Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1024/04.4TTLRA.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FAT
SENTENÇA
ABSOLVIÇÃO
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
PROCESSO LABORAL - PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO.
Doutrina:
- Leite Ferreira, “Código de Processo de Trabalho” Anotado, Coimbra Editora, 1989, pp. 345/472, 477/478.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (CPT), NA VERSÃO DO D.L. N.º 480/99 DE 9/11 (CPT/99): - ARTIGOS 121.º, N.ºS 1 E 3, 122.º, 124.º.
D.L. N.º 295/2009, DE 13-10: - ARTIGOS 6.º, 7.º, Nº 1.
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO (FAT)
LEI N.º 100/97, DE 13-9: - ARTIGO 39.º, N.º1.
Sumário :
I - No decurso da acção emergente de acidente de trabalho, verificados os requisitos do artigo 122º do CPT/99, o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) é chamado a antecipar ao sinistrado, ou seus beneficiários, uma pensão ou indemnização provisórias.

II- Sendo proferida sentença condenatória, o juiz transfere para a entidade responsável o pagamento da pensão ou indemnização e demais encargos, para além de a condenar a reembolsar todas as importâncias adiantadas, conforme determina o art. 122.º, n.º, 4, do mesmo diploma.

III- Mas se a sentença for absolutória não prevê este preceito o reembolso das quantias adiantadas ao sinistrado ou seus beneficiários, dado o carácter alimentar da pensão ou indemnização provisórias que foi fixada.

Decisão Texto Integral:

                        Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---
                                              

                        No Tribunal do Trabalho de Leiria correu termos uma acção especial, emergente de acidente de trabalho, em que era sinistrado

                        AA e demandado como responsável

                        BB.

                       

                        Frustrada a tentativa de conciliação, o sinistrado requereu a abertura da fase contenciosa mediante a apresentação em juízo da respectiva petição inicial, requerendo igualmente a atribuição de pensão ou indemnização provisória por ser necessária para assegurar a sua sobrevivência e do seu agregado familiar.

                        O R opôs-se ao deferimento do requerido, mas o Tribunal deferiu tal requerimento, ordenando o pagamento, pelo FAT, e ao abrigo do disposto no artº 17º, nº 5, da Lei nº 100/97 e artº 47º, nº 1, do DL 143/99, da indemnização por ITA já apurada pelo MºPº, da pensão provisória anual de € 12.753,00, desde 17/07/2005, dos custos dos tratamentos médicos e medicamentosos efectuados com vista à cura das lesões e sequelas decorrentes do acidente, e dos custos dos transportes para tratamentos e deslocação a tribunal.

                        E tendo o sinistrado falecido durante a pendência da causa (em 27 de Maio de 2008), foram julgados habilitados, como herdeiros do falecido,

                        CC,

                        DD,

                        EE e

                        FF, para com eles prosseguir a acção.

                       

                        Efectuada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, considerando não se verificarem os elementos que definem legalmente o acidente de trabalho, julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição do Réu do pedido.

                        Veio então o FAT interpor recurso, arguindo também a nulidade da sentença, com o fundamento de não ter sido apreciada a questão da restituição das prestações provisórias adiantadas por aquele Fundo ao sinistrado.

                        Na sequência, foi proferido despacho a suprir tal nulidade, vindo a condenar‑se os Autores, na qualidade de herdeiros habilitados do falecido AA, a devolver ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de € 71.425,83, relativa aos valores por aquele pagos a título provisório ao sinistrado, tendo o FAT desistido do recurso que havia interposto.

                        E dela apelaram os Autores sustentando que a pensão provisória atribuída ao falecido sinistrado teve como requisito essencial a verificação de uma situação de carência por parte do mesmo, pelo que, tendo sido atribuída por ser necessária à satisfação das suas necessidades de subsistência, este instituto assemelha-se à providência cautelar de alimentos provisórios.

