Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
190/98.0TBCMN-B.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
ACÇÃO DECLARATIVA
AÇÃO DECLARATIVA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL / FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL / SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO LESADO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 311.º, N.º 1, 314.º, N.º 1, 498.º, N.ºS 1 E 2.
DECRETO-LEI N.º 522/85, DE 31-12: - ARTIGO 25.º, N.º 1.
Sumário :
I - O prazo de prescrição do direito do sub-rogado Fundo de Garantia Automóvel é de três anos por aplicação analógica do disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC.

II - Porém, esse prazo apenas funciona quando se está perante uma ação declarativa instaurada pelo Fundo que vise obter o reconhecimento do seu direito e a condenação do responsável civil no pagamento da indemnização por ele satisfeita, como garante, ao lesado; já não funcionando quando se está perante uma execução promovida pelo Fundo com base num título executivo consubstanciado numa sentença transitada em julgado, caso em que o prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 2004.12.09 no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, na qualidade de executada, AA deduziu embargos à execução contra si instaurada pelo Fundo de Garantia Automóvel.


Alegou

em resumo

a) A inexistência de título executivo quanto a si, porquanto os documentos juntos pretensamente como tal valendo são uma sentença de 1ª instância e o acórdão da 2ª, em que figura, apenas, como credor de indemnização um terceiro lesado e como devedor o exequente, a nenhum título neles constando a oponente;

b) A ilegitimidade ativa do exequente Fundo, uma vez que este não figura como tal nos ditos documentos;

c) A ilegitimidade passiva da executada/embargante, porque esta também neles não consta como devedora;

d) A prescrição do direito invocado, porquanto, tendo o evento lesivo originário da condenação ocorrido em 1996.07.11, a exequente não alegou na petição a data em que pagou a indemnização fixada ao lesado BB, apenas constando de uma “certidão” junta com ele que tal pagamento ocorreu em 20 de Março de 2003 vendo-se os juros contados desde esta última, pelo que, tendo a execução sido instaurada em 2014.02.28, e, assim, decorrido quase 11 anos, há muito se esgotou o prazo de 3 anos previsto no artº 498º, nºs 1 e 2, do Código Civil;

e) A prescrição dos juros moratórios liquidados, ou, pelo menos, dos correspondentes aos dos 5 anos subsequentes ao pagamento alegado;

f) A impugnação, por desconhecimento e falsidade dos factos alegados no requerimento executivo;

g) A impugnação, por desconhecimento do teor e das assinaturas constantes no documento junto.



Contestando

e também em resumo, o exequente alegou

a) Quanto à inexistência de título executivo e ilegitimidade ativa, que foi condenado, solidariamente com a embargante, por decisões judiciais transitadas de 2000.03.31, 2001.01.17 e 2003.05.26, no pagamento da indemnização ao lesado e pagou-a ele próprio, pelo que ficou sub-rogado nos direitos daquele ao abrigo do artº 54º, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, podendo valer-se da sentença como título executivo;

b) Quanto à ilegitimidade passiva, que a embargante é a responsável civil condenada a pagar a indemnização ao lesado, pelo que o Fundo, pagando-a, sucedeu na posição deste em tal relação, mantendo-se aquela como sua titular passiva;

c) Quanto à prescrição do crédito e dos juros, que o prazo é o ordinário de 20 anos, aplicando-se os artigos 309º e 311º, do Código Civil, e não o de 3 anos previsto no artº 498º, do mesmo diploma, uma vez que aquele se encontra reconhecido por sentença e que várias vezes interpelou a devedora.


Em 2015.06.09, e no despacho saneador, foi proferida sentença em que se julgou prescrito o direito, procedente a oposição e extinta a execução.


O exequente apelo, com êxito, pois a Relação de Guimarães, por acórdão de 2016.02.18, revogou a decisão recorrida na parte em que julgou extinta a execução por prescrição e determinou o prosseguimento dos autos no tribunal recorrido para conhecimento das demais questões alegadas e que não o foram na medida em que ali consideradas prejudicadas.


Inconformada, a executada deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

A única questão proposta para resolução consiste em saber qual o prazo de prescrição do direito do Fundo de Garantia Automóvel quando paga a indemnização ao lesado e fica sub-rogado nos direitos deste contra o autor da lesão.


Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1. Por decisões datadas de 31-03-2000 e 17-01-2001, transitadas em julgado, proferidas no âmbito dos autos de processo comum singular que correu termos com o nº 62/98, no Tribunal Judicial da Comarca de Caminha, a executada AA foi condenada solidariamente com a exequente no pagamento global de 4.967,45$00, bem como a indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente a 60% dos custos a suportar pelo aí demandante BB com a intervenção cirúrgica da fratura no antebraço direito, acrescido de juros nos termos constantes da sentença junta aos autos a fls. 10 a 20 dos autos.

2. O exequente, na qualidade de garante, liquidou ao lesado BB a quantia de € 30.659,31 no dia 24-03-2003.


Os factos, o direito e o recurso


Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se ser aplicável ao caso o prazo de prescrição de três anos, previsto no nº 2 do artigo 498º do Código Civil, pelo que, tendo em conta a data do último pagamento feito pelo Fundo de Garantia Automóvel ao lesado – 2003.03.24 – o direito que se arrogava o exequente tinha prescrito em 2006.03.24, antes da entrada em juízo da execução a que se refere a presente oposição à execução.


No acórdão recorrido entendeu-se que, tendo em conta o disposto no nº 1 do artigo 314º do Código Civil, o prazo de prescrição era o prazo ordinário de vinte anos na medida em que se está perante uma execução em que o título executivo é constituído por uma sentença transitada em julgado, pelo que, atento à data em que o exequente efetuou o pagamento, o direito que esta pretende fazer valor nesta execução não estava prescrito.


A recorrente entende que o prazo de prescrição aplicável é de três anos, de acordo com o estabelecido no nº6 do artigo 54º do Decreto-lei 291/2007, de 21.08 e no nº 2 do artigo 498º do Código Civil, pelo que o direito se encontra prescrito.


Cremos que não tem razão e se decidiu bem.


Face ao disposto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil, o direito de indemnização exercido com base na responsabilidade civil prescreve no prazo de três anos e nos termos do nº 2 do mesmo artigo “prescreve igualmente no prazo de três anos, contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”.


Ao tempo do acidente, da sentença condenatória e do pagamento efetuado pelo FGA, vigorava o Decreto Lei 522/85, de 31.12, que no nº1 do seu artigo 25º determinava que “satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado (…)”.


Aderimos ao entendimento, que cremos unânime, no sentido que, por aplicação analógica do disposto no transcrito nº 2 do artigo 498º, o prazo de prescrição do exercício do direito do sub-rogado Fundo de Garantia Automóvel é de três anos.


No entanto, aquele prazo apenas funciona quando estamos perante uma ação declarativa instaurada pelo Fundo que vise obter o reconhecimento do direito do mesmo e a condenação do responsável civil no pagamento da indemnização por ele satisfeita ao lesado, como garante, mas já não funciona quando estamos perante uma execução promovida pelo Fundo com base num título executivo consubstanciado numa sentença transitada em julgado, caso em que o prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos.


Na verdade, o direito a que o Fundo se pode arrogar pode ainda não estar reconhecido judicialmente e, por isso, como se refere no acórdão recorrido, “permaneça ainda controverso, incerto, indefinido e cuja certeza e segurança jurídicas e progressiva dificuldade de prova exijam rápida definição, promovendo e agilizando o seu exercício através do estabelecimento de um prazo prescricional mais curto e que estimule o credor a ser lesto, sob pena de a sua negligência e aparente renúncia serem sancionadas com a paralisação do direito e o estabelecimento assim da paz jurídica dos sujeitos interessados”


É o caso que ocorre quando o Fundo paga extrajudicialmente a indemnização ao lesado e depois “exerce, mediante ação declarativa, o direito de judicialmente a recuperar, pedindo a condenação do responsável civil a pagar-lhe o correspondente valor”.


Neste caso, justifica-se o estabelecimento do prazo de três anos, acima referido.


Mas no caso de haver uma sentença judicial transitada em julgado, desaparecem aqueles fundamentos de um prazo curto, pois o direito torna-se certo, justificando-se que a partir daquele trânsito se inicie um novo prazo prescricional, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos.


É o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 311º do Código Civil, em que se estabelece que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”


Com base numa sentença transitada em julgado, conjugada com os direitos que lhe advêm da sub-rogação legalmente estabelecida, pode o Fundo de Garantia Automóvel instaurar uma execução contra o responsável civil originário, para coativamente concretizar aquele direito certo.


 No caso concreto em apreço, a recorrente foi condenada, por acórdão de 2001.01.17 e em ação instaurada por BB, solidariamente com o exequente, a pagar determinada quantia ao autor, tendo liquidado essa quantia, na qualidade de garante, em 2003.03.24.

A presente execução foi instaurada em 2014.12.10.

Termos que em se conclui que, não estando ainda decorrido o prazo de vinte anos acima assinalado, não se encontra prescrito o direito do exequente


Apenas uma nota final.


Mesmo que se entendesse que se aplicava aqui o disposto no nº 6 do artigo 54º do Decreto-lei 291/07, de 21.08, diploma esta que revogou o referido Decreto-lei 522/85, em que se estabeleceu que “aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel (…) é aplicável o nº 2 do artigo 498º do Código Civil”, o certo é que nada neste preceito nos permite concluir que esse regime constituía um regime especial em relação ao regime estabelecido no nº1 do artigo 311º do Código Civil, ou seja, nada nos permite concluir que no caso de o direito estar reconhecido por sentença transitada em julgado o prazo a aplicar seria sempre o estabelecido no citado nº 2 do artigo 498º.


Não merece, assim, censura o acórdão recorrido.


A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 09 de Junho de 2016


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade