Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4891/11.1TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE
JUSTA CAUSA
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER DE LEALDADE
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DO RECURSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE SANÁVEL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES - SOCIEDADES COMERCIAIS / SOCIEDADES POR QUOTAS / GERENTES DA SOCIEDADE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 694.
- Baptista Machado, «Pressupostos da Resolução por Incumprimento», Obra Dispersa.
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 161.
- Heinrich E. Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 284 e ss..
- J. Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, 59 e 60.
- Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 111 e 320 e ss..
- Menezes Cordeiro, A Boa Fé no Código Civil, II, 1020; Manual de Direito do Trabalho, 1991, 819.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo C.P.C., 1997, 578 e ss..
- P. Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, 4.ª ed., Vol. I, 298.
- Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Polic., Coimbra, 1983, 108 e ss..
- Vaz Serra, in R.L.J., 110.º-232.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 799.º, N.º 1.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, 257.º, N.ºS 1, 3, 6 E 7.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 149.º, 195.º, 199.º, 607.º, N.º 3, 608.º, 609.º, 615.º, N.º 1, ALS. B) E D), 631.º, 633.º, 665.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL E JUSTIÇA:

-DE 03/05/1990, IN B.M.J. 397.º- 407.
-DE 20/04/1994, IN B.M.J., 436.º- 299.
-DE 14/02/1995, PROCESSO N.º 086242, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 09/05/1996, IN C.J./S.T.J., 2.º- 55.
-DE 18/06/1996, PROCESSO N.º 96A102.
-DE 27/11/1997, PROCESSO N.º 97B284.
-DE 24/02/1999, IN B.M.J. 484.º- 246.
-DE 27/04/2004, PROCESSO N.º 04A1060; 20/05/2004, PROCESSO N.º 04B281; 01/01/2007, PROCESSO N.º 05S4319; 12/07/2011, PROCESSO N.º 129/07.4TBPST.S1; 23/11/2011, PROCESSO N.º 644/08.2TBVFR.P1.S1; DE 26/04/2012, PROCESSO N.º 289/10.7TBPTB.G1.S1; 10/10/2012, PROCESSO N.º 1999/11.7TBGMR.G1.S1; DE 06/12/2012, PROCESSO N.º 469/11.8TJPRT.P1.S1 (V., AINDA, O DE 29/05/2014, PROCESSO N.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1); 21/03/2013, PROCESSO N.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1; 17/06/2014, PROCESSO N.º 233/2000.C2.S1; DE 12/09/2013, PROCESSO N.º 239/09.3TBVRS.E1.S1.
-DE 15/05/2013, PROCESSO N.º 1686/10.3TBFLG1.G1.S1 E, NO MESMO SENTIDO, CF., P. EX., DE 30/09/2014, PROCESSO N.º 1195/08.0TYLSB,L1.S1, 11/07/2006, PROCESSO N.º 06B988, 02/02/2006, PROCESSO N.º 05B2682, 09/12/1999, PROCESSO N.º 99B868, 27/10/1994, PROCESSO N.º 085751, 14/01/1993, PROCESSO N.º 082578.
-DE 29/01/2014, PROCESSO N.º 548/06.3TBARC.P1.S1.
-DE 17/11/2015.
Sumário :


I - A inobservância pela Relação da formalidade processual imposta pelo art. 665.º, n.º 3, do CPC, podendo influir na decisão da causa, importa apenas a nulidade processual prevista no art. 195.º do CPC, não qualquer das nulidades (de sentença ou acórdão) previstas no art. 615.º do CPC, pelo que deve considerar-se sanada quando arguida apenas nas alegações do recurso de revista, por não respeitar a vício do acórdão recorrido ou de qualquer acto processual sobre o qual os recorrentes tivessem reclamado – no prazo de 10 dias (arts. 149.º e 199.º do CPC) e no tribunal em que teria sido cometida, para nele ser julgada – e tivessem visto indeferida a sua reclamação.
II - Se não for absoluta a falta de fundamentação, o acórdão da Relação não enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quanto à condenação, não apenas da sociedade, mas também, solidariamente, dos respectivos sócios, ainda que o discurso nele adoptado não seja perfeitamente inteligível, por ausência cabal da explicação da razão por que estes foram condenados.
III - A sentença de 1.ª instância incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer da nela invocada nulidade da deliberação de destituição, advinda da putativa irregularidade da convocação da assembleia em que a mesma fora tomada, questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não tinha sido suscitada pelo autor – que não apresentara qualquer pretensão (admitida) nesse sentido – nem, aliás, se compatibilizava, substancialmente, com o pedido pelo mesmo formulado na acção.
IV - A sentença de 1.ª instância não transitou em julgado quanto ao considerando de não se terem provado factos consubstanciadores de justa causa para a destituição do autor da gerência, quando tal ilação não constituiu uma premissa da parte decisória daquela, nem com ela teve qualquer conexão, porquanto, a final, os réus foram absolvidos do pedido por se ter considerado nula a deliberação e não haver destituição. Por outro lado, os réus não poderiam ter apelado da sentença, independente ou subordinadamente. Assim, a Relação não poderia deixar de verificar se se preencheria, ou não, o pressuposto concernente à existência de tal justa causa, invocado pela ré sociedade e impeditivo do direito exercido pelo autor.
V - O conceito de “justa causa” preconizada no n.º 6 do art. 257.º do CSC, para o efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que, quebrando gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, revelem não ser justo exigir que a sociedade mantenha a relação contratual vinculante de gerência, ou seja, que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício.
VI - Diferentemente do que sucede no âmbito disciplinar ou laboral, p. ex., não existe no direito comercial uma regulamentação procedimental geral ou especial da defesa contra deliberações tomadas ou a tomar por órgão colegial, a exigir uma espécie de “nota de culpa” que “fixe” os factos atendíveis na acção: à apreciação da questão da justa causa interessam os factos trazidos ao processo e neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, mas apenas inseríveis, em termos genéricos, nas perspectivas abrangentes das razões dessa deliberação.
VII - Mesmo que assim não se entendesse, haveria que ponderar que os factos apurados revelam, para além do mais, a utilização abusiva pelo autor de bens da sociedade em seu próprio proveito, consubstanciadora de violação de deveres de diligência e de lealdade, previstos no art. 64.º do CSC, com especial ênfase para a violação do dever de lealdade, indissociável do princípio de confiança, quer perante a sociedade, quer perante os outros sócios. Por isso, teríamos de reconhecer que a invocação pelo autor do seu pretenso direito indemnizatório, fundado na destituição, sempre seria abusiva e, consequentemente, ineficaz, ao abrigo do art. 334.º do CC, porque é “uma exigência injustificada”, a que subjaz um “comportamento desleal”, é, enfim, uma conduta que, manifesta e intoleravelmente, abusa daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, bem como tripudia a função instrumental própria do direito exercido e a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular.     

          

           

Decisão Texto Integral:
                                                                                             

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
           


AA propôs esta acção contra 1) BB, 2) CC e 3) DD, LDA, alegando, em síntese: é um dos sócios da sociedade R, da qual foi o único gerente entre Outubro de 2007 e Outubro de 2011, altura em que foi destituído sem justa causa, por deliberação de uma assembleia para a qual não foi convocado e na qual não esteve presente e de cuja acta constam apenas conclusões jurídicas e não os factos que fundamentaram essa sua destituição; os 1º e 2º RR passaram a gerir a sociedade, impediram o A de lá entrar e conseguiram registar a sua destituição com base em tal deliberação, apesar de saberem que o mesmo não havia sido convocado para a assembleia; o A deixou de receber a sua remuneração, com a qual assegurava os gastos do seu agregado familiar, não tendo outros rendimentos.
Com tais fundamentos, pediu que os RR sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente, a indemnização de € 123.573,12, acrescida dos juros legais desde a citação, correspondente a quatro anos de salários.

Os RR contestaram, invocando a ilegitimidade dos 1º e 2º RR e alegando que a destituição do A foi fundamentada nos factos que descrevem.

Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os RR do pedido porque «sendo a deliberação nula e não há destituição e o A mantém-se como gerente da sociedade, não tendo direito à indemnização pedida com fundamento na destituição sem justa causa, sem prejuízo de ter direito a ser indemnizado pela falta de pagamento da remuneração devida por força da sua manutenção como gerente da sociedade» (sic).

A Relação do Porto, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo A, condenou os RR, solidariamente, a pagar ao A a quantia de € 123.573,12, acrescida de juros.

Os RR interpuseram recurso de revista dessa decisão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões:
 I. (…).
II. O Acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista no art. 615°, nº 1, al. b) e nº 4 e art. 607°, nº 3 do CPC ex vi art. 666°, nº 1 todos do CPC ou outra que, ex officio, se repute subsumível à total e absoluta omissão dos fundamentos de facto e de direito, bem como o percurso lógico-racional, subjacentes à decisão de condenação, e ainda por cima solidária, dos Recorrentes BB e CC no pagamento da indemnização arbitrada;
III. Sem prescindir, e caso se conclua pela não verificação da nulidade do Acórdão recorrido referida na conclusão anterior, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se verifica erro de julgamento e que adiante, nesta conclusões, se especificará em maior detalhe.
IV. O Acórdão Recorrido omitiu acto prescrito pela lei conquanto, tendo decidido, como decidiu, considerar nula a decisão de primeira instância e, por esse motivo, conhecer de todas as questões que ao tribunal de primeira instância era lícito conhecer, não ordenou a notificação das partes nos termos do disposto no art. 665°, nº 3 do CPC; 
V. Tal omissão tinha, como teve, manifesta influência na discussão da causa tanto mais que a decisão de primeira instância nem sequer havia abordado ou conhecido da atribuição e liquidação da indemnização, respectivo montante e, bem assim, dos responsáveis pelo seu pagamento e respectivo regime de exigibilidade (solidariedade ou conjunção), para além de que sempre poderiam os Recorrentes pugnar, como pugnam, pela inexistência de nulidade da decisão de primeira instância por excesso de pronúncia, o que fere a decisão recorrida de nulidade secundária e que é passível de ser invocada, como é, nas alegações de recurso, tudo à luz do disposto no art. 665°, nº 3 e 195° do CPC.
VI. Sem prescindir, salvo diferente e melhor entendimento, não se verificava excesso de pronúncia da decisão de primeira instância, o que se invoca para todos os efeitos legais, na medida em que a questão da nulidade foi trazida aos autos pelo próprio Recorrido discordando-se, portanto, da decisão recorrida quanto à verificação de nulidade da decisão por excesso de pronúncia, daí, também, o presente recurso.
VII. Por outro lado, não se acompanha a decisão recorrida quando determina que a questão de direito quanto à existência ou inexistência de justa causa transitou em julgado, daí, também, o presente recurso.
VIII. O dispositivo da sentença revogada conheceu do pedido (único, aliás) deduzido pelo Recorrido, o qual, como se sabe, era o seguinte: "Termos em que a presente acção deve ser julgada provada e procedente e por vai dela os RR condenados a, solidariamente, pagarem ao A a quantia de € 123.573,12, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento" e não distingue fundamentos ou causas de pedir, julgando improcedente o único pedido formulado nos autos, que era o da indemnização (e o de litigância de má fé).
IX. Com efeito foi a inexistência de factos constitutivos do direito invocado que vaticinou a acção dos autos à total improcedência do pedido em primeira instância, sendo totalmente irrelevantes todas as questões posteriores que houvessem a ser tratadas, designadamente, do preenchimento dos restantes pressupostos da responsabilidade civil dos Recorrentes e, até, do abuso de direito invocado pelos ora Recorrentes na sua defesa.
X. O objecto da apelação referia-se ao preenchimento dos requisitos de que depende a responsabilidade civil dos Recorrentes, tendo estes, na sua resposta à apelação, onde também se pretendia a condenação daqueles como litigantes de má fé, mantido e reiterado a invocação da justa causa de destituição na medida em que ficaram demonstradas uma série de irregularidades praticas pelo Autor no exercício da gerência.
XI. Ora, para os Recorrentes manteve-se sempre a questão da existência de justa causa, nunca se tendo conformado com a inexistência da mesma, ainda que tenham saído absolvidos da acção contra eles intentada.
XII. Salvo diferente e melhor entendimento, o que o Autor, ora Recorrido, delimitou como objecto das suas alegações foi o preenchimento de todos os pressupostos do instituto jurídico da responsabilidade civil, da nulidade ou da anulabilidade pretendendo retirar a correspectiva obrigação de indemnização, não tendo impugnado a matéria de facto.
XIII. Os Recorrentes tendo sido absolvidos do pedido original (e único) e do pedido de litigância de má fé sem que, no dispositivo da sentença, se tivesse declarado procedente qualquer fundamento da acção contra estes proposta, e tendo o objecto do recurso interposto de seguida abrangido todos os pressupostos da responsabilidade civil atentos os factos provados, e tendo os ora Recorrentes, na sua resposta, pugnado pela verificação da justa causa de destituição, sempre poderiam esperar, como esperavam, que o Tribunal da Relação construísse a sua própria convicção de direito quanto aos factos provados e relativamente a todos os pressupostos de um eventual direito de indemnização o que não sucedeu de todo na medida em que conheceram apenas da questão da nulidade que nunca foi fundamento da defesa dos Recorrentes.
XIV. A matéria de facto provada sob os pontos J), K), AB), AC), AD), AE), AN), AO) e AP) demonstra a existência de justa causa de destituição do Recorrido, na medida em que tendo este retirado montantes em dinheiro de contas bancárias da Recorrente sociedade em benefício das suas próprias contas bancárias, tendo celebrado acordos de cessação de contrato de trabalho em manifesto conflito de interesses com a sociedade que representava e obrigava, tendo mandado instalar na sua casa produtos realizados com materiais comprados e transformados pela sociedade recorrente que apenas foram facturados após a sua saída da gerência violou os deveres contratuais a que se obrigou ocorrendo efectiva justa causa para a sua destituição pelo que sempre deveriam os Recorrentes ser absolvidos do pedido; 
XV. Sem prescindir, e ainda que se considere ter sido operada destituição sem justa causa, atenta a matéria de facto provada, não estão preenchidos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar pelo que devem os Recorrentes ser absolvidos do pedido, ainda que se admita que tal possa ocorrer por razões distintas.
XVI. O Recorrido peticionou nestes autos a indemnização à luz do disposto no art. 257°, nº 7 do CSC, a qual está prevista para a responsabilidade contratual da sociedade comercial em relação ao destituído, aqui Recorrido;
XVII. Entre os Recorrentes pessoas singulares e o Recorrido, inexiste qualquer relação contratual pelo que, tão pouco, poderá existir fundamento jurídico que determine a condenação daqueles no pagamento de uma qualquer obrigação de indemnizar.
XVIII. Ou seja, peticionando o Recorrido nestes autos as remunerações que deveria receber durante 4 (anos) anos nos termos do disposto no art. 257°, nº do CSC será potencialmente devedor das mesmas (e não é conforme vemos e veremos infra) a sociedade Recorrente e nunca os seus sócios aqui recorrentes.
XIX. Tão pouco podem os Recorrentes pessoas singulares ser solidariamente responsáveis pelo pagamento de uma indemnização nestes termos na medida em que tal não resulta da lei, nem da convenção das partes (vide art. 513° do CC) pelo que sempre terão de ser absolvidos do pedido;
XX. Inexistindo justa causa para a cessação da relação contratual de mandato entre a sociedade Recorrente e o Recorrido mantém-se com plena aplicação as regras gerais de direito no que concerne à fixação da indemnização apenas com a ressalva do limite máximo previsto no art. 257.°, nº 7 do CSC, não existindo, porém, nos autos prova de quaisquer danos ou, no limite, de danos no montante arbitrado de € 123.573,12; 
XXI. O Recorrido não logrou demonstrar facto determinante e essencial cuja prova a si competia em exclusivo (art. 342°, nº 1 CC), designadamente a inexistência de outra fonte de rendimento conforme alegou, nem tão pouco alegou ou demonstrou a impossibilidade de exercer actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.
XXII. Não tendo o Recorrido feito prova de que se encontrava desempregado, por maioria de razão, não logrou fazer prova de que não teve oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional, e, salvo diferente e melhor entendimento, sem esta demonstração inequívoca inexiste obrigação de indemnização.
XXIII. O Recorrido limitou-se a invocar a perda da remuneração, não alegando, nem demonstrando que a perda desta retribuição é actual ou, até, que se vai prolongar no futuro e não o tendo demonstrado bom está de ver que não lhe assiste qualquer indemnização, e, por cautela de patrocínio, muito menos lhe poderá assistir o máximo legal previsto para esta indemnização dado que raciocinando no âmbito dos danos futuros, a ser devida alguma indemnização (que não é mas se coloca por mera hipótese de raciocínio), sempre o seu cálculo deveria ser efectuado à luz do disposto no art. 564°, nº 2 do CC, o que não sucedeu.
XXIV. Para além disso, a circunstância de o Recorrido vir peticionar a indemnização dos autos e considerando, por hipótese remota de raciocínio, que a ela terá virtualmente direito na medida em que a Recorrente sociedade (e os Recorrentes pessoas singulares indevidamente condenados) não demonstrou a existência de justa causa de destituição, sempre se dirá que exerce tal direito em abuso de direito à luz do disposto no art. 334° do CC, excedendo, manifestamente, os limites da boa fé, dos bons costumes e dos fins da norma habilitante.
 XXV. Tal abuso de direito decorre, desde logo, da matéria de facto provada sob os pontos J), K), AB), AC), AD), AE), AN), AO) e AP) que traduz um comportamento que não se coaduna com a boa fé contratual (art. 762° do CC) violando-a e desvirtuando os fins a que se destina a indemnização prevista no art. 257°, nº 7 do CSC, pelo que, também, por aqui deve considerar-se ilegítimo o exercício do direito de que se arroga o Recorrido, podendo e devendo os Recorrentes ser absolvidos do pedido.
LEGISLAÇÃO VIOLADA
Com o seu entendimento, violou o Tribunal a quo, entre outras, as seguintes normas legais: arts. 195°, 607°, 615°, nº 1 al. b) e nº 4, 665°, nº 3 e 666° todos do Código de Processo Civil; art. 257°, nº 7 do Código das Sociedades Comerciais e arts. 334°, 405°, 512°, 513°, 562°, 563°, 564°, nº 2, 1157°, 799°, 762° todos do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência:
• ser julgada procedente a nulidade invocada ao abrigo da al. b) do art. 615° do CPC e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos para a respectiva reforma;
• caso assim se não entenda, deve ser julgada procedente a nulidade decorrente da violação do disposto no art. 665°, nº 3 e, em consequência, ser modificada a decisão recorrida em respeito daquele preceito legal com todas as consequência legais;
• em qualquer caso, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que absolva do pedido cada um dos Recorrentes..
*
A Relação considerou assente a seguinte factualidade:

A) Os réus BB e CC são sócios da sociedade DD, LDª.

B) O autor, desde Outubro de 2007, era o único gerente da sociedade DD, só ele a representando e obrigando.

C) No dia 17.10.11, foi elaborada uma acta da sociedade ré, da qual consta o seguinte:

“(…) reuniram em Assembleia geral extraordinária os sócios da firma DD, Indústria de caixilharia em DD, Lda (…) com a comparência de CC (…) BB (…) ausência de AA (…) “Assim sendo está estabelecido quórum, verificando-se a maioria do capital presente nessa Assembleia tendo rodos os sócios sido regularmente convocados para a mesma”; “Iniciados os trabalhos, tomou a palavra o sócio maioritário BB que entrou imediatamente na análise do ponto um da ordem de trabalhos. Deliberaram por unanimidade a destituição por justa causa do gerente actual, AA, por notarem designadamente a violação grave dos deveres e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções (artº 257º nº 6 do Código da sociedades Comerciais) consubstancia “ uma quebra de confiança por razões justificadas entre a sociedade representada pela assembleia geral e o gerente ». O nº 1 do citado artigo 257º “ os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição do gerente “ – estabelece o principio da livre revogabilidade por acto unilateral da sociedade da manutenção do mandato da gerência “ (…) A Assembleia nomeou para gerente o Senhor CC, que declara aceitar a sua nomeação”.

D) Os réus BB e CC, após a deliberação dita em C) ter sido tomada, passaram a gerir a sociedade ré.

E) E foi registada a nova gerência.

F) E, desde então, o autor não entrou na sociedade ré.

G) O autor auferia na sociedade ré um salário de € 2.202,65 por mês, acrescido de € 121,79 a título de subsídio de alimentação, e € 250,00 a título de gratificação.

H) Consta da certidão permanente com o código de acesso 5814-6270-2464, junta a fls. 13/21 dos autos, que o autor é detentor no capital da sociedade DD de duas quotas, sendo uma no valor nominal de € 1.000,00 e uma outra no valor nominal de € 29.000,00.

I) A fls. 213 dos autos encontra-se a cópia de um escrito no qual consta o seguinte:

 “À gerência da sociedade DD, Lda (…)

Santo Tirso, 29 de Setembro de 2011

Asunto: Convocatória Assembleia Geral extraordinária

Exmo Sr. EE

CC, BB, sócios da sociedade comercial DD (…) requerem V.E.xia se digne convocar Assembleia geral da já mencionada sociedade para o dia 17/10/2011, as 17.00h, na sede da empresa, com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1- destituição da actual gerência

Ponto 2- nomeação de nova gerência

Atentamente

(os sócios – CC e BB)”.

J) FF é irmão do autor.

K) GG é pai do autor.

L) No dia 03.10.01, os réus BB e CC compareceram na sede da sociedade ré.

M) Nessa data, o réu CC agrediu fisicamente o autor, com murros e pontapés.

N) Após essa data, os réus BB e CC continuaram na sede da sociedade ré, na qual vieram depois a instalar-se.

O) Aqueles réus passaram a contactar com os operários, alterando o sistema informático.

P) Os réus BB e CC queriam afastar o autor da gestão da sociedade ré.

Q) O autor e seu agregado familiar – companheira e dois filhos – viviam do salário que o autor auferia na dita sociedade.

R) À data do afastamento da sociedade, o autor tinha encargos mensais com o pagamento de prestações referentes ao pagamento de financiamentos bancários no montante de cerca de € 744,60.

S) E despesas com luz, água e telefone, em média, de € 125,00 por mês.

T) O autor e sua companheira gastam ainda € 165,00 mensais com o infantário de um dos filhos.

U) A que acrescem despesas mensais com alimentação, vestuário, calçado e despesas médicas de valor não concretamente apurado.

V) O autor recebe ajuda económica de familiares.

W) A sociedade ré tinha falta de liquidez para efectuar o pagamento a fornecedores.

X) E, por isso, os fornecedores da ré deixaram de abastecê-la.

Y) Em Setembro de 2011, o réu BB deslocou-se às instalações da ré.

Z) Em inícios de Outubro de 2011, os réus BB e CC deslocaram-se às instalações da sociedade ré, entraram nos escritórios da ré e tiveram acesso à contabilidade da mesma.

AA) Em inícios de Outubro de 2011, foram chamadas autoridades policiais às instalações da sociedade ré, quando os réus BB e CC lá se deslocaram.

AB) Existiam na sociedade ré orçamentos e notas de encomenda com menção “client potentiel”, nos quais era indicado como “comercial” o autor.

AC) E existiam guias de transporte anuladas.

AD) O autor mandou instalar na sua casa produtos realizados com materiais comprados e transformados pela sociedade ré.

AE) Após a saída do autor da sociedade ré foi emitida em nome daquele a factura nº ..., no valor de € 6.877,19.

AF) Todas as máquinas que se encontram nas instalações da ré estão ligadas através de rede informática e estão ligadas a um servidor.

AG) As referidas máquinas podem funcionar sem acesso ao sistema informático e podem ser carregados programas directamente para as mesmas.

AH) Os computadores afectos aos serviços administrativos sofreram um bloqueio.

AI) O que impediu os mesmos de funcionarem informaticamente.

AJ) A sociedade ré promoveu a reparação de tal sistema.

AK) Os réus negociaram com a HH o pagamento (parcial) da conta-corrente.

AL) A HH reiniciou o fornecimento de bens.

AM) No dia 11.10.11, o autor negociou com o trabalhador II a cessação do contrato de trabalho deste com a PVC e a respectiva indemnização.

AN) Foram efectuadas transferências para FF e GG com a menção “indemnização”, em 13 e 14 de Outubro de 2010.

AO) As quantias a que se reportam os documentos de fls. 171 a 190 e 191 e 192 dos autos foram depositadas na conta da CGD ..., de que o autor é titular.

AP) No dia 06.09.11, o autor transferiu a quantia de € 900,00 da conta bancária da sociedade ré na CCA para a conta com o ....

AQ) Os réus passaram a contactar com os operários e alteram todo o sistema informático, incluindo o das máquinas de produção.

AR) A produção foi interrompida.

AS) O autor não foi convocado para a assembleia geral indicada em C).


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Importa apreciar as questões enunciadas nas conclusões e decidir.

1. A nulidade secundária (arts. 665° nº 3 e 195° do CPC).
Entendem os recorrentes que a Relação, ao conhecer, em substituição da 1ª instância, de todas as questões que esta teria de conhecer, depois de declarar a nulidade da sentença, cometeu a nulidade secundária prevista nos arts. 195º e 665° nº 3 do CPC, passível de ser invocada nas alegações do recurso de revista, ao não ordenar a notificação das partes, nos termos desta última norma.
Neste ponto, o recurso é fruto de lapso manifesto: a inobservância da aludida formalidade processual, podendo influir na decisão da causa, importaria a nulidade processual prevista no art. 195º do CPC – como, aliás, os recorrentes reconhecem – só que, assim sucedendo, a nulidade advinda do desvio ao ritualismo processual imposto ficou sanada por não ter sido reclamada oportunamente, ou seja, no prazo imposto pelos arts. 149º e 199º do CPC (10 dias) e no Tribunal em que teria sido cometida, para nele ser julgada.
Na verdade, quando tal vício ocorrer, a parte interessada na observância da formalidade, deve arguir o referido vício perante o tribunal junto do qual foi cometida e que seria o competente para o suprir, sendo extemporânea a sua arguição apenas em alegações de recurso.
Os vícios atinentes aos desvios do formalismo processual, de índole formal, estão sujeitos ao regime previsto nos artigos 186º a 202º do CPC. Por isso, a arguição de alguma dessas nulidades, deve ser efectuada através de reclamação – ou de recurso, proferido sobre a decisão dessa reclamação –, não podendo, pois, servir de fundamento para recurso da decisão final, porque neste caso, só podem servir de fundamento ao recurso as nulidades (de sentença ou acórdão) previstas no art. 615º do mesmo código.
Como é sabido e é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, os recursos são meios de obter a reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso. E não ocorrendo em relação a essa particular questão, qualquer destas condições de excepção, tal vício, a ter existido, não poderia ser conhecido nem conduziria, nesta fase, ao resultado sugerido, porque o mesmo sempre teria de considerar-se sanado, conforme o exposto.
A nulidade arguida apenas nas alegações do recurso de revista deve considerar-se sanada, pois não respeitaria a vício do acórdão recorrido ou de qualquer acto processual sobre o qual os ora recorrentes tivessem reclamado e tivessem visto indeferida a sua reclamação.

2. A nulidade do acórdão recorrido (arts. 615°, nº 1, al. b) e 607° nº 3 do CPC).
Os recorrentes assacam o aludido vício à decisão recorrida, alegando que a mesma é absolutamente omissa quanto aos fundamentos de facto e de direito, bem como ao percurso lógico-racional, conducentes à decisão de condenação, para mais solidária, dos 1º e 2º RR (pessoas singulares), fazendo, ainda, alusão ao comando processual (art. 607° nº 3 do CPC) ordenador dos termos que devem ser observados na formulação da sentença: «Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final».
À luz do disposto no art. 615º, nº 1 b), do CPC, a decisão é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
Importa lembrar, em primeiro lugar, que as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável. Nada tem a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada. Poder-se-á discordar da decisão, como, aliás, os recorrentes demonstram ser o caso, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais nulidades não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Em segundo lugar, como vem sendo consensualmente entendido, a lei só considera nulidade a falta absoluta de fundamentação, ou seja, a sua ausência completa e não a meramente deficiente ou, até, medíocre ou errada.
Ora, constata-se que a decisão, com a invocação do disposto no art. 257º nº 7 do CSC, foi fundamentada nos prejuízos tidos por sofridos pelo A por ter sido destituído da gerência da 3ª R, sem justa causa, depois de se reputar de transitada em julgado a alusão feita em 1ª instância à inexistência de tal justa causa. Por isso, nesse raciocínio, a dita condenação dos 1º e 2º RR resultou, necessariamente, de se terem considerado bastantes para a mesma os únicos factos em que pode assentar o assim decidido [cf. pontos C) a F) e AQ)], que espelham a contribuição de tais RR, enquanto sócios da sociedade, para a formação da vontade desta e sua posterior concretização, quanto à destituição referida.
É certo que, com esta tentativa de perscrutar o percurso lógico-racional subjacente à decisão recorrida de condenação (solidária) dos 1º e 2º RR no pagamento da indemnização arbitrada em favor do A, estamos reconhecer – parafraseando o teor da própria decisão – que o discurso nela adoptado não é perfeitamente inteligível, por ausência cabal da explicação da razão por que se decidiu de tal maneira. Mas, ainda assim, não sendo absoluta a falta de fundamentação, a censurada decisão não enferma do vício que lhe é imputado.
E assim é mesmo que se acompanhe a argumentação aduzida no recurso no sentido de que a pretensão, e seu subsequente reconhecimento, à responsabilização dos 1º e 2º RR apenas poderia ter sido estruturada na eventual responsabilidade extracontratual dos mesmos e não na reparação dos prejuízos previstos no citado art. 257º nº 7 e advindos da violação dum contrato (sinalagmático) de administração – ou de prestação de serviços – celebrado entre o A e a sociedade e a cujo cumprimento apenas esta estava adstrita e não os seus sócios ([1]). Porém, bem vistas as coisas e como dissemos, não pode confundir-se o assacado erro de procedimento, ou vício formal do acórdão, com o imputado erro de julgamento relativo aos fundamentos invocados na decisão, em que, no alvitre dos recorrentes, o Tribunal teria incorrido e com que não se conformam: as eventuais razões para essa sua discordância apenas relevariam em sede do (também assacado) erro na apreciação da matéria de direito.

3. A decisão sobre o excesso de pronúncia imputado à sentença.
Segundo os recorrentes, não se verificaria o excesso de pronúncia da decisão de primeira instância, quanto à declaração da nulidade da deliberação de destituição do A da gerência, porque essa questão fora trazida aos autos pelo próprio Recorrido.
Também neste ponto os recorrentes não têm razão.
Nos termos do art. 615º, nº 1 d), do CPC, a decisão é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como tal, a nulidade consistente no excesso de pronúncia, que anda a par com o desrespeito pelo objeto do processo – em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º do CPC –, verifica-se quando o tribunal se pronuncia sobre questões ou pretensões que não devesse apreciar e cuja apreciação não lhe foi colocada.
Com efeito, a expressão «questões» prende-se, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, mas, de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Em suma, a previsão da citada al. d) prende-se com o incumprimento do dever (prescrito no art. 608º, nº 2, do CPC) de não se ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, no caso em apreço, é evidente que, como a Relação demonstrou, não seria de conhecimento oficioso a alegada nulidade da deliberação de destituição invocada na decisão de 1ª instância e advinda da putativa irregularidade da convocação da assembleia em que a mesma fora tomada. Por outro lado, é ainda menos incontroverso que, tal como o objecto do processo se veio a fixar definitivamente, o A não só não manifestou a pretensão de ver declarada tal nulidade, como seria com ela substancialmente incompatível a única pretensão por ele formulada e subsistente nos autos, a de ser ressarcido, ao abrigo do disposto no art. 257º nº 7 do CSC, pelos prejuízos por ele sofridos em consequência de ter sido tomada tal deliberação de destituição da gerência da 3ª R, sem justa causa. E, se o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (arts. 5º e 608º do CPC), é em face do objecto da acção que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.

4. O trânsito em julgado da decisão sobre a inexistência de justa causa para a destituição do A.

É certo que, como se sabe, embora sobre a questão da exacta delimitação dos limites objectivos do caso julgado se manifestem posições não inteiramente convergentes, tem sido admitido que «os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado» ([2]).

«Os limites objectivos do caso julgado situam-se no segmento decisório da sentença. Mas sendo esta a conclusão do silogismo judiciário terão de ser ponderadas as premissas, como antecedente lógico do referido segmento, e se absolutamente determinantes (desde que não se traduzam, apenas em meros argumentos de exegese jurídica ou de exposição doutrinária) é-lhes conferida a força de “res judicata”. Como antecedente lógico da “leitura” da parte decisória, há que proceder à respectiva interpretação, o que implica seguir o “iter” que conduziu à conclusão encontrada e que contem pressupostos dados por assentes a constituírem a fundamentação.» ([3]).
«O caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença, o que adquire, em regra, força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz em relação aos bens ou direitos materiais litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para tais bens ou direitos. Fora do âmbito do caso julgado ficam, portanto, os puros temas jurídicos – interpretação ou aplicação de textos legais –, já que sobre eles nunca se forma o caso julgado, o qual se destina a evitar a contradição prática de decisões e não a sua colisão teórica, que é prevenida ou remediada por outros institutos processuais([4]).

Assim, vem sendo entendido sistematicamente pela jurisprudência que o caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, ou seja, «à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada. Efectivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – precisamente os fundamentos – e aos quais se refere» ([5]).

Também na doutrina, na esteira do entendimento expresso por Vaz Serra (RLJ 110º-232), Manuel Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pp. 111 e 320 e ss ([6])) ou Castro Mendes ([7]), defende Miguel Teixeira de Sousa:

«(…) como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.». «(…) o caso julgado também possui um valor enunciativo: essa eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada» ([8]).

Entendemos, pelo exposto, que os considerandos decisórios conducentes ao dispositivo da sentença proferida poderão estar, ou não, abrangidos pelo caso julgado, consoante o sentido e o alcance que a interpretação de tal decisão lhes fixe. Todavia, como se disse, a força de “res judicata” só é conferida ao conteúdo da decisão sobre as questões ou pretensões suscitadas e às respectivas premissas, se absolutamente determinantes, nunca aos puros temas jurídicos – interpretação ou aplicação de textos legais – que, por consequência, ficam fora do âmbito (e da protecção) do caso julgado.
Na sentença proferida em 1ª instância nestes autos, sem qualquer análise ou, sequer, referência aos factos provados – designadamente aos acima enunciados nos itens J), K), AB) a AE) e AN a AP) – concluíra-se, sem mais: «No caso em apreço não há qualquer dúvida que a ré sociedade não logrou provar factos que consubstanciem justa causa para a destituição do autor da sua gerência». Contudo, dessa categórica asseveração, a Sra. Juíza não partiu para a análise dos demais pressupostos ou efeitos invocados pelo A para o exercido direito baseado na destituição sem tal justa causa. Ao invés, seguiu o trilho inverso ao aberto por tal “nua” conclusão e, como acima se relatou, sentenciou a absolvição dos RR de tal pedido, não, obviamente, por inexistir justa causa para tal destituição, mas, justamente, por considerar não haver destituição, dado ser nula a deliberação respectiva.

Ora, por um lado, a ilação jurídica sobre a não demonstração de factos que pudessem consubstanciar justa causa para a destituição do A nunca poderia ser assumida como premissa da sentença de 1ª instância, rectius, da parte decisória desta, propriamente dita. Por outro lado, não poderiam os ora recorrentes ter apelado daquela sentença, independente ou subordinadamente (cf. arts. 631º e 633º do CPC).

Por conseguinte, a sentença não transitou em julgado quanto à interpretação que nela se fez, aplicada ao caso concreto, do citado art. 257º nº 7, sem qualquer conexão com o seu segmento decisório.
Assim sendo, têm razão os recorrentes, pois a Relação, depois de ponderar não caber à 1ª instância conhecer daquela nulidade da deliberação, não poderia deixar de verificar se se preencheria, ou não, o pressuposto invocado pela R sociedade, impeditivo do direito exercido pelo A e concernente à existência de tal justa causa para a destituição. E, no entanto, o Tribunal recorrido escusou-se a essa apreciação com a singela afirmação: «Na sentença recorrida, já se concluiu que os réus não lograram fazer prova da existência de justa causa, tendo a sentença transitado em julgado nesta parte, pelo que não é necessário fazer mais considerações sobre o assunto».

5. A justa causa para a destituição do A e o abuso de direito.
O A sustentou ter sido destituído sem justa causa e, daí, o ter deduzido pedido indemnizatório pelos prejuízos resultantes de tal deliberação. Diferentemente, os recorrentes entendem, com base nos factos apurados, que deve soçobrar a referida pretensão ressarcitória porque houve justa causa para a destituição daquele.
Decorre do nº 1 do já referenciado artigo 257º o princípio da livre destituibilidade do gerente pelos sócios, sem prejuízo de, em certos casos, o gerente destituído ter direito a indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência de tal deliberação, como é o de esta ter sido tomada sem justa causa (nº 7 do mesmo artigo).
Nos termos do nº 6, ainda, daquele artigo, «Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções».
Este normativo, embora se esquive a fornecer uma definição, com rigor, do conceito de “justa causa”, oferece, genericamente, dois exemplos dele, relevando, como tal e para o que ora nos interessa, o alusivo à «violação grave dos deveres do gerente».
Estamos, pois, perante um conceito indeterminado, a que o nosso ordenamento jurídico recorre múltiplas vezes e a que atribui importância decisiva. Assim, sendo indeterminado, sem um conteúdo preciso, o conceito de justa causa não é susceptível de aplicação automática, por supor o seu preenchimento com valorações, que requer decisões dinâmicas e criativas que o facultem, como expendeu o Ac. deste Tribunal de 14-02-1995 ([9]).
Nesse aresto, foi também realçado o significativo avanço dado à elaboração do conceito de justa causa por Baptista Machado (“Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obra Dispersa”), ao deslocar esta questão para o campo da boa-fé, se bem que referenciada à problemática da exigibilidade ou inexigibilidade de certos comportamentos. Nessa óptica, será justa causa «qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual (…) aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a relação contratual».
Também Menezes Cordeiro deu particular ênfase à ideia de (in)exigibilidade à luz da boa fé (“A Boa Fé no Código Civil”, II, pp 1020 e ss).
Em suma, pode dizer-se que o conceito de justa causa, para este efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que impossibilitem a manutenção da relação contratual de gerência, por quebrarem gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, ou que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício. Existe justa causa para a destituição se não for justo exigir que a sociedade mantenha o contrato vinculante. «A “justa causa” preconizada no n.º 6 do art. 257.º do C.S.Comerciais pode definir-se como toda a ação praticada pelo gerente que merece a abominação generalizada dos demais associados e que, devido à reprobabilidade individual daquela sua conduta, faz desaparecer a habitual segurança e boa-fé que antes e até aí existia, deste modo tornando impraticável a prossecução desta habitual ligação funcional e, inexoravelmente, reclamada para uma fortalecida administração da sociedade» ([10]).

A invocação de justa causa assente em «violação grave dos deveres do gerente», supõe, naturalmente, a ilicitude dos imputados comportamentos e, por outro lado, por se tratar da violação do contrato celebrado entre o gerente e a sociedade, a censurabilidade, a título de culpa, de tais comportamentos ilícitos do gerente, deve presumir-se nos termos do artigo 799 nº 1 do CC.

Os recorrentes registam que ficaram demonstradas uma série de irregularidades praticadas pelo A no exercício da gerência, aludindo aos pontos J), K), AB) a AE) e AN a AP) dos factos assentes, dos quais se extrai, em síntese:
- Existiam na sociedade R orçamentos e notas de encomenda com menção “client potentiel”, nos quais era indicado como “comercial” o A e existiam guias de transporte anuladas;
- O A mandou instalar na sua casa produtos realizados com materiais comprados e transformados pela sociedade R e, após a sua saída, veio a ser emitida em seu nome uma factura no valor de € 6.877;
- Foram efectuadas transferências para o irmão e para o pai do A com a menção “indemnização”, em 13 e 14 de Outubro de 2010;
- Foram depositadas numa conta da CGD, de que o A é titular, as quantias a que se reportam os documentos de fls. 171 a 190 e 191 e 192 dos autos;
- No dia 06.09.2011, o A transferiu a quantia de € 900 da conta bancária da R sociedade na CCA para a conta com o NIB ....
Ora, os factos apurados revelam, para além do mais, utilização abusiva pelo A de bens da sociedade em seu próprio proveito, consubstanciadora de violação de deveres de diligência e de lealdade, previstos no art. 64º do CSC, com especial enfase para a violação do dever de lealdade, indissociável do princípio de confiança, quer perante a sociedade, quer perante os outros sócios: «O acautelar do interesse social não se confina apenas ao interesse societário tout court, ou seja, a uma actividade que vise lucros. A eticização do direito e da vida societária impõem uma actuação honesta, criteriosa e transparente compaginável com a tutela de terceiros que possam ser prejudicados pela actuação do ente societário através da actuação de quem delineia a sua estratégia e é responsável pela actuação da sociedade, o que convoca os princípios da actuação de boa fé, da confiança e a da proibição do abuso do direito» ([11]).
A apurada conduta do A é, pois, gravemente ilícita e culposa. Aliás, devendo atender-se na determinação da culpa ao que pode razoavelmente ser exigido de qualquer gerente dentro de um padrão de normalidade, o certo é que, no concreto contexto, a censurabilidade a título de culpa da violação dos seus deveres contratuais, sempre se presumiria, como já vimos.
Há, pois, razões ponderosas para se poder afirmar que, face à matéria apurada, a conduta do A tornou objectiva e subjectivamente inexigível a sua manutenção como gerente da R sociedade.

Segundo o A sustentou, a atendibilidade dos fundamentos fácticos invocados para a destituição do gerente devem constar da acta da respectiva deliberação, não podendo ser alegados apenas na acção judicial, sob pena de o destituído não se poder defender adequadamente.
Não tem sido esse o entendimento deste Tribunal. Realmente, diferentemente do que sucede no âmbito disciplinar ou laboral, p. ex., não existe no direito comercial uma regulamentação procedimental geral ou especial da defesa contra deliberações tomadas ou a tomar por órgão colegial ([12]), a exigir uma espécie de “nota de culpa” que “fixe” os factos atendíveis na acção: «Sendo certo que à apreciação da questão da existência ou não de justa causa interessam os factos trazidos ao processo e neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, embora insertos nas razões genéricas dessa deliberação» ([13]), pelo que «Os factos atendíveis para integração do conceito de justa causa são os comprovados no processo judicial em que o tema se discuta, inseríveis nas perspectivas abrangentes da deliberação questionada» ([14]).
Ora, no caso em apreço, na acta da assembleia geral da R sociedade de 17-10-2011 foram insertas, em termos genéricos, as perspectivas abrangentes das razões da deliberação de destituição aqui questionada, pois dela consta que os sócios presentes deliberaram a destituição por justa causa do A da gerência daquela «por notarem designadamente a violação grave dos deveres e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções (artº 257º nº 6 do Código da sociedades Comerciais) consubstancia “uma quebra de confiança por razões justificadas entre a sociedade representada pela assembleia geral e o gerente».

Ainda que pudesse ser acolhido o entendimento do recorrido, manteríamos a ideia da falta de fundamento da sua pretensão, se deslocada a análise desta para o campo da boa-fé, referenciada ao tema da exigibilidade ou inexigibilidade dos comportamentos, assim como o da proporcionalidade. Com efeito, a acrescer a todo o anterior arrazoado, ainda diremos, muito brevemente, que a invocação pelo A do seu pretenso direito fundado na destituição sempre seria abusiva e, consequentemente, ineficaz. Na verdade, essa destituição foi desencadeada, afinal, pela grave violação pelo próprio A dos seus deveres contratuais, em que sobressai a utilização abusiva de bens da sociedade em seu próprio proveito.
Realmente, o abuso de direito ([15]), previsto no art. 334º do CC ([16]), confronta-se, nomeadamente, com os conceitos da boa fé ([17]) e do fim social ou económico do direito ([18]), perante cujos conteúdos não pode deixar de se reconhecer que aquela invocação do A é “uma exigência injustificada”, a que subjaz um “comportamento desleal”, é, enfim, uma conduta que, manifesta e intoleravelmente, abusa «daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas» ([19]), bem como tripudia a função instrumental própria do direito exercido e a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular.

Posto isto, mostra-se claramente improcedente a pretensão indemnizatória do A, o que prejudica a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso e atinentes à averiguação dos demais pressupostos da obrigação de indemnizar, bem como à responsabilidade (solidária) por banda, também, dos 1º e 2º RR perante a mesma.

Tudo visto, procede o recurso.

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Síntese conclusiva.
1. A inobservância pela Relação da formalidade processual imposta pelo art. 665° nº 3 do CPC, podendo influir na decisão da causa, importa apenas a nulidade processual prevista no art. 195º do CPC, não qualquer das nulidades (de sentença ou acórdão) previstas no art. 615º do CPC, pelo que deve considerar-se sanada quando arguida apenas nas alegações do recurso de revista, por não respeitar a vício do acórdão recorrido ou de qualquer acto processual sobre o qual os recorrentes tivessem reclamado – no prazo de 10 dias (arts. 149º e 199º do CPC) e no Tribunal em que teria sido cometida, para nele ser julgada – e tivessem visto indeferida a sua reclamação.
2. Se não for absoluta a falta de fundamentação, o acórdão da Relação não enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1 b), do CPC, quanto à condenação, não apenas da sociedade, mas também, solidariamente, dos respectivos sócios, ainda que o discurso nele adoptado não seja perfeitamente inteligível, por ausência cabal da explicação da razão por que estes foram condenados.
3. A sentença de 1ª instância incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer da nela invocada nulidade da deliberação de destituição, advinda da putativa irregularidade da convocação da assembleia em que a mesma fora tomada, questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não tinha sido suscitada pelo A – que não apresentara qualquer pretensão (admitida) nesse sentido – nem, aliás, se compatibilizava, substancialmente, com o pedido pelo mesmo formulado na acção.
4. A sentença de 1ª instância não transitou em julgado quanto ao considerando de não se terem provado factos consubstanciadores de justa causa para a destituição do A da gerência, quando tal ilação não constituiu uma premissa da parte decisória daquela, nem com ela teve qualquer conexão, porquanto, a final, os RR foram absolvidos do pedido por se ter considerado nula a deliberação e não haver destituição. Por outro lado, os RR não poderiam ter apelado da sentença, independente ou subordinadamente. Assim, a Relação não poderia deixar de verificar se se preencheria, ou não, o pressuposto concernente à existência de tal justa causa, invocado pela R sociedade e impeditivo do direito exercido pelo A.
5. O conceito de “justa causa” preconizada no nº 6 do art. 257º do CSC, para o efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que, quebrando gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, revelem não ser justo exigir que a sociedade mantenha a relação contratual vinculante de gerência, ou seja, que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício.
6. Diferentemente do que sucede no âmbito disciplinar ou laboral, p. ex., não existe no direito comercial uma regulamentação procedimental geral ou especial da defesa contra deliberações tomadas ou a tomar por órgão colegial, a exigir uma espécie de “nota de culpa” que “fixe” os factos atendíveis na acção: à apreciação da questão da justa causa interessam os factos trazidos ao processo e neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, mas apenas inseríveis, em termos genéricos, nas perspectivas abrangentes das razões dessa deliberação.
7. Mesmo que assim não se entendesse, haveria que ponderar que os factos apurados revelam, para além do mais, a utilização abusiva pelo A de bens da sociedade em seu próprio proveito, consubstanciadora de violação de deveres de diligência e de lealdade, previstos no art. 64º do CSC, com especial enfase para a violação do dever de lealdade, indissociável do princípio de confiança, quer perante a sociedade, quer perante os outros sócios. Por isso, teríamos de reconhecer que a invocação pelo A do seu pretenso direito indemnizatório, fundado na destituição, sempre seria abusiva e, consequentemente, ineficaz, ao abrigo do art. 334º do CC, porque é “uma exigência injustificada”, a que subjaz um “comportamento desleal”, é, enfim, uma conduta que, manifesta e intoleravelmente, abusa daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, bem como tripudia a função instrumental própria do direito exercido e a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular.

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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e, por consequência, em revogar o acórdão recorrido, julgar a acção improcedente e absolver os RR do pedido nela formulado.

Custas pelo recorrido, tanto as deste recurso como as das instâncias. 


Lisboa, 30/5/2017


Alexandre Reis

Lima Gonçalves

Sebastião Póvoas


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[1] Cf., nesse sentido, o Ac. do STJ de 29-01-2014 (P. 548/06.3TBARC.P1.S1 - Fernandes do Vale): «A pretensão filiada no preceituado no art. 257º, nº7 do CSCom. impõe que seja demandada a sociedade em que era exercida a gerência – que deveria pagar as correspondentes remunerações ao gerente destituído – e não quem, em tal sociedade, detém as qualidades de sócio ou (e) gerente».
[2] A. Varela e outros in “Manual de Processo Civil”, p. 694.
[3] Ac. do STJ de 17-11-2015 (Sebastião Póvoas).
[4] Ac. do STJ de 20-4-1994 (BMJ, 436º-299).
[5] Ac. do STJ de 9/5/1996, in CJSTJ, 2º-55. Também o Ac. do STJ de 3-5-1990, BMJ 397º- 407, decidiu: «A autoridade do caso julgado abrange, para além da componente decisória da sentença, as questões preliminares que constituam pressupostos lógicos e necessários indispensáveis à emissão da parte dispositiva do julgado. Assim, tendo sido decidido em acção de despejo como inexistente a relação locativa – contrato de arrendamento – entre autores e réu, essa inexistência, como extensão da autoridade do caso julgado, pode e deve ser oposta das mesmas partes em subsequente acção de reivindicação estruturada pelos autores a partir daquela inexistência, pelo que é incompatível com a afirmação nesta última lide da vigência do contrato ali julgado inexistente.».
Cf. ainda, entre muitos outros, os Acs. do STJ de: 27/4/2004, p. 04A1060-Nuno Cameira; 20/5/2004, p.04B281-Noronha do Nascimento; 1/1/2007, p. 05S4319 - Sousa Grandão; 12/7/2011, p. 129/07.4TBPST.S1-Moreira Camilo; 23/11/2011, p. 644/08.2TBVFR.P1.S1-Pereira da Silva; de 26/4/2012, p. 289/10.7TBPTB.G1.S1- Prazeres Beleza; 10/10/2012, p. 1999/11.7TBGMR.G1.S1-Abrantes Geraldes; 6/12/2012, p. 469/11.8TJPRT.P1.S1-João Bernardo (v., ainda, o de 29/5/2014, p. 1722/12.9TBBCL.G1.S1, relatado pelo mesmo Conselheiro); 21/3/2013, p. 3210/07.6TCLRS.L1.S1-Álvaro Rodrigues; 17/6/2014, p. 233/2000.C2.S1 - Clara Sottomayor; de 12/9/2013, p. 239/09.3TBVRS.E1.S1 - Fernando Bento [«Trata-se, portanto, de evitar que duas relações jurídicas, conexas entre si, sejam decididas de modo contraditório, seja quando uma delas integre os pressupostos fácticos da outra, seja quando para decidir sobre a segunda se tenha que decidir (de novo) sobre a primeira, não obstante esta já haver sido decidida em processo anterior (…) Se as questões que integram o objecto da segunda acção já tiverem sido decididas na primeira acção entre as mesmas partes, há uma coincidência (total ou parcial) entre o objecto de ambas as acções; logo, o objecto da nova acção já está, total ou parcialmente, definido por essa sentença, devendo, neste caso, o juiz acatar o já decidido»].
[6] Veja-se, ainda, este Autor: [o caso julgado consiste em] «a definição dada à relação material controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social».
[7] Segundo a qual «o caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos», in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pp. 161 e s.
[8] In “Estudos Sobre o Novo C.P.C.”, 1997, págs. 578 e s.
[9] In www.dgsi.pt (P. 086242 - Machado Soares), citando Menezes Cordeiro (“Manual de Direito do Trabalho”, 1991, p. 819.
[10] Ac. deste Tribunal de 15-05-2013 (P. 1686/10.3TBFLG1.G1.S1 - Silva Gonçalves) e, no mesmo sentido, cf., p. ex., os Acs. de 30-09-2014 (P. 1195/08.0TYLSB,L1.S1 - Fonseca Ramos), 11-07-2006 (P. 06B988 - Pereira da Silva), 2-02-2006 (P. 05B2682 - Araújo Barros), 9-12-1999 (P.99B868 - Dionísio Correia), 27-10-1994 (P. 085751 - Sousa Macedo), 14-01-1993 (P. 082578 - Miranda Gusmão).
[11] Citado Ac. de 30-09-2014.
[12] Neste sentido, p. ex., o Ac. deste Tribunal de 27-11-1997 (P. 97B284 - Roger Lopes).
[13] Citado Ac. de 2-02-2006.
[14] Ac. do STJ de 18-06-1996 (P. 96A102 - Cardona Ferreira):

[15] «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». «O abuso do direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quando à intensidade ou à sua execução de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm que suportar» (Ac. do STJ de 24/2/1999, BMJ 484º-246).
[16] O nosso código adopta a concepção objectiva de abuso de direito, a qual, desligando-se da intenção ou da atitude psicológica do titular do direito, dá relevância ao alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. «Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites» (P. Lima e A.Varela, CC Anot., 4ª ed. Vol. I, p. 298).
[17] Como já dissemos, também aqui, apenas relevará o alcance objectivo da conduta censurada pela recorrente, de acordo com o critério da consciência pública. A boa-fé pode ser vista como um estado de espírito que se exprime pelo convencimento da ignorância da ilicitude de certo comportamento ou como exigindo que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. «(...) a doutrina moderna, sobretudo a alemã, tem elaborado, com base na jurisprudência dos tribunais, uma série de “hipóteses típicasou “figuras sintomáticas” concretizadoras da cláusula geral da boa fé» (v. J. Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, p. 59 e 60). Heinrich E. Horster (A Parte Geral do CC Português, pp 284 e ss) destaca como algumas dessas hipóteses: «O “venire contra factum proprium” (ou comportamento contraditório), onde foi adoptado pelo titular do direito um comportamento positivo no sentido de não querer exercer o mesmo, tendo esta atitude como consequências as correspondentes disposições da outra parte...»; «a perda do direito (“Verwirkung”)», correspondendo, aproximadamente, à caducidade, quando o titular do direito não invoca o mesmo durante bastante tempo; «a exigência injustificada...»; «um comportamento desleal...»; «a inobservância dos princípios gerais das obrigações...».
[18] O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular.
[19] Rui de Alarcão, Direito das Obrigações. Polic., Coimbra, 1983, pp. 108 e ss.