direito incompatível com a execução, pelo que, não sendo titular de posição jurídica que seja oponível à penhora ajuizada nos autos principais de que este incidente de oposição por embargos de terceiro é apenso, importa conhecer, de imediato, dos embargos de terceiro, julgando-os improcedentes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


AA deduziu incidente de embargos de terceiro contra BB, CC, DD, EE e FF.

Articulou, com utilidade, que foi penhorada a fracção autónoma, identificada pela letra G5, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, localizado na Rua do …, n.º … e …-A, freguesia do …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º 208.

A penhora representa a conversão do arresto decretado no ano de 2002, mas que não chegou a ser registado.

Fundamentou o seu pedido, no facto de residir no imóvel desde 2005 ao abrigo de um contrato promessa que celebrou com os executados/embargados/EE e FF.


Admitido, liminarmente, o incidente de oposição por embargos de terceiro, foram notificadas as partes primitivas para contestar.



Os embargados/executados/CC e DD (que já não são parte na execução, conforme resulta de fls. 180 dos autos principais, porquanto em 26 de Novembro de 2014, a Sr.ª Agente de Execução, declarou extinta a acção executiva quanto aos executados CC e DD, por força de uma transacção realizada), deduziram contestação, tendo pugnado pela improcedência do incidente.

O embargado/exequente/BB também deduziu contestação, defendendo, de igual modo, a improcedência do incidente.


A embargada/executada/FF, faleceu em Junho de 2010, tendo sido habilitada por GG.


A 1ª Instância ordenou a notificação das partes para, querendo, uma vez findos os articulados, se pronunciarem sobre a possibilidade de ser proferida decisão de mérito, aduzindo a propósito “Compulsados os autos com vista ao saneamento, aventa-se a possibilidade de ser desde já proferida decisão de mérito, com fundamento na inoponibilidade do direito invocado pelos embargantes perante a penhora ordenada e registada na execução (…).”


Foi dispensada a audiência prévia e fixado o valor da causa.


Proferido despacho saneador, forma fixados os factos provados, com relevo para a decisão, tendo sido proferido saneador/sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro.


Inconformado, com a decisão de mérito proferida aquando do saneador/sentença, dele recorreu o Embargante/AA, para o Tribunal da Relação, o qual, conhecendo do objecto do recurso, proferiu acórdão, onde consignou, no respectivo dispositivo: “III — Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada. Custas pelo apelante.”

É contra esta decisão que o Embargante/AA, se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões:

“IV - I - Relativas à matéria de facto adquirida nos autos

1) Nos termos do disposto no art. 674.°, n.º 3 e 682.° do CPC, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça deve alterar a decisão proferida pelo tribunal a quo no respeitante à matéria de facto, porque nessa fixação houve factos que foram dados como não provados por não ter sido atribuído aos documentos adquiridos para o processo - documentos da p. i., despacho preliminar de 16-4-2009, certidão aduzida aos autos em 17-04-2009 e certidão da sentença criminal aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017 - a força probatória que a lei lhes confere.

2) Esses factos são os seguintes:

I. O embargante recebeu as chaves e instalou, logo a partir de 18 de Novembro de 2005, a sua habitação, própria e permanente, na referida fracção autónoma penhorada na acção executiva de que estes autos são dependência, aí residindo, dormindo, fazendo as suas refeições, ou seja, nela estabelecendo o centro da sua vida familiar e o seu domicílio pessoal (Docs. 5, 6 e 7 da p. i. e despacho preliminar de 16-4-2009 e ainda certidão da sentença criminal aduzida aos autos em 08.01.2017);

II. Nem os embargados-vendedores, referenciados, mencionaram, nessa altura ou posteriormente, ao ora embargante a existência do arresto, ou sequer do litígio que os opunha ao embargado BB, apenas lhe dizendo que, por questões fiscais, preferiam que a outorga da escritura de compra e venda fosse feita apenas no segundo semestre de 2008 - facto considerado provado no despacho preliminar de 16-4-2009 por remissão para o art.º 6º da p. i.;

III. O embargante pagou aos embargados Ruí Marques e mulher a totalidade do preço estipulado - Docs. n.ºs 2, 3 e 4 da p. i., facto considerado provado no despacho preliminar de 16-4-2009 por remissão para o art. 7.° da p. i. e sentença criminal;.

IV. Por instrumento notarial lavrado e assinado no dia 1 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de HH, no …, foram conferidos ao embargante poderes para, inclusive a si próprio, vender o apartamento penhorado e objecto do contrato prometido através da procuração irrevogável e incaducável mesmo por morte dos mandantes que lhe foi conferida pelos embargados e promitentes vendedores EE e consorte - facto atestado na certidão aduzida aos autos em 17 de Abril de 2009 e referido na acta da fase introdutória dos embargos;

V. Os factos conducentes à celebração do contrato-promessa e ao pagamento integral do preço foram objecto do processo-crime n.º 370/08.2JAFUN - Processo Comum (Tribunal Singular), Comarca da …, … - Inst. Local - Secção Criminal - J …, no culminar do qual o executado/embargado EE foi condenado pela prática do crime de burla, já com trânsito em julgado, a uma pena de prisão suspensa na sua execução - facto atestado pela certidão aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017.

3) O erro do tribunal a quo de considerar não provados os indicados factos reconduz-se a um erro de direito cuja correcção se inscreve nas atribuições do Supremo Tribunal de Justiça que não se fica pela função cassatória, antes deve proceder directa e imediatamente às modificações que o direito probatório material impuser - nesse sentido vide António Santos Abrantes Geraldes - Recursos no Novo Código de Processo civil, 2013, pág. 347.

4) O segmento do acórdão a quo formulado na página 10 relativa à apreciação do denominado facto V é totalmente insubsistente porque ao contrário do referido pelo tribunal a quo, nada resulta da certidão do registo predial de fls. 201 e 202 quanto ao arresto pela simples razão de que o arresto não foi levado a registo.

5) As passagens relativas ao arresto só podem ter sido extraídas pelo tribunal recorrido a partir do documento n.º 1 apresentado pelo apelado BB nas suas contra-alegações em 6 de Junho de 2017, contra a qual se insurgiu o embargante mas que o tribunal a quo não apenas admitiu (implicitamente) a sua junção aos autos como formou a sua convicção a partir desse documento.

6) Ou seja, o tribunal a quo desdenha e desconsidera completamente documentos e decisões judiciais - uma delas transitada em julgado - mas valora e baseia-se totalmente num documento que foi apresentado fora das possibilidades oferecidas pela lei e nem sequer foi submetido ao contraditório.

7) Mas esta decisão é também intolerável porque implica uma decisão-surpresa, o que é particularmente evidente no trecho em que parte do princípio que o promitente vendedor e embargado não poderia ter transmitido a posse da fracção penhorada porquanto não era seu possuidor à data da outorga do contrato promessa.

8) Na verdade essa questão jamais foi equacionada e objecto de análise, discussão, ponderação e decisão em l.ª instância.

9) Estamos portanto em face da nulidade do acórdão a quo, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável à 2.ª instância por força do disposto no art. 666.° do mesmo diploma.

10) Mas se o tribunal a quo quisesse entrar nas questões relacionadas com o decretamento do arresto e com a omissão do seu registo teria obviamente que fazê-lo na sua complexiva integralidade e, portanto, concluir que a omissão do registo do arresto ónus que recaia sobre o arrestante/exequente e que este preteriu - foi decisivo e determinante para o logro em que caiu o embargante.


11) É ainda intolerável na parte em que, aliás fora de contexto, volta à carga repisando o facto de, na percepção do tribunal a quo, o embargante/apelante não ter juntado aos autos o extracto bancário para fazer se quisesse a prova de pagamento do preço da compra e venda prometida apesar de ter sido notificado para tanto porque o embargante jamais foi notificado para juntar aos autos os extractos bancários, o tribunal de l.ª instância recebeu os embargos e deu como indiciariamente provado que o embargante pagou o preço da compra e venda e o pagamento desse preço resulta também provado da sentença criminal aduzida aos autos no dia 8 de Janeiro de 2017.

IV - II - Conclusões atinentes ao direito aplicável aos factos que devem ser considerados provados e atendidos na sua complexiva integralidade para a boa análise, discussão e decisão desta causa.

12) O acórdão a quo, além de desconsiderar os factos acima referidos, concretizou um deficiente enquadramento jurídico dos factos relevantes para a boa análise e decisão destes embargos, designadamente pela falta de equacionamento e consideração de cenários e soluções plausíveis da questão de direito diversas da recorrida;

13) Com o devido respeito, é manifesto que o acórdão a quo decorreu de uma insuficiente e limitada consideração e equacionamento das várias soluções plausíveis da questão de direito convocáveis pelo caso vertente;

14) Nem o estado do processo permitia nem permite, sem mais provas, conhecer proficiente e imediatamente do mérito da causa.

15) Aliás, se alguma decisão fosse possível a partir do estado actual do processo seria a da procedência destes embargos.

16) Nestes autos importa esclarecer se:

- O embargante é possuidor do bem imóvel penhorado;

- Essa posse é por si passível de se fazer valer em embargos de terceiro, sem mais, isto é, sem registo;

- A existir essa situação possessória, se a mesma prevalece ou não sobre a penhora registada a favor do exequente.

17) É certo que os factos jurídicos que estão na origem e base desta situação jurídica, designadamente o contrato promessa de compra e venda, não tem carácter translativo do direito de propriedade ou de outro direito real, embora lhe possam ser atribuídos efeitos reais, nos termos previstos no artigo 413° do Código Civil.

18) Porém, conforme aliás está referido no acórdão a quo em certos casos admite-se que a tradição da coisa derivada da celebração de um contrato promessa de compra e venda determine o exercício de posse, em nome próprio, por parte do promitente beneficiário dessa tradição.

19) A doutrina e a jurisprudência tem admitido o exercício de posse em nome próprio por parte do promitente-comprador havendo tradição da coisa a seu favor, nos casos em que essa tradição visou antecipar o cumprimento do contrato definitivo.

20) Essa finalidade pode ser indiciada, além do mais:

- Pelo pagamento integral ou quase integral do preço;

- Pela concessão de poderes próprios da titularidade do direito de propriedade;

- Pela adopção de uma vinculação negocial tal que torna a celebração do contrato prometido praticamente certa, ou pelo menos, apenas dependente da vontade do promitente-comprador.

21) Ora no caso vertente estão incontroversamente adquiridos actos - os que têm de ser considerados provados conforme acima se especificou - que apontam inequivocamente no sentido de mediante a tradição e uso da coisa, a outorga da procuração irrevogável e o pagamento da totalidade do preço se ter querido a antecipação do cumprimento do contrato definitivo;

22) Pelos seus caracteres, o poder de facto exercido pelo embargante sobre o apartamento corresponde a uma posse em sentido próprio em termos de propriedade plena e não a uma mera detenção assente na tolerância dos embargados promitentes-compradores;

23) Da confluência e conjugação dos apontados factos - inequívocos e adquiridos plenamente no processo - decorre que o embargante actua com verdadeiro animus possidendi, perante uma verdadeira posse, integrada pela apropriação física e material da coisa e ainda pelo respectivo ânimo possessório;

24) Como os poderes de facto que vem exercendo se prolongam desde há mais de um ano, o embargante tem melhor posse (veja-se o artigo 1267º, nº 1, alínea d), do Código Civil), beneficiando da presunção de animus prevista no nº 2, do artigo 1252º do Código Civil, sendo no caso em apreço esse animus o de proprietário, atento o cumprimento que se visou antecipar, bem como a amplitude dos poderes exercidos pelo embargante.

25) É portanto de concluir que o embargante vem exercendo posse em nome próprio, sobre a coisa imóvel que foi penhorada no âmbito da acção executiva de que estes autos são dependência, como se fosse dono dessa.

26) Noutra óptica, é óbvio que a posse do embargante pode ser invocada em sede de embargos de terceiros mesmo sem estar registada.

27) Aliás, o exequente e os demais embargados tinham a possibilidade de percepcionar quem exercia poderes de facto sobre a coisa penhorada, sendo a posse pública exercida pelo embargante idónea para tal efeito.

28) E essa posse do embargante iniciada em 18.11.2005 prevalece sobre a penhora inscrita no registo predial a favor do exequente mas apenas a partir de 8 de Fevereiro de 2007.

29) É certo que nos termos do disposto no artigo 819º do Código Civil, “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.”

30) Todavia, desta norma resulta a inoponibilidade ao exequente dos actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens que já se achem penhorados, isto é, a inoponibilidade respeita a actos posteriores à penhora.

31) Deste modo, o caso em apreço não cai no âmbito da previsão do artigo 819º do Código Civil, pois trata-se de uma relação possessória que se iniciou vários anos antes da penhora.

32) Acresce que nos termos do disposto no artigo 1268º, nº 1, do Código Civil, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.

33) Por isso, na hipótese em análise, desde 18 Novembro de 2005 o embargante é presumido legalmente proprietário do imóvel penhorado;

34) À pessoa que retém ou frui uma coisa, basta provar a posse, a qual, se for uma posse de ano e dia, ou seja, uma posse superior a um ano, nada mais se impõe que seja averiguado, nos termos do disposto pelo artigo 1278º, nº 2, do CC, não sendo, consequentemente, a contraparte admitida sequer a provar que tem melhor posse;

35) Com já referiu, o embargante desconhece se os embargantes, nas suas contestações aos embargos, alegaram qualquer factualidade com aptidão para ilidir a referida presunção legal e/ou pediram o reconhecimento do direito de propriedade a favor do embargado executado, de acordo com o previsto no artigo 357º, nº 2, do Código de Processo Civil.

36) Se o fizeram é manifesto que o embargante terá de ser notificado dessas contestações e admitido a exercer o respectivo contraditório, o que incluirá a possibilidade de produzir prova para infirmar essas supostas excepções.

37) Ainda assim, a partir dos factos incontroversos e relevantes do processo, há que concluir pela prevalência da posse do embargante iniciada em data muito anterior à data da inscrição da penhora a favor do exequente/embargado, pelo que deve ser revogada o acórdão sob censura.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. Venerandas, deve dar-se provimento a este recurso e, consequentemente:

• Alterar-se e ampliar-se a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima propugnados;

• Revogar-se o acórdão a quo e ordenar-se a prossecução deste processo nos termos previstos no art. 348.º do CPC até final porque só desse modo se fará a costumada Justiça!”

Houve contra-alegações apresentadas pelos Recorrido/BB, sustentadas nas conclusões que, de seguida, consignamos:

“I - deve ser recusada a admissão do, presente recurso.

II - Conforme decidiu o Ac. do STJ de 05-07-2012, proc. 696/03.1PAVCD.Pl.S 1- 5ª Secção, ... “Nos termos do artº 721º, nº, 1, referido ao artº. 691º. Nº. 1, do CPC, na versão resultante do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto) cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que tenha incidido sobre uma decisão da 1ª. Instância que tenha posto termo ao processo. Mas, de acordo com a norma do nº, 3 do primeiro destes preceitos, “não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

III - Não existe qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, por parte do acórdão recorrido, nada justificando a aplicação do estabelecido no nº. 3 do art.º 674º e 682º do NCPC.

IV - Aliás, todas as doutas conclusões do apelante, de 1) a 37), devem improceder por manifesta falta de fundamento.

V - “ O apelante não tem título que prove que foi ofendido o seu direito de propriedade ou qualquer direito real limitado de gozo, ou seja que é titular de um direito de propriedade incompatível com a execução. O apelante não é titular de posição jurídica que seja oponível à penhora efectuada nos autos sobre o identificado imóvel, pelo que bem andou o tribunal a quo ao julgar os embargos improcedentes.”

VI - Os supostos factos em que o recorrente assenta o seu recurso, não são factos reais, não existem à luz do direito, pelo que não poderão ser tidos em conta.

VII - 1 - O embargante não juntou prova de ter adquirido o imóvel nem de ter posse devidamente titulada;

- 2 - Não legalizou o negócio;

- 3 - Não pode ser provado, é cópia de um documento arquivado - procuração arquivada no notário. E foi outorgada por quem não tinha poderes;

- 4 - Relativamente ao (programado e inócuo) processo-crime nada acrescentaria a estes autos, correram à revelia do Réu. O art. do cpc 623 estipula que a oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória definitiva proferida no processo penal constitui, presunção elidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo, legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção. Idêntico ao artigo 674º - A do CPC.

- 5 - Resulta que este imóvel foi arrestado em 2002 a pedido de João Camacho, como exequente, não foi registado o arresto. Após, foi convertido em penhora e esta registada em 8.2.2007. O promitente vendedor era fiel depositário judicial deste imóvel desde 2003.

- 6 - O apelante não provou o pagamento do preço a que a alude o documento particular ao qual foi dado o nome de contrato-promessa de compra a venda, datado de 18/11/2005, sendo certo que o promitente vendedor era simultaneamente fiel depositário judicial da fracção objecto dos presentes autos, desde 09-01-2003, não poderia ter transmitido a posse da dita fracção, penhorada e agora registada, porquanto o referido promitente vendedor não era seu possuidor, à data da outorga daquele contrato promessa. A posse da fracção havia sido transferida para o tribunal, por sentença que decretou o arresto, 20.12.2002. E sendo fiel depositário não podia vender nem detinha qualquer posse que pudesse transmitir.

- 7 - Não há nos autos nenhuma prova do pagamento do preço da fracção; apenas os cheques passados; bastava juntar o extrato bancário para fazer se quisesse essa prova de pagamento, apesar de notificado não o fez.

- 8 - O apelante não provou que pagou qualquer valor pela fracção, nem pediu a execução específica do contrato promessa.

- 9 - Estamos perante um documento particular sem qualquer valor.

VII - Para além do exposto na conclusão VI antecedente temos que 1. Os presentes autos de embargos e as doutas alegações dos apelantes, com todo respeito e salvo melhor entendimento, podem constituir pelo menos indiciariamente, um verdadeiro caso de polícia. 2, Os apelantes assentam a sua tese essencialmente na (i) posse da fracção penhorada e no (ii) suposto pagamento do respectivo preço, 3. Acontece que não existe posse (i) por parte do apelante da dita fracção penhorada, não existe tradicio nem o pagamento do preço (ii) se mostra provado nem terá sido pago. 4.- Se algum comentário pudesse ser feito à douta sentença recorrida, seria por defeito, por não ler ordenado a extracção de uma certidão dos autos e a sua remessa ao Ministério Público para instauração de um competente processo de investigação criminal, contra o apelante e contra o suposto promitente vendedor / fiel depositário judicial. 5. O suposto promitente vendedor não era seu possuidor, à data da outorga daquele suposto contrato-promessa, ao qual foi aposta a data de 18/11/2005. 6 O suposto promitente vendedor, ao tempo, era apenas o fiel depositário judicial da fracção habitacional penhorada, uma vez que a sua posse havia já sido transferida para o juiz do processo (ou do tribunal), conforme referido, por força do decretado arresto, por decisão de 20/12/2002, transitado em julgado. 6.- Não sendo o dito promitente vendedor possuidor da dita fracção objecto da penhora, desde a data do dito arresto de 20/12/2002, jamais a poderia transmitir ao indiciário simulado promitente-comprador, ora apelante, na data aposta no dito contrato-promessa de compra e venda de 18/11/12005: 7. Daí que o apelante não só não é possuidor da dita fracção, como não passa de um eventual doloso e ilegítimo ocupante da mesma. É uma não posse. Ou, quando muito, mero detentor ou possuidor precário, não sendo titular de uma verdadeira posse que tenha o direito de defender .” 8. Os documentos de fls. 14 a 17, 18 e 19 não constituem qualquer meio de prova válido de que pagamento do preço a que se refere o dito contrato particular ao qual foi dado o nome de contrato-promessa de compra e venda datado de 18/11/2005 de fls. 14 a 18, conforme bem refere a contestação de fls, 98 a 125, Arts. 59º a 82º e 97º a 102º, 126º a 139º a 142º. 9. O documento particular de fls.14 a 17, dos autos, constitui uma indiciária e maquiavélica manipulação, dolosamente articulada entre o embargante e o dito falso promitente vendedor, e com a “proveniência” do mesmo escritório de mandatários, que representava simultaneamente os embargados EE e FF e ainda o embargante e ora apelante AA, cf arts. 2º a 10º da contestação de fls.80 a 82 dos autos, para desse modo, tentarem subtrair a fracção penhorada à execução, em prejuízo total dos embargados.

IX - Conforme bem refere a douta sentença recorrida... “o propósito manifestado pelo embargante não poderá proceder porquanto não se encontram verificados os requisitos necessários e essenciais para tanto.”

X - O douto acórdão recorrido julgou bem, aplicou correctamente o direito e não merece qualquer censura, devendo ser confirmado in toto.

Termos em que sempre com o douto suprimento de V. Exa, deve ser negada a admissão da presente revista, Ou quando assim não seja entendido, deve ser negado provimento à presente revista, confirmando-se in toto o douto acórdão recorrido, tudo com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça”


Ao pronunciar-se sobre a questão prévia invocada pelo Recorrido/BB, acerca da inadmissibilidade do recurso de revista, o Tribunal a quo proferiu despacho que não admitiu o recurso de revista, interposto do acórdão proferido em 2 de Novembro de 2017, tendo concluído:

“Estamos perante embargos de terceiro que foram admitidos em 1 de Agosto de 2008.

A decisão recorrida é de 16.3.2017 e o acórdão de 2.11.2017.

Nos termos do art. 7º aplica-se a versão do Código de Processo Civil da Lei nº. 41/2013, de 26 de junho, que entrou em vigor como dispõe o artº 8º, em 1 de Setembro de 2013.

Mesmo que entendendo-se que se aplicava o D.L. 303/2007, já era aplicável o art. 721.º nº 3 do CPC.

Assim não se admite o recurso de revista. Custas pelo recorrente.”


O Recorrente/AA, reclamou da não admissibilidade do recurso de revista, tendo sido proferida decisão singular, em 13 de Setembro de 2018, por este Supremo Tribunal de Justiça, cujo dispositivo deixamos enunciado:

“Termos em que se decide atender a reclamação e determinar o recebimento do recurso interposto pelo embargante/AA, nos autos de embargos de terceiro com o n.º 2450/14.6T8FNC-A.L1, admitindo o recurso interposto, que é de revista, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Cumpra-se o disposto no n.º 6, do art.º 643º, do Código Processo Civil.