                        Nesta linha, e face ao estreito parentesco que se verifica entre ambas as figuras jurídicas, pugna pela aplicação do artigo 2007º, nº 2 do Código Civil, pelo que não haverá lugar, em caso algum, à restituição dos valores provisoriamente recebidos.

                       

                        O Tribunal da Relação de Coimbra apreciando o recurso, veio a julgar a apelação procedente, pelo que, e revogando a decisão recorrida, não determinou a devolução ao FAT das quantias pagas que este havia adiantado ao sinistrado.

                        Inconformado com este acórdão, veio o FAT recorrer de revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1. O Fundo de Acidentes de Trabalho foi notificado para proceder ao pagamento de prestações provisórias ao autor AA.

2.            Liquidou o recorrente a esse título ao autor a quantia global de 71425,83€, referente a indemnização por ITA, prótese, despesas farmacêuticas, despesas de transporte e pensões provisórias no período compreendido entre 17-07-2005 e 30-11-2008.

3.            A sentença final proferida em 17-05-2013 entendeu que o acidente sofrido pelo Autor não pode ser considerado um acidente de trabalho, pelo que absolveu o Réu do pedido.

4.            Atendendo a que tal sentença não apreciou/decidiu quanto à condenação do Autor na restituição, ao Fundo de Acidentes de Trabalho, das quantias por este adiantadas a título provisório, apresentou este Fundo recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra com fundamento em nulidade da sentença.

5.            Na sequência da apresentação de tal recurso, o Mm.º Juiz a quo supriu a nulidade constante da sentença e condenou os herdeiros habilitados do sinistrado a devolver ao FAT a quantia de 71425,83€.

6.            Contudo, não se conformando com tal entendimento e condenação, os herdeiros habilitados do sinistrado apresentaram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.

7.            Tendo o acórdão recorrido concedido provimento ao recurso apresentado pelos herdeiros do sinistrado e, entendendo que, em caso de sentença absolutória, o Tribunal não tem de condenar no reembolso das pensões provisórias, não havendo caso omisso no disposto art. 122º do CPT.

8. Ora, não pode o ora recorrente conformar-se com tal entendimento.

9.            Não prevendo tal disposição legal a restituição das indemnizações e/ou pensões provisórias em caso de sentença absolutória, estamos perante um caso omisso, cuja reparação deverá ser preenchida com recurso à lei processual civil comum, nos termos do artº1º, n.º 2 do CPT.

10.          O Tribunal recorrido entendeu ainda que, caso se entendesse que a obrigação de efetuar o reembolso existe, seria de aplicar a situação prevista para os alimentos provisórios, não havendo lugar à restituição caso a sentença seja absolutória.

11.          Contudo, o procedimento cautelar que melhor se aplicará à situação das pensões provisórias, por evidenciar uma clara similitude com este será o arbitramento de reparação provisória (artigos 403º a 405º do CPC).

12.          Dispõe o art. 403º do CPC que na pendência de acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano.

13.          Contudo, no artigo 405º, n.º 2 do CPC estabeleceu o legislador que na decisão final, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condenará sempre o lesado a restituir o que for devido.

14.          Também a atribuição da pensão provisória em sede de acidentes de trabalho, cujo procedimento está previsto nos artigos 121º e segs. do CPT, tem a natureza de uma providência cautelar, destinada a restabelecer, provisoriamente, as condições económicas dos sinistrados ou beneficiários, desde que reunidos determinados requisitos.

15.          Trata-se, por isso, de uma providência cautelar específica dos processos emergentes de acidente de trabalho, fixada em conformidade com o disposto no CPT.

16.          Perante esta similitude das tutelas cautelares em causa e atendendo à aplicação subsidiária do processo civil em processo de trabalho, nada obsta à aplicação ao direito processual infortunístico da norma constante no artigo 405º, n.º 2 do CPC.

