Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2429/11.0TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª. SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXECEÇÕES DILATÓRIAS ) / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2009, 143, 146.
- J. O. CARDONA FERREIRA, Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, 201/2, 259.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 248.º, 576.º, N.º 2, 644.º, N.º3, 671.º, N.º S 1 E 2, ALÍNEAS A) E B), 677.º.
Sumário :
I. O efeito da absolvição da instância, resultante da procedência de uma exceção dilatória, e obstativo do conhecimento do mérito da causa, tem um alcance bem preciso, que não se identifica com o indeferimento da ampliação do pedido na ação.

II. O recurso da decisão da Relação, que se limita a revogar a decisão interlocutória da admissão da alteração do pedido, não se enquadra no âmbito das decisões que comportam revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA e mulher, BB, instauraram, em 29 de julho de 2011, no então 1.º Juízo Cível da Comarca de Barcelos (Instância Central de Braga, Secção Cível, Comarca de Braga) contra CC, DD e marido, EE, e FF, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo, designadamente, que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre a água de nascente que brota subterraneamente na parte norte do prédio rústico da Ré CC, sito no lugar da …, freguesia de Fonte Coberta, concelho de Barcelos, com fundamento na usucapião, ou, subsidiariamente, reconhecido o direito de servidão sobre tal água, com fundamento no mesmo título de aquisição em favor do prédio dos Autores e em detrimento do prédio da Ré CC.

A ação foi contestada pelos RR.

Em 4 de maio de 2015, já depois do início da audiência de discussão e julgamento, os AA. vieram requerer a ampliação do pedido, nomeadamente que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre a água que brota das duas nascentes existentes no subsolo dos prédios dos RR., estando uma situada no prédio da R. CC e a outra no prédio dos restantes RR., no alinhamento das correspondentes “bocas de minas”, abertas para a via pública.

Os RR. opuseram-se à ampliação do pedido.

Concluída a audiência de discussão e julgamento, durante a qual, em 26 de junho de 2015, foi proferido despacho a admitir a ampliação do pedido, foi proferida a sentença, em 15 de julho de 2015, nos termos da qual, para além do mais, se julgou procedente a ação.

 

Inconformados, os Réus apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 31 de março de 2016, revogou a sentença, indeferindo a referida ampliação do pedido e anulando os atos posteriores à decisão recorrida e dela dependentes, para serem repetidos, na medida do necessário.


Notificados por carta registada de 1 de abril de 2016 (fls. 953), e inconformados com tal acórdão, recorreram então os Autores para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, nomeadamente em 19 de abril de 2016 (fls. 957), formularam essencialmente as conclusões:


a) Na medida em que o acórdão da Relação indefere a ampliação do pedido, o acórdão tem o mesmo efeito da absolvição da instância dos Réus no que à parte ampliada do pedido respeita.

b) Nessa medida, é suscetível de recurso de revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC.

c) A decisão recorrida fez uma interpretação restritiva indevida e uma aplicação errada do disposto nos arts. 265.º, n.º s 1 e 2, e 581.º, n.º 4, do CPC.

d) A situação dos autos ajusta-se perfeitamente ao conceito de “desenvolvimento do pedido primitivo”, pressuposta pela lei e pela jurisprudência, na medida em que a ampliação do pedido se funda em “novos elementos circunstanciais”, que não descareterizam a causa de pedir inicial e não produzem qualquer efeito surpresa desfavorável aos Réus.

e) Não pode confundir-se a causa de pedir com a concreta pretensão jurídica.

f) Nos presentes autos, a causa de pedir é a posse pacífica, pública e prolongada no tempo das águas que correm subterraneamente no prédio dos Réus integrante da usucapião, a qual não sofreu alteração.

g) Obrigar a intentar uma nova ação para obter a condenação dos Réus na parte do pedido não literalmente incluído na petição inicial traduz a imposição de um formalismo não justificado pelas exigências de proteção dos direitos das partes e garantia do contraditório que fundamentam a introdução de limites à ampliação do pedido, contrariando frontalmente a preferência do legislador e da jurisprudência pela realização da justiça material e o próprio princípio da economia processual.

h) A jurisprudência tem admitido, como casos de ampliação por desenvolvimento do pedido primitivo, situações bastantes similares à discutida nos autos.


Com a revista, os Recorrentes pretendem a revogação do acórdão recorrido, reconhecendo-se a admissão da ampliação do pedido.


Contra-alegaram os Réus, no sentido da extemporaneidade do recurso, nos termos do art. 677.º do CPC, e da sua inadmissibilidade, por falta de preenchimento dos requisitos do art. 671.º, n.º s 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, ou, então, ser mantida a decisão recorrida.


Cumpre, desde já, apreciar e decidir.