Custas pelo Recorrido/BB.

Diligências necessárias. Notifique.”


Requisitado o processo principal, nos termos ordenados, o mesmo deu entrada neste Supremo Tribunal de Justiça (art.º 643º n.º 6, do Código Processo Civil).


Foram colhidos os vistos.


Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelo Recorrente/AA, consistem em saber se:

(1) Impõe-se alterar a decisão de facto, na medida em que houve factos que foram dados como não provados, por não ter sido atribuído aos documentos adquiridos para o processo, a força probatória que a lei lhes confere, tais como, documentos nºs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da petição inicial, despacho preliminar de 16 de Abril de 2009, certidão aduzida aos autos em 17 de Abril de 2009 e sentença criminal apresentada aos autos em 8 de Janeiro de 2017, importando, dar como provado:

a) O embargante recebeu as chaves e instalou, logo a partir de 18 de Novembro de 2005, a sua habitação, própria e permanente, na referida fracção autónoma penhorada na acção executiva de que estes autos são dependência, aí residindo, dormindo, fazendo as suas refeições, ou seja, nela estabelecendo o centro da sua vida familiar e o seu domicílio pessoal (docs. 5, 6 e 7 da p. i. e despacho preliminar de 16 de Abril de 2009 e ainda certidão da sentença criminal aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017);

b) Nem os embargados-vendedores, referenciados, mencionaram, nessa altura ou posteriormente, ao ora embargante a existência do arresto, ou sequer do litígio que os opunha ao embargado BB, apenas lhe dizendo que, por questões fiscais, preferiam que a outorga da escritura de compra e venda fosse feita apenas no segundo semestre de 2008 - facto considerado provado no despacho preliminar de 16 de Abril de 2009 por remissão para o art.º 6º da p. i.;

c) O embargante pagou aos embargados EE e mulher a totalidade do preço estipulado - docs. n.ºs 2, 3 e 4 da p. i., facto considerado provado no despacho preliminar de 16 de Abril de 2009 por remissão para o art. 7.° da p. i. e sentença criminal;

d) Por instrumento notarial lavrado e assinado no dia 1 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de HH, no …, foram conferidos ao embargante poderes para, inclusive a si próprio, vender o apartamento penhorado e objecto do contrato prometido através da procuração irrevogável e incaducável mesmo por morte dos mandantes que lhe foi conferida pelos embargados e promitentes vendedores EE e consorte - facto atestado na certidão aduzida aos autos em 17 de Abril de 2009 e referido na acta da fase introdutória dos embargos;

e) Os factos conducentes à celebração do contrato-promessa e ao pagamento integral do preço foram objecto do processo-crime n.º 370/08.2JAFUN - Processo Comum (Tribunal Singular), Comarca da …, … - Instância Local - Secção Criminal - J … - no culminar do qual o executado/embargado EE foi condenado pela prática do crime de burla, já com trânsito em julgado, a uma pena de prisão suspensa na sua execução - facto atestado pela certidão aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017”?

(2) O Tribunal a quo ao decidir, partindo do princípio que o promitente-vendedor não poderia ter transmitido a posse da fracção penhorada, na medida em que não era seu possuidor, à data da outorga do contrato-promessa, proferiu decisão-surpresa, porquanto essa questão jamais foi equacionada e objecto de análise, discussão, ponderação e decisão em l.ª Instância, importando nulidade do acórdão a quo, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil?

(3) O acórdão a quo, além de desconsiderar os factos acima referidos (1), concretizou um deficiente enquadramento jurídico dos factos relevantes para a boa análise e decisão destes embargos, designadamente, pela falta de consideração de cenários e soluções plausíveis da questão de direito, diversas da recorrida, sendo que o estado do processo não permitia, nem permite, sem mais provas, conhecer proficiente e imediatamente do mérito da causa?

(4) A facticidade demonstrada, reconhecida que seja, a alteração da matéria de facto reclamada, importa subsunção jurídica diversa da sentenciada?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos provados:

“A. No apenso A do Procedimento Cautelar de Arresto deduzido por BB contra CC, DD, EE e FF foi decretado, por decisão de 20/12/2002, transitada em julgado, “o arresto sobre a fracção autónoma ou Unidade Habitacional (Tipo T3), designada por “G5”, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado na Rua … … e …-A, freguesia do …, Concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …, sob o n.° 002…8/10…0-G 5°, onde se mostra registada a favor destes requeridos pela inscrição G-2”.

B. O arresto decretado não foi registado na Conservatória do Registo Predial.

C. A fracção autónoma descrita em A) encontra-se registada a favor de FF e EE, pela Ap. 10 de 1999/01/27, com a indicação da seguinte causa de aquisição: “Permuta”.

D. Pela Ap. 19 de 2007/02/08 foi registada sobre a fracção autónoma referida em A) uma penhora no âmbito da presente execução, para pagamento da quantia exequenda (114.723,52 euros).

E. Por documento particular, ao qual foi dado o nome da contrato-promessa de compra e venda, datado de 18/11/2005, constante de fls. 14 a 17, EE e FF declararam prometer vender ao embargante, que declarou prometer comprar, a fracção autónoma referida em A), livre de ónus e encargos, pelo preço de €174.700,00.”

 

II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Embargante/AA, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.



II. 3.1. Impõe-se alterar a decisão de facto, na medida em que houve factos que foram dados como não provados, por não ter sido atribuído aos documentos adquiridos para o processo, a força probatória que a lei lhes confere, tais como, documentos nºs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da petição inicial, despacho preliminar de 16 de Abril de 2009, certidão aduzida aos autos em 17 de Abril de 2009 e sentença criminal apresentada aos autos em 8 de Janeiro de 2017, importando, dar como provado:

a) O embargante recebeu as chaves e instalou, logo a partir de 18 de Novembro de 2005, a sua habitação, própria e permanente, na referida fracção autónoma penhorada na acção executiva de que estes autos são dependência, aí residindo, dormindo, fazendo as suas refeições, ou seja, nela estabelecendo o centro da sua vida familiar e o seu domicílio pessoal (Docs. 5, 6 e 7 da p. i. e despacho preliminar de 16 de Abril de 2009 e ainda certidão da sentença criminal aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017);

b) Nem os embargados-vendedores, referenciados, mencionaram, nessa altura ou posteriormente, ao ora embargante a existência do arresto, ou sequer do litígio que os opunha ao embargado BB, apenas lhe dizendo que, por questões fiscais, preferiam que a outorga da escritura de compra e venda fosse feita apenas no segundo semestre de 2008 - facto considerado provado no despacho preliminar de 16 de Abril de 2009 por remissão para o art.º 6º da p. i.;

c) O embargante pagou aos embargados EE e mulher a totalidade do preço estipulado - Docs. nºs. 2, 3 e 4 da p. i., facto considerado provado no despacho preliminar de 16 de Abril de 2009 por remissão para o art. 7.° da p. i. e sentença criminal;

d) Por instrumento notarial lavrado e assinado no dia 1 de Fevereiro de 2006 no Cartório Notarial de HH, no …, foram conferidos ao embargante poderes para, inclusive a si próprio, vender o apartamento penhorado e objecto do contrato prometido através da procuração irrevogável e incaducável mesmo por morte dos mandantes que lhe foi conferida pelos embargados e promitentes vendedores EE e consorte - facto atestado na certidão aduzida aos autos em 17 de Abril de 2009 e referido na acta da fase introdutória dos embargos;

e) Os factos conducentes à celebração do contrato-promessa e ao pagamento integral do preço foram objecto do processo-crime n.º 370/08.2JAFUN - Processo Comum (Tribunal Singular), Comarca da …, … - Instância Local - Secção Criminal - J … - no culminar do qual o executado/embargado EE foi condenado pela prática do crime de burla, já com trânsito em julgado, a uma pena de prisão suspensa na sua execução - facto atestado pela certidão aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017”? (1)

Consabidamente, o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso, conforme resulta da lei adjectiva civil.

Como sabemos, os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código Processo Civil, sendo que este Tribunal não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código Processo Civil, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles de alicerçam.

O Recorrente/Embargante/AA, insurge-se contra o aresto apelado, sustentando, desde logo, que deve ser alterada a decisão proferida pelo tribunal a quo, no respeitante à matéria de facto, porque nessa fixação, houve factos que foram dados como não provados, por não ter sido atribuído aos documentos adquiridos para o processo, a força probatória que a lei lhes confere.

O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode, alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com meridiana clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada, e reconhecida, a violação de lei adjectiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

A decisão de facto é, pois, da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole lei adjectiva, afronte disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nomeadamente, a prova documental ou por confissão, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, acordo das partes, confissão, documento, com força probatória plena.

Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pelo Recorrente/Embargante/AA, reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, contende com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ter deixado de adquirir processualmente, concretos factos, por não ter sido atribuído aos documentos que os sustentam, e juntos aos autos, a força probatória que a lei lhes confere.

Importa, assim, apreciar da verificação, ou não, se o acórdão recorrido afrontou disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a demonstração dos respectivos factos, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, documento com força probatória plena, enquanto erro de direito.

Vejamos.

Confrontada a facticidade, pretensamente a aditar aos factos adquiridos processualmente, consignada nas enunciadas alíneas a), b), c), d) e e), distinguimos, com clareza, que a lei não exige certa espécie de prova para a demonstração dos respectivos factos, nomeadamente, a prova documental, que contendem com a alegada consideração da fracção ajuizada, enquanto centro da vida familiar e domicílio pessoal do embargante; informação ao embargante sobre quaisquer ónus sobre a articulada fracção; factos conducentes à celebração do contrato-promessa e ao pagamento integral do preço, sendo que a invocada procuração notarial irrevogável, para venda da ajuizada fracção, conferida em benefício do Embargante/AA, pelos Embargados/EE e FF, conquanto importe prova documental, sempre determinará cuidar das particularidades do próprio documento - procuração irrevogável – concretamente da comprovação da relação subjacente à outorga da procuração irrevogável, que sustente essa mesma irrevogabilidade.

Ademais, os documentos invocados, para a demonstração da facticidade, pretensamente a aditar à decisão de facto, fixada no Tribunal recorrido, quais sejam, documentos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da petição inicial; procuração irrevogável, arquivada no notário; certidão da sentença criminal aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017; e despacho preliminar de 16 de Abril de 2009, não encerram meio de prova com força probatória plena.

Atentemos:

I - No que tange aos documentos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da petição inicial, e procuração irrevogável arquivada no notário, cuja certidão consta de fls, 62 a 65 dos autos, importa sublinhar que nos termos do art.º 362º do Código Civil entende-se por prova documental toda aquela que resulta de documento, e diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

No que ao caso dos autos interessa, em razão dos documentos em questão, conforme prevenido no direito substantivo civil - art.º 363º nºs. 1 e 2 do Código Civil - os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares, sendo que os autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, todos os outros documentos são particulares.

As reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão - art.º. 368º do Código Civil - sendo que o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar, considerando-se exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por quem exerça publicamente as respectivas funções - art.º 369º do Código Civil - presumindo-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço - art.º 370º do Código Civil - .

