Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1364/05.5TBBCL.G1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
MÉDICO
ACTO MÉDICO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA
ÓNUS DA PROVA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 10/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXA À RELAÇÃO PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - A. Silva Henriques Gaspar, Estudo Sobre a Responsabilidade Civil do Médico, in, CJ, ano III, 1978, Tomo I, pp. 335 e ss.
- António S. Henriques Gaspar, Estudo.
- Demogue, Traité des Obligations, Tomo V, Paris, 1925, n° 1.237 e Tomo VI, Paris, 1931, n° 599.
- J. C. Moutinho de Almeida, A Responsabilidade do Médico e o seu Seguro, in "Scientia Jurídica", Tomo XXI, 16/117, p. 337.
- João Álvaro Dias, Procriação Assistida e Responsabilidade Médica - Stvdia Ivridica, n° 21 - BFDC - 1996, pp. 221 e 225.
- Karlheinz Matthies, Schiedsinstanzen em Bereich der Arzthaltung, Soll und Haben, Berlin 1984, pp. 12-20.
- Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, BFD, Sup., vol XXVIII, Coimbra, 1985, pp. 398-400.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., 1997, pp. 53-55.
- Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, n° 44 - Ano 2000, Julho/ Setembro, pp. 37 e ss. .
- Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, p. 210.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGOS 342.º, 344.º, N.º 1, 482.º, N.º 2, 483.º, 487.º, 563.º, 566.º E SS., 798.º, 799.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 729.º, 712.º, 730.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 5-7-2001, IN CJSTJ, TOMO II/2001, PP. 167 E SS.; DE 27-1-2005, PROC. 05B2286,7.ª SEC.;
DE 18-5-2006, IN CJSTJ, TOMO II/2006, P. 95; E, DE 20-6-2006 – 1.ª SEC., IN CJSTJ, TOMO II/2006, P. 119.
Sumário : I. A responsabilidade médica (ou por acto médico) assume, em princípio, natureza contratual.
II. Pode, todavia, tal responsabilidade configurar-se como extracontratual ou delitual por violação de direitos absolutos (v.g os direitos de personalidade), caso em que assistirá ao lesado uma dupla tutela (tutela contratual e tutela delitual), podendo optar por uma ou por outra.
III. A tutela contratual é, em regra, a que mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória, face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (art.ºs 344.º, 487.º, n.º 1 e 799.º, n.º 1, todos do CC).
IV. Agirá com culpa ou negligência (cumprindo defeituosamente a obrigação) o médico que, perante as circunstâncias concretas do caso, e face às leges artis, tenha feito perigar (ou lesado de modo irreversível,) o direito do paciente à vida ou à integridade física e psíquica do paciente. Culpa essa «a ser apreciada pela diligência de um bom pai de família (art.ºs. 482.º, n.º 2, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 799°, ambos do CC).
V. Em regra, a obrigação do médico é uma obrigação de meios (ou de pura diligência), cabendo, assim, ao lesado fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão) do prestador obrigado)não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do almejado resultado.
VI. Já se se tratar de médico especialista, (v.g. um médico obstetra) sobre o qual recai oum específico dever do emprego da técnica adequada, se torna compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta.
VII. A utilização da técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais traduz a chamada imperícia do médico, pelo que, se o médico se equivoca na eleição da melhor técnica a ser aplicada no paciente, age com culpa e consequentemente, torna-se responsável pelas lesões causadas ao doente.
VIII. Face ao disposto no art.º 798.º do CC, recairá, em princípio, sobre o médico a obrigação de indemnizar os prejuízos causados ao seu doente ou paciente (art.º 566.º e ss. do CC).
IX. Segundo a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, consagrada no art.º 563.º do CC, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação desse dano.
X. O Supremo pode, ao abrigo do n.ºs 2 e 3 do art.º 729.º do CPC, ordenar ex officio a ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e BB, residentes na Avenida P... F..., ­Edifício P... do S... - entrada ... - ... .0 Esq., Barcelos, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:
CC e DD, ambos médicos e com residência profissional na Avenida dos C... da G... G..., n° ... - ...,0 - 4750-194, Barcelos, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhes, solidariamente, a quantia de €135.000, acrescida dos juros legais a contar da citação.