17.          Assim, não entende o FAT como, por um lado, a Relação de Coimbra fundamenta a sua decisão na inexistência de caso omisso, mas encontra solução para a não regulamentação da situação em apreço no artigo 2007º do CC, por aplicação do artigo 381º e seguintes do CPC, solução encontrada nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 2, alínea a), do CPT (caso omisso).

18.          O acórdão objecto do presente recurso está, claramente, em contradição, pelos seguintes motivos: por um lado considera que inexiste caso omisso, por outro entende que é aplicável o artigo 2007º do CC nas situações em que é proferida uma sentença absolutória e está em causa o reembolso de pensões provisórias, porque o legislador não regulou tais situações e a solução é encontrada pela aplicação subsidiária da lei processual civil comum, qualificando-o como caso omisso.

19.          Existe, pois, no acórdão de que se recorre um claro erro de interpretação, quando a mesma previsão normativa (ou falta dela) é objecto de qualificação antagónica: por um lado, é tratada como uma situação intencional do legislador, não podendo ser qualificada como caso omisso, por outro lado, permite a sua integração através do recurso ao artigo 1º, n.º 2, alínea a), do CPT.

20.          Existe ainda erro de determinação da norma aplicável no acórdão recorrido, ao integrar a lacuna existente na lei, quanto ao reembolso dos montantes adiantados a título provisório em caso de sentença absolutória, na providência cautelar de alimentos provisórios (art. 399º e segs. do CPC) ao invés de com recurso ao procedimento cautelar mais semelhante - o arbitramento de reparação provisória (art, 403º e segs. do CPC).

21.          Deverá, pois, o acórdão proferido ser revogado, decidindo-se pela existência de caso omisso na não previsão da restituição das pensões provisórias em caso de sentença absolutória em processo de acidente de trabalho, devendo o mesmo ser integrado por analogia, recorrendo ao instituto do arbitramento de reparação provisória.

22.          E como tal serem os herdeiros habilitados do sinistrado AA condenados na restituição ao Fundo de Acidentes de Trabalho da quantia de 71425,83 euros.

                               

                        Pede-se assim a revogação do acórdão com a consequente repristinação da decisão da 1ª instância.

                        Os recorridos também alegaram pugnando pela manutenção do decidido, e argumentando que o instituto da pensão ou indemnização provisórias se assemelha à providência cautelar de alimentos provisórios, pelo que se deve aplicar a doutrina do artigo 2007º, nº 2 do Código Civil, não havendo lugar, em caso algum, à restituição dos valores provisoriamente recebidos pelo sinistrado.

                        .

                        Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador- ‑Geral Adjunto judicioso parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se na jurisprudência seguida neste Tribunal, o qual, após notificação, não suscitou qualquer reacção das partes.   

                        Cumpre assim decidir.                                  

2---

                                                                      
                        A questão que se discute consiste em saber se, tendo sido atribuídas ao sinistrado pensão e indemnização provisórias, para além do pagamento das despesas referidas a fls. 519, deve a sentença que absolveu o Réu, por não se ter provado que o acidente sofrido pelo falecido sinistrado se possa caracterizar como acidente de trabalho, condenar os seus herdeiros no reembolso das importâncias que lhe haviam sido pagas, a título provisório, pelo FAT.

                        Efectivamente, por despacho de fls. 519, havia sido ordenado que esta entidade procedesse a tais pagamentos, ao abrigo do disposto no artigo 122º do CPT aprovado pelo DL nº 480/99 de 9 de Novembro, e que é o aplicável face à data da instauração desta acção (2004). 

                        Insere-se este preceito na regulamentação da matéria respeitante ao processo especial de acidente de trabalho, regulando especificamente os termos da atribuição de pensão ou indemnização provisórias.

                        Trata-se dum instituto jurídico que foi introduzido pelo Código de Processo de Trabalho aprovado pelo DL nº 45 497, de 30 de Dezembro de 1963, também conhecido por CPT/63, que no seu preâmbulo considerou a medida de atribuição ao sinistrado ou doente de uma pensão provisória como uma novidade importante do código, pretendendo-se acudir à injustiça clamorosa que representa o facto, bastante frequente, de não existirem dúvidas que o sinistrado, ou doente, tem direito a receber pensão, e não obstante isso, ter de aguardar, durante anos, que se defina o montante exacto desta, ou que seja decidido se é à seguradora ou à entidade patronal que compete o seu pagamento.
                        E secundando esta ideia escrevia Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalho Anotado, ed. 1989, pags. 477/478, que se no decurso do processo não se atendesse à situação da vítima, bem podia acontecer que ela ficasse privada dos meios necessários à sua subsistência ou até produzir-se uma situação de facto que tornasse ilusória a providência definitiva que com a acção se pretende atingir.       

    

                        Foram portanto razões de ordem social que estiveram na génese da consagração legal deste mecanismo antecipatório do recebimento dos direitos emergentes do acidente de trabalho, tratando-se duma medida que, atento o seu altíssimo relevo social, se manteve nos Códigos de Processo de Trabalho que lhe sucederam.

                        Assim, veio a ser mantida nos artigos 124º, 125º e 126º do CPT aprovado pelo DL nº 272-A/81 de 30/9, também conhecido pelo CPT/81.

                        E passou igualmente para o CPT na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 480/99 de 9/11 (CPT/99), que é o aplicável ao caso, conforme já se referiu, pois o processo foi ajuizado em 2004 e o CPT aprovado pelo DL nº 295/2009 de 13/10, só se aplica às acções que se iniciaram após 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta dos artigos 6º e 7º, nº 1 deste diploma.

                        Tentando caracterizar esta figura, o Conselheiro Leite Ferreira sustentava que as pensões provisórias de que trata o código mantêm, pela sua natureza jurídica, estreito parentesco com as providências cautelares reguladas no Código de Processo Civil, particularmente com o processo de alimentos provisórios (Código de Processo do Trabalho, anotado, pgª 472, Coimbra Editora, 1989).

                        Esta aproximação da figura ao processo cautelar de alimentos provisórios parece-nos importante para a solução a dar ao presente caso.

                        Na verdade, há duas situações típicas que os diversos códigos do processo do trabalho acima mencionados vêm distinguindo, pois o regime é diverso consoante se trate de casos em que as partes reconhecem ou não a existência e caracterização do acidente de trabalho.

                        Com efeito, se o acidente estiver reconhecido como tal, a questão será apenas de apurar o montante da pensão, por eventuais diferenças no salário do trabalhador ou no grau da sua incapacidade, ou de determinar a quem pertence pagá-la, por divergências entre seguradora e entidade empregadora.

                        Por isso, nestes casos bastará o sinistrado requerer a atribuição de pensão provisória para a mesma ser deferida, pois o legislador presume que tais valores são essenciais para a sobrevivência do sinistrado e sua família. Por outro lado, o pagamento desta pensão provisória (ou indemnização) ficará a cargo da seguradora se for junta apólice de seguro, conforme determina o artigo 121º/3 do CPT/99; se não for junta esta apólice, ficará a cargo da entidade empregadora.

   

                        Já mais delicada é a situação de inexistência de acordo sobre a existência e caracterização do acidente como de trabalho, pois neste caso, e seguindo os princípios gerais do regime dos procedimentos cautelares do processo civil, faltará um dos requisitos necessários à concessão da providência – o “fumus boni iuris”, ou seja a probabilidade séria da existência do direito. 

                        Apesar disso, o legislador admite a atribuição da pensão ou indemnização provisórias se se considerarem tais prestações necessárias ao sustento do sinistrado ou seus beneficiários legais e se do acidente tiver resultado a morte ou uma incapacidade grave (artigo 122º/1 do CPT/99), dando assim pouco relevo à fragilidade da existência do mencionado requisito da probabilidade séria da existência do direito, face ao litígio das partes sobre a existência e caracterização do acidente como de trabalho.

                        Por isso, nestes casos, e dado que não é seguro que se venha a considerar o acidente como um típico acidente de trabalho, o legislador entendeu que não era razoável impor tal encargo à demandada (seguradora ou entidade patronal), antes determinando que estes pagamentos ficariam a cargo duma entidade pública - a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, primeiro, (artigos 120º/2 do CPT/63 e 125º/2 do CPT/81), e o FAT a partir de CPT/99, conforme resulta do seu artigo 122º/2.

                        Donde resulta que são diversos os pressupostos da atribuição da indemnização ou pensão provisórias, pois sendo controvertida a existência do acidente de trabalho, o legislador é muito mais exigente na sua atribuição, sendo necessário, antes de mais, que se trate dum acidente mortal ou de que resulte uma incapacidade grave e que a concessão daquelas prestações seja necessária para a sobrevivência do sinistrado ou dos seus beneficiários legais.

                        Nos outros casos e em que esteja reconhecida a qualificação do acidente como de trabalho, o legislador, na esteira do que vinha acontecendo com o regime dos códigos de processo laboral anteriores, apenas exige que a mesma seja requerida, nem isso sendo necessário se a sua atribuição já resultar da lei (artigo 121º/1).

                        Note-se ainda que, foi atendendo a que os direitos emergentes do acidente de trabalho assumem carácter essencial para a sobrevivência do sinistrado ou seus beneficiários legais que, desde o CPT/63, se vem consagrando, reiteradamente, a irrecorribilidade do despacho que fixa a atribuição da indemnização ou pensão provisórias. E embora se reconheça aos obrigados o direito de reclamar com o fundamento em não se encontrarem reunidas as condições da sua atribuição (124º do CPT/99), é tal decisão imediatamente exequível - (nº 3).       

                       

                        Por outro lado, resulta do nº 4 do artigo 122º (CPT/99) que, na sentença final, se for condenatória, o juiz transfere para a entidade responsável o pagamento da pensão ou indemnização e demais encargos, condenando-a a reembolsar todas as importâncias adiantadas.

                        Conforme se colhe da letra do preceito, este só se refere às decisões que sejam condenatórias, pelo que, se elas forem absolutórias suscita-se a questão de saber se o tribunal terá que apreciar a questão do reembolso das quantias pagas pelo FAT, ou se foi intencionalmente que o legislador não previu essa situação por considerar que não é devida tal obrigação.

                        Ou seja, será que estamos perante uma lacuna da lei ou foi intencionalmente que o legislador apenas impôs que o juiz determine a restituição das importâncias adiantadas pelo FAT quando a sentença for condenatória?

                                Enfrentando esta questão argumentou-se no acórdão recorrido:

                                “Se a lei faz referência à “sentença condenatória” e não estabelece qualquer regime de reembolso quando há sentença absolutória, e tendo em conta o disposto no artº 9º, nº 3, do Cod. Civil, é porque quis excluir expressamente esse reembolso quando o sinistrado não consegue fazer valer a sua pretensão, designadamente quanto à existência e caracterização como acidente de trabalho. O legislador não ignorava que o processo poderá ter como desfecho uma sentença absolutória.

                       

                        Também aderimos a esta posição.

                        Efectivamente e como já afirmado, a figura da pensão ou indemnização provisórias remonta ao CPT/63, onde em caso de dúvidas sobre se o acidente ou doença estavam a coberto da protecção da legislação vigente, se atribuiu poder ao juiz para, dentro de certo condicionalismo, fixar uma pensão provisória a pagar pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.

                        Esta instituição, sem fins lucrativos, e que havia sido criada pelo DL nº 44307 de 27 de Abril de 1962, estava integrada no regime das instituições de previdência social, a quem se confiara a gestão do seguro da silicose com o objectivo de eliminar os conflitos entre as seguradoras e as então caixas de previdência sobre a classificação dos riscos sofridos pelas vítimas de doenças profissionais, e a quem estes conflitos podem causar um dano irreparável, protelando a adopção das medidas convenientes, conforme se colhe do preâmbulo do diploma.

                        E o seu carácter previdencial ficou desde logo bem marcado pela circunstância de o desenvolvimento das suas actividades abranger todos os trabalhadores vítimas de silicose, mesmo sem estarem inscritos na instituição, conforme se proclamava no mesmo preâmbulo.

                        Foi atendendo ao seu carácter previdencial que o legislador atribuiu à Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais o encargo de arcar com o pagamento das pensões ou indemnizações provisórias quando há dúvidas na qualificação do acidente ou doença, pois sendo estas prestações conferidas quando são necessárias ao sustento do sinistrado ou seus beneficiários legais e se do acidente tiver resultado a morte ou uma incapacidade grave, dificilmente se concebe que o legislador tivesse em vista a devolução dos valores adiantados por este organismo caso a acção viesse a improceder.

                       

                        Por isso se percebe que, nos termos do nº 4 do artigo 120º do CPT/63, a lei só tenha imposto ao juiz a obrigação de mandar reembolsar do pagamento das quantias adiantadas ao sinistrado se a sentença fosse condenatória.

                        Sendo esta a matriz que esteve na génese de idênticos preceitos dos Códigos de Processo do Trabalho que lhe sucederam, temos de concluir que bem andou o acórdão recorrido em não manter a condenação dos herdeiros do sinistrado na devolução das quantias que o FAT havia adiantado.

                        É certo que com a reforma do CPT/99, o seu artigo 122º, nº2 remeteu o pagamento das pensões ou indemnizações provisórias para esta nova entidade – o FAT.

                        De qualquer maneira, o seu pendor social está bem patente na circunstância de ser esta entidade a responsável pelo pagamento das pensões e indemnizações emergentes de acidentes de trabalho que não possam ser pagas pelas entidades responsáveis por razões de incapacidade económica, conforme resultava do nº 1 do artigo 39º da Lei 100/97 de 13/9.

                        Por outro lado, o DL nº 142/99 de 30 de Abril, confirma esta sua matriz social, pois fora criado para prevenir que, em caso algum, os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe foram atribuídas.

                        Foi atendendo a este enquadramento que ganhou foros de consensualidade a aproximação da figura da pensão provisória ao processo cautelar de alimentos provisórios, conforme já sustentava Leite Ferreira na 1ª edição do seu Código de Processo do Trabalho, anotado, pgª 345.

                        Por isso, e face ao carácter alimentício dos valores que o FAT teve que adiantar ao sinistrado, não podemos aceitar que os seus herdeiros tenham que o reembolsar dos montantes que aquele pagou, conforme determina o nº 2 do artigo 2007º do CC, tanto mais que não está demonstrada qualquer actuação de má-fé do sinistrado, que constitui o único caso em que, nos termos do artigo 387º do CPC, poderia originar responsabilidade do requerente (da pensão provisória) pelos danos causados com a improcedência da acção.

                        E assim sendo, verificados os requisitos previstos no nº 1 do artº 122º do CPT/99, a pensão provisória é adiantada pelo FAT, o qual, em caso de sentença condenatória, será reembolsado pela entidade responsável pelo pagamento da pensão –  nº 4 do mesmo artigo.
                                Mas se a sentença for absolutória não é devido tal reembolso, conforme se decidiu.

                       


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                        Termos em que se acorda nesta secção Social em negar a revista.





                        Sem custas.

      
                        Anexa-se sumário do acórdão



                        Lisboa, 29 de Outubro de 2014


Gonçalves Rocha (Relator)


Leones Dantas


Melo Lima