Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
59/07.0TTVRL-D.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
RECURSOS
EFEITO SUSPENSIVO
EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 55, 18.03.2016, P. 881-894
BTE,13, 08.04.2016, P. 656-671
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO / OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / PROCEDIMENTOS CAUTELARES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO DE SENTENÇA / EMBARGOS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1980, p. 626.
- ALBERTO DOS REIS, “Código De Processo Civil” Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981, p. 396; Processo de Execução, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1982, p. 130.
- ANSELMO DE CASTRO, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, 1977, 3.ª Edição, p. 15.
- BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER e OUTROS, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p. 758.
- LEBRE DE FREITAS e OUTROS, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 2.º, 2001, Coimbra Editora, p. 53.
- MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, 2010, p. 942.
- PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, p.p. 428 e 429.
LEITE FERREIRA, “Código de Processo do Trabalho” Anotado, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1996, p. 211.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 389.º, N.º1, ALÍNEA A) (DO ANTERIOR CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL), 608.º, N.º2, 615.º, N.º1, ALÍNEA C), 619.º, 628.º, 647.º, N.º4, 663.º, N.º2, 665.º, 679.º, 684.º, N.º1, 704.º, N.º1, 732.º, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9-11: - ARTIGOS 39.º, 40.º, 77.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 416.º, N.º1, 434.º, 437.º.
DECRETO-LEI N.º 295/2009, DE 13-10: - ARTIGO 6.º.
DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9-11: - ARTIGO 3.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23 DE JANEIRO DE 1996, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 4 248, DE QUE FOI EXTRAÍDO O SUMÁRIO, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/SOCIAL/SOCIAL1996.PDF
-DE 29 DE OUTUBRO DE 1997, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 123/97, DE QUE FOI EXTRAÍDO O SUMÁRIO, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/SOCIAL/SOCIAL1997.PDF
-DE 23 DE ABRIL DE 1998, PROCESSO N.º 164/97, COLETÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ANO VI, TOMO II – 1998, P. 265 E SS., COM SUMÁRIO DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/SOCIAL/SOCIAL1998.PDF .
-DE 22 DE JUNHO DE 2005, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 162/05, COLETÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ANO XII , TOMO II, PP. 266 E SS., SUMÁRIO DISPONÍVEL EM EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/SOCIAL/SOCIAL2005.PDF .
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, PROFERIDO NA REVISTA N.º 345/2002.1.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
«Interposto recurso com efeito suspensivo para o Tribunal da Relação da decisão proferida em providência cautelar que tenha decretado a suspensão do despedimento, não são devidas ao trabalhador retribuições entre a data do despedimento e o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação que confirme a suspensão do despedimento, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro».
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

Por apenso à ação executiva intentada por AA contra a “BB, S.A., veio a executada deduzir oposição àquela execução, por embargos, alegando, no essencial, que a sentença que serve de base à execução não constitui título executivo suficiente, nem bastante relativamente às quantias cujo pagamento o exequente reclama e que, na ação principal instaurada pelo exequente, ali Autor, foi proferida sentença, em 05/12/2012, que julgando a ação totalmente improcedente, absolveu a aqui executada/embargante, ali Ré, dos pedidos formulados, declarando lícito o despedimento promovido pela Ré, encontrando-se essa sentença dependente de decisão definitiva do Supremo Tribunal de Justiça.

No demais, concluiu a embargante/executada, pedindo que se declare inexequível o direito do exequente/embargado às supostas retribuições em dívida, devendo a execução ser declarada extinta.

A embargante prestou caução, para obstar ao prosseguimento da ação executiva.

Os embargos prosseguiram seus termos e vieram a ser decididos por sentença de 10 de fevereiro de 2015 que os julgou improcedentes, tendo determinado a prossecução da execução.

Inconformada com esta sentença, dela recorreu a embargante, per saltum para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 678.º do Código de Processo Civil, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«I. A Recorrente requer que o presente recurso suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça - RECURSO PER SALTUM - por entender que se mostram preenchidos os requisitos previstos no artigo 678.° do CPC (conforme supra exposto).

II. A sentença em crise proferida padece da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.° do CPC, por a respetiva fundamentação se mostrar ambígua e obscura (dá a entender que as retribuições são devidas desde a data da decisão que suspende o despedimento, mas declara totalmente improcedentes os embargos), encerrando em contradição com a decisão proferida.

III. A sentença em crise proferida padece de nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.° do CPC, porquanto não se pronunciou sobre a questão da inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória reclamada pelo Recorrido, nem sobre a questão da dedução das quantias que este tenha eventualmente recebido, ambas suscitadas pela Recorrente.

Sem prejuízo,

IV. A Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", ao julgar os embargos deduzidos pela Recorrente totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da ação executiva instaurada pelo Exequente, ora Recorrido, enferma de claro e manifesto erro de interpretação, fazendo uma errada aplicação das correspondentes normas de direito.

V. Sendo várias as questões que se colocam no presente Recurso, consiste a Primeira na seguinte: saber se, por força da suspensão do despedimento decretada em sede de providência cautelar, o Recorrido tem direito a receber as retribuições desde a data do despedimento (agosto de 2006 - ponto 1. FA) até à data em que reocupou o seu posto de trabalho (setembro de 2009 - pontos 8. e 9. da FA), conforme reclama na execução, OU se, tal como defende a Recorrente, tais retribuições somente são devidas a partir da data do trânsito em julgado da decisão de suspensão do despedimento, nada devendo, assim, ao Recorrido (tendo em conta os pontos 8. e 9. da FA), [ou ainda se são tais retribuições devidas desde a data da decisão proferida pela 1.ª instância (setembro 2008 ponto 5 da FA), conforme se retira dos Acórdãos do STJ de 23/04/1998 e 15/12/2011, adiante referidos].

VI. A configuração do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, no nosso entendimento, assenta numa posição de equilíbrio entre as partes, face aos interesses que se encontram em jogo e ao caráter perfuntório que decorre da decisão de suspensão.

VII. Por um lado, atente-se ao seu caráter urgente e célere, à possibilidade de o empregador recorrer da decisão de suspensão com efeito suspensivo mediante a prestação de caução correspondente a 6 meses de retribuição do trabalhador, podendo este requerer o recebimento da caução durante a pendência do recurso, até ao facto de somente de haver um grau de recurso. Acresce ainda que a lei não consagra a obrigação para o trabalhador de devolver ao empregador a caução e/ou as retribuições que recebeu durante a medida cautelar de suspensão do despedimento em caso de improcedência da medida cautelar e/ou da ação principal - veja -se, no entanto, as dúvidas a este propósito de JÚLIO GOMES (cfr. citação em alegações).

VIII. Por outro lado, atente-se ao escopo meramente perfunctório e sumário da providência, não sendo nesta sede formulado qualquer juízo sobre a existência ou não de justa causa de despedimento (mas apenas uma análise indiciária sobre a aparência do direito). Com efeito, a medida cautelar de suspensão de despedimento não invalida a decisão de despedimento proferida pelo Empregador, nem tece quanto à mesma qualquer juízo valorativo e/ou antecipatório de invalidade, nem muito menos qualquer juízo de prognose decisória que deva ser atendido na ação principal.

IX. Tal medida tem como único efeito a paralisação provisória dos efeitos do despedimento proferido pelo empregador, isto é, da eficácia extintiva de tal sanção na relação de trabalho, fazendo com que esta seja reatada e se mantenha em vigor a título precário e provisório, de forma condicional e condicionada, até que seja proferida uma decisão definitiva na ação principal.

X. Durante o período que medeia entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, o trabalhador não presta o seu trabalho ao empregador, nem o empregador se encontra obrigado a receber tal prestação e, consequentemente, a pagar a respetiva retribuição, não se verificando, assim, o sinalagma que caracteriza o contrato de trabalho.

XI. Por sua vez, em caso de procedência da ação principal de impugnação de despedimento, o trabalhador terá sempre o direito a receber os «salários de tramitação» (art. 390.° do CT), revestindo tal decisão judicial eficácia retroativa e sendo o referido direito aos salários arbitrado ao Trabalhador a título de compensação (funcionando para o Empregador como penalidade / sanção pelo seu ato ilícito).

XII. Assim sendo, a decisão cautelar de suspensão de despedimento não tem, nem pode ter, eficácia retroativa à data do despedimento (conforme pretende o Recorrido e a sentença em crise, com a improcedência dos embargo, acaba por reconhecer), pois tal eficácia é e deve ser reservada para a decisão que vier a ser proferida no âmbito da ação principal, sob pena de se estar a atribuir ao trabalhador «salários de tramitação», isto é, uma compensação com caráter definitivo no âmbito de uma decisão que tem caráter meramente provisório e condicional.

XIII. Note-se que em caso de decisão favorável ao empregador em sede de ação principal (conforme veio a verificar-se nos presentes autos - ponto 10. da FA), o Empregador não tem forma de exigir a devolução ao trabalhador de tais retribuições, ainda por cima, sem que aquele tivesse prestado trabalho e/ou o Empregador estivesse obrigado a recebê-lo.

XIV. A tese (adiante, à cautela, referida) no sentido de que as retribuições são devidas a partir da data da decisão da l.ª instância, desvalorizando o efeito suspensivo do recurso interposto pelo Empregador mediante o pagamento de caução, não é coerente com a lógica subjacente à configuração do procedimento cautelar, nem com o entendimento de que o empregador não é obrigado a reocupar o trabalhador, mas tão somente a pagar-lhe a respetiva retribuição durante a pendência da ação principal, sendo que o trabalhador não se encontra obrigado a proceder à devolução das retribuições recebidas em caso de improcedência da ação principal.

XV. Com o devido respeito, não faz sentido exigir-se a prestação de caução correspondente a 6 meses de retribuição para que o recurso tenha efeito suspensivo (com a possibilidade de o trabalhador a receber, sem a ter de devolver), mantendo-se, simultaneamente, o dever de pagar as retribuições desde a data da decisão em l.ª instância (sem o trabalhador as ter de devolver), não estando o empregador, em qualquer dos casos, obrigado a receber a prestação do trabalhador.

XVI. Revestindo a decisão de suspensão de despedimento um caráter meramente provisório, não pode a mesma revestir uma eficácia retroativa, na medida em que tal eficácia produz efeitos definitivos incompatíveis com tal provisoriedade. Conforme refere JÚLIO GOMES (ob. citada): "Uma eventual tutela da aparência gerada pela decisão judicial que decretou a suspensão judicial do despedimento, entretanto ela própria suspensa, não pode deixar de ter em conta o caráter provisório da medida."

XVII. Tal como refere PEDRO FURTADO MARTINS (ob. citada)[1] "Note-se que a suspensão não tem um efeito equivalente à anulação ou declaração de invalidade do despedimento, pois não há uma reposição do vínculo contratual com eficácia retroativa à data do despedimento. (...) quanto ao destino das retribuições que se vencerem no período que anteceder a suspensão. A decisão do tribunal apenas tem efeitos para o futuro, o que significa que só obriga o empregador a pagar as retribuições que se vencerem após o trânsito em julgado da decisão que decreta a providência." (…)

XVIII. Pelo exposto, é forçoso concluir-se que a decisão de suspensão de despedimento decretada em sede de procedimento cautelar (atenta a sua natureza judiciária e provisória, a não prestação de trabalho e a inexistência de obrigação de devolução das retribuições pelo trabalhador, bem como os efeitos da ilicitude do despedimento em sede de ação principal) somente produz efeitos a partir do momento em que a respetiva decisão transita em julgado, não tendo, nem podendo ter tal decisão eficácia retroativa, designadamente à data do despedimento.

XIX. Ao julgar improcedentes os embargos, a sentença em crise fez uma incorreta interpretação do artigo 39.°, n.º 2 do CPT (pois considerou devidas ao Recorrido as retribuições desde a data do despedimento - agosto de 2006), impondo-se, assim, a sua revogação, substituindo-a por decisão que, atendendo à interpretação sustentada pela Recorrente, considere procedentes os embargos e declare extinta a execução.

XX. A interpretação seguida na sentença encontra-se, aliás, ferida de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva, previstos, respetivamente, nos artigos 13.°, 18.° e 20.° da Constituição da República Portuguesa, questão que assim, expressamente, se invoca. À cautela,

XXI. A decisão proferida, em setembro de 2014 e já transitada em julgado, na ação principal, julgando totalmente improcedente a ação de impugnação de despedimento instaurada pelo Recorrido - ponto 10, da FA, determinou a extinção e, necessariamente, a caducidade da decisão da providência cautelar que serve de base à execução instaurada pelo Recorrido [art. 40.º-A, n.º 2 do CPT e art.º 373.°, n.º 1, c) do CPC]. Cessaram, assim, todos os seus respetivos efeitos, perdendo tal decisão, necessariamente, a respetiva força executiva.

XXII. Note-se que, se porventura, a decisão na ação principal de impugnação de despedimento fosse favorável ao Recorrido, este ficaria munido de um título executivo decorrente dessa decisão, o qual lhe daria direito a reclamar da Recorrente todas as retribuições que reclama por via da presente execução, a qual tornar-se-ia, assim, totalmente inútil. Com efeito, a decisão na ação principal e o correspondente título executiva sobrepor-se-iam ao título executivo decorrente da decisão proferida em sede de procedimento cautelar.

XXIII. A correta aplicação das supra referidas normas (quanto à caducidade da providência) impõe que se conclua no sentido da extinção do título executivo que serve de base à presente execução, revogando-se assim a sentença proferida e declarando extinta a execução. À cautela,

XXIV. O procedimento cautelar de suspensão do despedimento tem um caráter, essencialmente, alimentício, isto é, destina-se a, em caso de aparência do direito, garantir ao trabalhador o meio de subsistência durante a pendência da ação principal e até ao seu desfecho final.

XXV. Ora, o Recorrido lançou mão da presente execução quase 4 anos e meio volvidos desde o trânsito em julgado da decisão cautelar de suspensão de despedimento (ponto 8. da FA), sendo que desde essa data que vinha a auferir retribuições ao serviço da Recorrente (ponto 9. da FA), acrescendo que sabia que a decisão definitiva na ação principal estaria para breve (ponto 10. da FA).

XXVI. Tendo em conta o tempo decorrido desde o trânsito em julgado da sentença de suspensão de despedimento, sendo que o Recorrido recebeu desde então todas as retribuições pagas pela Recorrente, por um lado, e por outro lado, tendo em conta que ação principal se encontrava perto do respetivo final, é por demais evidente que a presente execução não tem, nem tinha por fim assegurar ao Recorrido a sua subsistência na pendência da ação principal.

XXVII. De notar que na ação principal já tinham sido proferidas duas decisões judiciais que confirmaram a licitude do despedimento do Recorrido, facto do qual este tinha perfeito conhecimento, faltando menos de um décimo do tempo que demorou o procedimento cautelar para que fosse obtida uma decisão definitiva.

XXVIII. Acresce que no caso de a decisão na ação principal ser desfavorável ao Recorrido (conforme veio a ser), este não teria (tem) que devolver à Recorrente as retribuições durante a pendência da ação, não obstante o acerto, judicialmente decretado, do despedimento proferido, sendo que caso tal decisão lhe fosse favorável, o recorrido teria direito às retribuições que reclama na presente execução.

XXIX. Aliás, no caso de se arbitrar tudo quanto o Recorrido reclama na presente execução, o que de forma alguma se concede, dar-se-á o estranho caso de o Recorrido receber mais aqui do que teria direito a receber em sede de ação principal (dada a não aplicação do art. 390.° do CT), recebendo o equivalente a 3 anos de salários de tramitação, sem ter prestado qualquer trabalho a esta, revestindo tais retribuições, no fundo, uma compensação por factos ilícitos por si praticados na relação laboral com a Recorrente.

XXX. Como a Recorrente, não obstante o acerto da sua decisão de despedimento, não dispõe de qualquer forma ou meio de obrigar o Recorrido a restituí-los, este enriquecerá à custa daquela sem causa válida, instituto que, à cautela também se deixa invocado.

 XXXI. Neste caso, o «ganho» (e o grau de proteção) do Recorrido despedido licitamente é, pois, claramente desproporcionado face à Recorrente, que sai, assim, totalmente desprotegida nos seus interesses.

XXXII. É, assim, forçoso concluir-se que o fim visado pelo Recorrido com a presente execução, instaurada 4 anos e meio depois do trânsito em julgado da sentença de suspensão de despedimento, período durante o qual recebeu as correspondentes retribuições, e a breves meses de ser proferida uma decisão final e definitiva na ação principal que se lhe afigurava desfavorável, é totalmente contrário aos fins sociais e económicos que a providência cautelar de suspensão de despedimento (e que a norma do artigo 39.º, n.º 2 do CTP) visa proteger (subsistência do trabalhador durante a pendência da ação principal), atuando o Recorrido em claro e manifesto abuso de direito, conforme decorre do art.º 334.° do Código Civil.

XXXIII. Também por esta razão, deve proceder-se à revogação da sentença proferida, substituindo-a por decisão que declare extinta a execução, negando o direito às retribuições reclamadas pelo Recorrido.

Ainda que assim não se entenda,

XXXIV. De acordo com o entendimento expresso nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de abril de 1998 (este citado pelo Recorrido na contestação e igualmente citado na sentença em crise) e de 15 de [dezembro] de 2011, as retribuições em dívida referidas no artigo 39.°. n.º 2 do CPT correspondem às que forem devidas a partir da data em que é proferida decisão em l.ª instância e que suspenda o despedimento, independentemente da interposição de recurso com efeito suspensivo do Empregador.

XXXV. De tal entendimento, resulta que os efeitos da decisão que decrete a suspensão do despedimento NÃO retroagem à data do despedimento, tal como pretende o Recorrido com a execução.

XXXVI. A sufragar-se tal entendimento, impõe-se a revogação da sentença proferida, substituindo-a por decisão que declare parcialmente procedentes os embargos, negando o direito às retribuições reclamadas pelo Recorrido desde agosto de 2006 (data do despedimento) a 10 de setembro de 2008 (data da decisão em primeira instância), devendo deduzir-se quanto às vencidas entre esta última data e a data em que o Recorrido reocupou o seu posto de trabalho (agosto de 2009) os montantes recebidos a título de caução prestada pela Recorrente.

Em todo e qualquer caso,

XXXVII. Deve ser negado ao Recorrido as quantias que este reclama a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do n.º 4 do artigo 829.º-A do Cód. Civil, porquanto: por um lado, da sentença de suspensão de despedimento proferida não resultou a determinação para a Recorrente de pagar as retribuições vencidas desde o despedimento ou até mesmo da data da decisão proferida em 1ª instância;

XXXVIII. Por outro lado, a questão de saber desde quando é que são devidas retribuições após a sentença de suspensão de despedimento (se desde a data do despedimento, se desde a data da decisão de l.ª instância, se desde a data do trânsito em julgado de tal decisão em sede de recurso com efeito suspensivo), não só não decorre expressamente da norma do artigo 39.°, n.º 2 do CPT, como é claramente uma questão controvertida.

XXXIX. A natureza sancionatória que decorre da referida norma não tem aplicação no presente caso, tanto mais que a Recorrente, após o trânsito em julgado da decisão, acatou-a integralmente.

Mais ainda,

XL. Na execução, o Recorrido procedeu à liquidação integral de todas as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão de suspensão de despedimento, descontando apenas o montante da caução prestada pela Executada para efeitos de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto.

XLI. Caso não se proceda, conforme invocou a Recorrente em sede de p.i. de embargos, às deduções impostas pelo art.º 390.° do CT relativamente a tais quantias, o Recorrente acabará por receber mais por via da presente execução do que teria direito a receber em sede de ação principal.»

Termina referindo que «deve ser dado provimento ao presente Recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida nos precisos termos alegados, devendo a [recorrente] ser absolvida do pedido (ou pelo menos, parcialmente), como é de inteira JUSTIÇA».

A recorrente arguiu igualmente nulidades da sentença, nos termos e condições previstas no artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho.

Por despacho de 21 de abril de 2015, o tribunal de 1.ª instância indeferiu a arguição de nulidades da sentença.

O recorrido não respondeu ao recurso interposto.

Neste Tribunal, o Exmº. Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da concessão da revista, referindo que deve ser «declarada a procedência dos embargos face ao constante do artigo 704.º, n.º 2 do CPC, revogando-se, destarte, a sentença recorrida e concedendo-se provimento ao recurso».

Notificado este parecer às partes, veio o recorrido tomar posição sobre o mesmo, pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:

a) – Se a sentença recorrida padece das nulidades das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil;

b) – Se o embargado, por força da suspensão do despedimento decretada na 1.ª instância, em sede de providência cautelar objeto de recurso com efeito suspensivo, apenas tem direito a receber as retribuições desde a data em que reocupou o seu posto de trabalho, na sequência do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a suspensão do despedimento;

c) – Se a interpretação do artigo 39.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, acolhida na decisão recorrida viola os princípios da igualdade, proporcionalidade e do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva, previstos, respetivamente, nos artigos 13.°, 18.° e 20.° da Constituição da República Portuguesa;

d) – Se o trânsito em julgado da decisão proferida na ação principal, em setembro de 2014, julgando totalmente improcedente a ação de impugnação de despedimento instaurada pelo Recorrido, determinou a extinção e, necessariamente, a caducidade da decisão da providência cautelar que serve de base à execução instaurada pelo Recorrido, nos termos do art. 40.º-A, n.º 2, do CPT, na redação emergente do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, e art.º 373.°, n.º 1, c) do CPC;

e) – Se o recorrido ao instaurar a execução atua com abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil;

f) – Se o conceito de retribuições em dívida referido no artigo 39.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho deve ser interpretado no sentido de abranger as retribuições que forem devidas a partir da data em que é proferida decisão em l.ª instância e que suspenda o despedimento, independentemente da interposição de recurso com efeito suspensivo do empregador;

g) – Se o recorrido tem direito à sanção pecuniária compulsória reclamada na execução, nos termos do artigo 829.º- A do Código Civil.

Cumprido o disposto no artigo 657.º do Código de Processo Civil, foi o processo inscrito em tabela para julgamento, no decurso de cuja sessão se achou conveniente a prolação de acórdão de uniformização, pelo que o processo foi retirado da tabela, tendo então o relator proposto que o julgamento se fizesse com a intervenção do pleno desta Secção Social, nos termos do artigo 686.º do Código de Processo Civil, o que veio a ser deferido por despacho do Exm.º Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de novembro de 2015.

Foi então o processo com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 687.º daquele código, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferido parecer relativamente à uniformização de jurisprudência, nos seguintes termos:

«1. Decretado o despedimento, o trabalhador apenas tem direito a receber retribuição após o trânsito em julgado da decisão que determinou [a suspensão] do despedimento.

2. Tendo sido interposto recurso com efeito suspensivo da decisão que declarou suspenso o despedimento, não há lugar ao pagamento das retribuições relativas ao período compreendido entre a data do despedimento e a data do trânsito em julgado da decisão que o ordenou.

3. Havendo recurso com efeito suspensivo da decisão que suspendeu o despedimento, não cabem no âmbito das retribuições em dívida a que alude o n.º 2 do artigo 39.º do Código de Processo do Trabalho, as retribuições vencidas desde a data daquela decisão até ao trânsito em julgado da mesma».

Cumpre decidir.


II

A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

«1. O exequente/embargado foi objeto de despedimento por parte da embargante/executada em 26/07/2006.

2. À data do despedimento o embargado/exe[quente] auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.213,55.

3. Aquando do despedimento a embargante pagou ao exe[quente] a retribuição de junho de 2006, as férias não gozadas e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.

4. O embargado/exequente requereu a suspensão do despedimento em 31/07/2006.

5. A decisão na providência cautelar de suspensão do despedimento, proferida em 10/09/2008, decretou a suspensão do despedimento que a requerida levou a cabo e, em consequência, determinou a reintegração imediata do embargado/exe[quente] no respetivo posto de trabalho.

6. A embargante/executada interpôs recurso da aludida decisão, tendo requerido a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto, caucionando, para o efeito, a quantia de € 7.018,50.

7. O embargado/exequente passou à situação de desemprego e requereu o pagamento das retribuições por força da caução prestada, tendo recebido, a tal título, a quantia líquida de € 1.169,75 x 6 meses, respeitante à retribuição dos meses de fevereiro a julho de 2007.

8. Em 20/07/2009, transitou em julgado a decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento, após improcedência do recurso interposto, por decisão do Tribunal da Relação de 06/07/2009.

9. A partir de setembro de 2009, o embargado/exe[quente] reiniciou funções, sendo retribuído como tal a partir dessa data.

10. Por decisão de 10/09/2014, já transitada em julgado, o Supremo Tribunal de Justiça, negou revista e confirmou as decisões da 1ª instância e do Tribunal da Relação do Porto, proferidas, respetivamente, em 04/12/2012 e [14/10/2013], que consideraram improcedente a ação principal (de impugnação do despedimento) interposta pelo aqui embargado/exe[quente] e ali autor, e absolveram a embar[gante]/executada ali ré dos pedidos formulados.»

Para um melhor enquadramento das questões que constituem o objeto do presente recurso consigna-se que:

- A execução a que os presentes embargos se referem foi instaurada em 18 de dezembro de 2013, na pendência do recurso interposto pelo Autor, aqui embargado, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de outubro de 2013, que havia confirmado a decisão da 1.ª instância, relativamente à licitude do despedimento;

- Esse acórdão do Tribunal da Relação de 14 de outubro de 2013 foi confirmado por este Tribunal, por acórdão de 10 de setembro de 2014;

- Os presentes embargos foram instaurados em 2 de junho de 2014.


III


1 – Tal como decorre da matéria de facto dada como provada o embargado foi despedido pela embargante em 26 de julho de 2006 e interpôs a providência cautelar de suspensão do despedimento em 31 de julho do mesmo ano.

O despedimento ocorreu assim, na vigência do Código do Trabalho de 2003 e da versão inicial do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-lei n.º 480/99, de 9 de novembro, código este que, de acordo com o artigo 3.º daquele Decreto-lei, «apenas é aplicável aos processos instaurados a partir de 1 de janeiro de 2000».

Ao presente processo não é aplicável, deste modo, a versão daquele código que foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, que também ele, por força do disposto no artigo 6.º daquele diploma, só é aplicável, em princípio, às ações instauradas após a sua entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2010.

2 – Nas conclusões II e III, insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida referindo que a mesma se mostra afetada das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Refere que «a sentença em crise (.) padece da nulidade prevista na al. c) do n.º1 do art. 615.° do CPC, por a respetiva fundamentação se mostrar ambígua e obscura (dá a entender que as retribuições são devidas desde a data da decisão que suspende o despedimento, mas declara totalmente improcedentes os embargos), encerrando uma contradição com a decisão proferida» e que a sentença padece igualmente da «nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.° do CPC, porquanto não se pronunciou sobre a questão da inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória reclamada pelo Recorrido, nem sobre a questão da dedução das quantias que este tenha eventualmente recebido, ambas suscitadas pela Recorrente».

De acordo com a ordem lógica da estruturação da decisão cumpre tomar desde já posição sobre esta arguição de nulidades, uma vez que se mostram verificadas as condições legais, nomeadamente as decorrentes do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho que enquadram o conhecimento das nulidades da sentença.

3 - Resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando «c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

Analisada a decisão recorrida, neste segmento, tendo em conta a crítica que lhe é formulada pela recorrente, afigura-se-nos líquido que não existe qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, não se lhe podendo, igualmente, assacar ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.

Na verdade, aquela decisão enunciou as questões a decidir nos seguintes termos: «Apurar se o embargado/exequente tem direito às quantias peticionadas entre o despedimento e a reintegração no posto de trabalho, tendo em consideração a decisão de suspensão do despedimento transitada em julgado, proferida na providência cautelar, como defende no requerimento executivo ou, se, como defende a embargante/executada, tais quantias não são devidas ou sendo devidas, são-no apenas a partir do trânsito em julgado da decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento».

O tribunal considerou também relevante no contexto da resposta a estas questões a necessidade de «apurar qual o efeito jurídico da decisão proferida na ação principal (de impugnação do despedimento) que veio a decidir pela licitude do despedimento promovido pela entidade empregadora, aqui embargante».

Debruçando-se sobre os efeitos da providência de suspensão do despedimento, o tribunal veio a afirmar que «do exposto, parece resultar, que a obrigação de pagar os salários existe enquanto perdurarem os efeitos da providência cautelar de suspensão do despedimento, como seu efeito natural. Isso significa que o direito aos salários perdura até à decisão que julga improcedente a ação através da qual se impugnou o despedimento; isto é, o direito do trabalhador foi acautelado – provisoriamente – até à data da decisão definitiva», tendo concluído no sentido de que «parece-‑nos, assim, decorrer da jurisprudência citada, que a decisão proferida na ação principal (impugnação do despedimento) que julgou definitivamente lícito o despedimento promovido pela aqui embargante/executada, não interferiu com os efeitos que se produziram a partir da decisão que decretou a suspensão do despedimento e a decisão final na ação principal, tendo o embargado/executado direito às retribuições vencidas durante o período em que o despedimento ficou suspenso».

Desta forma torna-se líquido que a decisão recorrida respondeu à primeira das questões que enunciou, concretamente, «apurar se o embargado/exequente tem direito às quantias peticionadas entre o despedimento e a reintegração no posto de trabalho», decorrendo o decidido da interpretação que fez das normas do Código de Processo do Trabalho em causa, com apoio em doutrina adequada ao entendimento sustentado e mesmo na orientação jurisprudencial que emerge do acórdão desta Secção, de 23 de abril de 1998.

4 – A decisão recorrida enfrentou igualmente as questões que decorriam da posição da Ré, aqui recorrente, ou seja «se, como defende a embargante/executada, tais quantias não são devidas ou sendo devidas, são-no apenas a partir do trânsito em julgado da decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento», o tribunal não deixou de se pronunciar sobre essas questões, nos seguintes termos:

«Por outro lado, toda a jurisprudência que se vem citando, parece contrariar a posição defendida pela embargante/executada baseada na doutrina de Pedro Furtado Martins, in “ Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição revista e atualizada – Código do Trabalho de 2012 -, págs. 428 e 429, no sentido de que “A decisão do tribunal apenas tem efeitos para o futuro, o que significa que só obriga o empregador a pagar as retribuições que se vencerem após o trânsito em julgado da decisão que decreta a providência.” Esta posição, com o devido respeito e salvo melhor opinião, parece-nos não estar conforme a disciplina que emana dos arts. 39.º, n.º 2, [e] 40.º do Código do Processo de Trabalho e que acima se deixou expressa, não devendo, a nosso ver, ser atendida no caso dos autos.

Pelo que aqui se deixa exposto, importa, assim, concluir, que o embargado/exequente tem direito às retribuições vencidas durante o período em que o despedimento ficou suspenso, sem prejuízo do já recebido por conta da caução prestada pela embargante/executada».

Mau grado se constate alguma prolixidade na fundamentação da decisão, nomeadamente, no recurso a elementos jurisprudenciais, daí não decorre qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão propriamente dita, e, muito menos, a sua ininteligibilidade, na sequência de qualquer ambiguidade ou obscuridade.

Na verdade, a decisão insere-se claramente no percurso lógico que orienta a fundamentação invocada, sendo claramente inteligíveis para as partes as motivações do decidido.

Improcede, pois, a arguição de nulidades relativa à alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

5 - A recorrente imputa ainda à decisão recorrida a nulidade prevista na alínea d) do n.º1 mesmo artigo 665.º do Código de Processo Civil, no segmento «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar» - omissão de pronúncia.

Na petição dos presentes embargos de executado a embargante suscitou claramente as questões relativas à dedução nas retribuições pagas ao embargado das importâncias pagas nos termos do artigo 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho, conforme se alcança dos seus artigos 92.º a 98.º, e da sanção pecuniária compulsória que era pedida pelo exequente no requerimento executivo, conforme se alcança dos artigos 104.º a 106.º daquele requerimento.

O embargado tomou posição sobre estas questões, conforme resulta dos artigos 46.º a 65.º da contestação apresentada.

Trata-se de questões sobre as quais o tribunal teria de tomar posição já que enquadram dimensões autónomas e relevantes do litígio, materializando direitos reivindicados pelas partes, nomeadamente, o direito à compensação das quantias recebidas pelo embargado durante o período de tempo em que a embargante esteve obrigada a pagar-lhe retribuições e o direito ao estabelecimento da sanção pecuniária compulsória reclamado pelo exequente.

Conforme referem LEBRE DE FREITAS E OUTROS, o juiz deve conhecer «de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…).[2]»

Analisada a decisão recorrida, constata-se que a mesma não tomou qualquer posição sobre essas questões mostrando-se, por tal motivo, afetada da mencionada nulidade.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, este Tribunal não pode suprir a nulidade em causa, o que, por norma, determinaria a remessa do processo ao tribunal recorrido para o respetivo suprimento.

Contudo, a decisão que vier a ser proferida relativamente ao mérito do recurso pode prejudicar tal remessa, pelo que se relega para final o conhecimento das consequências jurídicas da apontada nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 665.º e 679.º do Código de Processo Civil.


IV


1 – Está em causa no presente processo a oposição por embargos a uma execução instaurada com base na sentença proferida numa providência cautelar de suspensão do despedimento, tornando-se necessário saber se o título dado à execução comporta a obrigação de pagamento das retribuições que dele pretende extrair o exequente.

Conforme refere ANSELMO DE CASTRO, o título «sendo a fattispecie necessária da execução define-lhe, por outro lado, o fim e os limites – cfr. Artigo 45.º, n.º 1. Pelo contexto do título se há-de determinar a espécie da prestação e da execução que corresponde (…), se determinará o quantum da prestação e se fixará a legitimidade ativa e passiva para a execução»[3].

Neste contexto, saber se o trabalhador tem direito às retribuições que lhe seriam pagas se não tivesse ocorrido o despedimento, desde a data deste, só releva no contexto do presente processo na medida em que o título que fundamentou a presente execução contenha uma condenação certa, líquida e exigível da executada, ao pagamento dessas retribuições, de forma a que se possa considerar título executivo dos direitos em causa.

Da análise do dispositivo da sentença em execução, tal como consta do requerimento de execução, constata-se que o tribunal julgou a «aludida providência cautelar de suspensão de despedimento procedente e, em consequência, decretou a “suspensão do despedimento que a requerida levou a cabo contra o requerente, determinando, ainda a reintegração imediata do mesmo no respetivo posto de trabalho».

No quadro desta decisão, decretou-se a suspensão do despedimento e reconheceu-se o direito à reocupação do posto de trabalho, condenando-se a requerida a efetivá-lo.

Essa reintegração originará, normalmente, o direito ao pagamento das retribuições que se vencerem e que sejam derivadas da prestação de trabalho, cumprindo determinar se o direito às retribuições que poderiam ter sido auferidas entre o despedimento e a reintegração do trabalhador despedido no seu posto de trabalho também consta do título executivo em causa.

2 - No cerne das questões que constituem o objeto do presente recurso estão os artigos 39.º e 40.º daquele Código de Processo do Trabalho que, na data em que foi instaurada a providência em causa no presente processo, tinham a seguinte redação:


«Artigo 39.º

Decisão final


1 - A suspensão do despedimento é decretada se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo ou se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa.

2 - A decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente aos salários em dívida, devendo a entidade patronal, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar recibo de pagamento da remuneração devida.

3 - A execução, com trato sucessivo, segue os termos dos artigos 89.º e seguintes, com as necessárias adaptações.»


«Artigo 40.º

Recurso


1 - Da decisão final cabe sempre agravo para a Relação.

2 - O recurso tem efeito meramente devolutivo, mas ao recurso da decisão que decretar a providência é atribuído efeito suspensivo se, no ato de interposição, o recorrente depositar no tribunal a quantia correspondente a seis meses do vencimento do recorrido.

3 - Enquanto subsistir a situação de desemprego pode o trabalhador requerer ao tribunal, por força do depósito, o pagamento da retribuição a que normalmente teria direito.»

Estes dispositivos têm um conteúdo análogo ao dos artigos 43.º e 44.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, que motivaram um conjunto de pronúncias desta Secção relevantes para o enquadramento das questões que constituem o objeto do presente recurso.

3 - No acórdão de 23 de janeiro de 1996, proferido no processo n.º 4 248[4], a Secção debruçou-se sobre a questão de saber se «o exequente tem direito a receber da executada as retribuições que se venceram desde a data da decisão que decretou a providência cautelar de suspensão do seu despedimento, até à data da sentença que julgou improcedente a ação de impugnação desse despedimento, oportunamente instaurada pelo referido exequente», numa situação em que a empregadora não deduziu oposição à decisão que decretou a suspensão do despedimento.

A Secção veio a responder afirmativamente a essa questão, invocando os efeitos da suspensão do despedimento em termos de restabelecimento da relação de trabalho e considerando ainda o seguinte:

«Daí que os efeitos da improcedência da ação de impugnação do despedimento não possam retroagir à data do despedimento. Na verdade, esta só a partir dessa improcedência se torna eficaz, terminando de vez com a relação de trabalho. Até este momento o contrato produzia os seus efeitos jurídicos, nomeadamente em relação às prestações principais a cargo das respetivas partes.

A expressão “ficam sem efeito” referida no n.º 1 do art. 45.º do C.P.T. ao “pedido de suspensão ou à suspensão decretada”, tem, pois, de ser interpretada no sentido de “caducidade”. Para isso aponta, desde logo, e como já se disse, o n.º 2 do aludido artigo.

Ora a caducidade da suspensão do despedimento só produz efeitos para o futuro, como é próprio dessa figura jurídica (cfr., por todos, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, p. 479).

3. Deve, pois, concluir-se que o contrato de trabalho do Recorrente permaneceu com a sua eficácia normal desde a decisão que decretou a suspensão do despedimento até à caducidade dessa medida (…).

E assim, tem este o direito de receber da ora Recorrida as retribuições vencidas durante o período em que o despedimento ficou suspenso (e, em consequência, vigente o contrato de trabalho).»

3.1 - No acórdão de 29 de outubro de 1997, proferido no processo n.º 123/97,[5] esta Secção enfrentou a questão de saber se a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão que suspenda o despedimento, nos termos dos artigos 43.º e 44.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, afastava a obrigação de pagamento dos salários vencidos desde aquela decisão até ao respetivo trânsito em julgado, vindo a responder negativamente a esta questão, com os seguintes fundamentos:

«Desde logo, mal se perceberia como a atribuição do efeito suspensivo ao recurso poderia atingir, na substância, o direito do requerente da providência, reduzindo-o face à interposição de um recurso admitido com efeito meramente devolutivo – duas decisões de conteúdo idêntico firmariam direitos de dimensão diversa por via do diverso efeito atribuído ao recurso interposto de uma e outra, o que seria negação de princípios elementares do mundo do Direito.

Assim a atribuição de efeito suspensivo ao recurso da decisão (…) não visa mais do que paralisar ou suspender a imediata reintegração do trabalhador no respetivo posto de trabalho e o pagamento da retribuição correspondente, retirando exequibilidade à decisão recorrida (ver art. 47.º, n.º 1 do Cod. Proc. Civil), deixando embora garantido o pagamento de seis meses de vencimento através do depósito efetuado, cujo levantamento o trabalhador no desemprego pode requerer (n.º 3 daquele art. 44.º).

Se, por efeito daquele depósito, a entidade patronal recorrente obteve para o recurso efeito suspensivo, este apenas impede o trabalhador recorrido de lançar mão da ação executiva  para reocupar o seu posto de trabalho e haver do empregador as retribuições a que tem direito, sendo de linear evidência, como nos parece, que a atribuição de tal efeito jamais pode afetar, na sua substância, os direitos do trabalhador que viu judicialmente decretada a suspensão do despedimento».

3.2 - No mesmo sentido se veio a pronunciar a Secção no acórdão proferido no processo n.º 164/97, de 23 de abril de 1998[6].

Enfrentando a questão de saber «se a ré tem a obrigação de pagar ao A. os salários correspondentes ao período decorrido desde a data em que foi proferida na 1.ª instância a decisão que suspendeu o despedimento cominado pela ré, ou se tal pagamento apenas é devido no momento em que transitou em julgado o acórdão que manteve a referida decisão da primeira instância», a Secção respondeu a estas questões nos seguintes teremos:

«Não deve confundir-se o efeito suspensivo atribuído ao recurso com a impossibilidade de pagamento imediato dos salários a partir da decisão da primeira instância que suspenda o despedimento.

Com esta suspensão, o despedimento fica suspenso, daí que o contrato de trabalho retome todas as suas virtualidades particularmente no que se refere à retribuição devida ao trabalhador.

A alteração legal referida (…) não pode ser desvirtuada a tal ponto que deva aguardar-se o trânsito em julgado da decisão que suspendeu o despedimento, pois que a regra base é a de tal decisão ser desde logo passível de execução – daí o efeito devolutivo atribuído ao recurso.

A caução tem como finalidade principal garantir ao trabalhador o pagamento de seis meses de salário, tempo que se considerou, bem ou mal (…) como suficiente para que no recurso fossem definidos os direitos das partes na causa.

(…)

Mas o efeito suspensivo atribuído ao recurso só significa isto mesmo e nada tem a ver com o direito do trabalhador a receber os salários em dívida.

Estes são devidos desde que foi judicialmente suspenso o despedimento, pois que a partir de tal data o contrato de trabalho retomou a sua eficácia.» [7].

3.3 – No acórdão de 22 de junho de 2005, proferido no processo n.º 162/05[8], esta Secção, na linha da jurisprudência acima referida, voltou a debruçar-se, para além do mais, sobre os efeitos da sentença proferida em sede de providência cautelar de suspensão do despedimento na obrigação de pagamento de retribuições ao trabalhador despedido e sobre os reflexos da improcedência da ação de impugnação do despedimento sobre aquela obrigação, nomeadamente, nas situações em que o trabalhador não tenha prestado o seu trabalho, vindo neste segmento a concluir que «cabe à entidade patronal/executada o ónus de alegar e provar – como factos que obstam ao acolhimento da pretensão executiva às retribuições por parte do trabalhador/exequente que viu decretada a suspensão do despedimento – que tomou tal iniciativa de convocar o trabalhador para lhe prestar a sua atividade e que este se recusou injustificadamente a fazê-lo».

Deste acórdão foi extraído o seguinte sumário:

«I - O decretamento da suspensão do despedimento, medida de natureza cautelar, tem como consequência a paralisação provisória dos efeitos do despedimento promovido pela entidade patronal, até que seja decidida em sede própria (na ação de impugnação de despedimento), a bondade ou não do despedimento, ou seja, a verificação ou não da justa causa do despedimento.

II - Consequentemente, a entidade patronal fica obrigada a pagar as remunerações ao trabalhador até que caduque a providência da suspensão do despedimento e pode exigir, embora não esteja obrigada a tal, que aquele se apresente ao trabalho.

III - De entre as remunerações que a entidade patronal fica obrigada a pagar ao trabalhador inclui-se o subsídio de alimentação porque, embora tratando-se de prestação retributiva ligada à prestação efetiva de trabalho e destinada a compensar a maior despesa do almoço tomado fora de casa, a falta de prestação do trabalhador é imputável àquela se ela não convocar o trabalhador.

IV - Cabe à entidade patronal, decretada que seja a suspensão do despedimento e caso queira que o trabalhador continue a prestar a sua atividade, enquanto perdurar a suspensão, tomar a iniciativa de o convocar, comunicando-lhe o local e a data em que deve apresentar-se ao serviço.

V - Como facto que obsta ao acolhimento da pretensão às retribuições por parte do trabalhador que viu decretada a suspensão do despedimento, cabe à entidade patronal alegar e provar que tomou a iniciativa de convocar o trabalhador para lhe prestar a sua atividade e que este se recusou, injustificadamente, a fazê-lo (art. 342.º, n.º 2, do CC, 43.º, n.º 2 e 94.º, n.º 2, do CPT/81 e 814.º, h), do CPC).

VI - Não tendo a entidade patronal provado, nem sequer alegado, que na sequência da suspensão do despedimento convocou o trabalhador para este lhe prestar a sua atividade, mantém-se a obrigação de lhe continuar a pagar as retribuições.»[9]

3.4 - No acórdão de 15 de dezembro de 2011, proferido na revista n.º 345/2002.1.L1.S1[10], à questão de saber se o empregador tem o direito à compensação sobre as retribuições pagas ao trabalhador, por força da verba depositada nos termos do artigo 44.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, como condição para a atribuição ao recurso de efeito suspensivo ao recurso interposto de decisão da 1.ª instância que suspenda o despedimento, a Secção veio a responder negativamente a essa questão.

Na fundamentação dessa decisão a Secção louvou-se da jurisprudência emergente dos acórdãos acima citados, tendo considerado ainda o seguinte:

«Constituindo o recebimento das prestações retributivas um direito do trabalhador, decorrente da natureza da providência, que, sendo provisória, não é condicional – significa-se com isso que a eficácia da decretada suspensão não fica dependente, enquanto tal, do sentido, confirmativo ou não, da decisão definitiva da relação jurídica em litígio, apenas implicando esta o termo daquela – não existe fundamento legal bastante para a pretendida reposição, aqui formulada sob a forma de compensação.

A dilucidada razão de ser do pagamento, por força do depósito, da retribuição a que o trabalhador, na situação de desemprego, normalmente teria direito, afasta a obrigação de devolver as importâncias recebidas.

Decretada a suspensão do despedimento, subsiste, em condições de normalidade e como direta consequência, o direito do trabalhador de retomar o exercício da sua atividade, até que a providência caduque ou seja revogada.

 Por isso a lei – que cuidou de prevenir, nas duas circunstâncias possíveis de inatividade forçada do trabalhador, depois de decretada a suspensão do despedimento, a forma de assegurar o percebimento dos salários em dívida – não previu, em algum caso e/ou por qualquer modo, a obrigação da sua devolução.

Nem é razoavelmente admissível, como se concederá, que tal hipótese – que não está na letra da lei – estivesse na mente do legislador, pois o risco de reposição dos salários sempre constituiria para o trabalhador um fator condicionante ou inibidor do livre exercício do direito de requerer a providência.»

4 – Decorre desta jurisprudência, na parte que releva no âmbito do presente processo, que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão do tribunal da 1.ª instância que suspenda o despedimento, nos termos dos artigos 43.º e 44.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, não desonera o empregador da obrigação de pagamento dos salários ao trabalhador, no período que decorre entre aquela decisão e o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação que a confirme.

Trata-se de uma solução que suscitou diferente entendimento doutrinário[11] e que, nos casos em que o despedimento venha a ser considerado lícito na ação de impugnação, é suscetível de originar distorções graves no equilíbrio entre as posições das partes na relação de trabalho e a conduzir a resultados não razoáveis, justificando-se uma reapreciação do entendimento jurisprudencial que tem vindo a ser acolhido.


V


1 - Decorre do artigo 434.º do Código do Trabalho de 2003 que o trabalhador despedido «pode, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho, requerer a suspensão preventiva do despedimento no prazo de cinco dias úteis a contar da data da receção da comunicação do despedimento», sendo certo que, conforme decorre do n.º 1 do artigo 416.º do mesmo código, «a declaração de despedimento determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida».

Face à comunicação da decisão de despedimento, o trabalhador pode reagir de imediato à mesma através daquela providência cautelar, independentemente da ação de impugnação que venha a instaurar.

A providência, se procedente, suspende provisoriamente os efeitos do despedimento, repondo a vigência do contrato e o complexo de obrigações que do mesmo derivam para o empregador e para o trabalhador, maxime, a obrigação deste último de prestar o seu trabalho e o direito a auferir a retribuição, embora não seja objetivo daquela providência a reconstituição integral da situação pré-existente ao despedimento, a qual só é viável em sede de ação para impugnação do despedimento.

Conforme referem BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER e OUTROS, face ao despedimento, em situações que a ilicitude do mesmo seja óbvia, «permite-se que o trabalhador no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da comunicação de despedimento, requeira judicialmente a suspensão do despedimento (art. 386.º). A suspensão traduz-se na paralisação do efeito extintivo do despedimento, o que significa que o contrato de trabalho se mantém, continuando o trabalhador a auferir o respetivo salário e, em princípio, a executar o trabalho, até que seja tomada uma decisão final sobre a licitude do despedimento. Trata-se de uma medida de caráter preventivo, cujos trâmites estão fixados no CPT (arts. 34.º a 40.º- A), que o tribunal toma mesmo sem ter feito uma apreciação definitiva do caso»[12].

De acordo com MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «se a suspensão judicial do despedimento for decretada, o contrato retoma a sua eficácia, até à decisão final da causa na ação de impugnação. Assim, o trabalhador tem direito de retomar as suas funções e de auferir a retribuição, nos termos gerais»[13].

2 - A providência cautelar de suspensão do despedimento era disciplinada nos artigos 39.º e 40.º do Código de Processo do Trabalho acima transcritos.

Decorria do n.º 1 do primeiro daqueles dispositivos que «a suspensão do despedimento é decretada se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo ou se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa».

Para além dos dois casos de ilicitude manifesta do despedimento, decorrentes da falta de procedimento disciplinar, ou da nulidade deste procedimento, a suspensão pode ainda ser decretada quando o tribunal, «ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa».

Decretada a providência cautelar e suspenso por força da mesma o efeito extintivo do contrato com a reposição, ainda que transitória por natureza, da situação jurídica que do mesmo emerge, resultava do n.º 2 daquele artigo, que «a decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente aos salários em dívida, devendo a entidade patronal, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar recibo de pagamento da remuneração devida», e, coerentemente, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a execução instaurada segue o regime do trato sucessivo, integrando as dívidas vencidas depois da respetiva instauração.  

Resulta deste dispositivo a atribuição de força executiva à decisão que suspende o despedimento, no que se refere à obrigação de pagamento de salários, do que decorre que a mesma pode ser executada, sendo a empregadora obrigada a pagar ao trabalhador os «salários em dívida».

Deste modo, enquanto se mantiver a eficácia da decisão que decretou a suspensão do despedimento, mantém-se a obrigação do empregador de pagar ao trabalhador os salários que lhe eram devidos antes do despedimento.

Os salários em dívida são os salários que eram devidos ao trabalhador antes do despedimento, ou seja, os que decorrem da ordem de reintegração e da inerente prestação de trabalho.

A decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento corporiza uma reposição da relação de trabalho interrompida com o despedimento, com a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho e a obrigação imposta ao empregador de aceitar o trabalho prestado e de proceder ao pagamento das retribuições correspondentes.

A suspensão cautelar do despedimento visa afastar os efeitos mais gravosos do despedimento para o trabalhador, tendo o seu cerne na retoma da prestação de trabalho e na respetiva retribuição, sendo a obrigação de pagamento de retribuições imposta ao empregador uma obrigação derivada daquela prestação.

A suscetibilidade de execução das retribuições auferidas pelo trabalhador no período posterior à suspensão do despedimento, não altera a natureza da obrigação de prestação de trabalho e a relação de interdependência entre essa obrigação e a obrigação de pagamento das retribuições que onera o empregador na sequência da suspensão do despedimento e da reintegração do trabalhador.

A específica natureza das obrigações derivadas para o empregador da decisão proferida na providência cautelar é essencial para a caracterização da exequibilidade da decisão proferida na providência cautelar que se encontra no cerne das questões que constituem o objeto do presente recurso.

Com efeito, o que se visa com a suspensão do despedimento é a imposição ao empregador da reintegração do trabalhador despedido e não, tal como acima já se afirmou, a reconstituição da situação do trabalhador que existiria se ele não tivesse ocorrido o despedimento, reconstituição que não é realizável através da mera providência cautelar de suspensão do despedimento, mas através da ação para impugnação do despedimento.

4 – Resulta do artigo 619.º do Código de Processo Civil que, por regra, os efeitos da sentença dependem do respetivo trânsito, trânsito este que é essencial para que aquela assuma a natureza de título executivo, viabilizando a realização coativa dos direitos que reconheça.

Na verdade, conforme decorre do n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil, «a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo» e, de acordo com o disposto no artigo 628.º do mesmo código, «a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação».

Decorria do n.º 1 do artigo 40.º daquele Código, que «da decisão final cabe sempre agravo para a Relação», não estando, deste modo, a recorribilidade da decisão dependente do valor da alçada que seja atribuído ao processo.

Por outro lado resultava do n.º 2 do mesmo artigo que «o recurso tem efeito meramente devolutivo, mas ao recurso da decisão que decretar a providência é atribuído efeito suspensivo se, no ato de interposição, o recorrente depositar no tribunal a quantia correspondente a seis meses do vencimento do recorrido».

A atribuição, em regra, de efeito meramente devolutivo à decisão é compatível com a exequibilidade da mesma relativamente às retribuições.

Conforme refere ALBERTO DOS REIS «os recursos podem ter dois efeitos: devolutivo e suspensivo. Têm sempre efeito devolutivo; podem além deste, ter efeito suspensivo. Diz-se que o recurso tem efeito meramente devolutivo, quando ao efeito devolutivo não acresce o efeito suspensivo», e prossegue referindo que «o efeito devolutivo consiste em devolver ou deferir ao tribunal superior o conhecimento da questão ou questões opostas pelo recorrente e, secundariamente, pelo recorrido»[14].

Refere ainda aquele autor que «o efeito suspensivo pode traduzir-se em duas manifestações: 1.ª o recurso susta a execução da decisão recorrida, obsta a que a decisão constitua título executivo enquanto não transitar em julgado (art. 47.º); 2.ª o recurso susta o andamento do processo em que foi proferida a decisão de que se recorre»[15].

Por outro lado, conforme refere o mesmo autor, «se o credor promove a execução com base numa sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, corre o risco de ver inutilizado o processo executivo e de ter consequentemente, de pagar as custas deste processo e de restituir o que já tenha recebido, se o recurso obtiver provimento.

É de toda a evidência que não pode subsistir uma execução baseada numa sentença que posteriormente é revogada ou anulada. Nesta hipótese o título executivo cai e com ele tem de cair a execução que no título se apoiava»[16].

A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso da decisão que recaia sobre a providência cautelar implica, no caso de suspensão do despedimento do trabalhador, a exequibilidade dessa decisão no que se refere às obrigações que emergem daquela decisão, nomeadamente, a obrigação do empregador pagar as retribuições devidas ao trabalhador expressamente consignada na norma.

Deste modo, por regra, a interposição de recurso da decisão que tenha julgado procedente a providência não obsta à exequibilidade desta decisão na componente salarial, face ao disposto no n.º 2 do artigo 39.º acima referido.

Resulta, contudo, do n.º 2 daquele artigo 40.º que «ao recurso da decisão que decretar a providência é atribuído efeito suspensivo se, no ato de interposição, o recorrente depositar no tribunal a quantia correspondente a seis meses do vencimento do recorrido».

Prevê-se nesta norma a possibilidade de atribuição ao recurso de efeito suspensivo, do que decorre a inexequibilidade da decisão impugnada na pendência do recurso.

A atribuição deste efeito implica a não vinculatividade da decisão e a sua inexequibilidade, quer no que se refere à obrigação de reocupação do posto de trabalho, quer no que se refere à componente salarial.

Da sustação da vinculatividade e exequibilidade da decisão resulta que a entidade empregadora deixa de estar obrigada a pagar os salários que seriam devidos ao trabalhador enquanto não houver trânsito em julgado da decisão proferida no recurso.

5 - A atribuição do efeito suspensivo ao recurso está condicionada ao depósito do montante correspondente a seis meses do «vencimento do recorrido».

A atribuição deste efeito ao recurso suspende a eficácia da decisão recorrida relativamente à reposição do contrato de trabalho e das obrigações que do mesmo derivam, pelo que, na falta de constituição de outra relação laboral, o trabalhador encontra-se numa situação de desemprego.

É por força desta situação que o n.º 3 daquele artigo 40.º prevê que «enquanto subsistir a situação de desemprego pode o trabalhador requerer ao tribunal, por força do depósito, o pagamento da retribuição a que normalmente teria direito».

A sujeição ao depósito deste quantitativo da atribuição de efeito suspensivo ao recurso, com o específico regime que o caracteriza, afasta a aplicabilidade do regime geral, hoje consagrado no n.º 4 do artigo 647.º do Código de Processo Civil.

Em vez da prestação de uma caução, o recorrente deposita o valor de seis meses da retribuição devida ao trabalhador despedido, quantitativo este que lhe pode vir a ser entregue nas condições acima referidas.

Deste modo, se o empregador acatar a decisão proferida na providência cautelar, o trabalhador retoma o exercício das suas funções e vai auferir a retribuição correspondente.

Por outro lado, se o empregador recorre sem pedir a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, fica obrigado a pagar ao trabalhador as retribuições vencidas enquanto o recurso não for decidido e pode mesmo ser coagido à respetiva reintegração.

A atribuição ao recurso de efeito suspensivo retira eficácia executiva às obrigações de reintegração e de pagamento de retribuições, pelo que, decidido o recurso com a confirmação da suspensão do despedimento, aí a obrigação de reintegração assume a sua plenitude, criando o inerente direito ao pagamento das retribuições correspondentes.

Deste modo, atribuído ao recurso o efeito suspensivo, o trabalhador não tem direito a receber as retribuições que auferia antes do despedimento, direito que poderá recuperar no caso de a decisão que suspendeu o despedimento ser confirmada em sede de recurso, atingindo aí a decisão a plenitude da sua eficácia executiva, apesar de não poder deixar de ser enquadrada com a provisoriedade que caracteriza as decisões proferidas em providencias cautelares.

Contudo, se se encontrar numa situação de desemprego, pode pedir a atribuição da retribuição a que normalmente teria direito durante seis meses, por força dos valores depositados pelo empregador como condição da atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

Conforme refere LEITE FERREIRA, pronunciando-se sobre idêntica disposição do n.º 2 artigo 44.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, «o recurso tem efeito meramente devolutivo e, por isso, a decisão impugnada reveste-se, desde logo, da força e da dignidade de título executivo – com o que se dá satisfação aos interesses do credor-‑trabalhador» e prossegue, afirmando que «o devedor, porém, pode obter o efeito suspensivo e, assim evitar a ação executiva pelo menos até que a relação decida o agravo. Basta para isso, que no ato de interposição do recurso, o requeira e deposite no tribunal a quantia correspondente a seis meses de vencimento do trabalhador-recorrido. Assim, se dá também satisfação, de certo modo, aos interesses da entidade patronal-‑devedora»[17].


VI


1 – Nas conclusões IV a XIX das alegações da revista insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida que julgou improcedentes os embargos da executada referindo, em síntese, que «ao julgar improcedentes os embargos, a sentença em crise fez uma [in]correta interpretação do artigo 39.°, n.º 2 do CPT (pois considerou devidas ao Recorrido as retribuições desde a data do despedimento - agosto de 2006), impondo-se, assim, a sua revogação, substituindo-a por decisão que, atendendo à interpretação sustentada pela Recorrente, considere procedentes os embargos e declare extinta a execução».

Por outro lado, nas conclusões XXXIV, XXXV e XXXVI, suscita a recorrente a questão de saber se «as retribuições em dívida referidas no artigo 39.°, n.º 2 do CPT correspondem às que forem devidas a partir da data em que é proferida decisão em l.ª instância e que suspenda o despedimento, independentemente da interposição de recurso com efeito suspensivo do Empregador» e, na conclusão XXXVIII, aborda a questão de saber desde quando é que são devidas retribuições, «se desde a data do despedimento, se desde a data da decisão de l.ª instância, se desde a data do trânsito em julgado de tal decisão em sede de recurso com efeito suspensivo».

Tal como vimos, decorre da matéria de facto dada como provada que «o exequente/embargado foi objeto de despedimento por parte da embargante/executada em 26/07/2006» e que o «embargado/exequente requereu a suspensão do despedimento em 31/07/2006».

Resulta igualmente que «a decisão na providência cautelar de suspensão do despedimento, proferida em 10/09/2008, decretou a suspensão do despedimento que a requerida levou a cabo e, em consequência, determinou a reintegração imediata do embargado/executado no respetivo posto de trabalho» e que «a embargante/executada interpôs recurso da aludida decisão, tendo requerido a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto, caucionando, para o efeito, a quantia de € 7.018,50».

Flui igualmente da matéria de facto dada como provada que «o embargado/exequente passou à situação de desemprego e requereu o pagamento das retribuições por força da caução prestada, tendo recebido, a tal título, a quantia líquida de € 1.169,75 x 6 meses, respeitante à retribuição dos meses de fevereiro a julho de 2007» e que «em 20/07/2009, transitou em julgado a decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento, após improcedência do recurso interposto, por decisão do Tribunal da Relação de 06/07/2009» e que «a partir de setembro de 2009, o embargado/executado reiniciou funções, sendo retribuído como tal a partir dessa data».

À luz do acima exposto, constata-se que a empregadora aqui embargante requereu a atribuição ao recurso interposto de efeito suspensivo depositando o quantitativo legalmente previsto, que foi entregue ao exequente, aqui embargado.

Uma vez decidido o recurso com a confirmação da decisão de suspensão do despedimento, a empregadora readmitiu o aqui embargado passando a pagar-lhe a retribuição a que tinha direito.

O efeito suspensivo atribuído ao recurso determina a perda da força executiva do título constituído pela decisão impugnada, pelo que, na pendência do recurso, ou seja, entre o despedimento e a confirmação pelo Tribunal da Relação da decisão que suspendeu o despedimento, a empregadora não estava obrigada a reintegrar o trabalhador e este não tinha, consequentemente, o direito às retribuições, pelo que a executada nada deve ao exequente em relação a esse período de tempo.

A reintegração do trabalhador despedido, na sequência do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que confirmou a sentença da 1.ª instância proferida na providência cautelar que suspendeu o despedimento, conduziu à eficácia do contrato de trabalho e do complexo de direitos e obrigações que do mesmo emergem, pelo que o facto de o trabalhador ter retomado o exercício das suas funções levou a que passasse a auferir a retribuição que lhe era devida.

No que se refere ao período de tempo que decorreu entre o despedimento e o trânsito em julgado daquele acórdão do Tribunal da Relação, a que por iniciativa da empregadora se seguiu a reintegração do trabalhador, não tinha aquele direito às retribuições, uma vez que, não tendo a decisão da 1.ª instância eficácia jurídica, por força do efeito suspensivo atribuído ao recurso interposto, não tem igualmente eficácia a obrigação de reintegração e a de pagamento das retribuições conexas.

Nem se diga que o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação sobre a decisão da 1.ª instância atribui eficácia a essa decisão desde a data em que foi proferida, daí decorrendo a existência do direito em causa nesse período de tempo.

Na verdade, a obrigação de pagamento de retribuições decorre da obrigação de reintegração do trabalhador e da prestação de trabalho subsequente, a qual só se torna efetiva com o trânsito em julgado da decisão que determina a suspensão do despedimento.

Deste modo, só há retribuições em dívida com o trânsito em julgado da decisão proferida na providência, não tendo o trabalhador o direito às retribuições que lhe seriam devidas entre o despedimento e esse trânsito em julgado que atribui força executiva à decisão.

O direito a tais retribuições, como retribuições intercalares, só pode ser exercido em sede de ação de impugnação do despedimento, pela via do exercício do direito previsto no artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003, e poderá ser reconhecido, no caso de ação de impugnação do despedimento ser julgada procedente, com a declaração de ilicitude do despedimento.

O título dado à execução não comporta, pois, a obrigação do pagamento das retribuições que o exequente pretende efetivar.

2 – Nas conclusões XXI, XXII e XXIII suscita a recorrente a questão da caducidade da decisão proferida na providência cautelar de suspensão de despedimento que é objeto da execução a que se referem os presentes embargos, referindo que «a decisão proferida, em setembro de 2014 e já transitada em julgado, na ação principal, julgando totalmente improcedente a ação de impugnação de despedimento instaurada pelo Recorrido» - «determinou a extinção e, necessariamente, a caducidade da decisão da providência cautelar que serve de base à execução instaurada pelo Recorrido [art. 40.º-A, n.º 2 do CPT e alto 373.°, n.º 1, c) do CPC], pelo que em seu entender «cessaram, assim, todos os seus respetivos efeitos, perdendo tal decisão, necessariamente, a respetiva força executiva».

Os presentes embargos de executado visam deduzir oposição à execução da decisão proferida na providência cautelar de suspensão de despedimento do Autor, aqui embargado, que determinou a suspensão daquele despedimento e a respetiva reintegração.

Está em causa o pagamento, baseado na decisão proferida naquela providência cautelar, dos salários do Autor vencidos entre o respetivo despedimento e a reintegração decorrente do trânsito em julgado da decisão proferida naquela providência cautelar.

A suspensão do despedimento determinada em sede cautelar caducava nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código de Processo Civil, então em vigor, ou seja, «se o requerente não propuse[sse] a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que tiver sido notificado do trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado» e nos termos da alínea c) do mesmo artigo «se a ação vie[sse] a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado».

Deste modo, o trânsito em julgado da decisão proferida na ação de impugnação do despedimento determina a caducidade da decisão proferida na providência cautelar, uma vez que, se a ação for julgada procedente, os efeitos a acautelar com a providência passam a ser assegurados pela decisão proferida na ação e, no caso de esta ser julgada improcedente, isso evidencia a falta de fundamento da medida de suspensão do despedimento.

Na verdade, a suspensão do despedimento, sendo uma medida cautelar, como refere ALBERTO DOS REIS «tem uma função nitidamente provisória ou interina: supre temporariamente a falta da providência final. A ameaça do periculum in mora autoriza o tribunal a apreciar, preliminarmente e sumariamente, uma relação jurídica substancial que há-de ser objeto de exame mais profundo e demorado; essa apreciação preliminar, quando favorável ao requerente, provoca a emissão de uma providência provisória, destinada a acautelar o perigo; pela sua própria natureza e pelas condições em que é decretada, a providência cautelar, tem uma vida necessariamente limitada; só dura enquanto não é proferida a decisão final. Logo que se forma a decisão definitiva, a providência cautelar, porque é provisória caduca automaticamente, perde, ex se ou ipso jure, a sua eficácia, a sua vitalidade.»[18]

No mesmo sentido afirmam LEBRE DE FREITAS e OUTROS, referindo-se à absolvição do pedido como fundamento da caducidade da providência, no âmbito do artigo 389.º do anterior Código de Processo Civil, que «o primeiro fundamento de caducidade referido é óbvio: absolvido o réu do pedido, o direito acautelado é, para todos os efeitos legais declarado não existir, não fazendo portanto qualquer sentido a manutenção da providência que visa garanti-lo» e prosseguem referindo que «diversamente, se a sentença de mérito definitiva for de condenação no pedido, os efeitos da providência, são, conforme os casos (…) absorvidos pelos efeitos da sentença – o que era provisório torna-se definitivo -, ou perduram ainda, por anteciparem um ato executivo da sentença, transferindo-se para a ação executiva a propor a relação de subordinação existente entre o procedimento cautelar e o processo de que ele depende»[19].

Tal como resulta da matéria de facto dada como provada, o despedimento do Autor veio a ser considerado lícito na ação principal, facto de que, no entender da recorrente, resulta a caducidade da decisão que constitui o título executivo da execução a que se refere a presente providência, nos termos dos artigos 40.º-A, n.º 2 do CPT e 373.°, n.º 1, c) do CPC.

O artigo 40.º-A do Código de Processo do Trabalho teve origem na alteração àquele código decorrente do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, que não é aplicável ao presente processo.

Já o artigo 373.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil em vigor não é aplicável ao presente processo, atento o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, sendo ao caso dos autos aplicável o artigo 389.º, n.º 1, al. c), do anterior Código de Processo Civil.

Deste modo, tem de se entender que a decisão proferida na ação principal julgando lícito o despedimento do Autor determinou a caducidade da decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento que determinara a suspensão do mesmo.

Dessa caducidade não decorre, contudo, o arquivamento da execução como pretende a recorrente.

Na verdade, conforme se considerou no acórdão deste Secção de 23 de janeiro de 1996, proferido no processo n.º 4 248, acima citado, os efeitos da caducidade operam para o futuro não tendo a eficácia extintiva que dela deriva reflexos nas situações constituídas anteriormente.

Acresce que o embargado instaurou a presente execução invocando a decisão que determinou a suspensão do despedimento como título executivo relativamente às retribuições a que teria direito, vencidas entre o despedimento e a data em que foi reintegrado, com exceção dos seis meses auferidos por conta do quantitativo depositado pela empregadora para obter o efeito suspensivo do recurso que interpôs.

Impõe-se, pois, decidir se a decisão executada constitui título executivo bastante relativamente àqueles quantitativos, questão que tem autonomia relativamente à da caducidade daquela decisão, decorrente do decidido na ação principal sobre a licitude do despedimento, e dos reflexos dessa decisão sobre a execução.

Na verdade, estão em causa quantitativos que se teriam vencido antes de ocorrer a caducidade da decisão executada e não posteriores a essa caducidade, que não colidem com o objeto do processo de execução instaurado, não se tratando sequer de um caso de modificação do objeto da execução, nos termos do n.º 2 do artigo 704.º do Código de Processo Civil, que disciplina a execução de sentenças na pendência de recurso de que tenham sido objeto.

Deste modo, o decidido na ação principal relativamente à licitude do despedimento do autor não determina a caducidade do segmento da decisão proferida na providência cautelar que constitui objeto da execução, que na ótica do exequente, lhe confere o direito às retribuições que reclama.

Impõe-se, pois, a concessão da revista e a procedência dos embargos com a extinção da execução.

3 – O decidido prejudica o conhecimento das questões suscitadas pela recorrente, nomeadamente, no que se refere:

a) - À constitucionalidade «do artigo 39.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, acolhida na decisão recorrida», nomeadamente, por violação dos «princípios da igualdade, proporcionalidade e do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva, previstos, respetivamente, nos artigos 13.°, 18.° e 20.° da Constituição da República Portuguesa;

b) – À questão de o recorrido ao instaurar a execução ter atuado com abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil;

c) – À questão de saber se o recorrido tem direito à sanção pecuniária compulsória reclamada na execução, nos termos do artigo 829.º- A do Código Civil.

Por tal motivo, não se conhece da matéria relativa às sobreditas questões, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do citado Código.

Prejudicada fica igualmente, nos termos das disposições legais acima citadas, a remessa dos autos à 1.ª instância, para suprimento da nulidade de omissão de pronúncia que afetava a decisão recorrida, tal como se deliberou supra.


VI


Termos em que acordam no plenário da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida, considerando-se procedentes os embargos deduzidos pela executada BB, S.A, e determinando-se a extinção da execução, nos termos do n.º 4 do artigo 732.º do Código de Processo Civil.

Mais acordam em uniformizar a jurisprudência, nos seguintes termos:

«Interposto recurso com efeito suspensivo para o Tribunal da Relação da decisão proferida em providência cautelar que tenha decretado a suspensão do despedimento, não são devidas ao trabalhador retribuições entre a data do despedimento e o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação que confirme a suspensão do despedimento, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro».

Custas na 1.ª instância e na revista pelo embargado.

Transitado, dê-se cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 687.º do Código de Processo Civil.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 18 de fevereiro de 2016

António Leones Dantas (relator)

Mário Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

Henriques Gaspar (Presidente)

-----------

Suspensão do despedimento - Recursos - Efeito suspensivo - Efeito meramente devolutivo

1 – A decisão proferida no procedimento cautelar de suspensão do despedimento que defira o requerido, se não for impugnada, restabelece, transitoriamente, a vigência do contrato de trabalho e origina para o empregador a obrigação de reintegração do trabalhador e de pagamento da retribuição devida, obrigação que permanece enquanto se mantiver a eficácia do decidido.

2 – O recurso que seja interposto para o Tribunal da Relação da decisão da 1.ª instância referida no número anterior tem, em regra, efeito meramente devolutivo, não pondo em causa a exequibilidade da decisão, nomeadamente, no que se refere às retribuições devidas ao trabalhador.

3 – O empregador pode, contudo, pedir a atribuição ao recurso de efeito suspensivo, o que afasta o caráter vinculativo da decisão e a sua exequibilidade e, em consequência, impede a constituição da obrigação de reintegração do trabalhador e de pagamento de retribuições.

4 – Confirmada pelo Tribunal da Relação a sentença da 1.ª instância que decretou a suspensão do despedimento, esta adquire a sua exequibilidade plena, donde deriva para o empregador, a obrigação de proceder ao pagamento das retribuições, a partir do trânsito da deliberação do Tribunal da Relação.

5 – A atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão da 1.ª instância depende do depósito por parte do empregador do valor correspondente à retribuição mensal de seis meses do trabalhador, quantitativo que pode vir a ser entregue ao trabalhador, enquanto se mantiver na situação de desemprego.

Leones Dantas (relator)

Mário Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

Pinto Hespanhol

Gonçalves da Rocha

Henriques Gaspar (Presidente)

----------------------
[1] Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, p.p. 428.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 670.
[3] Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, 1977, 3.ª Edição, p. 15.
[4] De que foi extraído o seguinte sumário, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social1996.pdf: «I - Requerida e decretada a providência cautelar de suspensão de despedimento mantém-se em vigor o contrato de trabalho, como se o despedimento não tivesse ocorrido.
II - A entidade patronal pode exigir do trabalhador a continuação da sua prestação laboral, estando obrigada em contrapartida a pagar-lhe a retribuição convencionada, enquanto se mantiver a relação laboral, mesmo que não exija ou recuse a respetiva prestação de trabalho.
III - A suspensão decretada fica sem efeito se a ação for julgada improcedente, caducando a suspensão.
IV - Os efeitos da improcedência da ação de impugnação do despedimento não retroagem à data do despedimento
V - A caducidade da suspensão do despedimento só produz efeitos para futuro.
VI - O contrato de trabalho permanece com a sua eficácia normal desde a decisão que decretou a suspensão do despedimento até à caducidade dessa medida, tendo o trabalhador direito às retribuições vencidas durante o período em que o despedimento ficou suspenso.»
[5] De que foi extraído o seguinte sumário, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social1997.pdf : «A atribuição do efeito suspensivo ao recurso da decisão que suspendeu o despedimento, em consequência do depósito da quantia correspondente a seis meses de salário, apenas impede o trabalhador de lançar mão de ação executiva para reocupação do seu posto de trabalho e para haver da sua entidade empregadora as respetivas retribuições (embora deixando garantido os seis meses de salário). Tal, porém, não afeta os direitos decorrentes da decretação judicial de suspensão de despedimento, designadamente o direito à retribuição e à reintegração.»
[6] In “Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, Ano VI, Tomo II – 1998, p. 265 e ss.
[7] Aresto de que foi extraído o seguinte sumário, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social1998.pdf: «I - Decretada a medida cautelar de suspensão de despedimento, a relação laboral readquiriu a sua plena eficácia, impendendo sobre o empregador a obrigação de pagamento da retribuição, quer o mesmo tenha ou não aceite a prestação do trabalhador.
II - A expressão “salários em dívida” contida no n.º 2, do art.º 43º, do CPT, reporta-se, por isso, às remunerações devidas ao trabalhador enquanto se mantiver a decisão de suspensão de despedimento, sendo as mesmas o objeto sobre que recai a força executiva do respetivo título.
III - A caução prevista na lei com vista a atribuir efeito suspensivo ao recurso da decisão de suspensão de despedimento não se confunde com a força executiva do respetivo título, não interferindo pois no direito do trabalhador a receber os salários em dívida.
IV - Tal caução constitui um expediente optado pelo legislador com vista a contrabalançar os interesses do trabalhador e do empregador no âmbito do procedimento cautelar em causa, concedendo-se àquele a garantia de, no mínimo, receber seis meses de salário (tempo considerado suficiente para a decisão de recurso), e a este, a garantia de que a decisão de 1ª instância não seria imediatamente executada.»
[8] In “Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, Ano XII , Tomo II, pp. 266 e ss.
[9] Disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2005.pdf.
[10] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI e de que foi extraído o seguinte sumário:
«I – (…).
II – (…).
III - Tendo o recurso da decisão que decrete a providência, por regra, efeito meramente devolutivo, uma vez decretada a suspensão do despedimento a relação juslaboral mantém-se viva, válida e eficaz, como se contra a mesma não se tivesse atentado, pelo que a reação prevista como normal seria a de o empregador viabilizar imediatamente ao trabalhador a reocupação do seu posto e função, até que a providência caduque ou se decida a ação de impugnação de que é dependência, não existindo, neste caso, qualquer prejuízo por banda dos protagonistas da relação, pois o empregador paga a retribuição mas dispõe da força de trabalho e do resultado da prestação do trabalhador.
Não reagindo o empregador à decisão, deixando-a transitar, mas também não readmitindo o trabalhador nem lhe pagando os salários entretanto em dívida, este passa a dispor de um título executivo que lhe viabilizará, com trato sucessivo, a sua recuperação.
IV - Pode todavia o empregador obter o efeito suspensivo da decisão que decretou a suspensão do despedimento, desde que, no ato da sua interposição, deposite no Tribunal uma quantia correspondente ao valor de seis meses de vencimento do recorrido, podendo este requerer ao Tribunal que, enquanto subsista a sua situação de desemprego, o pagamento da retribuição a que normalmente teria direito se faça por força desse depósito/caução.
V - No âmbito do CPT/99, os salários em dívida referidos no seu art. 43.º, n.º 2, correspondem aos que forem devidos a partir da data da decisão que, na 1.ª instância, suspenda o despedimento pelo que, se o empregador não quiser aproveitar a prestação de trabalho do empregado tem de lhe pagar a retribuição convencionada, como se estivesse a receber trabalho.
VI - Constituindo o recebimento das prestações retributivas um direito do trabalhador, decorrente da natureza da providência, que, sendo provisória, não é condicional – a eficácia da decisão que decreta a suspensão do despedimento não fica dependente do sentido confirmativo, ou não, da decisão definitiva da relação jurídica em litígio, apenas implicando esta o termo daquela –, não existe fundamento legal para a pretensão formulada pelo empregador, no caso, sob a forma de compensação, no sentido de obter do trabalhador a reposição desses valores.»
[11] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, p.p. 428 e 429.
[12] Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p. 758.
[13] Direito do Trabalho – Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, 2010, p. 942.
[14] Código De Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981, p. 396.
[15] Ibidem.
[16] Processo de Execução, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1982, p. 130.
[17] Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1996, p. 211.
[18] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1980, p. 626.
[19] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, Coimbra Editora, p. 53.