Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6/20.3GARMZ.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
INDEFERIMENTO
RECURSO ORDINÁRIO
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I- Tendo sido a decisão absolutória da 1ª instância, alterada para decisão condenatória pela Relação, justifica-se que o legislador, aceitando esta solução, admita mais um grau de recurso para o STJ (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP), com vista à reapreciação do caso concreto.

II- Os segmentos da argumentação do STJ, com os quais a recorrente discorda (e que a mesma lê, de forma isolada e conforme lhe é conveniente), não equivalem, como alega, ao conhecimento de questões de que o Tribunal não podia conhecer (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP).

III- A recorrente está a inverter as situações e a pretender impor a sua perspetiva e apreciação dos factos, o que não pode ser, pois está a confundir a sua análise pessoal e subjetiva com nulidade do acórdão. Na verdade, a discordância da recorrente quanto à decisão do STJ não equivale à existência de qualquer nulidade, nem tem a virtualidade de tornar nulo o mesmo acórdão do STJ.

Decisão Texto Integral:


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Proc. n.º 6/20.3GARMZ.E1.S1

Recurso

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. A arguida/recorrente AA, notificado do acórdão destes STJ de 26.01.2023 (que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do TRE de 13.09.2022, que revogou a sentença absolutória da 1ª instância e a condenou como coautora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), com referência ao art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro e à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo), veio nos termos dos art. 379.º, n.º 1, al. c) in fine e 425.º, n.º 4, do CPP, arguir a sua nulidade, sustentando, em resumo, que o Supremo Tribunal pronunciou-se “sobre aquilo que não tinha de pronunciar-se” (uma vez que, na sua perspetiva, devia ter-se “circunscrito à avaliação do raciocínio dedutivo da Relação de Évora, que lhe permitiu alterar a matéria de facto dada como provada e não provada, apreciando se tal raciocínio violava ou não as regras e princípios” indicados no recurso e não estabelecer uma presunção que “já não é a que foi estabelecida pela Relação, partindo uma e outra de núcleos factuais diferentes”).

Alega, a recorrente, em síntese, que o Supremo Tribunal, “-confrontado com a arguição da ilogicidade de uma presunção estabelecida pela Relação, que permitiu a esta dar como provados factos que a 1ª instância não dera como assentes- possa vir a sustentar essa mesma presunção, mas com base num raciocínio dedutivo assente em factos que não constavam do probatório, nem haviam sido convocados pela Relação”, apontando, para o efeito “duas razões:

i) Primeira, porque o âmbito do recurso estava delimitado pelas conclusões formuladas pela Recorrente, que o circunscrevera à avaliação de uma determinada presunção sobre matéria de facto estabelecida pela Relação, que o Supremo Tribunal acabou por não apreciar;

ii) Segunda, e substancialmente mais grave, porque o Supremo Tribunal se sustenta num outro raciocínio dedutivo, extraído a partir de factos que não estavam estabelecidos no probatório – a ida da Arguida a uma reunião na Câmara ..., bem como a sua data e conteúdo – e contra um facto que está assente: a plantação de cannabis, existente desde 2018, tinha o propósito da investigação medicinal levada a cabo por NICOLAS (cfr. facto provado n.º 21), e não a exploração comercial da produção de cannabis para fins medicinais, que não ficou provado que existisse (cfr. facto não provado n.º 1), com a qual naturalmente se relacionariam os contactos estabelecidos com a I... e com a Câmara .... “e, assim, concluindo, que o “Supremo Tribunal imiscuiu-se numa questão com contornos fácticos que lhe estava vedado apreciar. No limite, deveria ter reenviado o processo para as instâncias que apreciam a matéria de facto para esclarecer esse assunto (o que, de resto, ainda pode fazer).” e, ao pronunciar-se sobre aquilo que não tinha de pronunciar-se, cometendo a nulidade apontada, violou ainda o princípio do contraditório, não permitindo à Recorrente que esclarecesse cabalmente a questão da sua deslocação à Câmara ..., o que envolvia uma apreciação de factos que não cabiam no âmbito do recurso interposto, nem na competência do Supremo Tribunal circunscrita à matéria de direito.

2. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

3. A recorrente vem invocar nulidade do acórdão de 26.01.2023 deste STJ, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), in fine, do CPP.

Vejamos então.

Tendo sido a decisão absolutória da 1ª instância, alterada para decisão condenatória pela Relação, justifica-se que o legislador, aceitando esta solução, admita mais um grau de recurso para o STJ (art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP), com vista à reapreciação do caso concreto.

E, foi precisamente ao abrigo do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, que a arguida recorreu para o STJ e, assim, foi proferido o acórdão agora arguido de nulo.

Ora, dispõe o invocado artigo 379.º (Nulidade da sentença) do CPP:

1 - É nula a sentença:

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

No acórdão proferido em 26.01.2023 apreciaram-se as questões colocadas pela recorrente, particularmente (no que aqui agora interessa) os invocados erros apontados no recurso para o STJ, quanto à alteração da matéria de facto relativa ao dolo, que veio a ser dada como não provada em relação à recorrente na 1ª instância e, como provada, na Relação.

Para o efeito, como é evidente, o STJ teve de analisar o raciocínio feito pela Relação, que, por sua vez, apreciou o realizado pela 1ª instância (tendo presente que a recorrente havia sido absolvida na 1ª instância e condenada na 2ª instância, por ter sido alterada precisamente a matéria de facto relativa ao dolo que veio a ser dada como provada nesta última instância).

Obviamente que o STJ não podia ignorar o teor do texto de cada uma das referidas decisões, face ao apelo que a elas era feito quer no recurso da arguida, quer no acórdão da Relação impugnado.

A recorrente não pode é pretender limitar o raciocínio do STJ, ainda que possa discordar, como discorda, do mesmo, quando este último Tribunal acabou por concluir que não merecia censura a decisão da Relação por dar como provada a matéria relativa ao dolo quanto à arguida, afastando todos os erros apontados no recurso (como se pode ler no acórdão de 26.01.2023, devendo igualmente ler-se, na sua totalidade, a decisão da Relação impugnada).

Os segmentos da argumentação do STJ, com os quais a recorrente discorda (e que a mesma lê, de forma isolada e conforme lhe é conveniente), não equivalem, como alega, ao conhecimento de questões de que o Tribunal não podia conhecer.

De resto, aconselha-se a recorrente a ler atentamente o acórdão de 26.01.2023, para não confundir a apreciação que se fez do seu recurso, designadamente, com a questão que coloca no ponto 46 (onde chega, a por a hipótese de o Supremo Tribunal estar a imiscuir-se numa questão com contornos fácticos que lhe estava vedado apreciar e, no limite, aponta como solução o reenvio do processo para as instâncias apreciarem a matéria de facto para esclarecer esse assunto, ignorando ou branqueando o que consta do texto da motivação de facto da sentença da 1ª instância).

A recorrente está a inverter as situações e a pretender impor a sua perspetiva e apreciação dos factos, o que não pode ser, pois está a confundir a sua análise pessoal e subjetiva com nulidade do acórdão.

Na verdade, a discordância da recorrente quanto à decisão do STJ não equivale à existência de qualquer nulidade, nem tem a virtualidade de tornar nula a decisão proferida no acórdão de 26.01.2023.

Apesar da recorrente considerar a decisão proferida pelo STJ nula, por na sua perspetiva ser errada, o certo é que, como acima se explicou, não detetamos o invocado vício da nulidade em qualquer das suas vertentes.

O acórdão de 26.01.2023 não enferma de qualquer nulidade, como se pode verificar lendo toda decisão e conferindo o disposto nas normas legais aplicáveis, particularmente nos arts. 374º e 379º, do CPP.

Assim, indefere-se o requerimento ora em apreço, sendo certo que não há violação das disposições legais ou princípios invocados pela recorrente.

III Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a arguida nulidade do acórdão de 26.01.2023.

Nos termos do art. 524.º do CPP, art. 8.º, n.º 9, do RCP e respetiva tabela III anexa vai a recorrente condenada em 2 UC`s de taxa de justiça.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente desta Secção Criminal.

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Supremo Tribunal de Justiça, 23.02.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)

Agostinho Soares Torres (Juiz Conselheiro Adjunto)

Eduardo Loureiro (Presidente da 5ª Secção)