Os documentos nºs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7, juntos com a petição inicial, encerram reproduções mecânicas de factos, sendo que a parte contra quem os documentos foram apresentados, não deixou de impugnar a sua exactidão.

Os documentos nºs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7, juntos com a petição inicial, não importam meio de prova com força probatória plena, estando sujeitos à livre apreciação do tribunal, enquanto documentos particulares, e, como tal, afastada está qualquer erro de direito na apreciação da impugnação da decisão de facto, por parte do Tribunal recorrido, pelo que, este Tribunal ad quem, está impedido de intervir na valoração destes meios de prova produzidos, querendo dizer que não se pronuncia sobre a análise crítica da prova produzida.


No que respeita ao invocado erro de direito na apreciação dos meios de prova trazidos a Juízo, concretamente a procuração irrevogável arquivada no notário, por encerrar, alegadamente, meio de prova com força probatória plena, diremos, desde já, que, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal recorrido, não está em causa uma cópia de um documento arquivado - procuração arquivada no notário - pois, como já adiantamos, está junta aos autos a fls. 62 a 65 a respectiva certidão (com o selo do respectivo serviço) - outra coisa será, todavia, reconhecer se a certidão encerra as particularidades exigidas ao próprio documento - procuração irrevogável - atinentes à exigida comprovação da relação subjacente à outorga da procuração irrevogável, que sustente essa mesma irrevogabilidade, nomeadamente, a demonstração do pagamento do preço da fracção, outrossim, se a procuração foi outorgada por quem tinha poderes, reforçando-se o entendimento que decorre do disposto no art.º 371º, n.º 1, do Código Civil, qual seja, que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base na percepção da entidade documentadora.

A procuração é um negócio jurídico através do qual o representado (dominus) atribui a outrem poderes representativos, designando-se por procurador, aquele a quem os poderes são atribuídos, ficando legitimado para praticar actos jurídicos em nome do representado, cujos efeitos repercutir-se-ão na esfera jurídica do representado.

A procuração será irrevogável, ou seja, que não se pode anular, sendo definitiva, se tiver sido conferida no interesse do procurador ou de terceiros, ficando o representado impossibilitado de revogar ou anular, livremente, a procuração, a menos que obtenha o assentimento do interessado.

Na procuração irrevogável com poderes para alienar imóveis - que aos autos interessa - o procurador fica com poderes sobre o imóvel, em tudo idênticos aos do proprietário, quanto ao uso, fruição e disposição, com a faculdade de fazer negócios consigo mesmo, devendo ser lavrada por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial - art.º 116º do Código do Notariado - .


Reconhecido o instrumento público, cujo original foi arquivado no cartório notarial, importa saber se o mesmo encerra meio de prova com força probatória plena.

Está em causa uma formalidade substancial, porquanto sem ela o negócio não é válido, a sua falta é irremediável, não podendo ser substituida por qualquer outro meio de prova.

Às formalidades desta natureza contrapõem-se as probatórias, que correspondem àquelas que são impostas apenas para prova do negócio. Sem elas o negócio não é nulo, mas a sua prova é mais difícil de obter, embora possa ser suprida por outros meios de prova.

Daqui decorre que no caso da formalidade substancial, o documento é exigido como requisito essencial do acto, ao passo que a formalidade probatória, destina-se a assegurar a prova do acto.

Como já avançamos, são de ordem pública as exigências legais de forma e fundam-se em razões de publicidade, de ponderação e de prova.

Esta proposição parece impedir a produção de prova testemunhal para comprovar ou não o contrato declarado no documento, pois, exigindo a lei determinada forma escrita para a validade da declaração negocial, a mesma não pode ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (artº. 364º nº. 1 do Código Civil), donde se retira que a falta de instrumento público não pode ser suprido com o reconhecimento de um qualquer documento particular ou prova testemunhal, que de resto é inadmissível sempre que a declaração negocial esteja reduzida a escrito ou necessite de ser provada por escrito (artº. 393º 1 do Código Civil).

Todavia, temos por seguro que esta previsão legal só releva para obstar à validação do negócio, ou seja, para que se produzam os efeitos que são inerentes ao negócio validamente celebrado, não para impedir a prova de um negócio nulo ou inexistente, e, por essa via, alcançar os efeitos, não do negócio, mas da nulidade ou inexistência do mesmo.

Vale por dizer que pese embora concebamos a impossibilidade de substituição de um instrumento público exigido por lei como requisito de forma de uma declaração negocial para que se façam valer os efeitos do negócio, como se fora válido, nada impede a utilização de documentos de menor força probatória e de prova testemunhal ou até o recurso a presunções judiciais, para a demonstração de que o negócio objecto do outorgado instrumento público é nulo ou inexistente, e, por essa via, fazer operar os efeitos da respectiva nulidade ou inexistência.

A ratio legis do preceito, poderia, efectivamente, levar a recusar a admissão da prova testemunhal/documental para convencer da inexistencia da procuração irrevogável que deveria ser formalizada em instrumento público, sendo que a Doutrina e Jurisprudência, nunca descuraram os ditames da justiça, mesmo perante as mais fortes exigências de segurança do Direito, admitindo qualquer meio de prova, com vista a garantir a prova da obrigação, sublinhando sempre que, atento o disposto no art.º 371º nº. 1 do Código Civil os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que nele são atestados com base na percepção da entidade documentadora.

Na verdade, a entidade documentadora percepciona as declarações que foram proferidas perante si, importando o documento, prova plena dessas mesmas declarações, porém, coisa diferente é o que respeita à exactidão das afirmações, não sendo estas susceptíveis de serem percepcionadas nos termos acima aludidos.

Assim, cremos ser elementar concluir que o Tribunal recorrido poderá valorar o instrumento público apresentado em Juízo, conquanto saiba estar vedado às partes questionarem as declarações produzidas diante da autoridade pública, poderão, em todo o caso, questionar a veracidade das mesmas, determinando a apreciaçãp da prova testemunhal atinente e toda a documentação adquirida processualmente, prova esta que pode, justamente, fazer luz sobre a veracidade ou falsidade do conteúdo das declarações constantes do instrumento público - procuração irrevogável - trazido a Juízo, cabendo ao Tribunal o respectivo conhecimento.


Como resulta do n.º 1, do art.º 372º, do Código Civil, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser elidida com base na sua falsidade, sendo que, nos termos do n.º 2, do mencionado preceito legal, o documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.

Revertendo ao caso sub iudice, confrontado o documento junto aos autos - certidão do documento arquivado - procuração irrevogável - dever-se-á considerar que na invocada procuração notarial irrevogável, para venda da ajuizada e aí identificada fracção, conferida em benefício de AA, por EE e FF, pese embora importe prova documental, concedendo-se sustentada em documento autêntico, sempre determinará cuidar das particularidades do próprio documento, sendo de enfatizar, a este propósito, desde logo, que o embargado/contestante impugnou a seriedade deste instrumento, afirmando expressamente que o mandante, arrogado promitente-vendedor, não é possuidor da articulada fracção, desde a data do arresto decretado sobre o dito imóvel, ou seja, desde 20 de Dezembro de 2002, tendo sido constituído fiel depositário do mesmo, pelo que, jamais poderia transmitir ou prometer transmitir, a mencionada fracção, ao simulado promitente-comprador, ali procurador/AA, e, nesta medida, o Embargante/AA, não só, não é possuidor da fracção, como não passa de um eventual doloso e ilegítimo ocupante da mesma, não sendo titular de uma verdadeira posse que tenha o direito de defender, tanto mais que está indemonstrado o pagamento do preço a que se refere o contrato a que foi dado o nome de contrato-promessa de compra e venda (confrontar a propósito da impugnação consignada a contestação de fls, 98 a 125, nos seus arts. 59º a 82º, 97º a 102º, 126º a 142º).

Para que uma determinada procuração seja irrevogável, não basta que isso se proclame no respectivo instrumento ou tão pouco que se declare que é outorgada no interesse próprio do mandatário, impondo-se, isso sim, a demonstração de uma relação subjacente àquela outorga que sustente essa irrevogabilidade, conforme decorre da lei substantiva civil - art.º 265º do Código Civil - e é sustentado na Doutrina e Jurisprudência, neste sentido, Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, apud, A Procuração Irrevogável, Almedina 2002, páginas 175 a 177, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Fevereiro de 2014 (Processo n.º 3083/11.4TBFARE.E1.S1), in www.dgsi.pt.

Neste sentido, será relevante apreciar se está comprovada a relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável que sustente essa irrevogabilidade, a aferir, nomeadamente, pela demonstração do pagamento do preço, mesmo que parcial, a que se refere o contrato a outorgar - contrato de compra e venda -  e, de igual modo, porque ao caso interessa, se o mandante podia dispôr do bem a vender, condizente à fracção ajuizada e penhorada nos autos principais.

A este propósito há que censurar o consignado pelo Tribunal recorrido, pois, contrariamente ao aí reconhecido, não distinguimos dos autos, ter sido o Embargante/AA, tão pouco notificado para fazer prova do pagamento do preço da fracção (o requerimento dos embargados/CC e DD de fls 137 não foi conhecido pelo Tribunal, donde não se divisa qualquer notificação do Embargante/AA para satisfazer o requerido, nomeamente para juntar cópias dos seus extractos bancários e cheques, devidamente balizados no tempo), nomeadamente, através da junção aos autos do extracto bancário, tendo sido apenas apresentado em Juízo, cópia dos cheques, alegadamente passados para o efeito do pagamento da aludida fracção, junção esta considerada, no entanto, insuficiente, donde concluiu o Tribunal recorrido, mal, a nosso ver, pela não demonstração do pagamento integral ou sequer de parte do preço ajustado para a prometida compra e venda da fracção penhorada, a cuja posse o Embargante/AA, alegadamente prometido-comprador, e em benefício do qual foi outorgada a procuração irrevogável, pretende ser restituído.

Conquanto a comprovação da liquidação integral, ou parte, do preço ajustado no contrato-promessa de compra e venda da fracção, possa interessar, quiçá, seja essencial para demonstração da relação subjacente à outorga da procuração irrevogável, que sustente essa irrevogabilidade, certo é que, na fase processual - saneamento da demanda - que determinou o imediato conhecimento do mérito da causa, sempre se poderia aventar a necessidade da produção de prova sobre o alegado pagamento do preço, todavia, cremos que tal será desnecessário, porque irrelevante, como adiante melhor se justificará, porquanto os autos já dispõem de elementos que nos permitem saber se, o mandante/EE, outorgante da procuração irrevogável em beneficio do Embargante/AA, podia dispôr do bem a vender, condizente à fracção ajuizada, arrestada e entretanto convertida em penhora, nos autos principais, comprovando, assim, ou não, a relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável que sustente essa mesma irrevogabilidade.

Perante esta interrogação, traduzida em saber se o mandante/EE, outorgante da procuração irrevogável em beneficio do Embargante/AA, podia dispôr do bem a vender, condizente à fracção ajuizada, arrestada e entretanto convertida em penhora, nos autos principais, e uma vez confrontados os factos já adquiridos processualmente, adiantamos, desde já, que não o podia ter feito.

Vejamos.

Resulta dos autos que no apenso A, do Procedimento Cautelar de Arresto, deduzido por BB, contra CC, DD, EE e FF, foi decretado, por decisão de 20 de Dezembro de 2002, transitada em julgado, “o arresto sobre a fracção autónoma ou Unidade Habitacional (Tipo T3), designada por “G5”, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado na Rua … … e …-A, freguesia do …, Concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …, sob o n.º 002…8/10…0-G 5°, onde se mostra registada a favor destes requeridos pela inscrição G-2, “tendo sido o EE, nomeado fiel depositário, em 9 de Janeiro de 2003, no âmbito do decretado arresto”, sendo que pela Ap. 19 de 2007/02/08 foi registada sobre a aludida fracção autónoma, uma penhora no âmbito da presente execução, para pagamento da quantia exequenda (€114.723,52) que representa a conversão do arresto decretado em 20 de Dezembro de 2002.

As providências cautelares são meios processuais, que podendo ser preliminares ou coevos da acção ou execução, e correspondem à necessidade, urgente e efectiva, de afastar o receio justificado de um dano jurídico em bens ou interesses dos requerentes, importando, assim, a concessão de uma tutela provisional, antecipatória, que visa evitar que a demora na solução definitiva do litígio, frustre os interesses de quem requer.

Neste sentido, o arresto encerra um acto judicial de coercibilidade, de natureza análoga à da penhora, assegurando a mesma funcionalidade prevenida na lei substantiva civil - art.º 822º do Código Civil - isto é, consagra ao arrestante/exequente, o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, sendo que o arresto não se inclui nas garantias reais enumeradas no art.º 604º n.º 2 do Código Civil, atinentes à garantia geral das obrigações.

Na verdade, Doutrina e Jurisprudência reconhecem que o arresto e a penhora são “direito reais menores”, sendo tão só fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens arrestados e/ou penhorados, neste sentido, Teixeira de Sousa, apud, Acção Executiva, pagina 251; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 697/04, in, Diário da Républica de 11 de Fevereiro de 2005, donde se reconhece que o arresto e a penhora, na ausência do elemento apelidado de “realidade” que une directamente o titular à coisa, não são verdadeiros direitos reais, importando considerar, de todo o modo que, em certos termos, segue-a, ou, tem sobre ela, crédito preferencial, mesmo em esfera alheia.

Nos termos do direito substantivo civil - art.º 622º do Código Civil - os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao credor, correndo da apreensão uma situação de indisponibilidade relativa.

O arrestado pode dispor ou onerar livremente os bens apreendidos, apenas acontece que esses atos não produzem efeitos em relação ao arrestante, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, apud, Código Civil Anotado, I, anotação ao art.º 622º, sendo que o arrestante continua a ter preferência, em relação aos demais credores.

O arresto (ou a penhora) “desapossa” o bem do seu dono.

Com a apreensão judicial da fracção ajuizada, houve a entrega ao fiel depositário, no caso o embargado/mandante/EE, para a guardar e administrar.

Posteriormente o arresto foi convertido em penhora, sendo que dessa conversão não resultou nova apreensão judicial do imóvel mas a continuação da anterior, o que vale por dizer que não houve nova ofensa da posse, daqui resulta que o arresto importou uma antecipação da penhora que o absorveu, deixando de ter existência própria, tudo se passando, pois, como se ab initio o arresto passasse a funcionar como penhora, uma vez que nos termos do direito substantivo civil – art.º 822º n.º 2 do Código Civil - a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto.

Pelo arresto, entretanto convertido em penhora, o direito do arrestado foi esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passaram para o tribunal, que os exerce através do nomeado fiel depositário, donde, quando o arresto convertido em penhora, incide sobre o objecto corpóreo dum direito real, a transferência dos poderes de gozo importa uma transferência de posse, cessando a posse do arrestado e iniciando-se uma nova posse pelo tribunal.

Nomeado o depositário, este passou, em nome alheio (do tribunal), a ter a posse do bem penhorado, que lhe cabe administrar, neste sentido, Lebre de Freitas e Armindo Mendes, apud, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, página 408.

Regressando ao caso sub iudice, temos que o decretado arresto encerra três objectivos, quais sejam, transfere para o tribunal os poderes de gozo que integram o direito do arrestado/executado; opera a ineficácia relativa dos actos dispositivos do direito subsequentes; e constitui um direito de preferência a favor do arrestante/exequente, neste sentido, Lebre de Freitas, apud, A Acção Executiva, 4ª edição, 2004, páginas 263 e 264.

Com o enunciado enquadramento jurídico, cremos poder concluir que o instrumento público junto aos autos - procuração notarial irrevogável - conquanto exarado por autoridade ou oficial público competente, e reconhecendo estar controvertido o pagamento do preço ajuizada fracção, que, na sua indemonstração, inviabilizaria a comprovação de uma relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável que sustente essa irrevogabilidade, temos de convir que o mandante/EE, outorgante da procuração irrevogável em beneficio do Embargante/AA, não podia dispôr do bem a vender, condizente à fracção ajuizada, arrestada e entretanto convertida em penhora, nos autos principais, sendo no minimo, o acto de disposição da fracção, ineficaz em relação ao arrestante, ora embargado, importando uma situação de indisponibilidade relativa, porque com a apreensão judicial do imóvel, houve a entrega a um fiel depositário, importando que o mandante da procuração irrevogável estivesse “desapossado” do bem, à data da outorga da procuração notarial irrevogàvel, exarada em 1 de Fevereiro de 2006, uma vez que, pelo arresto, decretado em 20 de Dezembro de 2002, entretanto convertido em penhora, o direito do arrestado foi esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passaram para o tribunal, e, neste sentido, indemonstrada a relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável que sustente essa irrevogabilidade, a aludida certidão da procuração irrevogável arquivada no notário – não encerra meio de prova com força probatória plena - .

Pese embora, esteja vedado às partes questionarem as declarações produzidas diante da autoridade pública, poderão, em todo o caso, questionar a substância das mesmas, determinando a apreciação, nomeadamente, da prova documental, adquirida processualmente, prova esta que, justamente, fez luz sobre a substância do conteúdo substantivo das declarações constantes do documento autêntico trazido a Juízo, afastando a prova plena.

Rematando, neste particular, atinente ao arrogado erro de direito na apreciação de meio de prova com força probatória plena, sustentado na certidão da procuração notarial irrevogável, reconhecemos que também aqui, a declaração feita pelo Tribunal a quo ao valorar livremente (com os reparos acabados de enunciar, desconsiderando o documento que, erradamente apelidou de cópia), este Tribunal ad quem não pode, mesmo assim, deixar também de desconsiderar tal instrumento público, embora por razões não completamente idênticas às perfilhadas pelo Tribunal recorrido, apesar de retermos, do acórdão recorrido, a afirmação lacónica, acerca do aludido documento “Não pode ser provado, é cópia de um documento arquivado - procuração arquivada no notário. E foi outorgada por quem não tinha poderes” (sublinhado nosso).

Assim, a certidão da procuração notarial irrevogável, exarada por autoridade pública, não importa meio de prova com força probatória plena, estando, pois, afastada qualquer erro de direito cometido na apreciação da impugnação da decisão de facto, por parte do Tribunal recorrido, a conhecer por este Tribunal ad quem.

II - Posto isto, atentemos, agora, ao arrogado erro de direito, sustentado na circunstância de o Tribunal recorrido não ter, alegadamente, considerado a forma probatória plena que pretensamente dimana do meio de prova traduzido na certidão da sentença criminal aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017.

Também aqui soçobra o arrogado erro de direito na apreciação da impugnação da decisão de facto, ao pretender sustentar que não foi tida em consideração a força probatória plena que pretensamente dimana da certidão da mencionada sentença criminal.

A lei adjectiva civil, estatui a propósito da oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória, no art.º 623º do Código Processo Civil que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”, donde, como bem destaca o Tribunal recorrido, tendo o processo-crime, onde foi proferida a sentença criminal aduzida aos autos em 8 de Janeiro de 2017, corrido à revelia do embargado/exequente/BB, há que considerar que a decisão penal constitui, presunção elidível quanto aos factos aí enunciados, pelo que, tendo sido os factos impugnados, neste incidente de oposição por embargos de terceiro, pelo demandado/embargado/exequente/BB, não faz qualquer sentido afirmar-se que o documento condizente à sentença criminal, encerra força probatória plena que, ao ser desconsiderada, importaria erro de direito na apreciação da impugnação da decisão de facto.

Concluímos, assim, que a ajuizada sentença criminal, não encerra meio de prova com força probatória plena, afastando-se, pois, qualquer erro de direito cometido na respectiva apreciação aquando da impugnação da decisão de facto, por parte do Tribunal recorrido, e, na sua ausência, este Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto,

III - Finalmente, importa tecer algumas considerações acerca dos factos considerados indiciariamente provados no despacho preliminar de 16 de Abril de 2009, aos quais, na opinião do Recorrente/Embargante/AA, o Tribunal recorrido também não lhes atribuiu a força probatória que a lei lhes confere, deixando de os considerar como factos provados, cometendo erro de direito.

Ao sustentar um diferente juízo probatório, o Recorrente/AA invoca, além dos precedentes meios de prova, aqueloutro traduzido nos factos apurados, em sede de despacho preliminar, alegando a propósito, que o Tribunal a quo não lhes atribuiu a força probatória que a lei lhes confere.

Cremos, no entanto, que também aqui, sem razão, desde logo, porque nestas circunstâncias não podemos, invocar o princípio da aquisição processual.

Na verdade, temos que ter em devida atenção a natureza e finalidade dessa prova preliminar e o regime processual dos embargos de terceiro, enquanto incidente da instância, “uma verdadeira sub-espécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro” - artºs. 342º a 359º do anterior Código Processo Civil (art.º 6º n.º 4 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho) - que permite a um terceiro intervir na causa para fazer valer no confronto de ambas as partes um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas, neste sentido, Curso de Processo de Execução, 5ª edição, página 248, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2013 e de 6 de Novembro de 2012, in www.dgsi.pt.

O direito adjectivo civil - art.º 345º do anterior Código Processo Civil – estabelece uma fase introdutória dos Embargos ao prevenir que “Sendo apresentados em tempo e não havendo razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante” importando o recebimento dos embargos, a notificação das partes primitivas para contestar (art.º 348º do anterior Código Processo Civil), a par da suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto a bens que dizem respeito (art.º 347º do anterior Código Processo Civil), donde se colhe, com meridiana clareza, que o incidente de oposição por embargos de terceiro encerra uma primeira fase, na qual produzida a prova, estes podem ser, ou não, recebidos, conforme haja, ou não, a probabilidade séria da existência do direito arrogado pelo embargante, e só, na respectiva admissibilidade, é que há lugar à dedução da contestação das partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor (anterior lei adjectiva civil, aplicável ao caso).

O enunciado regime processual determina que a prova produzida na fase liminar, destina-se, apenas e só, a apurar da probabilidade séria de existência do direito arrogado, enquanto pressuposto do recebimento dos embargos de terceiro, encerrando uma decisão provisória que se esgota no recebimento dos próprios embargos de terceiro, não estando em causa, o mérito do incidente de oposição por embargos de terceiro.

Como já adiantamos, recebidos os embargos de terceiro, o processo prossegue com a notificação das partes primitivas para contestar, seguindo-se depois os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor (conforme anterior lei adjectiva civil, aplicável ao caso dos autos), onde será discutido o mérito da causa, cumprido o contraditório, razão pela qual, não faz sentido a invocação da aquisição da prova indiciária, previamente produzida, com o fim determinado e já adiantado para a fase introdutória do incidente de oposição por embargos de terceiro.

A prova indiciária nada representa para a apreciação do mérito da causa, desde logo, porque decorre num momento processual em que, uma vez que as partes primitivas ainda não tiveram oportunidade de trazer a Juízo a sua versão dos factos, o contraditório não está inteiramente instalado, discutindo-se, na fase liminar do incidente, matéria alheia à decisão sobre o mérito dos embargos, matéria restrita, como já destacamos, à decisão liminar que contende com a probabilidade séria de existência do direito arrogado, donde se retira, aliás, a razão de ser, da permitida repetição da prova produzida liminarmente, em audiência final, ainda que tenha sido produzida naquela fase introdutória.

Concluímos, pois, decorrer do direito adjectivo civil - art.º 348º do anterior Código Processo Civil - que não relevam, em sede de julgamento do mérito dos embargos de terceiro, os factos admitidos no despacho preliminar.

Assim, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente/AA, o Tribunal recorrido ao deixar de valorar a prova indiciária, não a atendendo, não cometeu qualquer erro de direito na apreciação da impugnação da decisão de facto, sendo despropositado dizer-se ter deixado de atribuir aos factos admitidos no despacho preliminar, a força probatória que a lei lhes confere, a qual, sublinhamos, nada tem a ver com aqueloutra produzida, cumprido que esteja, plenamente, o contraditório, onde se discute o mérito da causa, e não como na fase introdutória que termina com o despacho liminar, aqui se discutindo, apenas e só, a probabilidade da existência do direito arrogado, com vista a, num momento posterior, e cumprido que seja o contraditório, acentuamos, discutir-se o mérito da causa.

Tudo visto, conquanto invocado o erro de direito na apreciação da decisão de facto, tal não obteve reconhecimento, pelo que, este Tribunal ad quem, não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, uma vez ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, soçobrando, assim, neste particular, a argumentação esgrimida pelo Recorrente/AA.


II. 3.2. O Tribunal a quo ao decidir, partindo do princípio que o promitente-vendedor não poderia ter transmitido a posse da fracção penhorada, na medida em que não era seu possuidor, à data da outorga do contrato-promessa, proferiu decisão-surpresa, porquanto essa questão jamais foi equacionada e objecto de análise, discussão, ponderação e decisão em l.ª Instância, importando nulidade do acórdão a quo, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil? (2)

Conforme decorre do enunciado objecto que cumpre conhecer no presente segmento, o Recorrente/Embargante/AA aduziu nas respectivas conclusões recursivas, a questão da nulidade do acórdão recorrido, sustentando que, ao partir do princípio que o promitente-vendedor não poderia ter transmitido a posse da fracção penhorada, porquanto não era seu possuidor à data da outorga do contrato-promessa, assunto que jamais foi equacionado e objecto de análise, discussão, ponderação e decisão em l.ª Instância, proferiu acto decisório que importa decisão-surpresa, na medida em que, pretensamente, houve omissão do contraditório, determinando nulidade do acórdão recorrido.


Atentemos.

Porque está em causa um acto decisório que encerra, na opinião do Recorrente/Embargante/AA, decisão-surpresa, em razão da falta do contraditório, importa relembrar que o direito adjectivo civil aplicável (estatui o art.º 6º n.º 4 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho que aprova o Código de Processo Civil, que aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa, como sejam, os embargos de terceiro só é aplicável o novo Código Processo Civil, sempre que sejam deduzidos após 1 de Setembro de 2013, o que não é o caso dos autos, entrados em Juízo em 1 de Agosto de 2008), consagra a regra do contraditório, assegurando uma consistente, oportuna, e autêntica discussão entre os intervenientes processuais ao longo de toda a tramitação da lide, conforme decorre do estatuído no art.º 3º n.º 3 do anterior Código Processo Civil “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

A este propósito julgamos pertinente consignar, mesmo considerando que se teve em atenção o Código Revisto, que a Doutrina defende que “substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehör” germânico, entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”, neste sentido, Lebre de Freitas, apud, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, página 96.

Observamos, todavia, neste particular, que não podemos olvidar a conjugação que se impõe entre o preceito adjectivo civil consignado, com aqueloutro condizente ao art.º 664º do anterior Código Processo Civil, que ao conceber os poderes de cognição do tribunal, prescreve que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º” reconhecendo-se, assim, sem reserva, a liberdade de subsunção ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz, donde, pese embora, o direito adjectivo civil, perfilhe um entendimento amplo do princípio do contraditório, nos termos enunciados, não conduz, de todo, respeitada que seja, uma interpretação harmoniosa do regime adjectivo civil, a qualquer restrição à liberdade de subsunção ou de qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal.

Porque assim o entendemos, decorre do art.º 3º n.º 3 do Código Processo Civil aplicável, que o Tribunal, precedentemente à reconhecida liberdade quanto à subsunção jurídica dos factos, deve proporcionar aos intervenientes processuais, a invocação de todos os fundamentos, tidos por válidos, face às plausíveis soluções de direito, importando, assim, cumprir o contraditório quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha sido percepcionada pelos intervenientes processuais, de acordo com um razoável juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão, neste sentido, Lopes do Rego, apud, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, volume, I, páginas 33 e 34, “a audição excecional e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela (…)”. “(…) não deverá “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do [artigo 3º, nº 3 do Cód. Processo Civil], de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela atuação do preceituado no art. 3º, nº 3”.

Sufragando idêntico entendimento, a Jurisprudência reconhece, ao conceptualizar a decisão-surpresa, que a mesma sobrevém se o tribunal, “de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, surgindo, pois, a sua imprevisibilidade como marca definidora”, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2011 (Processo n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

No incumprimento desta obrigação (audição dos intervenientes processuais), decorrente da lei processual civil, e nos termos apontados, ocorrerá vício susceptível de ser invocado, em fase de recurso, enquanto nulidade processual que encerra uma nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

O Código Processo Civil descreve, imperativamente, no nº. 1, do seu artº. 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º ambos do Código Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios determinantes da nulidade do aresto correspondem aos casos de irregularidades que o afectam formalmente e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Considerando o objecto do recurso, devemos adiantar que nos termos da lei adjectiva civil (art.º 615º do Código de Processo Civil) é nulo o acórdão quando o Tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (n.º 1 alínea d) do art.º. 615º, do Código de Processo Civil).

A nulidade em razão do excesso de pronúncia, isto é, quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, está directamente relacionada com o comando fixado na lei adjectiva civil, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, sem esquecer que deverá fundamentar sempre as respectivas decisões, discriminando os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.


A enunciada disposição adjectiva civil (al d) do n.º 1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil) correspondendo ao preceito plasmado no direito adjectivo civil, anteriormente em vigor, qual seja, o art.º 688º n.º 1 al. d), do Código de Processo Civil, suscita, de há muito tempo a esta parte, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão “questões“ ali empregue, o que é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico do Professor Alberto dos Reis, apud, Código Processo Civil Anotado, 5ª edição, que na página 54 escreve “assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

Na esteira desta perspectiva, doutrina e jurisprudência têm distinguido, por um lado, “questões“ e, por outro, “razões“ ou “argumentos“, concluindo que só o excesso de apreciação das primeiras - das “questões“ - integra a nulidade prevista no citado normativo.

Tem cabimento enfatizar que neste particular do excesso de pronúncia, o vício a que se reporta o direito adjectivo civil, traduz-se no incumprimento, por parte do Juiz do dever prescrito no art.º 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e, como vem sendo decidido pelos nossos Tribunais, salientamos, o vício determinante da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, corresponde a casos em que o Tribunal conhece de questões que não deveria conhecer ou apreciar.

O vício determinante da nulidade do aresto, nos termos enunciados, corresponde a casos de ininteligibilidade do discurso decisório por apreciar questões a que o Tribunal não foi chamado a dirimir (excesso de pronúncia).

É um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada, neste sentido, Abílio Neto, apud, Código Processo Civil, Anotado, 22ª edição, página 948.


Atentemos, pois, se o aresto recorrido padece da sustentada nulidade, cuja génese, estará, na circunstância de o Tribunal recorrido, ao partir do princípio que o promitente-vendedor não poderia ter transmitido a posse da fracção penhorada, porquanto não era seu possuidor à data da outorga do contrato-promessa, e ao omitir a audição excepcional e complementar das partes, a realizar fora dos momentos processuais, normalmente idóneos para produzir alegações de direito, apreciou a consignada questão jurídica que, alegadamente, se repercutiu, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão, não sendo, em todo o caso, exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo.

Revertendo ao caso sub iudice, afirmamos, sem reserva, que o enquadramento jurídico consignado pelo Tribunal recorrido não encerra o conhecimento de uma questão jurídica, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer fundamento factual ou jurídico, tido por plausível e perspectivado pelos intervenientes processuais.

Na verdade, a questão a resolver consiste em saber se, relativamente à fracção penhorada nos autos de execução a que estes embargos de terceiro estão apensos, enquanto incidente da demanda executiva, é legítima a defesa da arrogada posse, por parte do embargante, ora Recorrente/AA.

Como sabemos, os embargos de terceiro constituem o mecanismo de defesa da posse, quando ofendida por qualquer diligência ordenada judicialmente (art.º 1285° do Código Civil e artºs. 351º e 359º, ambos do anterior Código Processo Civil, aplicável ao caso sub iudice, em razão do art.º 6º n.º 4 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, conforme já adiantado).

Podemos, assim, configurar como requisitos de admissibilidade e procedência dos embargos de terceiro:

a) a qualidade de terceiro do embargante;

b) a existência de posse;

c) a circunstância de a diligência ordenada judicialmente ter ofendido a posse do embargante.

Enquanto pressuposto de atendibilidade dos embargos de terceiro, em regra, será “terceiro” aquele que é estranho à acção, seja ela, por exemplo, executiva, isto é, que não é exequente nem executado, como sucede com o Embargante/AA, colocando-se a dissensão em saber se a ordenada penhora da ajuizada fracção, ofendeu a arrogada posse do embargante, importando, assim, apreciar da invocada posse o que, necessariamente levará, atentos os factos jurídicos donde emerge a pretensão arrogada, à apreciação dos factos adquiridos processualmente, concretamente, o arresto não registado, do imóvel ajuizado, decretado em 2002, a pedido de BB, entretanto, convertido em penhora, registada em 8 de Fevereiro de 2007, e do qual foi, em 9 de Janeiro de 2003, constituído fiel depositário, EE, entretanto consignado promitente-vendedor, em documento particular, ao qual foi dado o nome de contrato-promessa de compra e venda, datado de 18 de Novembro de 2005, do qual consta como promitente-comprador, o ora Embargante/AA, que, alegadamente, beneficia de procuração irrevogável, com poderes para outorgar, a seu favor, escritura de compra e venda do imóvel objecto do contrato-promessa, estando, em todo o caso, controvertido o pagamento da totalidade do preço, ou parte do mesmo, referente à aludida fracção, outrossim, indemonstrado qualquer pedido de execução específica do alegado contrato-promessa.

Conjugados estes factos, e uma vez que se impunha, para bem dirimir a causa trazida a Juízo, apurar se a ordenada penhora da ajuizada fracção, ofendeu a arrogada posse do Embargante/AA, importando, assim, apreciar da invocada posse, atentos os factos jurídicos donde emerge a pretensão arrogada, impõe-se concluir que bem andou o Tribunal recorrido, no uso da reconhecida liberdade de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, e uma vez que não estava em causa, de todo, uma inovatória e inesperada questão de direito que não tivesse sido perspectivada pelos intervenientes processuais, de acordo com um razoável juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão, ao proferir decisão onde concluiu que “O apelante não tem título que prove que foi ofendido o seu direito de propriedade ou a qualquer direito real limitado de gozo, ou seja que é titular de qualquer direito incompatível com a execução. O apelante não é titular de posição jurídica que seja oponível à penhora efectuada nos autos sobre o identificado imóvel, pelo que bem andou o tribunal a quo ao julgar os embargos improcedentes”, não fazendo sentido sustentar-se, como faz o Recorrente/Embargante/AA, ter sido postergado o princípio do contraditório, tanto mais que, conforme se colhe dos autos, por despacho de 25 de Novembro de 2016, o Tribunal já havia ordenado a notificação das partes para, querendo, findos os articulados, se pronunciarem sobre a possibilidade de ser, desde já, proferida decisão de mérito, aduzindo a propósito “Compulsados os autos com vista ao saneamento, aventa-se a possibilidade de ser desde já proferida decisão de mérito, com fundamento na inoponibilidade do direito invocado pelos embargantes perante a penhora ordenada e registada na execução” o que, de resto, veio a suceder, com a prolação do despacho saneador/sentença, objecto do recurso.

Acentuamos que a questão conhecida pelo Tribunal recorrido, apreciando a arrogada posse do Embargante/AA, partindo do princípio que o promitente-vendedor não poderia ter transmitido a posse da fracção penhorada, porquanto não era seu possuidor à data da outorga do contrato-promessa, não encerra qualquer decisão-surpresa, sendo que essa mesma questão já havia sido equacionada e objecto de análise, discussão, ponderação e decisão em l.ª Instância, onde a propósito se consignou:

“Como nota prévia da nossa reflexão, cumpre referir que foi decretada uma providência cautelar de arresto sobre o imóvel em causa nos autos (melhor identificado na alínea A) dos factos provados), a favor do exequente BB, no ano de 2002. Todavia, tal arresto nunca chegou a ser registado, circunstância que determina a sua inoponibilidade a terceiros, como deflui do artigo 5° n.º l do Código de Registo Predial. Na sequência dessa inoponibilidade e com a alegação da existência de um contrato-promessa celebrado com EE e FF, veio a juízo o embargante AA requerer o levantamento da penhora incidente sobre a referida fracção.

Será a factualidade alegada pelo embargante suficiente para que o tribunal possa deferir a sua pretensão?

Na equação jurídica e fáctica em apreço, temos (de um lado) uma penhora registada no dia 08/02/2007 e (de outro lado) a alegação da existência de um contrato-promessa com traditio que remonta à data 18/11/2005” tendo concluído, respondendo à questão suscitada, depois de breve enquadramento jurídico “Em face do exposto, não colhem os argumentos do embargante, improcedendo assim o incidente deduzido.”

Não há, uma nova questão jurídica, apreciada pelo Tribunal recorrido, que justifique uma prévia intervenção jurisdicional para além daqueloutra condizente ao consignado despacho de 25 de Novembro de 2016, na medida em que o acto decisório que sufragou a decisão da 1ª Instância, está no âmbito das soluções que as partes quiseram submeter a Juízo - apreciação da invocada posse sobre a fracção penhorada - .

Escrutinada a decisão recorrida, divisamos que o aresto cumpre escrupulosamente o formalismo prevenido na lei adjectiva civil ao observar que a decisão deve identificar as partes e o objecto do litígio, sem deixar de fixar as questões que ao Tribunal cumpre solucionar, ao que se seguem os fundamentos, discriminando os factos considerados provados e não provados, cuidando não só de indicar, mas também interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pelo dispositivo que consubstancia a decisão final.

Ao invés do arrogado pelo Recorrente/Embargante/AA, o Tribunal a quo não conheceu de questão que não deveria conhecer ou apreciar, na medida em que, depois de julgar “Improcede totalmente a requerida alteração da matéria de facto” sufragou a decisão da 1.ª Instância “Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada” uma vez reconhecido que relativamente à fracção penhorada nos autos de execução a que estes embargos de terceiro estão apensos, enquanto incidente da demanda executiva, tão pouco existe a arrogada posse, por parte do Embargante/AA, ora Recorrente, enquanto um dos requisitos de admissibilidade e procedência dos embargos de terceiro - a existência de posse – questão que aos intervenientes processuais, designadamente, ao Embargante/AA, era exigível que a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente, posição sobre ela.

Na constatada inteligibilidade do discurso decisório, não podemos concordar, de todo, com a posição assumida pelo Recorrente/Embargante/AA ao invocar a decisão-surpresa que, a verificar-se, determinaria excesso de pronúncia, pelo que, acreditando ser despiciendo quaisquer outras considerações a este respeito, concluímos pela não ocorrência da arrogada nulidade da decisão, cumprido que foi, plenamente, o contraditório, soçobrando, nesta conformidade, e nesta parte, a revista interposta.


II. 3.3. O acórdão a quo, além de desconsiderar os factos acima referidos (II. 3.1.), concretizou um deficiente enquadramento jurídico dos factos relevantes para a boa análise e decisão destes embargos, designadamente, pela falta de consideração de cenários e soluções plausíveis da questão de direito, diversas da recorrida, sendo que o estado do processo não permitia, nem permite, sem mais provas, conhecer proficiente e imediatamente do mérito da causa? (3)

Confinado o objecto do recurso, passemos a outra das questões, vertidas nas conclusões das alegações do Recorrente/AA, importando, nesta medida, apreciar se, considerados os factos jurídicos apresentados em Juízo e a pretensão arrogada, impunha-se que o Tribunal recorrido não sufragasse o despacho saneador que conheceu imediatamente do mérito da causa, entendendo que a presente demanda é manifestamente improcedente, uma vez que o estado do processo não permitia, nem permite, sem mais provas, conhecer proficiente e imediatamente do mérito da causa.

Como sabemos, ditava o anterior direito adjectivo civil, aplicável ao caso sub iudice (art.º 510° n.º 1 alíneas a) e b) do anterior Código Processo Civil, aplicável ao caso sub iudice, em razão do art.º 6º n.º 4 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho que aprova o Código de Processo Civil) que, findos os articulados, se conheça da fase do saneador e da condensação, apreciando, os pressupostos da regularidade e validade da instância, sem deixar de apreciar quaisquer questões prévias, excepções dilatórias e peremptórias, quando deduzidas ou do conhecimento oficioso, bem como, seja apreciado o mérito da causa quando, fundamentadamente, se entenda ser o caso.

É precisamente a bondade do proferido despacho saneador que conheceu imediatamente do mérito da causa, levado a cabo pela 1ª Instância e sufragado pelo Tribunal recorrido, que está em causa, sabendo nós que o mesmo só poderá ser levado a cabo quando se conclua pela desnecessidade de prosseguir a acção com a enunciação da base instrutória que encerra os factos controvertidos, cuja discussão deve ter lugar em audiência de discussão e julgamento, uma vez dada a oportunidade aos intervenientes processuais de aduzir a prova, entendida por pertinente.

Ora o que descortinamos do escrutínio dos articulados apresentados é que o Tribunal recorrido, ao julgar improcedente a apelação interposta, sufragando a decisão da 1ª Instância, que julgou totalmente improcedente a oposição mediante embargos de terceiro, deduzida por AA, cuidou de ter em conta todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que necessariamente se identifica com o reconhecimento de que o Embargante/AA não tem título que prove o seu arrogado direito de propriedade ou qualquer direito real limitado de gozo, ou seja que é titular de qualquer direito incompatível com a execução, e, assim, não sendo titular de posição jurídica que seja oponível à penhora, efectuada nos autos sobre o ajuizado e identificado imóvel, os embargos de terceiro deduzidos têm, necessariamente que soçobrar.

O nosso direito adjectivo civil, no que à causa de pedir respeita, consubstancia a teoria da substanciação, ou seja, entende por causa de pedir o acto ou facto jurídico, simples ou complexo, de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito reclamado pelo demandante e que este se propõe fazer valer.

Tem-se em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, conciso e preciso, cujos contornos se enquadram na definição legal.


A causa de pedir tem de constituir um suporte lógico da pretensão.

“A causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica, em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o significado de uma conclusão (…) a causa de pedir é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão (…) entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas de um silogismo e a sua conclusão”, ensina o Professor, Alberto dos Reis, apud, Comentário ao Código Processo Civil, volume 3º, página 381.

Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, a questão submetida a este Tribunal ad quem impõe que se aprecie da existência de uma situação possessória do Embargante/AA sobre a fracção, cuja penhora foi registada nos autos executivos, de que este incidente é apenso.

Na verdade, a questão decidenda cinge-se, à apreciação da questão jurídica atinente à arrogada posse do Embargante/AA sobre a coisa penhorada, consistindo a posse num “poder de facto em termos de um direito real”, isto é, na imissão de uma coisa na zona de disponibilidade empírica do sujeito - de tal modo que este possa, querendo, exercer poderes de facto sobre ela (os quais não pressupõem, necessariamente, um contacto “físico” com a mesma) - expressiva de uma intenção de domínio - neste sentido, Orlando de Carvalho, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º paginas 105 e 106.

Assim, a posse resulta da combinação de um elemento empírico (“corpus”) com um elemento psicológico-jurídico (“animus”), como decorre do art.º 1251º do Código Civil, estabelecendo o normativo 1263º do Código Civil, os modos de aquisição da posse, neste sentido, Menezes Cordeiro, apud, A Posse, Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina 2000, 3ª edição actualizada, páginas 54 a 65, Pires de Lima e Antunes Varela, apud, Código Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, Volume III, 2ª edição revista e actualizada, páginas 5 e 6, anotação 6.


Como já adiantamos no precedente segmento deste acórdão, e aqui sublinhamos, a questão jurídica trazida a Juízo, confrontados os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica arrogada, encerra saber se a ordenada penhora da ajuizada fracção, ofendeu a arrogada posse do Embargante/AA, importando, assim, apreciar da invocada posse, o que necessariamente levará, atentos os factos jurídicos donde emerge a pretensão arrogada, à apreciação dos factos adquiridos processualmente, concretamente, o arresto, não registado, do imóvel ajuizado, decretado em 2002, a pedido de BB, entretanto, convertido em penhora, registada em 8 de Fevereiro de 2007, e do qual foi, em 9 de Janeiro de 2003, constituído fiel depositário, o arrestado, EE, entretanto consignado promitente-vendedor, em documento particular ao qual foi dado o nome de contrato promessa de compra e venda, datado de 18 de Novembro de 2005, do qual consta como promitente-comprador, o ora Embargante/AA que, alegadamente, beneficia de procuração irrevogável com poderes para outorgar, a seu favor, escritura de compra e venda do imóvel objecto do contrato-promessa, estando, em todo o caso, controvertido o pagamento integral do preço, ou parte deste, outrossim, indemonstrado qualquer pedido de execução específica do alegado contrato-promessa.

Como sabemos, e no que ao caso sub iudice interessa, uma vez que o Embargante/AA esgrime um documento particular ao qual foi dado o nome de contrato-promessa de compra e venda, datado de 18 de Novembro de 2005, do qual consta como promitente-vendedor, o fiel depositário da fracção arrestada, entretanto penhorada e registada, e promitente-comprador, o ora Embargante/AA que, alegadamente, beneficia de procuração irrevogável com poderes para outorgar, a seu favor, escritura de compra e venda do imóvel objecto do contrato-promessa, dever-se-á atentar que nos termos estabelecidos no direito substantivo civil - art.º 1263º, alínea b), do Código Civil – “A posse adquire-se”, entre outros modos previstos legalmente, “pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor.”

Confrontado o ajuizado documento particular ao qual foi dado o nome de contrato-promessa de compra e venda, datado de 18 de Novembro de 2005, constante de fls. 14 a 17, EE e FF declararam prometer vender ao aqui embargante, que declarou prometer comprar, a ajuizada fracção autónoma, livre de ónus e encargos, pelo preço de €174.700,00, podemos conceder tratar-se de um contrato preliminar mediante o qual os promitentes se obrigam a uma prestação de facto futura, condizente às declarações de vontade, indispensáveis ao cumprimento do negócio prometido - art.º 410º, n.º 1 e 830º, n.º 1, ambos do Código Civil - tendo este negócio jurídico, efeitos meramente obrigacionais, estando indemonstrado qualquer pedido de execução específica do aludido contrato-promessa.

Existem, porém, situações, como alegado nos autos, em que o promitente adquirente é logo investido no gozo da coisa, importando saber, nestas circunstâncias se o gozo da coisa, corresponde a uma posse em nome próprio ou tão-só a uma posse em nome alheio - art.º 1253º do Código Civil - sendo esta uma questão debatida na Doutrina e Jurisprudência, impondo-se confrontar, neste sentido, e a propósito, Menezes Cordeiro, apud, obra citada, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3ª edição actualizada, Almedina 2000, páginas 75 a 78.

Atendendo ao caso trazido a Juízo, uma vez sublinhado o reconhecimento, já adiantado, de que o documento junto aos autos, procuração notarial irrevogável, exarado por autoridade ou oficial público competente, conquanto esteja controvertido o pagamento do preço da ajuizada fracção, que, na sua indemonstração, inviabilizaria a comprovação de uma relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável que sustente essa irrevogabilidade, temos de convir que o mandante/EE, outorgante da procuração irrevogável em beneficio do Embargante/AA, não podia dispôr do bem a vender, condizente à fracção ajuizada, arrestada e entretanto convertida em penhora, nos autos principais, sendo no minimo, o acto de disposição da fracção, ineficaz em relação ao arrestante, ora embargado, importando uma situação de indisponibilidade relativa, porque com a apreensão judicial do imóvel houve a entrega a um fiel depositário, importando que o mandante da procuração irrevogável, EE, estivesse “desapossado” do bem, à data da outorga da procuração notarial irrevogàvel, exarada em 1 de Fevereiro de 2006, uma vez que pelo arresto, decretado em 20 de Dezembro de 2002, entretanto convertido em penhora, o direito do arrestado foi esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passaram para o Tribunal, e, neste sentido, indemonstrada a relação subjacente à outorga da aludida procuração notarial irrevogável, que sustente essa irrevogabilidade, a aludida certidão da procuração irrevogável arquivada no notário - não encerra meio de prova - deitando por terra a exigida demonstração da relação subjacente necessária à outorga da procuração notarial irrevogável, ademais, importa sublinhar que o Embargante/AA, nada demonstrou que possa situar a sua pretensão no instituto do direito real de garantia legalmente conferido ao promitente-comprador através do direito de retenção.

Assim, uma vez comprovada a inexistência de qualquer relação subjacente à outorga da procuração irrevogável, a favor do Embargante/AA, em razão do demonstrado arresto que “desapossou” a fracção ajuizada do seu dono, determinando que o direito do arrestado tivesse sido esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passaram para o Tribunal, que os exerce através de nomeado fiel depositário, temos de concluir que os factos, alegadamente praticados pelo Embargante/AA, enquanto promitente- comprador, foram, em todo o caso, em nome alheio, traduzindo o exercício possessório, nessa qualidade.

Ora, no caso de posse exercida em nome alheio, é a pessoa em nome de quem a posse é exercida que tem posse em nome próprio e que goza da tutela possessória e não a pessoa que pratica os actos materiais integradores do corpus da posse, em nome de outrem, pois que se trata de um mero detentor - art.º 1253º, alínea c), do Código Civil - .


Tudo visto, temos que sufragar o enquadramento jurídico consignado no acórdão recorrido, ao sustentar que “No direito português a posse reporta-se ao exercício de um direito real (em regra, de gozo). Assim, aqueles que usam ou gozam a coisa ao abrigo de um direito creditício, obrigacional, são meros detentores, pois possuem a coisa em nome de outrem, o titular do direito real (artigo 1253.° alínea c) do Código Civil), a quem terão de restituir a coisa uma vez terminado o prazo ou a causa legal da detenção. São, pois, possuidores precários (Moitinho de Almeida, "Restituição de posse e ocupações de imóveis", Coimbra Editora, 5a edição, páginas 59 e seguintes).

Os promitentes-compradores são, em regra, possuidores precários. O poder material que, na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda, porventura detenham sobre o bem objecto do contrato, exerce-se no âmbito de uma relação jurídica de natureza obrigacional (art.° 410.° do Código Civil), em que está patente que a titularidade do direito de propriedade se mantém na esfera jurídica do promitente-vendedor.”

“ (…) Porém, para que os embargos pudessem proceder, isto é, fossem oponíveis ao exequente, prevalecendo sobre a garantia real que a penhora lhe confere (art.° 822.° n.° 1 do Código Civil), seria necessário que as partes tivessem atribuído ao contrato-promessa eficácia real procedido ao seu registo antes do registo da penhora (artigos 413.° n.° 1 do Código Civil, 2.° n.° 1, alíneas f) e n), 5.° e 6.° do Código de Registo Predial - CRP) ou, se o contrato-promessa tiver eficácia meramente obrigacional (art.° 406.° n.° 2 do Código Civil), é necessário, para os mesmos fins, que tenha sido instaurada acção de execução específica e que esta tenha sido registada antes do registo da penhora (art.° 3.° n.° 1 alíneas a) e c) e 6.° n.° 3 do CRP). O apelante não tem título que prove que foi ofendido o seu direito de propriedade ou a qualquer direito real limitado de gozo, ou seja que é titular de qualquer direito incompatível com a execução. O apelante não é titular de posição jurídica que seja oponível à penhora efectuada nos autos sobre o identificado imóvel, pelo que bem andou o tribunal a quo ao julgar os embargos improcedentes.”

O Tribunal recorrido, ao julgar improcedente o incidente de oposição por embargos de terceiro, cuidou de ter em conta todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

A este propósito, a Doutrina defende que o Tribunal “deve respeitar, tanto quanto possível, as várias soluções prováveis ou verosímeis da questão de direito, caso o enquadramento jurídico do litígio suscite mais do que uma solução jurídico-dogmática”, neste sentido, Remédio Marques, apud, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, página 548, e ainda, no mesmo sentido, Teixeira de Sousa, apud, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, páginas 310/311, ao sustentar que “ao tribunal da causa não cabe, no momento da selecção dos factos relevantes, antecipar qualquer solução jurídica e, menos ainda, excluir daquela escolha os factos que não forem relevantes segundo esse enquadramento”.

Ora, no caso trazido a Juízo, o Tribunal recorrido ao entender que os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica, permitiam imediato conhecimento da causa, concluiu, e bem, que o Tribunal estava em condições de julgar correctamente a causa, impondo-se a decisão sobre o respectivo mérito, findos que foram os articulados, por virtude da pretensão jurídica arrogada, encontrando-se consignados, em termos inteligíveis, que os factos alegados e demonstrados não podem conduzir à procedência dos embargos de terceiro, mostrando-se, desde logo, ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento, judicium, dispensando a enunciação da base instrutória, o que de resto se mostra desnecessário, pelas razões apresentadas.

Improcede, assim, a argumentação esgrimida e trazida à discussão pelo Recorrente/AA, nas suas alegações de recurso.


II. 3.4. A facticidade demonstrada, reconhecida que seja, a alteração da matéria de facto reclamada, importa subsunção jurídica diversa da sentenciada? (4)

Conforme decorre da apreciação levada a cabo no precedente segmento II. 3.1. reconhecido que foi que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro de direito, ao reapreciar a decisão de facto, nomeadamente, o invocado, ao deixar de adquirir processualmente factos, considerando-os como não provados, por não ter atribuído aos documentos adquiridos para o processo, a força probatória que a lei lhes confere, importa reconhecer que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decidiu sobre a impugnação da decisão de facto, uma vez ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, não podendo interferir, pois, na decisão de facto, mantendo-se inalterável a decisão de facto.

Assim, como corolário do enquadramento jurídico enunciado, consignado no precedente segmento II. 3.3., que nos dispensamos de repetir, temos como apodíctico, não se impor outra subsunção jurídica, diversa da sentenciada, impondo-se, a conclusão de que o Recorrente/Embargante/AA não tem título que prove que foi ofendido qualquer direito real de gozo, ou seja que é titular de qualquer direito incompatível com a execução, reconhecendo-se, pois, que o Recorrente/Embargante/AA não é titular de posição jurídica que seja oponível à penhora efectuada sobre a ajuizada fracção.

Na verdade, adquirido tão só e apenas o contrato preliminar, mediante o qual o promitente/EE se obrigou a uma prestação de facto futura, qual seja, a emissão de uma declaração de vontade, necessária à concretização do negócio prometido, traduzido na compra e venda, a favor do aqui Embargante/AA, temos de concluir que, encerrando este qualificado contrato-promessa, um contrato com efeitos meramente obrigacionais, a par da não demonstração de que lhe foi atribuída eficácia real, outrossim, desconsiderado o instrumento público atinente à procuração irrevogável, nos termos consignados, bem se percebe que o Recorrente/Embargante/AA não é titular de qualquer direito incompatível com a execução, pelo que, não é titular de posição jurídica que seja oponível à penhora da fracção identificada nos autos principais, de que este incidente de oposição por embargos de terceiro é apenso.

Pelo exposto, na improcedência das conclusões retiradas das alegações, trazidas à discussão pelo Recorrente/Embargante/AA, não reconhecemos à respectiva argumentação, qualquer virtualidade no sentido de alterar o destino da demanda.



IV. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se na íntegra o acórdão proferido que confirmou a sentenciada improcedência dos embargos de terceiro.

Custas pelo Recorrente/Embargante/AA.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Dezembro de 2018  


Oliveira Abreu (Relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Maria dos Prazeres Beleza