Isto a título de reparação pelos danos que indicam como advindos da morte de seu filho recém-nascido, que consideraram ser devida a negligência grosseira dos demandados na execução do respectivo parto.
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2. Por sentença de 9-7-2009, o Mmo Juiz do Círculo Judicial de Barcelos julgou a acção totalmente não provada e improcedente, absolvendo, em consequência, os RR do pedido.
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3. Inconformados, vieram os AA apelar, mas o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 18-3-2010, julgou a apelação improcedente.
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4. De novo irresignados, desta feita com tal aresto, dele vieram os AA recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:
1.ª- A demandada Dra. DD assistiu o parto da demandante BB, de que nasceu AA, com parâmetros de biometria correspondentes a uma idade gestacional (IG) aproximada de 39 semanas, com peso dos órgãos com valores apropriados para a mesma IG, excepção feita para o timo e baço, cujo peso é superior ao esperado e maturidade visceral, crescimento e maturidade ósseas compatíveis com a mesma IG;
2.a- Segundo o acórdão recorrido, a matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para se poder inferir do comportamento da Dra. DD, uma vez que não se pode determinar que, perante as circunstâncias do caso concreto, a Ré devia e podia ter actuado de modo diferente, que o seu comportamento foi censurável e que actuou com violação das regras da arte médica;
3.a- A seguir, o mesmo acórdão refere que, como se refere na sentença recorrida, tendo merecido resposta negativa os quesitos 14.º e 15.º da base instrutória, nem sequer foi feita prova nos autos de que a morte do filho dos autores resultou de factos praticados pelos réus, ou melhor, que os actos praticados pela 2.º Ré, na assistência do parto, tenham sido inadequados e tenham sido a causa de morte do filho dos autores;
4.a- Francamente. Tudo isto é demais. Com efeito os quesitos 14° e 15° da base instrutória eram do seguinte teor: - A aplicação de ventosa no recém-­nascido causou laceração da sutura mediana dos ossos da calote craniana e consequente hemorragia, o que lhe causou sofrimento e da qual adveio a morte? Que levaram com a resposta de não provado;
5.a- Obviamente ... que o STJ não pode debruçar-se sobre a matéria de facto para a dar como provada ou não provada;
6.a- E nem será preciso. Basta que se diga que o relatório de autópsia, que é um documento autêntico que, embora não faça fé plena em juízo, não foi minimamente posto em causa. Nenhuma das suas verificações foi posta em crise;
7.a- E desse relatório de autópsia, feito por peritos que são referência nacional, constam coisas verdadeiramente arrepiantes, como seja:
a) - caput succedaneum associado a extensa hemorragia sub­aponevrótica, caracterizada pela presença de alguns coágulos organizados e de parênquima encefálico fragmentado, no meio do sangue;
b) - sutura mediana dos ossos da calote craniana, aberta e lacerada, na proximidade da fontanela posterior, por onde se terá exteriorizado o parênquima cerebral;
c) - sufusões hemorrágicas (do tipo patequial) na mucosa do esófago e do estômago, serosa do intestino e cápsulas das supra renais;
- hemorragia intersticial, multifocal nos rins;
- o estudo do encéfalo, após fixação adequada, permite observar hemorragia multifocal nas liptomeninges;
f)- confirma-se a existência de laceração do córtex parietal, mais acentuada no hemisfério esquerdo, com infiltração hemorrágica do parênquima adjacente - substância branca e área subjacente ao revestimento ependimário;
- discreta hemorragia intraventricular;
- baço com extensa hemorragia;
i)- morte neonatal precoce ao de vida de recém-nascido do sexo masculino com crescimento e desenvolvimento apropriados para li IG aproximada de 39 semanas, sem anomalias do desenvolvimento;
j) - quadro hemorrágico grave ao parênquima encefálico.
O relatório de autópsia foi mais longe, referindo elementos que desfavorecem a hipótese de existência de anemia hemolítica antiga;
9.a- Perante a realidade concreta do relatório da autópsia, perante a brutalidade que ela representa, perante o grave traumatismo no corpo de um recém-nascido que revelou, na autópsia, maturidade visceral, crescimento e maturidade ósseas compatíveis com IG (idade gestacional), é chocante que o tribunal a quo, como o de 1.ª Instância, tenha dito que não foi feita prova nos autos de que a morte do filho dos AA resultou de factos praticados pelos RR, ou melhor, que os actos praticados pela 2.a Ré (Dra. DD) na assistência ao parto tenham sido inadequados e tenham sido a causa da morte do filho dos AA;
10.a- Isto significa, chocante e constrangedoramente, que é normal e corrente, num parto, com aplicação de ventosa, verificarem-se os traumatismos e as graves lesões que se referiram na clausula T' supra;
11.a- O batalhão de apoiantes que corporativamente acompanharam os demandados nas várias sessões de julgamento não deixou de considerar estranhas tantas lesões, mas, sem terem qualquer contacto com a realidade, sacudindo a água do capote dos demandados, afigurando-se-nos que é inarredável que, como diz a especialista Dra. EE, os dados analisados (e foram todos os que constam dos autos) levam a concluir que houve um grave traumatismo no parto provocado por uma má assistência ao período expulsivo, nomeadamente a uma incorrecta utilização da ventosa;
12.a- Conforme se disse no n.º III destas alegações, citando Vaz Serra, a jurisprudência tem facilitado a prova da culpa: basta, para provar a culpa, que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tornem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua;
Com isto destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que, ao admitir a prova prima facie, só se dá uma facilidade para a produção da prova e não uma total inversão do encargo da prova;
13.a- E como se tivesse sido talhado para estes autos, temos o douto acórdão do S.T.J. de 26/02/1992, BMJ n" 414-533 que diz o seguinte:
Nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele será frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples), se a prova prima facie ou de presunção judicial, produzida pelo lesado, apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contra-prova.
Pelo acabado de dizer afigura-se-nos, salvo melhor opinião em contrário, que não é minimamente razoável, nem equitativo, nem justo, nem adequado ao bom senso prático, nem à normalidade das coisas e da vida, nem dos princípios processuais que, não invertendo o ónus da prova, devem ter em conta o interesse e a dificuldade da prova, como foi o caso dos autos, facilitando-lhe a tarefa com a chamada prova de primeira aparência, que abundou nos autos, não julgar a presente acção totalmente procedente e responsável pela morte do filho dos demandantes a demandada DD, não seria realizar o direito dos demandantes.
O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º e 566.º do CC.
Far-se-á justiça julgando-se que houve um grave traumatismo no parto provocado por uma má assistência ao período expulsivo, nomeadamente a uma incorrecta utilização da ventosa, que provocou gravíssimas lesões que foram a causa adequada da morte do filho dos demandantes.
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4. Contra-alegaram os Réus sustentando a correcção do julgado pelas instâncias.
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5. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar.
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6. Em matéria de facto relevante, deram as instâncias como assentes os seguintes factos:
A)- A partir do momento em que se certificou que estava grávida, a autora passou a ser seguida na Clínica P... de B..., mediante um seguro de saúde de que era titular, celebrado com a Companhia de Seguros F.../M...;
B)- A gravidez da demandante foi seguida pelo 1.° réu CC;
C) No dia 10-4-2003, a autora foi levada para a Clínica P... de B...;
D)- Do relatório anatomopatológico do Hospital de S. João, datado de 11-4-2003, conclui-se por morte neo-natal precoce ao 10.º dia de vida do recém- nascido de sexo masculino com crescimento e desenvolvimento apropriados para a IG aproximada de 39 semanas; quadro hemorrágico grave no parênquima encefálico; sutura mediana dos ossos da calote craniana, aberta e lacerada, na proximidade da fontanela posterior, por onde se terá exteriorizado parênquima cerebral; extensa hemorragia subaponevrótica, caracterizada por alguns coágulos organizados, e de parênquima encefálico fragmentado, no meio do sangue; hemorragia multi-focal nas leptomeninges; laceração do córtex parietal, mais acentuada no hemisfério esquerdo, com infiltração hemorrágica de parênquima adjacente substância branca e área subjacente ao revestimento ependimário com interrupção do mesmo e glicose reactiva na matriz germinativa subependimária; extensa hemorragia do baço, necrose tubular aguda e hemorragia intersticial, multifocal dos rins (doc. n'.ºs 2 e 3 da petição inicial, a fls. 19, 21 e 21 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
E)- ...
F)- A autora teve a sua primeira consulta na Clínica Particular de Barcelos no dia 2-9-2002;
G) Após a primeira consulta a autora voltou a ser observada na Clínica P... de B... nos dias 23-9-2002, 3-10-2002, 21-10-2002, 30-10- 2002 e mais algumas vezes até ao mês de Abril de 2003 com frequência mensal;
H)- Durante o período de gravidez a autora foi submetida a análises de rotina;
I) Estava tudo acordado para que fosse o 1. ° réu a assistir ao parto;
J)- Aquando do parto, o 1. ° réu CC transferiu a autora para os cuidados da 2.a Ré DD;
L)- No dia 10-4-2003, a autora foi observada, medicada com soro e efectuada monitorização para cardiotocograma;
M)- Mais tarde, a 2 ré diagnosticou à autora uma dilatação de 10 cm;
N)- Em virtude do facto referido M), a 2.a Ré transferiu a autora para a sala de partos e realizou o parto por via vaginal, tendo utilizado a ventosa devido a inadequado esforço materno no período expulsivo;
O)- O filho dos autores nasceu vivo, chorou e abriu os olhos;
P)- A A. foi informada de que a criança tinha uns papos na cabeça e que tinha de ser transferido paro o Hospital de S. João do Porto;
Q)- Cerca de seis horas depois a autora foi informada de que o filho tinha falecido no Hospital de S. João no Porto;
R)- O réu CC não assistiu ao parto da autora em virtude de o trabalho de parto estar a decorrer lentamente e ter de operar uma hérnia;
S)- A morte do filho causou nos autores desgosto, amargura, indignação e revolta;
T)- O filho dos autores nasceu com isoimunização Rh;
U)- O período final de dilatação da autora, de 3,5 cm para 10 cm, decorreu muito rapidamente, encontrando-se completo quando o réu CC ainda se encontrava a operar uma hérnia;
V)- A aplicação da ventosa pela ré DD deveu-se a esforços expulsivos ineficazes e falta de cooperação, por parte da autora, que possibilitasse o parto eutócico;
X)- A aplicação da ventosa durou não mais de dois minutos;
Z)- A permanência no canal de parto da autora durante mais tempo poderia trazer ao recém-nascido isquemia cerebral, com danos neurológicos irreparáveis;
Aa)- O filho dos autores tinha à nascença 3,130 Kg de peso;
8b)- A ventosa utilizada foi a de tipo MITYVAC modelo "M", descartável, em plástico, com uma campânula de 5 centímetros, ligada a uma bomba de vácuo, munida de um sistema limitador da pressão exercida sobre o feto no intuito de minimizar os riscos inerentes à utilização desta técnica;
Cc)- O sistema limitador da pressão funcionou durante todo o período de aplicação da ventosa no parto em causa;
Dd)- A referida ventosa atinge uma capacidade de pressão máxima de 760 mm/Hg;
Ee)- No caso dos autos, a pressão máxima utilizada na ventosa não excedeu os 580 mm/Hg;
Nn) Os autores contrataram com o 1.º Réu, médico que escolheram para o seguimento da gravidez e a realização do parto.
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7. Definição do direito aplicável (art.º 730.º do CPC).
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Seguimos aqui, muito de perto, por manter plena actualidade, a doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de 5-7-2001, in CJSTJ, Tomo II/2001, pp. 167 e ss, com o mesmo Relator do dos presentes autos; aresto este, de resto, citado na sentença proferida pelo Mmo Juiz de 1.ª instância.
São desse aresto, com as necessárias adaptações, as considerações subsequentes.
