Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6122/17.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: SUBSÍDIO DE CATAMARÃ
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Data do Acordão: 07/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO E OUTRAS PRESTAÇÕES PATRIMONIAIS / DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE RETRIBUIÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 258.º, N.ºS 1, 2 E 3 E 264.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :
I. O subsídio de catamarã pago em função do número de dias trabalhados em cada mês assume o carácter de prestação retributiva, na aceção do art.º 258.º do Código do Trabalho, pois é uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho.

II. Quando o Acordo de Empresa aplicável não contém qualquer previsão quanto à retribuição das férias e subsídio de férias, ter-se-á de aplicar o regime do Código do Trabalho.

III. Atenta a natureza assumidamente retributiva do subsídio de catamarã bem como a regularidade do seu pagamento, há que o contabilizar para efeito de pagamento de retribuição de férias e de subsídio de férias, até à data em que por virtude de alteração do Acordo de Empresa o mesmo deixou de integrar o conceito de retribuição adotado.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



                                                           I

 Relatório:

 1. Sindicato dos Transportes Fluviais e Costeiros e da Marinha Mercante intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra AA, S.A., pedindo a condenação desta a reconhecer o direito aos seus associados de passarem a auferir, na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, as remunerações variáveis auferidas durante o ano a título de trabalho suplementar, trabalho noturno, subsídio para falhas e subsídio de ajuramentação, prémio de assiduidade e subsídio de catamarã, condenando-se aquela a pagar doravante tais retribuições nos termos peticionados. Pede ainda a condenação da Ré a reconhecer o direito aos associados do Autor a auferirem as diferenças salariais a título de remuneração de férias, subsídio de férias, de Natal desde a data da sua admissão, ou pelo menos desde 1/12/2003 e a data do trânsito em julgado da presente decisão.

2. A Ré contestou, por exceção, invocando a ilegitimidade do Autor, arguiu a ineptidão da petição inicial e impugnou a matéria de facto. Acrescentou que a retribuição, segundo o Acordo de Empresa, é composta pelo vencimento base, diuturnidades vencidas e subsídio de turno quando aplicável, o que é pago catorze meses por ano. No caso dos fiscais acresce o subsídio de ajuramentação, nos mestres o prémio de chefia e no adjunto de coordenador de terminais a gratificação.

Concluiu no sentido da improcedência da ação.

3. Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções invocadas pela Ré.

4. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença na qual consta o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência:

Condeno a R. a reconhecer o carácter retributivo dos pagamentos que efetua aos associados do A., quando feitos de forma regular e periódica, relativos aos pagamentos feitos a título de trabalho suplementar, trabalho noturno, e subsídio de ajuramentação (sendo que já o faz quanto ao subsídio de turno) nos casos em que tenham lugar por períodos superiores a seis meses por cada ano, e bem assim a pagar as diferenças salariais na retribuição de férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal resultantes da inclusão na mesma dos valores médios por eles recebidos, por referência aos valores médios dos últimos doze meses antes da data do vencimento da retribuição de férias, de subsídio de férias ou de subsídio de Natal, descontando os valores que a R. já tenha pago a esse título.

Às quantias supramencionadas são devidos juros de mora desde a data de vencimento de cada uma das prestações a que respeitam.»

5. O Autor e a Ré interpuseram recursos de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido:

«Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedentes ambas as apelações, pelo que se altera o dispositivo, condenando-se a Ré a reconhecer o carácter retributivo das remunerações pagas a título de subsídio de catamarã (esta até à entrada em vigor do AE/2017), trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de ajuramentação, nos casos em que tais prestações tenham sido auferidas em onze meses por cada ano, integrando-os no cálculo da retribuição de férias e no subsídio de férias e bem assim a pagar as diferenças salariais nos termos constantes do dispositivo, com exclusão das referentes ao subsídio de Natal.

No mais, mantém-se a decisão recorrida».

6. A Ré interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

7. Por despacho do relator o recurso não foi admitido na parte referente ao trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de ajuramentação, com o fundamento de existir dupla conforme, pois tanto o Tribunal da 1.ª instância como o Tribunal da Relação, sem fundamentação essencialmente diferente, consideraram que as quantias auferidas a esse título são retribuição para efeito de cálculo de retribuição de férias e de subsídio de férias de acordo com o regime legal aplicável – Código do Trabalho.

8. O despacho referido no número anterior transitou em julgado, tendo assim o objeto da revista ficado confinado a saber se o subsídio de catamarã deve ser considerado nas retribuições de férias e subsídio de férias entre 2013 e 2017.

9. A ré, nas suas conclusões, e com interesse para o objeto do recurso, formulou as seguintes conclusões:

«1.ª - O presente Recurso de Revista vem da parte em que o douto Acórdão condenou a "Ré a reconhecer o carácter retributivo das remunerações pagas a título de subsídio de catamaran (esta até à entrada em vigor do AE/2017), trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de ajuramentação, nos casos em que tais prestações tenham sido auferidas em onze meses por cada ano, integrando-os no cálculo da retribuição deferias e no subsídio deferias e bem assim a pagar as diferenças salariais nos termos constantes do dispositivo, com exclusão das referentes ao subsídio de Natal".»

2.ª A matéria de facto assente na 1.ª instância, que o douto acórdão confirmou, é a seguinte:

(...)

3.ª No presente recurso não está em causa o critério de «regular e periódico» das prestações definido no douto acórdão – nos casos em que tais prestações tenham sido auferidas em onze meses por cada ano – nem o facto de ficarem excluídas as prestações «sub judice» quanto à retribuição do subsídio de Natal.

4.ª Compulsada a douta fundamentação do Acórdão colhem-se as seguintes asserções:

1- Impõe-se antes de mais estabelecer a articulação do Código do Trabalho com os Acordos de Empresa celebrados pela Ré, publicados nos BTE n.º 25, de 8-07-1993, n.º 45, de 8-12-2005, n.º 19, de 22.05.2014 e n.º 23, de 22-06-2017.

2- De acordo com a cláusula 36.ª a) do AE de 1993 (cuja redação se manteve nos AE posteriores, com exceção do de 2017):

«Para efeito do disposto neste AE considera-se:

a) Retribuição mensal (RM) - o montante correspondente ao somatório da retribuição devida ao trabalhador como contrapartida da prestação do seu período normal de trabalho, cujo valor mínimo é fixado nos anexos I e II deste AE, de acordo com o escalão em que se enquadra, com o valor das diuturnidades a que o trabalhador tiver direito, nos termos da cláusula 37.ª, mais o subsídio de horário de turno. "

 3- Este conceito é distinto do constante no CT/2003 e CT/2009. Daí que se deva estabelecer qual o que deve prevalecer.

A resposta é-nos dada pelos artigos 4.º do CT/2003 e 3.º do CT/2009.

4 - Dispõe o n.º 4 do CT/2003:

"Artigo 4.º

Princípio do tratamento mais favorável

1. As normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte, ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o

contrário.

2. As normas deste Código não podem ser afastadas por regulamento de condições mínimas.

3. As normas deste Código só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário. "

5 - Por sua vez, estatui o art.º 3.º do CT/2009, no que ao caso interessa:

Artigo 3.º

Relações entre fontes de regulação

1. As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.

2. As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.

3. As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:

(...)

j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição;

6 - Resulta assim do citado art.º 4.º do CT/2003 que as normas legais de regulação do trabalho deixam de ser, por regra, (a não ser que prescrevam o contrário), normas imperativas mínimas em relação à regulamentação coletiva, passando a ter um valor meramente supletivo.

7- No texto atual houve o propósito de explicar com clareza a articulação entre lei, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) e contrato de trabalho, ao mesmo tempo que se define o elenco das matérias cujas normas legais reguladoras só podem ser afastadas por IRCT que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável ao trabalhador.

8 - In casu, o conceito de retribuição não é subsumível à previsão da al. J) do n.º 3 do art.º 3 do CT/2009, nem o CT estabelece um regime imperativo nesta matéria.

E o mesmo acontece em relação ao CT/2003, já que as normas legais que definem o conceito de retribuição não preconizam a sua imperatividade.

9- Daí que deva prevalecer o conceito de retribuição para efeito do que vem disposto no Acordo de Empresa. Porém, este IRC não contém qualquer previsão quanto à retribuição de férias e subsídio de férias, apenas o fazendo, na sua cl. 40.ª, relativamente ao subsídio de Natal.

10 - Dispõe esta cláusula, no seu n.º 1 que «Todos os trabalhadores têm direito a receber pelo Natal, até 15 de dezembro de cada ano, um subsídio de montante igual ao da remuneração base, constante do anexo II, acrescido das diuturnidades e do subsídio de turno quando a eles tenham direito» mantendo-se esta redação em todos os Acordos de Empresa até à entrada em vigor do AE/2017. Este último estabelece, relativamente ao subsídio de Natal, que «é de montante igual ao da retribuição mensal definida na cláusula 36.ª (cl. 40.ª). Por sua vez a cláusula 36.ª, a) preconiza que «Para efeitos do disposto neste acordo de empresa considera-se: a) Retribuição Mensal (RM) — A retribuição mensal compreende a remuneração base efetivamente recebida, as diuturnidades, o subsídio de turno, a retribuição especial por isenção de horário de trabalho e ainda as prestações pecuniárias auferidas regularmente sob a forma de subsídio ou abono com expressão mensal».

11 - Daqui resulta que o subsídio de Natal dos trabalhadores da Ré há de ser calculado de acordo com estas cláusulas do AE e não com base no disposto no Código do Trabalho de 2003 ou de 2009. E, sendo assim, até à entrada em vigor do AE/2017 é patente que os aditivos salariais em causa não devem integrar o cálculo do subsídio de Natal, sendo que, posteriormente, porque não está demonstrado que qualquer dos aludidos complementos salariais tenha expressão mensal, também não deve ser repercutido nesse cálculo.

12- Já quanto à retribuição de férias e subsídio de férias, porque os vários Acordos de Empresa nada preveem quanto a esta matéria, colhe aplicação o Código do Trabalho

4.ª - O douto Acórdão sustenta, e bem, que o conceito de retribuição definido na cláusula 36.ª do A.E/AA deve prevalecer sobre os conceitos de retribuição definidos nos Códigos do Trabalho de 2003 a 2009, na medida em que os seus dispositivos passaram «a ter um valor meramente supletivo» e que «as normas legais que definem o conceito de retribuição não preconizam a sua imperatividade».

5.ª - Na verdade, na medida em que as convenções coletivas de trabalho regulam as condições de trabalho dos vários sectores de atividade e das empresas, muito para além dos mínimos, os respetivos normativos sobrepõem-se às disposições legais constantes dos Códigos do Trabalho, ressaltando o primado da contratação coletiva, como doutamente se sustenta neste douto Acórdão, na esteira, aliás, da jurisprudência mais recente. A titulo de exemplo, vejam-se os Acórdãos do STJ de 24/12/2012, proferido na revista n° 73/08.8TTLSB.S1, acessível em Avww.dgsi.pt e na Revista 2330/11.7TTLSB.L1.S1 acessível no mesmo sítio.

 6.ª - Sucede que o douto Acórdão não leva até às últimas consequências estas conclusões da prevalência do conceito de retribuição definido na cláusula 36.ª do AE/AA, ou seja, do primado da contratação coletiva quanto às condições remuneratórias e retributivas do trabalho!

7.ª - Sustenta o douto Acórdão que " este IRC (AE AA) não contém qualquer previsão quanto à retribuição de férias e subsídio de férias, apenas o fazendo relativamente ao subsídio de Natal".

8.ª. - Com o devido respeito, não colhe esta douta conclusão, na medida em que configura uma contradição insanável.

9.ª - Se, por um lado, se preconiza que o conceito de retribuição definido na cláusula 36.ª do AE/AA, (…), prevalece sobre os conceitos de retribuição definidos nos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, por outro, entende-se que este conceito fica precludido no que se refere à retribuição das férias e do subsídio de férias;

10.ª - É verdade que os sucessivos AE´s/AA são omissos quanto à retribuição das férias e do subsídio de férias; esta omissão, porém, não pode conduzir à não aplicação do conceito de retribuição definido na cláusula 36.ª; definido este conceito, as partes limitaram-se a remeter para a lei geral no que se refere à retribuição das férias e do subsídio de férias, o que não podiam fazer em relação ao subsídio de Natal, na medida em que a lei geral não o contemplava ao tempo, ou seja, em 1993!

11.ª - Quando as partes outorgantes do AE/AA - Sindicatos e Empresa - negociaram as condições de trabalho, definiram em concreto o conceito de retribuição e esta definição é absolutamente decisiva e vital quanto à economia e sustentabilidade financeira da própria Empresa.

12.ª - Com efeito, não é indiferente que uma determinada prestação remuneratória seja paga apenas em 11 meses ou em 14 meses por ano e por isso as partes fixaram o "quantum" da retribuição, ou seja, que prestações, além da retribuição base, devem integrar a "Retribuição Mensal (RM)" do trabalhador ao longo de todo o ano.

13.ª. - O conceito de RM definido na cláusula 36.ª. deve prevalecer sobre o conceito definido nos Códigos do Trabalho para todos os efeitos legais, ou seja, sempre que seja necessário determinar o "quantum" da retribuição mensal para efeitos de férias, subsídio de férias e de Natal.

14.ª. - O douto Acórdão faz uma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis ao caso "sub judice" na medida em que, no que se refere à retribuição das férias e do subsídio de férias, afasta a aplicação da cláusula 36.ª do AE/AA, preceito prevalecente na regulação das condições de trabalho no âmbito da empresa AA, ora Recorrente.

15.ª. -No que se refere à retribuição das férias e do subsídio de férias, a Empresa, ora Recorrente, apenas tinha que dar estrito cumprimento ao conceito de retribuição definido na cláusula 36.ª., na medida em que foi exatamente isso que negociou com os Sindicatos.

16.ª. - Provado está que a Empresa, ora Recorrente, sempre deu cumprimento ao que está definido na referida cláusula 36.ª. do AE/AA, como está assente no Ponto 7 da Fundamentação de Facto, pelo que o douto Acórdão, nesta parte, deve ser revogado, absolvendo‑se a Recorrente.

17.ª. - O douto Acórdão, na parte objeto do presente Recurso, violou o artigo 1.º do Código Cível e os artigos 1.º e 2.º do Código do Trabalho de 2009, na medida em que não considerou prevalecentes as fontes de direito "ditados pelos organismos representativos das diferentes categorias ...ou profissionais", ou seja, as fontes de direito de trabalho definidas nos artigos 1.º e 2.º do Código do Trabalho de 2009; violou ainda o disposto na cláusula 36.ª do AE/AA, na sua conjugação com o artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003 e o artigo 3.º. do Código do Trabalho de 2009, cometendo erro de determinação das normas aplicáveis ao caso sub judice, nos termos da alínea a) do n.º 1 do 674.º do CPC, pelo que deve ser revogado e substituído por douto aresto que absolva a Empresa, ora Recorrente, assim se fazendo... JUSTIÇA!”

10. O Autor contra-alegou, tendo concluído:

A) Em suma, a Recorrente vem interpor Recurso de Revista do Acórdão proferido pelo Douto Tribunal a quo, porque entende que o mesmo na parte objeto do presente Recurso, violou o artigo 1.º do Código Civel e os artigos 1.º e 2.º do Código do Trabalho de 2009, na medida em que não considerou prevalecentes as fontes de direito ditados pelos organismos representativos das diferentes categorias...ou profissionais, ou seja, as fontes de direito de trabalho definidas nos artigos 1.º e 2.º do Código do Trabalho de 2009; violou ainda o disposto na cláusula 36,ª do AE/AA, na sua conjugação com o artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003 e o artigo 3.º do Código do Trabalho de 2009, cometendo erro de determinação das normas aplicáveis ao caso sub judice, nos termos da alínea a) do n.º 1 do 674.º do CPC, pelo que deve ser revogado e substituído por douto aresto que absolva a Empresa, ora Recorrente, assim se fazendo Justiça.

B) A Recorrente não poderia ter interposto Recurso de Revista, considerando que se verifica Dupla Conforme Parcial, precisamente na parte que é objeto de recurso, visto que ambos os Tribunais decidiram pela condenação da Recorrente em reconhecer o caráter retributivo das remunerações pagas a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e subsídio de ajuramentação, integrando-os no cálculo da retribuição de férias e no subsídio de férias e bem assim a pagar as diferenças salariais nos termos constantes do dispositivo, utilizando fundamentação essencialmente idêntica, apenas divergindo esta quanto ao número de meses em que se deverá verificar a remuneração das prestações para que as mesmas mantenham o carácter referido,

C) A Recorrente limitou o objeto de recurso, indicando que no mesmo não está em causa o critério de "regular e periódico" das prestações definidos no Acórdão recorrido, nem o facto de ficarem excluídas as prestações "sub judice" quanto à retribuição do subsídio de Natal, i.e., que não está em causa os pontos divergentes entre decisões - i.e., a parte em que as decisões diferem.

D) Há dupla conforme parcial considerando que o acórdão do tribunal superior confirmou parcialmente a sentença de primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (vide Ac. STJ, 15.09.2016).

E) Assim, pela aferição da dupla conforme parcial, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea a) e no artigo 671.º, n.º 3, a qual dispõe que "Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte", o Recurso ora em apreço deverá ser indeferido.

 F) Não foram invocados fundamentos que permitissem a convolação do Recurso de Revista em recurso de revista excecional ou que pudessem levar a concluir que a decisão seria sempre recorrível, mesmo em caso de terem sido alegados, não preencheria os requisitos para tal (previstos nos artigos 629.º, n.º 2 e 672.º, ambos do Código de Processo Civil), pelo que não se poderá decidir por essa convolação.

G) A Recorrente desconsiderou as regras inerentes ao ónus de alegar e de formular conclusões previstas nos artigos 639.º e 674.º do CPC.

H) Em primeiro lugar, nas suas alegações a Recorrente não indicou de forma clara e expressa qual ou quais os fundamentos concretos para o Recurso de Revista, nem sequer por meio de remissão à alínea do artigo 674.º do CPC que considera fundamento de Recurso de Revista, omitindo nas mesmas quais os preceitos legais que considera como erradamente interpretados ou aplicados, sendo que as "contradições insanáveis" referidas não são fundamento para a interposição de Recurso de Revista, não se devendo por isso atender às Alegações apresentadas, devendo negar-se provimento ao presente Recurso de Revista.

I) Por seu turno, ainda quanto ao ónus de alegar e de formular conclusões, em desrespeito pela previsão do n° 2, do artigo 639.º do CPC, a Recorrente apenas indicou quais as normas que considera violadas, mas não indicou nas suas alegações nem nas suas conclusões qual o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e tampouco indicou a norma jurídica que, no seu entendimento, devia ter sido aplicada, nem qual o erro de determinação em específico que considera ter existido, pelo que se deverá rejeitar as Conclusões, sem se proceder ao convite de aperfeiçoamento, consequentemente, deverá negar-se provimento ao Recurso ora em apreço (vide Ac. STJ, 27.09.2005; Ac. STJ, 13.07.2006).

J) A Recorrente não enunciou nas suas Doutas Alegações as questões referidas no último parágrafo das suas Conclusões (maxime, a indicação das normas que a Recorrente entende como tendo sido violadas pelo Acórdão Recorrido e a tentativa de fundamentação do Recurso), pelo que, nesta parte as Conclusões são desvirtuadas, porque não traduzem a síntese dos fundamentos vertidos nas Alegações. Assim, as Conclusões nesta parte não poderão ser consideradas pelo Tribunal, devendo o Recurso improceder também nessa parte, (vide Ac. TRC, 08.06.2018; Ac. TRL, 23.03.2017; Ac. STJ, 24.05.2005; Ac. TRL, 06.11.2012).

 K) Por último, quanto ao desrespeito pelo ónus de formular as Conclusões por parte da Recorrente, considerando que estas são o decalque das Alegações, com exceção do último parágrafo que não se encontra refletido nas Alegações, bem como o facto de estas, nas condições apresentadas não realizarem o seu verdadeiro objetivo de síntese dos fundamentos, deverá forçosamente entender-se que a Recorrente incumpriu de forma manifesta com o seu ónus de formular conclusões, em desrespeito pelo artigo 639.º do CPC, pelo que o Recurso deverá ser rejeitado (vide Ac. TRG, 09.06.2016; Ac. TRG, 29.06.2017; Ac. STJ, 16.09.2008).

L) Em relação ao Acórdão ora recorrido, deverá o mesmo manter-se, visto que para fundamentar o seu entendimento, o Tribunal a quo interpreta e aplica a Cláusula 36.ª do AE - conceito de retribuição mensal -, e as demais Cláusulas desse IRCT aplicáveis ao caso em apreço (nomeadamente, as Cláusulas 40.ª,38.ª-A, 42,ª -A, 41.ª, 41.º-A e 28:ª) - cada uma das prestações pecuniárias sub judice e aplicação do conceito de retribuição mensal no caso do subsídio de Natal‑, bem como os artigos 258.º e 264.º do CT - relativos à presunção legal de retribuição e cálculo legal de retribuição de férias e de subsídio de férias (inexistentes no AE), e o ónus probatório de cada uma das partes - o qual foi desrespeitado pela Recorrente ao não ilidir a presunção legal de caráter retributivo para cada uma das prestações pecuniárias em apreço, aplicando-os e interpretando-os de forma correta, inexistindo erro de determinação de norma a aplicar ou erro de interpretação e aplicação das mesmas.

M) Exposto isto, o Recurso de Revista ora em apreço, deverá ser indeferido, negando-se provimento ao mesmo, devendo-se manter o Acórdão ora recorrido, por este não conter vícios e por não se verificar nenhum dos fundamentos para a interposição de recurso, designadamente os contidos no artigo 674.º do CPC.

 

11. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador‑Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo «tendo o subsídio de catamarã como escopo, compensar o trabalhador por uma atividade laboral, conclui-se que a média dos valores pagos a esse título aos trabalhadores, nas situações em que tais atribuições patrimoniais, ocorreram no decurso dos onze meses de atividade laboral, será de atender, para efeitos de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias, no período compreendido entre 2003 e 2017, pelo que se emite parecer no sentido de ser negada revista, antes devendo ser confirmado o acórdão em análise».

12. A única questão a que urge dar resposta consiste em saber se o subsídio de catamarã deve ser considerado nas retribuições de férias e de subsídio de férias entre 2013 e 2017.

                                                          

II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da Relação considerou a seguinte factualidade:

1. Os associados do A. e trabalhadores da R. auferem além do vencimento base e diuturnidades outros valores de acordo com a sua categoria profissional;

2. Os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de marinheiros de tráfego local recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades o subsídio de turno mensal, e por vezes um prémio de assiduidade, um subsídio de catamarã, ambos mensais, e ainda trabalho suplementar e trabalho noturno;

3. Os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de fiscal recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades o subsídio de turno mensal, e por vezes um subsídio de ajuramentação, subsidio de falhas, ambos mensais, e ainda consoante o trabalho que desenvolvem trabalho suplementar, trabalho noturno e um prémio de assiduidade;

4. Os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de mestre de tráfego local recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades o subsídio de turno mensal, e por vezes um subsídio de catamarã e um prémio de assiduidade, ambos mensais, e ainda consoante o trabalho que desenvolvem trabalho suplementar e trabalho noturno;

5. Os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de agente comercial recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades o subsídio de turno mensal, e por vezes um prémio de assiduidade, subsídio de falhas, ambos mensais, e ainda consoante o trabalho que desenvolvem trabalho suplementar e trabalho noturno;

6. Os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de inspetores recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades o subsídio de turno mensal, e por vezes um prémio de assiduidade mensal, e ainda consoante o trabalho que desenvolvem trabalho suplementar e trabalho noturno;

7. Os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de adjunto de coordenação de terminal recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades o subsídio de turno mensal, e por vezes um prémio de assiduidade;

8. Todos os trabalhadores da R. associados do A. recebem uma remuneração de férias anual, uma remuneração de subsídio de férias anual e subsídio de Natal;

9. Na remuneração referente a férias, e no pagamento do subsídio de férias e de Natal a R. faz incluir o valor relativo ao vencimento base, diuturnidade e ao subsídio de turno, nas categorias em que este é pago.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum instaurada em 13/3/2017, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 19/12/2018.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

– O Código de Processo do Trabalho, na versão atual;

– O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) Como já se referiu a única questão a solucionar consiste em saber se o subsídio de catamarã deve ser considerado nas retribuições de férias e de subsídio de férias entre 2013 e 2017.

Ficou provado que os associados do A. que trabalham na R. com a categoria de marinheiros de tráfego local recebem, além do vencimento mensal e diuturnidades, o subsídio de turno mensal, e por vezes um prémio de assiduidade, um subsídio de catamarã, ambos mensais, e ainda trabalho suplementar e trabalho noturno.

A cláusula 36.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a Ré e o Autor, nas versões que se foram sucedendo até 2017, inclusive, dispõe:

«Para efeito do disposto neste AE considera-se:

a) Retribuição mensal (RM) - o montante correspondente ao somatório da retribuição devida ao trabalhador como contrapartida da prestação do seu período normal de trabalho, cujo valor mínimo é fixado nos anexos I e II deste AE, de acordo com o escalão em que se enquadra, com o valor das diuturnidades a que o trabalhador tiver direito, nos termos da cláusula 37.ª, mais o subsídio de horário de turno.»

A Cláusula 38.ª do Acordo de Empresa de 2014 (BTE n.º 19, de 22 de maio de 2014) refere o seguinte quanto ao subsídio de catamarã:

«1- Os trabalhadores marítimos que exerçam as suas funções a bordo dos navios da classe catamaran têm direito, por cada mês completo de efetiva prestação de trabalho, a um subsídio de catamaran no montante correspondente a 16 % do valor da remuneração base.

2- Este prémio será reduzido em função do número de dias não trabalhados verificados em cada mês, por referência a períodos normais de trabalho diários. Para efeitos de desconto, a fórmula de cálculo do valor do subsídio (VS) de catamaran é a seguinte: Desconto do valor do subsídio = VS 30 x número de dias não trabalhados

3- Para todos os efeitos legais, o subsídio de catamaran foi criado em 2003, tendo sido abonado desde 1 de dezembro desse ano.»

No Acordo de Empresa de 2017 (BTE n.º 23 de 22 de Junho de 2017) a Cláusula 38.ª-A, no que concerne ao subsídio de catamarã dispõe:

«1-      …

2-        …

3- O subsídio de catamaran não integra o conceito de retribuição mensal estabelecido na cláusula 36ª.»

Da análise dos dois normativos, temos de concluir que com o Acordo de Empresa de 2017 as partes outorgantes estipularam que o subsídio de catamarã não integra o conceito de retribuição mensal estabelecido na cláusula 36ª.

Esta estipulação feita pelas partes que outorgaram o Acordo de Empresa apresenta-se como uma limitação do conceito de retribuição, que é permitida pela lei, pois não estamos perante normas de natureza imperativa.

Importa então determinar a natureza do referido subsídio antes da alteração do Acordo de Empresa de 2017, com vista a saber se o mesmo revestia carácter retributivo.

Como se refere no acórdão recorrido «Em face da previsão do instrumento de regulamentação coletiva, este subsídio visa compensar os trabalhadores por um tipo de atividade específico ou forma particular de desempenho das suas atribuições profissionais, neste caso, numa embarcação mais rápida e de condução mais exigente, pelo que deve considerar-se contrapartida do modo específico da prestação de trabalho».

Como o referido subsídio era pago em função do número de dias trabalhados em cada mês estamos perante uma prestação retributiva que é uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho.

Esta sua característica de ser uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho aliada à sua periodicidade mensal, leva-nos a concluir que o aludido subsídio devia considerar-se retribuição na aceção do art.º 258.º do Código do Trabalho, que nos seus números 1, 2 e 3, estipula:

1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.

2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Este entendimento não colide com o disposto na cláusula 36.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a Ré e o Autor, que define a retribuição para efeito do mesmo, pois o facto de o aludido subsídio ser uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho e de ser pago mensalmente, acaba por se inserir no conceito adotado pelos outorgantes do Acordo de Empresa, que dispõe que a retribuição mensal é «o montante correspondente ao somatório da retribuição devida ao trabalhador como contrapartida da prestação do seu período normal de trabalho».

Como se refere no acórdão recorrido o Acordo de Empresa não contém qualquer previsão quanto à retribuição das férias e subsídio de férias, pelo que terá de se aplicar o Código do Trabalho.

Assim, há que ter presente o disposto no art.º 264.º n.º 1 e 2 do Código do Trabalho, que dispõe:

1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo.

2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.

No caso concreto, atenta a sua natureza assumidamente retributiva, bem como a regularidade do seu pagamento, há que contabilizar o subsídio de catamarã para efeito de pagamento de retribuição de férias e de subsídio de férias, no período definido no acórdão recorrido.

            O entendimento perfilhado no acórdão recorrido, que se sufraga, não violou as disposições legais invocadas pela ré, concernentes às fontes de direito, uma vez que a interpretação adotada ponderou o estabelecido no Acordo de Empresa, nomeadamente no que se refere ao conceito de retribuição e subsídio de catamarã, tendo acolhido a aplicação do Código do Trabalho em virtude do Acordo de Empresa aplicável (o anterior à alteração do Acordo de Empresa de 2017) não conter qualquer previsão quanto à retribuição das férias e subsídio de férias.

                       

                                                                       III

            Decisão:

 Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 3 de julho de 2019.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

António Leones Dantas