No presente recurso, está essencialmente em discussão, para além da questão da extemporaneidade ou inadmissibilidade do recurso, a ampliação do pedido formulada na ação.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Descrita a dinâmica processual, importa conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente acaba de ser especificada.


Previamente, porém, impõe-se apreciar da extemporaneidade e inadmissibilidade do recurso, questões suscitadas pelos Recorridos, nomeadamente na sua contra-alegação.

Como se descreveu, o acórdão recorrido foi notificado aos Recorrentes por carta registada de 1 de abril de 2016, presumindo-se a notificação feita no dia 4 de abril de 2016, de acordo com o disposto no art. 248.º do Código de Processo Civil (CPC).

Por sua vez, o recurso, com as respetivas alegações, viria a ser interposto (por fax) em 19 de abrill de 2016.

Nestas circunstâncias, é manifesto que o recurso foi apresentado dentro do prazo de 15 dias, previsto no art. 677.º do CPC, sendo tempestivo.


Por outro lado, os Recorridos, opondo-se ao entendimento adiantado pela parte contrária segundo o qual o acórdão recorrido, ao não admitir a ampliação do pedido, tem o mesmo efeito da absolvição da instância, alegaram, também, a inadmissibilidade do recurso, por efeito do disposto no art. 671.º, n.º s 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC.

Na verdade, o acórdão recorrido, indeferindo a ampliação do pedido, admitida pela 1.ª instância, revogou a sentença e anulou os atos posteriores dela dependentes, para serem repetidos, na medida do necessário.

A essência do acórdão recorrido, apesar da amplitude da apelação, circunscreve-se à revogação da decisão que admitira a ampliação do pedido formulada pelos Autores, com fundamento na sua ilegalidade.


Neste âmbito, dispõe o art. 671.º, n.º 1, do CPC:


“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

  

Esta norma legal regula, em termos gerais, a amplitude do recurso de revista, justificada por uma “política assumida de restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça” (A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2009, 143).

 

O acórdão recorrido pronunciou-se apenas sobre a decisão interlocutória da primeira instância, que admitiu a ampliação do pedido, no âmbito da apelação interposta da sentença proferida pela 1.ª instância (art. 644.º, n.º 3, do CPC).

Para além de ser certo que o acórdão recorrido não conheceu do mérito causa, também não é menos exato que o mesmo não pôs termo ao processo, designadamente absolvendo da instância ou do pedido, porquanto o processo continuou a seguir os seus termos (J. O. CARDONA FERREIRA, Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, págs. 201/2), e, por isso, mantendo-se a estabilidade da instância, nomeadamente na sua tríplice aceção.

Por outro lado, o efeito da absolvição da instância, resultante da procedência de uma exceção dilatória e obstativo do conhecimento do mérito da causa (art. 576.º, n.º 2, do CPC), tem um alcance bem preciso, o qual não se identifica, de modo algum, com o indeferimento da ampliação do pedido na ação.

Não procede, portanto, a argumentação dos Recorrentes, nos termos da qual a decisão do acórdão recorrido, ao não admitir a ampliação do pedido, tem o mesmo efeito da absolvição da instância.

Na conceção dos Recorrentes, muitas seriam as situações de efeito equiparado ao da absolvição da instância, permitindo desse modo a revista, que o legislador quis, declaradamente, restringir com o regime legal dos recursos, estabelecido nomeadamente com o DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, e mantido, no essencial, pelo atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.


Por outro lado, quanto aos acórdãos da Relação, que apreciem as decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, como foi o caso presente da impugnação da decisão que admitiu a ampliação do pedido, só podem ser objeto de revista nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC, que aqui não têm, manifestamente, lugar.

Este sentido normativo, expresso de forma inequívoca, foi defendido, antes, por J. O. CARDONA FERREIRA, Ibidem, pág. 259, e A. RIBEIRO MENDES, Ibidem, pág. 146.

Assim, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 1, do CPC, invocado pelos Recorrentes, é inadmissível a revista interposta.


Para além disso, e como já se aludiu, é ainda manifesto que a revista interposta não se enquadra (nem tal foi alegado) em qualquer um dos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC.


2.2. Nestas condições, manifestamente, o recurso de revista é inadmissível, não podendo, por consequência, conhecer-se do seu objeto.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. O efeito da absolvição da instância, resultante da procedência de uma exceção dilatória, e obstativo do conhecimento do mérito da causa, tem um alcance bem preciso, que não se identifica com o indeferimento da ampliação do pedido na ação.

II. O recurso da decisão da Relação, que se limita a revogar a decisão interlocutória da admissão da alteração do pedido, não se enquadra no âmbito das decisões que comportam revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


2.3. Os Recorrentes, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Não conhecer do objeto da revista.


2) Condenar os Recorrentes (Autores) no pagamento das custas.


Lisboa, 22 de setembro de 2016


Olindo Geraldes (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova