Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26302/02.3TVLSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
COVID-19
ACORDÃO FUNDAMENTO
FOTOCÓPIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Pretendendo o Recorrente interpor recurso com sustento no nº 2 do artº 629º do CPC, deve, nas conclusões, indicar esse “fundamento específico da recorribilidade” (ut nº 2 do artº 637º NCPC), juntando “obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.”.

II. E sendo (no alinhamento do entendimento vertido no acórdão do Tribunal Constitucional) convidado para juntar essa cópia e não a juntando, não deve o recurso ser admitido com esse fundamento específico.

III. A Lei nº 4-B/2021 não suspendeu a emissão/extração, pelo menos pelos tribunais superiores, de fotocópias ou de certidões de decisões neles proferidas, podendo, na sua vigência, a passagem e entrega de fotocópia de acórdãos ser realizada “através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados” (al. c) do nº 5 do artº 6º-B).

IV. Os tribunais nunca estiveram fechados na situação pandémica actual. Apenas a sua actividade esteve limitada, nos termos aludidos na referida Lei.

V. Não alegando, sequer, o Recorrente que solicitou por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados (mais não fosse, por mail, fax ou mesmo, quiçã, por telefone) a exigida fotocópia e que a mesma lhe foi recusada, o recurso não deve ser admitido por falta da sua junção.

Decisão Texto Integral:

Acórdão em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


1 - Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, Crl., instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra Ferkental - Consórcio de Importação e Exportação Internacional, Lda, AA, BB, CC

A execução foi instaurada em 23/09/2002 e, como título executivo a exequente deu à execução uma livrança subscrita pela co-executada Ferkental e avalisada pelos demais três co-executados.

2 - Após vicissitudes várias, em, 15/05/2014 (fls 1054) foi proferido o seguinte despacho:

“Mostrando-se documentado o óbito da co-executada CC, nos termos do disposto na alínea a), do n° 1 do art° 269° e n° 1 do art 270° do Código de Processo Civil, declaro suspensa a presente instância. Notifique e aguarde o impulso do exequente, sem prejuízo do disposto no art°281° n°5 do supra mencionado código:


3 - Em 05/01/2016 (fls 1091 e segs) a exequente veio aos autos informar que mandou por correio, ainda para a 1ª Vara Cível (onde pendeu a execução) desistência da execução contra a co-executada CC (junta cópia do requerimento). Mais reitera os pedidos de 19/03/2015 e de 18/11/2015 a solicitar a liquidação dos valores depositados.

Reitera a desistência da execução contra a executada falecida.

4 - Em 01/03/2017 (fls 1135 e segs), foi proferida decisão com o seguinte teor:

“I - Fls. 1087 (req. do executado BB) e fls. 1091 (req. da exequente):

1.1. Veio o executado BB invocar a deserção da instância, alegando que desde o despacho que suspendeu a execução pelo falecimento da executada CC, decorreram mais de 18 meses, sem que a exequente tivesse requerido a habilitação de herdeiros.

1.2. Exercendo o contraditório, veio a exequente Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL dizer que enviou pelo correio o requerimento cuja cópia junta a fls. 1094, desistindo da execução contra a falecida executada, além de ter, em 2015, requerido a liquidação das quantias depositadas nos autos.

1.3. Pelo despacho de fls. 1133 foi determinado à secção que informasse se deu entrada o requerimento de desistência invocado pela exequente, uma vez que nada consta dos autos. A secção informou nos termos da conclusão supra.

II - Cumpre apreciar: O despacho de fls. 1054 declarou suspensa a execução, pelo falecimento de uma das executadas, ali também consignando que se “aguarde o impulso processual do exequente, sem prejuízo do disposto no art. 281, nº. 5 do supra  mencionado código.” A norma do art. 281 nº. 5 do C P. Civil. determina que a instância executiva se considera deserta quando o processo, por negligência das partes, se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses. Temos por certo que “o prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar ato que condicionava o andamento do processo, isto é , a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não perentório) , a partir do dia em que ele terminou , mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual” (Ac. TRL de 28.04.2016, processo nº. 473/07.0TTBRR-M, relatado pelo Desembargador Soares, disponível em dgsi.pt).

Ora, o supra referido despacho foi notificado eletronicamente à exequente em 16.05.2014 (fls. 1055), presumindo-se esta notificada em 19.05.2014 (art. 248 do C. P. Civil).

Assim, o prazo da deserção da instância ocorreria em 19.11.2014.

Resulta que a exequente não deduziu habilitação de herdeiros da falecida executada.

Veio, a fls. 1091, alegar ter remetido por via postal o requerimento que junta agora a fls. 1094, de que consta que desiste da execução quanto à falecida executada.

Ora, conforme a informação supra tal requerimento não deu entrada em juízo. Sempre se dirá, também, que não é perceptível por que motivo a exequente remeteria por via postal um tal requerimento, quando a tramitação dos autos é eletrónica, nos termos dos arts. 712 nº. 1, 132 e 144 nº. 1 C. P. Civil: “a partir de 01/09/2013, os mandatários judiciais só poderão praticar atos e suporte físico, fazendo a entrega dos articulados e documentos diretamente da secretaria, remetendo-os pelo correio ou enviando-os através telecópia, em caso de justo  impedimento  relacionado  com  a indisponibilidade da via eletrónica” (Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2016 - 2ª Edição, pp. 73 e 74).

Aliás, todos os demais requerimentos  têm  sido remetidos  eletronicamente,   em cumprimento da lei.

Em suma, não comprovou o exequente ter remetido o referido requerimento no prazo de seis meses, contado desde 19.11.2014.

Quanto aos requerimentos de fls.  1070 (entrado em 19.03.2015) e de fls.  1084 (entrado em 18.11.2015), nos quais requeria a liquidação das quantias depositadas nos autos, deram entrada após a data da deserção da instância (ou seja, 19.11.2014, como acima referido), além de que não tinham qualquer influência na contagem do prazo da deserção da instância, uma vez que o impulso processual da exequente consistiria em deduzir a habilitação de herdeiros.

III - Decidindo:

De tudo, resulta que a instância se extinguiu por deserção, nos termos do art. 281 nº. 5 do C P. Civil, sendo certo que “ao contrário do previsto para a ação declarativa, a deserção ocorre independentemente de qualquer decisão judicial, como é apanágio da extinção da execução (art. 849º.) ” (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, 2014, p. 274). Custas pela exequente - art. 533 nº. 1 do C P.Civil".


5 -  Inconformada, a exequente, Caixa Central interpôs o recurso dessa decisão, vindo a Relação de …. a proferir acórdão, no qual decidiu “julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando que a execução prossiga contra os executados, devedores solidários, sobrevivos.”.


6 – Agora inconformado o executado BB, vem este interpor recurso de revistanos termos dos arts. 671º, nº1, 662º, nº4 e 671º, nº3, “à contrario”, todos do CPC”.

Conclui que deve ser revogada a decisão recorrida, “confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.”.


7 - Por despacho de 26.01.2021, entendendo-se tratar-se de caso em que é sempre admitida a revista, mais precisamente que a situação se enquadrava na previsão do artº 629º, nº2, al. d) (contradição entre acórdãos da Relação), convidou-se o recorrente a juntar aos autos, em 10 dias, cópia do acórdão fundamento”.


8 - Notificado de tal convite, o recorrente nada juntou nem requereu, motivo pelo qual o Sr. Desembargador-Relator, em 24.2.2021, proferiu despacho a não admitir a revista, “nem normal nem excepcional, interposta pelo recorrente”.


9 - De novo inconformado, veio o recorrente BB reclamar desse despacho que não admitiu o recurso, pugnando pela admissibilidade do recurso de revista, alegando, em suma, que não logrou conseguir atempadamente, nos tribunais, as “certidões” dos acórdãos fundamento, dado que os tribunais “se encontram fechados face à situação pandémica atual”, acrescentando que “pela Lei nº 4-B/2021 foram suspensos os processos judiciais”, suspensão que (diz), por isso, se manteve “nos próprios autos e nos autos onde foram solicitadas as certidões pedidas”.


Por decisão singular do Relator, foi indeferida a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.


**


Vem, agora, o recorrente BB reclamar para a conferência, para que sobre a matéria recaia um acórdão.

Fundamenta-se em:

1. Existência de nulidade da sentença, “sobre a ilegalidade da decisão”, “na medida em que a mesma considerou apenas a instância deserta quanto à relação material controvertida ao executado (falecido) – o que, no entender da reclamante, consubstancia uma nulidade da decisão por omissão de pronúncia” (“nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.”);

2. Errada aplicação do direito quanto à “oposição de julgados e à interpretação da lei da suspensão” - devendo ter sido determinada a deserção da instância para todos os executados.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.


*


Eis o teor da decisão singular proferida pelo relator:

«Em causa está, como visto, a interposição de Revista de um acórdão da Relação proferido num processo de execução, para pagamento de quantia certa, acerca de uma questão processual: a deserção da instância por falta de impulso da exequente em promover a habilitação de herdeiros de um co-executado devedor solidário.

Em matéria de recurso de revista em processos executivos, rege o artigo 854º do NCPC (redacção da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, aqui aplicável):

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução” (preceito inovador com alguma correspondência com o artigo 922º-C do CPC).

Daqui logo ressalta que não sendo o acórdão recorrido proferido em recurso em qualquer das aludidas situações (de “procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”), a decisão recorrida apenas admite recurso de revista se for invocada e preenchida uma das situações em que a lei adjectiva civil admite sempre o recurso (independentemente do valor da causa e da sucumbência), como são as situações enunciadas no nº 2 do artº 629º do CPC.

Ora, o despacho reclamado considerou que “vinha alegado pelo recorrente que o acórdão sob recurso está em oposição com outros acórdãos desta e doutras Relações – que indicou - sobre a mesma questão fundamental de direito”, razão pela qual o recurso seria admitido ao abrigo daquele artº 629º, nº2, al. d) CPC, tendo convidado o recorrente a juntar cópia do acórdão fundamento, o que este não fez.

Diga-se, porém, desde já, que, ao contrário do que se diz na decisão reclamada, não vinha alegado essa contradição de arestosapenas se faziam referências a alguns acórdãos, no único fito de melhor fundamentar a argumentação vertida nas alegações.

Continuando.

Antes de mais, deve anotar-se que o recurso de revista ao abrigo daquela al. d) pressupõe que não haja lugar a recurso ordinário “por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”.

In casu, a não admissibilidade do recurso de revista normal nada tinha a ver com falta de alçada, mas, sim, porque o citado artº 854º do NCPC o não admite.

Daí a pergunta: será de admitir o recurso ao abrigo aquele artº 629º, nº2, al. d) do NCPC?

Não cremos.

E por duas ordens de razões.

a)  - Quanto ao” modo de interposição do recurso”, dispõe o nº 2 do artº 637º NCPC que “2 — O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.”[1].

Ora, parece evidente que nas conclusões das alegações apresentadas (nem, sequer, aliás, no requerimento de interposição do recurso ou no corpo das alegações) não vem indicado ou alegado como “fundamento específico da recorribilidade” o previsto naquela al. d), do nº2 do artº 629º – e, diga-se já, também, nem, sequer, na reclamação, pois na mesma tão somente se faz transcrição dum excerto do despacho reclamado.

No requerimento de interposição do recurso diz-se, apenas, que se interpõe “recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que é de revista, nos termos do art.ºs 671.º, n.º 1, 662.°, n.° 4 e 671.°, n.° 3, “a contrario” todos do CPC”[2].

O que é reiterado logo no início da peça que contém as alegações, onde se escreveu:

“...nos termos do disposto nos art.°s 671.°, n.° 1, 662.° n.° 4 e 671.°, n.° 3 “a contrario”, do CPC, verifica-se a admissibilidade do presente recurso, porquanto a decisão do Tribunal da Relação de …. alterou a decisão proferida em 1.ª instância, julgando procedente o recurso, e em consequência determinando que a execução prosseguisse contra os executados, devedores solidários, sobrevivos.

Não havendo, portanto, dupla conforme - e constatando-se que o valor da causa é superior à Alçada dos tribunais da Relação, por ser superior a € 30 000,00 (trinta mil euros) - cf. art.º 44.º, n.º 1 da LOSJ.”.

Ou seja, o recorrente mais não fez do que interpor a revista normal, ao abrigo daqueles normativos, esquecendo o estatuído no citado artº 854º do NCPCN e, outrossim, sem dizer que, ou se, pretende recorrer ao abrigo do estatuído no artº 629º, nº2, al. d) do mesmo CPC (indicando, assim, este o fundamento do pretendido recurso).

O que, diga-se em verdade, é confirmado pelo teor da própria alegação, onde, sendo certo que faz citação de alguns arestos da Relação, não é menos verdade que o faz tão somente para sustentar (ou em abono dos) argumentos jurídicos que vai defendendo ao longo dessa peça processual.

Mas nunca (mesmo nunca) refere a contradição ínsita naquela al. d) como fundamento específico da recorribilidade. Muito menos, como dito, nas conclusões – onde, como visto (artº 637º NCPC), tem de se indicar esse fundamento específico –  , pois nestas se limita a reiterar que “Nos termos do art.° 671.°, n.° 1, 662.°, n.° 4 e 671.°, n.° 3 “a contrario”, do CPC, verifica-se a admissibilidade do presente recurso, porquanto inexistir dupla-conforme e por que o valor da acção é superior ao da alçada da Relação (art.º 44.º, n.º 1 da LOSJ).” e a referir que dois acórdãos da Relação vão no sentido da argumentação que defendeu na alegação.

b) – Mas mesmo que, por hipótese de raciocínio, se considerasse que o recorrente deu cumprimento àquele artº 637º NCPC, ainda assim o recurso não seria de admitir.

Como visto, quando o “fundamento específico da recorribilidade” “se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido” – pretensão que não vem manifestada pelo recorrente – , diz o nº 2 daquele artº 637º NCPC que “o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.”.

Apenas cópia”, diz a lei. Não exigindo, portanto, qualquer certidão.

Ora, foi esta (simples) cópia que o Recorrente não juntou, apesar de (no alinhamento do entendimento vertido no acórdão do Tribunal Constitucional nº 151/2020, Dr. II Série, de 08/07/2020) ter sido convidado para o efeito.

Na reclamação ora apresentada, o Recorrente procura “desculpar-se” ou justificar-se com a “actual situação pandémica” para não juntar as “certidões”.

Mas sem razão.

Com efeito, para além de se reiterar que não eram precisas quaisquer certidões, mas tão somente “cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”, o certo é que a situação pandémica não pode servir de desculpa para a não junção daquela “cópia” exigida na lei.

Chama o Recorrente, à colação, a Lei nº 4-B/2021 (que entrou em vigor no dia seguinte o da sua publicação – artº 5º), referindo que por essa Lei “foram suspensos os processos judiciais o que in casu teria dois sentidos:

a) Nos próprios autos

b) E nos autos onde foram solicitadas as certidões pedidas”.

Crê-se que não terá lido devidamente o que ali se diz – anotando-se, antes de mais, que suspensos não foram os “processos judiciais”, mas, sim, diligências e prazos.

É certo que, segundo o artº 6º-B dessa Lei, “São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal”. Mas acrescenta: “ sem prejuízo do disposto nos números seguintes.”.

Ora, diz-se no nº 5:

“5 — O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.”[3].

Ou seja, a Lei sob referência não suspendeu a emissão/extração, pelo menos pelos tribunais superiores, de fotocópias (como era o caso) ou de certidões de decisões neles proferidas.   

Não estamos perante caso previsto naquela al. c) do artº6º-B, pois esta vale apenas “quando estiver em causa a realização de atos presenciais” – naturalmente se referindo à prática de actos e realização de diligências que impliquem a presença de testemunhas, partes e/ou seus mandatários, como é o caso de simples inquirições ou audiências de julgamento.

E a al. b) diz mesmo que a tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais, não está abrangido pela suspensão prevista no nº1.

Aliás, a prática do acto em causa (passagem e entrega de fotocópia de acórdão ou acórdãos) – à semelhança das situações previstas na al. c) daquele normativo – sempre podia ser realizadaatravés das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados”, como, v.g., e-mail, fax, etc.

E já na Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril (que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) se dispunha (cfr. artº 7º) que a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos ali referidos “não obsta:

a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados...”.

Ou seja, ao contrário do que argumenta a Recorrente, os tribunais nunca estiveram fechados na situação pandémica actual. Apenas a sua actividade esteve limitada, nos termos aludidos na referida Lei.

E obviamente que a passagem de uma simples fotocópia de um ou mais acórdãos, para mais nos Tribunais Superiores, não esteve, nunca, fora da actividade mantida pelos tribunais durante a situação pandémica.

Acrescenta-se que o Recorrente não alega, sequer, que tenha solicitado por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados (mais não fosse, por mail, fax ou mesmo por telefone!) a exigida fotocópia e que tal lhe tenha sido recusado – obviamente que o não seria, mais ainda para instrução de recurso pendente em Tribunal Superior (STJ).

Assim sendo, não vemos censura a fazer à decisão reclamada.».


***

*



Não almejamos qualquer razão ao Recorrente/reclamante.

1. Quanto à “ilegalidade da decisão” que invoca e que, no seu ver, consubstancia nulidade da sentença por omissão de pronúncia, dir-se-á, desde logo, que a reclamante lavra em manifesta confusão.

Refere, em sustento, o reclamante que a sentençaconsiderou apenas a instância deserta quanto à relação material controvertida ao executado (falecido)...”.

Esquece, porém, que sob apreciação está, apenas e só, o despacho da Relação que não admitiu o recurso por si interposto. Não está sob apreciação o mérito da apelação, a apreciação dos fundamentos de facto e/ou de direito vertidos nas alegações naquela instância.

Assim, tudo o que o reclamante escreve nos nºs 1 a 15 da sua peça a reclamar para a conferência é, absolutamente, espúrio ou inócuo.

Como tal, não faz, sequer, qualquer sentido falar-se em omissão de pronúncia em não se ter apreciado os argumentos ou fundamentos vertidos na apelação, pois que, como visto, em causa está tão somente aferir da admissibilidade ou não da revista interposta.

Sempre se acrescenta que o que o reclamante expressa é uma mera discordância com os argumentos ou fundamentos vertidos na sentença. Só que tal nada tem a ver com a nulidade da sentença.

Com efeito, como já salientava ALBERTO DOS REIS[4], impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “(…) Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ...”.


2. Relativamente à pretensa errada aplicação do direito quanto à “oposição de julgados e à interpretação da lei da suspensão” - devendo ter sido determinada a deserção da instância para todos os executados:

Com o devido respeito, não assiste qualquer razão ao reclamante.

Primeiro, continua a reclamante no campo da apreciação do mérito da decisão de que recorreu. O que, como dito, extravasa do âmbito da reclamação que ora se decide: a reclamação é apenas do despacho que não admitiu a apelação. E ponto final.

E quanto ao mais vertido na presente reclamação, nada se nos afigura alterar ou acrescentar à decisão singular proferida pelo relator – supra plasmada e que aqui se reitera – , a qual escalpelizou os argumentos necessários e que justificaram essa mesma decisão.

DECISÃO:

Pelo exposto, indefere-se a reclamação.


*

Custas do incidente pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

*

Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.

                       

Lisboa, 17-06-2021


Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º Adjunto

Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

____

[1] Destaque nosso.
[2] Destaque nosso.
[3] Destaques nossos.
[4] Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 55 E 143.