Tradicionalmente a doutrina era relutante em admitir a natureza (e a fonte) contratual da responsabilidade médica, porquanto repugnava aceitar-se a culpa presumida do médico sempre que o tratamento não houvesse alcançado os objectivos propostos. A regra de que «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua", comum aos diversos sistemas jurídicos, significava, do ponto de vista processual, colocar o médico na difícil situação de se ver sistematica­mente obrigado a elidir a presunção de culpa que sobre ele, na qualidade de devedor de cuidados ao paciente, passaria a impender - ob. cit. p. 223». Presunção legal essa inversora das regras do encargo da prova, ex-vi do disposto nos art.ºs. 342.º e 344.º, n.º 1, do CC, sendo que a prova (pelo médico) de que a sua actuação não fora desconforme com certas regras de conduta abstractamente idóneas a favorecerem a produção de um certo resultado (v.g. a cura), equivaleria, na prática, a uma quase real impossibil­idade (prova diabólica) pois que se teria então de provar uma afirmação negativa de carácter indefinido. «Era, pois, a impossibilidade lógica de fazer recair sobre o médico a presunção de culpa que impedia os tribunais de afirmar a natureza contratual da responsabilidade médica­» (conf. Jean Penneau, in "La Responsabilité Médicale", pp. 48-56»).
O que está na base da presunção de culpa é a constatação da realidade de que só o devedor (obrigado) se encontrará, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comporta­mento em face do credor, bem como dos motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que estava vinculado» (cfr., entre nós, acerca da consagração legal de tal presunção de culpa, o n.º 1 do art.º 799.°, do CC e o comentário de Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. II, 4.ª ed., 1997, pp. 53-55, autores segundo os quais «é esta a solução adoptada na generali­dade dos Códigos»).
Aquela sobredita relutância, encontra-se, todavia, já superada, uma vez «é hoje geralmente entendido assumir a responsabilidade médica, em princípio, natureza contratual. Isto sobretudo por mor da adopção (pela doutrina) da distinção classificativa entre «obrigações de meios» e «obrigações de resultado» proposta por Demogue, in "Traité des Obligations", Tomo V, Paris, 1925, n° 1.237 e Tomo VI, Paris, 1931, n° 599.
Médico e paciente encontram-se, no comum das situações, ligados por um negócio de cunho marcadamente pessoal, de execução continuada, por via de regra, sinalagmático e oneroso» ­(conf. João Álvaro Dias, in "Procriação Assistida e Respon­sabilidade Médica" - Stvdia Ivridica, n° 21 - BFDC - 1996, p. 221).
O objecto da singular relação médico/paciente é o tratamento da saúde deste último, sendo o acto referencial e enquadrador dos interesses em jogo juridicamente qualificável como contrato de prestação de serviço, já que, mediante ele, «uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho manual ou intelectual, com ou sem retribuição» (art.º1154.º do CC).
O critério distintivo entre obrigações de meios (ou de pura diligência) e obrigações de resultado, reside, respectivamente, no «carácter aleatório» ou, ao invés, «rigorosamente determi­nado» do resultado pretendido ou exigível pelo credor. «Deste modo, já se torna compreensível que «o ónus da prova da culpa funcione em termos diversos num e noutro tipo de situações, pois que, enquanto no primeiro caso - ­obrigações de resultado - a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta de devedor (podendo este, todavia, provar o contrário), no segundo tipo de situações - obrigações de meios - caberá ao credor (lesado) fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão) do devedor (ou prestador obrigado) não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do almejado resultado» (cfr., neste conspectu, "Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Médica" - conf. João Álvaro Dias, in ob cit., p. 225.
Sobre a caracterização, na Alemanha, da responsabili­dade médica como autêntica responsabilidade contratual que, todavia e em certas circunstâncias, pode também configurar-se como responsabilidade extracontratual ou delitual por violação de direitos absolutos como são os direitos de personalidade, cfr. Karlheinz Matthies, Schiedsinstanzen em Bereich der Arzthaltung, Soll und Haben, Berlin 1984, pp. 12-20. (Exemplo típico de actuação ilícita e danosa do médico geradora de responsabilidade extracontratual poderá ser, por ex., a de um médico prestar assistência a uma pessoa inanimada ou a um incapaz cujo representante legal não conhece).
Assistirá, pois, ao lesado uma dupla tutela (tutela contratual e tutela delitual), pois que o facto ilícito pode representar, a um tempo, violação de contrato e ilícito extracontratual. Tal tipo de danos, adve­nientes do defeituoso cumprimento da panóplia de obrigações assumidas, são pois e de per si, mesmo na falta de contrato, por natureza reparáveis em sede extracon­tratual, porquanto tradutores de violação culposa de direitos absolutos. Segundo Rui de Alarcão, em todas estas situações existirá um único dano, produzido por único facto. Só que este, além de constituir violação de uma obrigação contratual, é também lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade fisica (cfr. "Direito das Obrigações", p. 210). Daí que deva entender-se "que a lei tenha querido fornecer ao contraente, como tal, um instrumento ulterior de defesa do seu interesse, sem lhe subtrair aquela defesa geral que lhe compete independentemente da sua qualidade especial de parte num contrato" (sic).
Escreve também Pinto Monteiro, in "Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil", in BFD, Sup., vol XXVIII, Coimbra, 1985, pp. 398-400, que «na falta de disposição legal em contrário, deve considerar­-se, em princípio, como solução natural a que permite ao lesado a opção entre as duas espécies de responsabilidade, em virtude de o facto constitutivo da responsabilidade do lesante representar simultaneamente a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual. É manifesto que, com o contrato, não pretendem as partes renunciar, criando, com o seu poder jurisgénico, uma disciplina específica destinada à tutela geral que sempre a lei lhe facultaria. Bem pelo contrário, pretendem reforçar ­tal tutela, criando, assim uma protecção acrescida» (sic).
Deste modo - insiste-se - enquanto na ­responsabilidade contratual a simples verificação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor, salva a prova do contrário (art.ºs 344.º, n.º 1 e 799.º, ambos do CC), no segundo tipo de situações (responsabilidade extracontratual) caberá ao (doente/lesado) fazer a demonstração em juízo de que a conduta do devedor se não pautou pelas regras de actuação susceptíveis de, in abstracto, virem a propiciar a produção do pretendido resultado (art.º 487.º do CC).
Em termos gerais - ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual -, ter o médico agido culposamente «significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada; isto é, poder determinar-se que, perante as circunstâncias concretas de cada caso, o médico obrigado devia e podia ter actuado de modo diferente. Diversamente, a actuação do médico já não será culposa quando, consideradas as circunstâncias de cada caso, ele não possa ser reprovado ou censurado por ter actuado como actuou. Culpa «a ser apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso» (art.º. 482.º, n.º 2, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 799.°, ambos do CC).
Genericamente, a obrigação do médico consiste em prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida. Nesta fórmula ampla se compreende a actividade profissional, intelectual ou técnica que tipicamente se pode designar por «acto médico» - cfr. A. Silva Henriques Gaspar, no seu "Estudo Sobre a Responsabilidade Civil do Médico", in, CJ, ano III, 1978, Tomo I, pp. 335 e ss.
Actuará, assim, com negligência (cumprindo defeituosa­mente a sua obrigação) o médico que não exercite todo o seu zelo nem ponha em prática toda a sua capacidade técnica e científica na execução das suas tarefas para proporcionar cura ao doente ou para não fazer perigar (ou pôr irreversivelmente em causa) o seu direito à vida ou à integridade física e psíquica (acerca desta problemática da culpa em matéria de responsabilidade médica, vide o citado “Estudo” da autoria do Dr. António S. Henriques Gaspar).
Em regra, o médico não se obriga a curar o doente, apenas se comprometendo a proporcionar­-lhe cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais; trata-se, pois, de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado; incumbirá, pois, ao doente o burden of proof da invocada inexecução desse contrato por banda do profissional médico (ainda no sentido qualificação dessa obrigação como "obrigação de meios", cfr. J. C. Moutinho de Almeida, in "A Responsabilidade do Médico e o seu Seguro, in "Scientia Jurídica", Tomo XXI, 16/117, p. 337).
Já poderá não ser assim se se tratar de médico especialista, que ao pôr em prática a sua técnica e os seus conhecimentos técnico-científicos especializados (justamente o pressuposto da contratação do seu serviço), actua de modo contrário ao que dele era esperado e exigível, atentas as suas habilitações específicas para o concreto acto médico. O dever do emprego da técnica adequada vincula, de resto, o médico, mesmo após a alta do paciente, nomeadamente no que concerne ao dever de informação quanto ao tratamento e cuidados a observar - conf. Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, n° 44 - Ano 2000 - Julho/ Setembro, pp. 37 e s. Relativamente a um médico especialista (v.g. um médico obstetra a quem é cometida a tarefa de proceder, com êxito, à extracção de um feto ou executar as manobras próprias de um parto), já se torna compreensível a aludida inversão do ónus da prova por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o especialista em causa ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base a sobredita presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta (sem embargo, todavia, de ele poder provar o contrário)
E sem dúvida de que, para a parte lesada, a prova da culpa do facultativo servidor se revestiria de muito maior onerosidade.
A inobservância de quaisquer deveres objectivos de cuidado torna a conduta (do médico) culposa, sendo que a culpa se traduz na inobservância de um dever geral de diligência que o agente conhecia ou podia conhecer aquando da respectiva actuação e que comporta dois elementos: um de natureza objectiva - o dever concretamente violado - e outro de cariz subjectivo traduzido na imputabilidade do agente.
A utilização da técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais traduz a chamada imperícia do médico, pelo que, se o médico se equivoca na eleição da melhor técnica a ser aplicada no paciente, age com culpa e consequentemente, torna-se responsável pelas lesões causadas ao doente.
Destarte, o médico poderá ser civil (e directamente) responsável se com a sua acção ou omissão, houver ofendido os direitos do paciente, em relação aos quais exerce as funções próprias da sua profissão, ou haja ofendido qualquer dos seus interesses digno de protecção legal (v.g. os seus direitos de personalidade), causando-lhe danos, desde que o seu comportamento (ilícito) lhe possa ser censurado a título de dolo ou de mera negligência (art. 483.° do CC).
A tutela contratual é contudo a que, em regra, mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória como acima já deixámos dito, face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (art.ºs 799.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do CC). E a que, sem dúvida, melhor protege o lesado contra eventuais “conspirações do silêncio” em sede probatória”, muito comuns neste tipo de situações!...
Conforme o art.º 798.º do CC, «o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor». Recairá, pois, em princípio, sobre o médico a obrigação de indemnizar os prejuízos causados ao seu doente ou paciente (art.º 566.º e ss. do CC).

Obrigação indemnizatória essa em cuja quantificação não pode, ademais, prescindir-se da respectiva vertente sancionatória.
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8. Necessidade de ampliação da matéria de facto (art.º 729.º, n.º 3, do CPC - 1.º segmento).
Em princípio, o Supremo Tribunal de Justiça limita-se a aplicar «definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido» (art.º 729.º, n.º 1, do CPC). Isto porque «a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo em sede de recurso de revista (seja «por erro na apreciação das provas», seja na fixação dos factos materiais da causa), salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do art.º 722.º (violação de qualquer norma de direito probatório material) - art.º 729.º, n.º 2, do CPC.
O processo só volta ao tribunal recorrido em duas situações: a)- quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito»; b)- quando o Supremo entenda que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito» (art.º 729.º, n.º 3, do CPC).
Na hipótese vertente – adianta-se desde já - verifica-se a situação contemplada na alínea a) citada: a decisão de facto pode/deve ser ampliada, já que existem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta «relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito»; daí que - sem pôr em causa os poderes soberanos das instâncias em sede factual, designadamente o não uso (pela Relação) dos seus poderes de modificação/alteração da matéria de facto nas diversas hipóteses contempladas no art.º 712.º do CPC –, este Supremo deva oficiosamente ordenar essa baixa para os fins propostos.
Na verdade, ao fundamentar a matéria da (falta de) imputabilidade do evento a título de culpa ou negligência, começa a Relação por concluir que «da matéria de facto provada, não pode imputar-se ao 1.º réu qualquer comportamento culposo ou negligente, nem qualquer omissão que revista estas características» (sic). Para logo de seguida obtemperar que «também a matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para se poder inferir do comportamento da 2.ª Ré uma tal conduta culposa, uma vez que não se pode determinar que, perante as circunstâncias do caso concreto, a 2.ª Ré devia e podia ter actuado de modo diferente, que o seu comportamento foi censurável e que actuou com violação das regras da arte médica» (igualmente sic).
Ora, há que apurar (sempre dentro da matéria de facto alegada e com respeito pelos poderes-deveres dos art.ºs 264.º e 265.º do CPC) os factos tradutores da putativa observância das leges artis, tal como as instâncias concluíram, ou da falta dela, como os recorrentes sustentam. Desde logo, se a Ré era uma médica especialista em obstetrícia e qual o seu grau de experiência anterior em matéria de partos.
Para afastar o nexo de causalidade entre o acto médico de obstetrícia praticado pela Ré DD e o subsequente evento danoso (morte do recém-nascido) basearam-se as instâncias nas respostas negativas aos quesitos 14.º e 15.º, com a seguinte redacção: «…
14.º- A aplicação intempestiva da ventosa no recém-nascido causou laceração da sutura mediana dos ossos da calote craniana e consequente hemorragia?
15.º- O que lhe causou sofrimento e da qual adveio a morte?» …
As estas interrogações constantes da base instrutória respondeu negativamente o tribunal de 1.ª instância, tendo o tribunal da Relação mantido incólume o sentido dessas respostas.
Mas, o que se perguntava em ambos esses quesitos, entre si interligados, era, tão-somente, se as consequências danosas em apreço haviam sido causadas pela aplicação intempestiva (no sentido de imprevista, prematura, súbita, inoportuna ou extemporânea) da ventosa. Não podem, por isso, essas respostas negativas autorizar a exclusão da produção do evento como resultado de uma outra qualquer actuação, quiçá de natureza imperita, descuidada, inconsiderada, inapropriada, não destra ou anómala por banda da médica Ré.
Não vem, de resto, esclarecido, com um mínimo de clarividência, o iter-causal naturalístico da produção das sequelas danosas descritas no relatório anatomopatológico referenciado na alínea D) do elenco factual, bem como se tais lesões foram ou não causa necessária da morte «neo-natal precoce» do recém-nascido filho dos AA, ora recorrentes.
Nem tão-pouco se as lesões descritas no relatório anatomo-patológico supra-referido poderiam ter sido (ou foram) provocadas por uma qualquer outra intervenção humana dentro do período que mediou entre o início das actividades de parto da A. e o momento do decesso do recém-nascido.
Em suma: perante tal factualidade, ficamos sem saber quais as reais causas ou concausas da morte do recém-nascido em apreço. Isto, sem perder de vista que o art.º 563.º do CC consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus­-Lehman (cfr., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 27-1-2005, Proc. 05B2286,7.ª Sec., de 20-6-2006 – 1.ª Sec., in CJSTJ, Tomo II/2006, p. 119 e de 18-5-2006, in CJSTJ, Tomo II/2006, p. 95).
Segundo tal doutrina, a inadequação de uma dada conduta para um determinado resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, tendo este ocorrido apenas por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. Se a lesão tiver provindo de um facto ilícito culposo (contratual ou extracontratual), deve, em ambos os domínios, entender-se que o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação do dano. Assim, a responsabilidade por facto ilícito culposo não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha, só por si, determinado o resultado, pelo que qualquer condição que interfira no processo sequencial (causal) dos factos conducentes à lesão, e que não seja de todo em todo indiferente à produção do dano, segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado.
A actuação da Ré DD (nos precisos termos em que se traduziu) em nada contribuiu para a produção do evento letal? Este só se produziu por virtude de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias de todo imprevistas e imprevisíveis? Em caso afirmativo, quais? Ou tal actuação pode, em certa medida, ter sido desencadeadora da produção do dano e, em caso afirmativo, em que grau ou percentagem?
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9. Só depois da proposta indagação, tais factos poderão vir a constituir base suficiente para uma criteriosa decisão de direito, devendo, seguidamente, o pleito ser novamente julgado em harmonia com o regime jurídico supra-enunciado, se possível pelos mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento (cfr. o n.º 3 do art.º 730.º, do CPC).
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10. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- revogar (ainda que por diferentes fundamentos) o acórdão recorrido;
- ordenar a baixa dos autos ao tribunal da Relação para que seja providenciado pela ampliação da matéria de facto nos termos e dentro dos parâmetros sobreditos.
Custas em razão do valor da sucumbência, segundo o critério que vier ser seguido a final.

Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 7 de Outubro de 2010.

Ferreira de Almeida (Relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar