Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
195/18.7GDMTJ-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PROVA PERICIAL
NOVOS MEIOS DE PROVA
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I. O recurso de revisão penal é um meio extraordinário de impugnação de uma sentença transitada em julgado que visa a obtenção de uma nova decisão mediante a repetição do julgamento.
II. Os fundamentos do recurso de revisão estão taxativamente enumerados no art. 449.º, n.º 1, do CPP, a saber, a falsidade dos meios de prova verificada por sentença transitada em julgado (art. 449.º, n.º 1, al. a)); a sentença injusta decorrente de crime cometido por juiz ou por jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo (al. b)); a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al. c)); a descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al. d)); a condenação com fundamento em provas proibidas (al. e)); a declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação (al. f)); e a sentença de instância internacional, vinculativa para o Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça (al. g)).
III. A (re)discussão da matéria de facto fixada no acórdão condenatório e a (re)avaliação das provas em que se fundou à luz da sua suficiência e produtividade não constitui objecto próprio do recurso de revisão, tratando-se de arguição própria dos meios impugnatórios ordinários que não pode ser actuada em recurso de revisão, sob pena de o converter em uma – mais uma – instância de recurso ordinário que não é, nem pode ser.
IV. Na acepção do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, (apenas) são novos os factos e as provas que eram, a um mesmo tempo, desconhecidos pelo arguido e pelo tribunal, somente se concedendo que ainda possam ser novos os já então conhecidos pelo arguido, mas justificando este por que não pôde ou por que não quis apresentá-los em devido tempo.
V. Invocando o arguido em apoio da autorização da revisão factos pessoais já existentes à data do julgamento e relatórios sociais de que o tribunal se serviu na elaboração do juízo probatório, nem uns nem outros satisfazem o requisito da novidade, por isso que não poendo viabilizar o pedido.
VI. De resto, a finalidade que o arguido expressamente persegue – não a sua absolvição, ainda que parcial, mas sim a redução imediata das penas, parcelares e conjunta, por via da atenuação especial prevista no art. 72.º, do CP –, está imperativamente arredada pelo art. 449.º, n.º 3 do recurso de revisão fundado na al. d) seu do n.º 1, conduzindo, como in casu conduz, inexoravelmente e mesmo que outras razões não houvesse, à denegação do pedido de autorização de revisão de sentença.
Decisão Texto Integral:


Autos de Recurso Extraordinário de Revisão

Processo n.º 195/18.7GDMTJ-B.S1

5ª Secção

I. relatório.
1. Vem o condenado AA – doravante, Recorrente – interpor recurso extraordinário de revisão de sentença do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos de PCC n.º 195/18.7GDMTJ de que estes são dependência, transitado em julgado em 24.2.2021 – doravante, Acórdão Recorrido – que, confirmando acórdão do Tribunal da Relação ... de 12.2.2020 – que, de seu lado, confirmara acórdão do Tribunal Colectivo ... de 29.7.2019, bem como despacho de indeferimento de realização de perícias psiquiátrica e sobre a personalidade23 por ele requerida – o condenou, a par da co-arguida BB e para o que aqui releva, pela co-autoria material, em concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.os 131º n.º 1 e 132º n.os 1 e 2 al.as e) e j), do Código Penal (CP), na pena de 22 anos de prisão, e de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art.º 254º n.º 1 al.ª b) do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de 23 anos de prisão. 


Nos dizeres do n.º 2º da motivação, apoia-se nas disposições dos art.os 449º n.º 1 al.as d) e e) e 450º n.º 1 al.ª c) do Código de Processo Penal (CPP) [1], junta certidão do acórdão condenatório e de dois relatórios sociais para determinação da sanção elaborados pelos DGRSP e relativos à co-arguida e à pessoa dele e remata o requerimento recursório com as seguintes conclusões e pedido:
─ «1
Vem o arguido apresentar o presente recurso extraordinário, porquanto não se conforma com a decisão proferida na sentença, por existirem factos novos, ou seja cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados pelo Tribunal por desconhecimento, que embora fossem de conhecimento do arguido no momento em que o julgamento teve lugar, conforme Ac. STJ de 14-05-2008 : "I. O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.
II. Um dos fundamentos do recurso de revisão é a existência de novos factos (art. 494. ~ n. o 1, ai. d), do CPP), isto é, de factos cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal, embora pudessem ser conhecidos do arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
2
Os factos supra expostos cuja conclusão se inicia, provocam uma grave dúvida e não apenas uma dúvida sobre a justiça da condenação.
3
O arguido ora recorrente está. condenado como, co-autor matéria de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131.º n.º 1 e 132 n.º 1 e 2. Alíneas e) e j) do código penal, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão;
b) Um crime de profanação de cadáver previsto e punido pelo artigo 254.º n° 1 alínea b) do Código penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
Nos termos do artigo 77.º do Código Penal, em cúmulo jurídico em uma pena singular de 23 (vinte e três) anos de prisão.
4
 É fundamentada a condenação, no ponto 8 do Acórdão da 1.º instância, "os arguidos agiram sob a égide de um plano comum, previamente elaborado entre ambos, com frieza de ânimo, pois tratava-se da mãe adotiva da arguida BB e sogra do arguido AA. querendo ambos passar já a dispor do património da herança da vítima, pois ambos os arguidos eram sustentados pela vítima, atuaram sem qualquer respeito pela vida da vítima e consideração pelos restos mortais"
5
Foi imputado ao arguido a prática do crime de homicídio qualificado nos termos do  artigo 132.º número 1 e 2 alíneas e) e j), no sentido da vontade do arguido dispor do património da herança da vítima, conforme foi referido nos relatórios sociais dos arguidos para determinação das sanções, os arguidos são casados com convenção antenupcial no regime de separação de bens, conforme assento de casamento ... de 2018 na Conservatória do registo Civil/Predial/Comercial do ....
6
O arguido/recorrente, não era herdeiro da vitima.
7
A única herdeira seria a BB.
8
No relatório Social da BB supra mencionado, na introdução é referido que "Ao longo do processo avaliativo não pudemos confirmar o percurso da arguida nem as suas  condições de vida, dado que para além dos dados recolhidos junto da técnica responsável pela elaboração do relatório social do cônjuge/coarguido, não foi possível, em tempo, obter outro género de convalidação para a informação prestada pela arguida em sede de entrevista. Nos dados recolhidos junto desta foram identificadas incongruências relativamente aos que foram recolhidos junto do seu cônjuge/arguido e familiares deste, o que nos levanta reservas sobre a veracidade e/ou exatidão dos mesmos. contribuindo Para a existência de dificuldades na compreensão e análise da situação em causa.
9
"De modo geral, a arguida adotou em entrevista uma atitude imatura e vitimizante, associada à construção de uma imagem positiva de si própria, no contexto de um discurso algo infantilizado. Embora não tenha evitado as questões colocadas nem os detalhes nas respostas apresentadas, por vezes respondeu de modo contraditório, o que acabaria por pôr em causa a consistência dos dados recolhidos e a sua posterior avaliação."
10
Continuando no âmbito do relatório social da Arguida, antes da conclusão é referido que, "Ao nível das suas características pessoais, a arguida apresenta-se de modo contraditório uma vez que autoreferencia-se como dependente, carente e vulnerável, mas por outro lado mostra-se pouco empática, egocêntrica e determinada a vários níveis, nomeadamente em terminar a relação com o coarguido, em perspetivar prosseguir a sua vida com outro companheiro, apresentando-se revoltada com os impactos da presente medida coativa e reivindicativa em meio prisional. "
11
É referido no relatório supra mencionado a pouca empatia e o egocentrismo da arguida BB, características estas muitas vezes referenciadas em Psiquiatria, como sendo características de comportamentos muito mais graves, que o Tribunal de Condenação, não quis saber, não valorou, quando poderia ter solicitado conforme indicado no relatório social da arguida, elaborado pela DGRSP, informações á Clinica ... em ... (relatório social da arguida pagina 3 segundo paragrafo).
12
No próprio relatório, foi indicado que "Em contacto com a clínica psiquiátrica de ... em ... no sentido de obter informações sobre eventuais acompanhamentos/tratamentos psiquiátricos da arguida não foi possível recolher quaisquer informações, pese embora nos tenham referido gue dariam essas intermações sobre a arguida ao Tribunal. caso este as solicitasse." Tal devia ter sido solicitado, talvez assim se compreendesse melhor com os comportamentos dos dois arguidos.
14
E o arguido AA é uma pessoa emocionalmente vulnerável, conforme consta do relatório social do arguido, na sua conclusão, "Ao longo do processo de desenvolvimento de AA, aparentemente, terá existido, sofrimento interno associado ao abandono por parte do pai, a dificuldades de adaptação a contextos sociais e vários quadros depressivos nos quais era evidente a existência de baixa-autoestima, tendência isolamento, tristeza, desesperança, astenia e anedonia e tentativa de suicídio, que motivaram o seu acompanhamento médico e medicamentoso na área da Psiquiatria. O arguido conheceu BB através de uma rede social ... esta uma relação afetiva que parece ter-se caracterizado pela dependência emocional mas através da qual o arguido ter-se-á sentido realizado em termos emocionais ... Após o inicio da relação, o arguido confrontou-se com vivências familiares pautadas pelo conflito que parecem ter-se constituído enquanto fatores de desorganização psico-emocional e terão facilitado o desenvolvimento, em 2017, de um novo quadro depressivo. De relevar ainda que em termos pessoais, a instabilidade laboral/financeira e a incapacidade de autonomização  do casal terão reforçado, no arguido, a emergência de sentimentos de ineficácia e frustração."
15
Segundo o psicanalista CC, o egocentrismo é um mecanismo de defesa, ou seja, uma estratégia psicológica inconsciente para não enfrentar a realidade e manter a autoimagem, neste sentido o referido no ponto 7 "imagem positiva de si mesma".
16
Outra das características dos egocêntricos, é a utilização da chantagem emocional e manipulação continua pra compensar os seus sentimentos de insegurança, só se interessando pelos outros para obter algo em troca;
17
O maquiavelismo é definida como, a tendência a usar os outros para seu próprio beneficio. Esse comportamento reforça na pessoa egocêntrica fortes sentimentos de inveja e só se interessa por outras pessoas na medida em que possa usá-los para obter algo em troca.
18
 O indivíduo egocêntrico tenta forçar outras pessoas a oferecer sua admiração incondicional através do controle sobre suas ideias, ações ou comportamentos; através de manipulação ou chantagem emocional.
19
Do ponto 15 ao 18 explicam todo o comportamento e controle que a BB tinha sobre o AA.
20
No relatório Social do arguido AA, vem descrito como "De acordo com o referido, desde cedo que AA revelou ser reservado, "ficava muito no seu mundo" (sic) e de ser uma "criança triste" (sic). Para contextualizar estas afirmações a progenitora referiu que quando o arguido tinha seis anos, e apesar de ser muito amado pela família, verbalizou que "quero morrer, ninguém gosta de mim", sentimento que a progenitora associou ao facto de este verificar que as outras crianças tinham a figura paterna presente e ele não. AA também verbalizou que o abandono do pai foi para si emocionalmente perturbador porque considera não ter tido um modelo masculino de referência ao longo do seu processo de desenvolvimento."
21
"O arguido apresentava baixa-autoestima, tendência para o isolamento, tristeza, desesperança, astenia e anedonia (perda de interesse e satisfação em realizar diversas atividades anteriormente consideradas agradáveis), tendo sido mesmo referida uma tentativa de suicídio. O arguido teve então apoio psicológico e psiquiátrico e veio a superar este estado. O arguido referiu que nesse período a religião evangélica, a que elementos da sua familia materna estão ligados, também o ajudou a ultrapassar o período de depressão"
22
Em conclusão é referido que "AA, aparentemente, terá existido, sofrimento interno associado ao abandono por parte do pai, a dificuldades de adaptação a contextos sociais e vários quadros depressivos nos quais era evidente a existência de baixa..autoestima, tendência para o isolamento, tristeza, desesperança, astenia e anedonia e tentativa de suicídio, que motivaram o seu acompanhamento médico e medicamentoso na área da Psiquiatria.".
23
O arguido AA é uma pessoa emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, que foi aproveitada pela arguida BB, que pelas característica que lhe são apontadas pelo Relatório Social, supra mencionado, usou o arguido desde o inicio, quando decidiu casar, em regime de separação de bens, para engendrando um plano para se apoderar do património da mãe, a BB desde o primeiro momento, em que foram acusados, tentou que o AA admitisse os factos sozinho.
24
A BB tem uma personalidade manipuladora e controladora, conforme se retira do seu relatório social, verificada desde o inicio da relação, "A partir de julho de 2015, data em que AA foi viver para junto do agregado de origem da companheira, DD afirmou ter registado uma mudança de atitude no filho, passando a relação familiar a ser pontual e distante, uma vez que este raramente atendia os telefonemas que lhe fazia. Na sua perspetiva esta mudança de comportamento é enquadrada quer pelo facto de o filho de estar apaixonado e ser submisso a BB, quer por esta ter assumido um papel de liderança/dominação na relação por alegadamente recear a forma próxima e afetuosa de relacionamento entre mãe e filho. O arguido confirmou este maior distanciamento face ao seu agregado materno, como forma de evitar conflitos com BB."
25
O AA foi manipulado pela BB, o AA é uma pessoa vulneráveis e propensas a desenvolverem sentimentos de culpa, medo e de obrigação bem como a evitar situações de conflito, acabando por ceder, sobretudo quando os laços afetivos são maiores como na relação entre casais. www.psicologia.pt
26
O AA foi manipulado pela BB, desde o primeiro momento, plano este que, pelos circunstancialismos dos factos, casamento com separação de bens, a dependência emocional do AA para com a BB, o afastar do AA da família, deixando-o cada vez mais dependente dela para tudo, fez com que o AA agisse, automaticamente, a mando e segundo orientações da BB, que pela sua personalidade de falta de empatia, egocêntrica, manipuladora, levou o AA, emocionalmente mais vulnerável, a mando da BB a praticar os factos, existindo uma diminuição do Dolo por parte do AA.
27
O arguido AA é uma pessoa, emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, submisso, que foi aproveitada pela arguida BB, que é definida pelo Relatório Social Supra mencionado como tendo falta de Empatia e uma personalidade egocêntrica.
28 Neste sentido, e como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, existe uma diminuição do dolo do agente, e como tal, na aplicação da medida da pena, nos termos e para o disposto dos artigo 71.º numero 1, e 71.º número 2 alínea b) do Código Penal,
29
Como se percebe por todo o supra exposto o Arguido AA, foi instrumentalizado, conduzido, levado, manipulado pela arguida BB, sendo que estas características da BB estão plasmadas no seu relatório social elaborado pela DGRSP, sendo que o Tribunal da Condenação, tinha o conhecimento dos factos e não valorou, não deu importância aos mesmo, sendo que deveria ter solicitado, conforme foi referido no relatório social da BB, na introdução, folha 3 segundo paragrafo, informações á Clinica ..., para poder averiguar e esclarecer factos, sendo que se o fizesse teria evitado uma sentença injusta, e não teríamos que estar a reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.
30
Devendo ser aplicada pelo Douto Tribunal uma atenuação especial da pena, nos termos e para o disposto do artigo 72.º numero 1, ou seja, "... quando existirem circunstâncias anteriores, posteriores ao crime ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena"
31
Por todo o disposto, e tendo o arguido sido condenado no crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos artigos 131.º n.º 1 e 132 n.º 1 e 2. Alíneas e) e j) do código penal, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão, e por um crime de profanação de cadáver previsto e punido pelo artigo 254.º n° 1 alínea b) do Código penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.    
Nos termos do artigo 77.ºo do Código Penal, em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão, devem as penas ser especialmente atenuadas, fazendo se assim a costumada Justiça, evitando uma sentença injusta e reparando um grave erro judiciário.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e a final deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, reparando o erro judiciário, atenuando especialmente as penas aplicadas ao arguido AA,
Fazendo se assim a costumada Justiça.».

2. Admitido o requerimento de revisão no Juízo Central Criminal ..., respondeu-lhe a Senhora Procuradora da República, porém extemporaneamente, motivo por que, por despacho de 11.2.2022 da Senhora Juíza, foi ordenado o desentranhamento da pertinente peça.

Não havendo diligências instrutórias a realizar, a Senhora Magistrada prestou no mesmo acto a informação prevista no art.º 454º n.º 1 do CPP [2], nos seguintes termos:
─ «[…].
Vem o recorrente AA alicerçar o seu recurso de revisão com fundamento no disposto no artigo 449.º, n.º 1, alíneas d) e) do Código de Processo Penal (cfr. artigo 2.º).
Argumenta “existirem factos novos, ou seja cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados pelo Tribunal por desconhecimento, embora fosse de conhecimento do arguido no momento em que o julgamento teve lugar”.
Refere que “foi imputado ao arguido a prática do crime de homicídio qualificado nos termos artigo 132.º número 1 e 2 alíneas e) e j), no sentido da vontade do arguido dispor do património da herança da vítima, conforme foi referido nos relatórios sociais dos arguidos para determinação das sanções, os arguidos são casados com convenção antenupcial no regime de separação de bens, conforme assento de casamento ... de 2018 na Conservatória do registo Civil/Predial/Comercial do ...”, não sendo ele herdeiro da vítima, mas sim a coarguida BB.”
Mais alega ser uma “pessoa emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, que foi aproveitada pela arguida BB, que pelas características que lhe são apontadas pelo Relatório Social, usou o arguido desde o inicio, quando decidiu casar, em regime de separação de bens, para engendrando um plano para se apoderar do património da mãe, a BB desde o primeiro momento, em que foram acusados, tentou que o AA admitisse os factos sozinho”.
Assim, invoca como “fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, existe uma diminuição do dolo do agente, e como tal, na aplicação da medida da pena, nos termos e para o disposto dos artigos 71.º numero 1, e 71.º número 2 alínea b) do Código Penal
*
No que concerne ao mérito do recurso, primeiramente entende-se que os factos ora invocados não integram o fundamento de revisão previsto na alínea d) do artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto não se vislumbra ter o recorrente apresentado qualquer novo facto ou meio de prova.
Neste âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 07/04/2016, esclarece (proc. 757/11.3GBLLE-A. S1, in www.dgsi.pt):
A revisão é admissível se se descobrirem novos factos ou novos meios de prova (art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP); “são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal” (ac. do STJ de 20-06-2013), ou seja, ou seja, só são admissíveis novos documentos quando o recorrente desconhecia a sua existência ao tempo da decisão ou, não os desconhecendo, justificar a razão por que os não apresentou.”
No caso vertente, examinados os fundamentos do recurso, constata-se que o recorrente faz apenas menção aos relatórios sociais que já constam dos autos e que suportaram a decisão recorrida (cfr. fls. 1138 a 1144 e 1146 a 1152 dos autos principais, juntos a fls. 17 a 25 do presente apenso), não tendo apresentado qualquer outro novo meio de prova.
Por seu turno, a circunstância dos arguidos serem, alegadamente, casados em regime de separação de bens (facto de comprovação documental) não coloca em causa a materialidade dada como assente, da qual se retira, a este propósito que “os arguidos queriam passar já a dispor do património da herança da vítima, pois ambos eram sustentados pela vítima” (cfr. fls. 31, ponto 8 dos factos provados) disposição esta que também estaria ao alcance do arguido, uma vez que vivia em economia comum com a arguida, podendo beneficiar dos meios económicos a que a mesma teria acesso após o falecimento de sua mãe adotiva.
De igual modo, pese embora tenha sido invocada a alínea e) do artigo 449.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não é indicada qualquer prova proibida que tivesse servido de fundamento à condenação.
Por seu turno, o Acórdão proferido em 29/07/2019, foi confirmado pelo Tribunal da Relação ... por acórdão de 12/02/2020 e pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30/09/2020, o qual, a propósito da medida da pena conjunta teceu as seguintes considerações (cfr. fls. 112):
Ambos os arguidos, vivendo na mesma casa da vítima, numa relação de muita proximidade ou mesmo comunhão de vida, e a quem deviam (na normalidade “lógica dos afectos”) sentimentos de gratidão, por aquela lhes dar um lar e os sustentar, acabaram por a matar, de uma forma violenta, muito agressiva, queimando-a a posterior e servindo-se de embustes para que não recaíssem suspeita sobre si.
A avidez, motivo do crime, acentua esse juízo global de censura e ilicitude.
Note-se também a ausência de arrependimento,
Como contraponto destes aspetos de grade censurabilidade, temos alguns dados: são os dois arguidos primários, que estavam inseridos na sociedade, com habilitações. Mas têm pouca capacidade para mitigar as necessidades de prevenção especial. A inserção social algo claudica, pela situação de dependência económica face à vítima, pela falta de autonomia de ambos, que, aliás, terá sido uma das determinantes do crime, como se disse com contornos de avidez ou ganância. Acresce que tais circunstancias pré-existentes, não foram bastantes para evitar impulsos criminosos de extrema gravidade societária. E se não tiveram esse condão, existe o risco de recidiva. O que apenas pode ser prevenido com penas de prisão com suficiente impacto (…)”.
Volvendo aos fundamentos da alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código Processo Penal, há que ter presente que, para além de se tratar de “novos factos ou meios de prova” o legislador exige que “suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, no sentido de que tais factos “devem sustentar uma carga valorativa, antes ignorada, capaz de pôr a descoberto a grave injustiça de que o recorrente foi vítima, a ser aferida à luz de uma constatação sem esforço” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2014, proc. 13515/04.2TDLSB-C.S, in www.dgsi.pt).
Ora, atentando na materialidade ajuizada quanto à participação tida pelo recorrente na execução dos factos, não sendo os fundamentos invocados aptos a pôr em causa os factos dados como provados nem a justiça da condenação, entende-se que, manifestamente, o pedido de revisão deverá improceder.
*
Por todo o exposto, em conformidade com o disposto no artigo 454.º do Código de Processo Penal, informa-se que, s.m.o., os fundamentos invocados deverão conduzir à denegação da revisão.
[…].».
 
3. Já neste Supremo Tribunal de Justiça, no momento previsto no art.º 455º, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta produziu douto parecer, exarando, no tocante ao mérito do recurso, o seguinte:
─ «[…].
IV - APRECIANDO:
[…].
No caso dos autos, o condenado indica como fundamento para o recurso de revisão, o conhecimento posterior de novos factos e novos meios de prova (artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP).
O fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito legal).
Quanto ao primeiro pressuposto – descoberta de novos factos e/ou dos meios de prova - o STJ entende, que são novos tão só os factos e/ou meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal, ou sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pode ou porque é que não entendeu, na altura, não dever apresenta-los, apoiando-se esta orientação na letra do art. 453.º, n.º 2, do CPP.
Quanto ao segundo pressuposto verifica-se que, para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. Isto é, a dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da gravidade que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da gravidade da dúvida.


Atente-se no Acórdão d do STJ, de 11/05/2000, inSASTJ, nº41,75):
E, como graves só podem ser consideradas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”. (bold e sublinhado nossos)


Como diz Paulo Pinto de Albuquerque no seu "Comentário do Código de Processo Penal.", 4.º edição, página 1208, “a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa", sendo certo, ainda, que "não basta que se trate de factos ou meios de prova novos. O preceito exige ainda que os novos factos e/ou novos meios de prova, por si sós ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Não releva, pois, o facto e/ou o meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável". (sublinhado nosso)


Do que vem alegado pelo recorrente decorre, que os novos factos/ meios de prova, que, no seu entender, justificam a revisão da decisão que o condenou como co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado, são, em sintese:
a) No relatório Social do arguido AA, vem descrito como "De acordo com o referido, desde cedo que AA revelou ser reservado, "ficava muito no seu mundo " (sic) e de ser uma "criança triste" (sic). Para contextualizar estas afirmações a progenitora referiu que quando o arguido tinha seis anos, e apesar de ser muito amado pela família, verbalizou que "quero morrer, ninguém gosta de mim ", sentimento que a progenitora associou ao facto de este verificar que as outras crianças tinham a figura paterna presente e ele não. AA também verbalizou que o abandono do pai foi para si emocionalmente perturbador porque considera não ter tido um modelo masculino de referência ao longo do seu processo de desenvolvimento."
b) "O arguido apresentava baixa-autoestima, tendência para o isolamento, tristeza, desesperança, astenia e anedonia (perda de interesse e satisfação em realizar diversas atividades anteriormente consideradas agradáveis), tendo sido mesmo referida uma tentativa de suicídio. O arguido teve então apoio psicológico e psiquiátrico e veio a superar este estado. O arguido referiu que nesse período a religião evangélica, a que elementos da sua família materna estão ligados, também o ajudou a ultrapassar o período de depressão"
c) Em conclusão é referido que "AA, aparentemente, terá existido, sofrimento interno associado ao abandono por parte do pai, a dificuldades de adaptação a contextos sociais e vários quadros depressivos nos quais era evidente a existência de baixa-autoestima, tendência para o isolamento, tristeza, desesperança, astenia e anedonia e tentativa de suicídio, que motivaram o seu acompanhamento médico e medicamentoso na área da Psiquiatria."
d) O arguido AA é uma pessoa emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, que foi aproveitada pela arguida BB, que pelas característica que lhe são apontadas pelo Relatório Social, supra mencionado, usou o arguido desde o inicio, quando decidiu casar, em regime de separação de bens, para engendrando um plano  para se apoderar do património da mãe, a BB desde o primeiro momento, em que foram acusados, tentou que o AA admitisse os factos sozinho.
e) O AA foi manipulado pela BB, desde o primeiro momento, plano este que, pelos circunstancialismos dos factos, casamento com separação de bens, a dependência emocional do AA para com a BB, o afastar do AA da família, deixando-o cada vez mais dependente dela para tudo, fez com que o AA agisse, automaticamente, a mando e segundo orientações da BB, que pela sua personalidade de falta de empatia, egocêntrica, manipuladora, levou o AA, emocionalmente mais vulnerável, a mando da BB a praticar os factos, existindo uma diminuição do Dolo por parte do AA.
f) O arguido AA é uma pessoa, emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, submisso, que foi aproveitada pela arguida BB, que é definida pelo Relatório Social Supra mencionado como tendo falta de Empatia e uma personalidade egocêntrica.
g) Neste sentido, e como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, existe uma diminuição do dolo do agente, e como tal, na aplicação da medida da pena, nos termos e para o disposto dos artigo 71.° numero 1, e 71.° número 2 alínea b) do Código Penal,
h) Devendo ser aplicada pelo Douto Tribunal uma atenuação especial da pena, nos termos e para o disposto do artigo 72.° numero 1, ou seja, "... quando existirem circunstâncias anteriores, posteriores ao crime ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude, a culpa ou a necessidade da pena"


Ora, como resulta evidente face aos factos invocados, no caso em concreto, não se verifica o requisito estatuído no aludido art.º 449, n.º 1, alínea d), do CPP que o recorrente chama à colação.
Na verdade, limita-se a socorrer-se do relatório social já constante dos autos à data da sua condenação, o que não configura, como é obvio um “novo meio de prova, ou um novo facto”.
O conteúdo de tal relatório foi tido em devida conta no acórdão proferido, designadamente no momento da decisão relativa à medida da pena aplica (artº 40º e 77º do Código Penal), sendo claro que o recorrente, com tal argumentação pretende beneficiar de mais uma via de recurso para a concretização do seu objectivo de ver diminuída a pena que lhe foi aplicada.
O que realmente o recorrente quer pôr em causa é valoração feita pelo tribunal do conteúdo de tal relatório social.


Mas o recorrente, utilizou todas as vias de recurso ao seu alcance, sendo certo que a sua pretensão não teve o efeito pretendido quer no Tribunal da Relação ..., que por acórdão de 12/02/2020, confirmou o Acórdão da primeira instância, quer o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30/09/2020.
Ainda o Tribunal Constitucional foi chamado pelo arguido, a pronunciar-se. O Tribunal Constitucional decidiu indeferir a reclamação apresentada pelo ora condenado, onde se pode ler:
“3 . Conforme referido, entendeu-se na decisão reclamada que o objeto do recurso interposto pelo ora reclamante se prende exclusivamente com a eventual inconstitucionalidade da decisão recorrida, uma vez que o recorrente dirigiu a sua impugnação diretamente à decisão em si mesma considerada e à forma como foi apreciado o caso concreto, em face das suas circunstâncias especificas, não pretendendo ver sindicada a inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa, de natureza geral e abstrata, extraída dos preceitos de direito infraconstitucional por si indicados. Conclui-se, por isso, pela inidoneidade do objeto do presente recurso e pela impossibilidade de conhecimento do respetivo mérito”. (sublinhado nosso).


De todo o modo, “as graves dúvidas sobre a justiça da condenação” (artº 449º nº1 al.d) do CPP) dizem respeito à imputação do crime e à determinação das sanções principais e acessórias, bem como à atribuição de indemnização civil. A alegação de factos que atenuem a medida concreta da sanção aplicada não estão incluídos na previsão (acórdão do STJ, de 13/03/2003, in CJ, Acs do STJ,XXVIII,1,231).
E, nos termos do nº nº3 do artº 449º do CPP,


“3. Com fundamento na alínea d)do nº1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da pena aplicada”. (sublinhado nosso)


Atente-se no Acórdão do STJ de 21/03/2018, Proc. Nº558/12.1JELSB-I.S1 – 3ª Secção
I – A al.d) do nº1 do artº 449º do CPP admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. São portanto dois os requisitos: a) Que apareçam factos ou elementos de prova novos; b) Que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação.
II – Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justifica a lesão do caso julgado que a revisão implica.
III – Acrescente-se que os factos devem ser novos não só para o tribunal, como inclusivamente para o arguido recorrente. É esta a única interpretação que se harmoniza com o caracter excecional do recurso de revisão. Na verdade, essa excecionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.
IV – Por outro lado, a lei afasta expressamente a possibilidade de este recurso ter como único fim a “correcção” da pena concreta (nº3 do artº449º do CPP). E igualmente vedado está “corrigir” a qualificação dos factos, ainda que ela se afigure “injusta” ou “errada”. Para estas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas.
V – Deve acentuar-se também que a revisão não constitui uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a reanalisar nulidades ou outros vícios da sentença (…).
Assim, e tendo em conta que não foram apresentados novos factos ou meios de prova, que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e os alegados já eram do conhecimento do Tribunal e do recorrente à data da prolação da decisão revidenda, que os teve em devida conta, esta decisão não poderá considerar-se injusta, e, como assim, não poderá ser concedida a sua revisão com fundamento na invocada alínea d) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo.
Em suma, os fundamentos do requerimento de revisão não têm virtualidade para suscitar quaisquer dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação, razão por que a pretensão do recorrente tem que soçobrar.
Face ao exposto, e porque não se mostram reunidos, a nosso ver, os fundamentos para considerar o caso em análise abrangido pela previsão normativa do artigo 449º, nº1 al.d) do Código de Processo Penal, emite-se o parecer no sentido de que:
➢Será de improceder o recurso de revisão apresentado.»

4. Notificado para o efeito, o Recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, reiterando, no fundamental as razões adiantadas no recurso e concluindo, como ali, pela sua procedência.

5. O recurso vem adequadamente instruído.
E neste Supremo Tribunal tem-se acesso na aplicação CITIUS ao processo principal até ao momento do trânsito do Acórdão Recorrido, estando, assim, o procedimento condenatório integralmente disponível.

6. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. fundamentação.

A. O caso sob recurso: o(s) fundamento(s) da revisão.
7. Como à frente melhor se explicitará, o recurso extraordinário de revisão de sentença só se pode basear em algum, ou alguns, dos sete fundamentos taxativamente arrolados no art.º 449 n.º 1.
Sendo que, como já se disse, o Recorrente referencia a revisão aos fundamentos das al.as d) – descoberta de novos factos e novos meios de prova que põem em grave dúvida a justiça da condenação – e e) – descoberta de a condenação se ter baseado em provas proibidas na acepção do art.º 126º do mencionado preceito.
 
Mas acontece que, se na peça recursória se vêem alusões expressas à al.ª d) referida e a invocação de factos e de meios de prova que, mais ou menos explicitamente, se referenciam à respectiva previsão, certo é que, quanto à al.ª e) a peça é absolutamente silente, nem se encontrando (outra) menção à norma, nem, muito menos e como cumpria, a identificação da prova proibida que tenha sido utilizada na formação da convicção condenatória do tribunal.
Silêncio que, inapelavelmente, retira conteúdo substantivo à alegação, por isso que aqui se considerando o âmbito-objecto do recurso restringido à averiguação do fundamento de revisão previsto na al.ª d) do n.º 1 do art.º 449º. Até porque este Supremo Tribunal, por si, (também) não descortina evidências de que o Acórdão Recorrido se tenha valido de provas proibidas.

8. Isto dito e assente, então, que o fundamento invocado da revisão é, apenas, o da descoberta de novos factos e meios de prova que põem em grave dúvida a justiça da condenação previsto no art.º 449º n.º 1 al.ª d) e que o pedido é o de que se autorize a revisão do acórdão condenatório no sentido de que, a final, seja a decisão recorrida revogada e substituída por outra que, reparando o erro judiciário, atenue especialmente as penas aplicadas ao Recorrente,  veja-se do mérito do recurso.
Para o que se começará, a benefício de mais fácil enquadramento da discussão, por transcrever do Acórdão Recorrido os passos mais significativos das decisões sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito

B. O Acórdão Recorrido.

a. A decisão de facto.
9. Acolhendo (tudo) o que vinha fixado das instâncias, o Acórdão Recorrido decidiu e fundamentou, no mais significativo, como segue em matéria de facto:
─ Factos provados:
─ «1.1. […]:
"1- Os arguidos BB e AA, filha e genro da vítima EE, em data não concretamente apurada, mas anterior a 1 de Setembro de 2018, num plano gizado entre ambos e em comunhão de esforços e de intentos, acordaram em tirar a vida a EE, uma vez que a relação entre mãe e filha era pautada por discussões e por vezes com desacatos, sendo que ambos os arguidos moravam na casa da vítima, sita na Rua ..., ...,  ..., ..., que os sustentava, pois ambos os arguidos nada faziam para se sustentarem.
2- Para a concretização do plano de tirar a vida da vítima, os arguidos em dias anteriores aos factos, efectuaram pesquisa na internet para prosseguir esse intento, procurando lugares ermos na zona de ..., sinalizando o trajecto entre o ... e ....
3- No dia 1 de Setembro de 2018, a vítima por forma não apurada tomou fármacos, de características desconhecidas, mas indutores de sono.
4- No âmbito do referido plano e de divisão de tarefas, na noite desse dia 1 para a madrugada do dia 2 de Setembro, no interior da habitação, mais concretamente no hall do 2° piso, os arguidos, em circunstâncias não concretamente apuradas, munindo-se de um objecto contundente de características não apuradas, desferiram ambos vários golpes na cabeça da vítima EE provocando-lhe fractura de ambos os ossos próprios do nariz, assim como várias lesões traumáticas cranioencefálicas com destruição da zona parietal temporal direita com afectação do occipital do mesmo lado, com solução de continuidade cujos rebordos, com linhas de fractura por irradiação que partem desta zona com correspondência ao nível do endocrânio; e ao nível do endocrânio com linha de fratura que parou numa outra já preexistente, golpes que lhe determinaram directa e necessariamente a sua morte, o que ambos queriam.
5- Após, embrulharam o corpo de EE numa manta e transportaram o mesmo desde a habitação, pelo elevador até à garagem onde colocaram o corpo na bagageira da viatura ..., de matrícula ..-JE-.., habitualmente utilizado pelos arguidos.
6- Em seguida deslocaram-se ao posto da ... sita na entrada da cidade ... onde adquiriram gasolina e um isqueiro.
7- Deslocaram-se até ..., a um terreno agrícola junto ao Km ... da EN...., onde colocaram o corpo da vítima e, com recurso à gasolina recém adquirida, atearam fogo ao cadáver da vítima, sem mostrar qualquer respeito pelo cadáver da mãe e sogra dos arguidos.
8- Os arguidos agiram sob a égide de um plano comum, previamente elaborado entre ambos, com uma frieza de ânimo, pois tratava-se da mãe adoptiva da arguida BB e sogra do arguido AA, querendo ambos passar já a dispor do património da herança da vítima, pois ambos os arguidos eram sustentados pela vítima, actuaram sem qualquer respeito pela vida da vítima e consideração pelos seus restos mortais.
9- Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente de ser as suas condutas proibidas e puníveis por lei.
10- Os arguidos no dia 3 de Setembro de 2018 vêm a efectuar participação fraudulenta na esquadra da PSP ... sobre o desaparecimento de EE, bem sabendo que os factos que transmitiam às autoridades não correspondiam à verdade.
11- A arguida BB nos dias seguintes ao homicídio difundiu nos meios de comunicação social, nas redes sociais e junto dos amigos e colegas da mãe apelos sobre o desaparecimento que fraudulentamente arquitectou.
12- Os arguidos são primários.
13- O arguido AA na sua infância viveu com a mãe, sendo o pai ausente, tendo outros dois irmãos consanguíneos com os quais não tem relacionamento e outros dois irmãos uterinas de dois relacionamentos distintos da mãe.
14- Foi uma criança reservada e ressentiu-se de não viver com o pai.
15- O arguido a partir dos 12 anos de idade, a sua mãe do arguido passou a viver com um companheiro padrasto, pai da sua irmã mais nova, com quem o arguido manteve relações de cordialidade.
16- O arguido no seu percurso escolar sempre teve facilidade ao nível da aprendizagem, embora aos 14 anos de idade, na sequência de um episódio de depressão interrompeu os estudos durante um ano lectivo.
17- O arguido tinha baixa-auto estima, tristeza e tendência para o isolamento. Contudo, teve apoio psicológico e psiquiátrico e veio a superar esse estado. Retomou os estudos e veio a ingressar na faculdade vindo a concluir em Julho de 2017 com a classificação final de 16 valores a licenciatura do curso de formação superior que tirou na área da ... na Escola Superior ....
18- Na escola o arguido terá mantido um grupo alargado de amizades, sendo estimado por ser prestável meio e apaziguador de conflitos.
19- Fora da escola o arguido tinha uma vida social reduzida, preferindo ficar em casa.
20· Em 2013 o arguido inicia um namoro com a arguida BB, passando, em meados de 2014, a residir no agregado familiar de AA, o que muito entristeceu a EE.
21- Contudo, surgindo conflitos entre a BB e a mãe do arguido AA, a partir de meados de 2015, os arguidos mudaram-se para o agregado familiar a EE, circunstância que alegrou esta vítima, pelo regresso de sua filha.
22- O arguido AA a partir daí distanciou-se da sua família materna, por forma a evitar conflitos com a companheira BB.
23- O arguido AA observado em Fevereiro e Julho de 2016 em psiquiatria, foi-lhe diagnosticada baixa auto-estima, estar deprimido, coexistindo uma hiperactividade com défice de atenção e com uma personalidade prévia emocional, dependente e que desanima facilmente.
24- O arguido teve terapêutica medicamentosa e que deixou de cumprir.
25· O arguido após a licenciatura efectuou trabalhos pontuais como operário fabril (na f...) pelo período de 3 meses auferindo 350€ mensais; e durante dois meses como estagiário num gabinete de ... auferindo 100€ mensais.
26~ Em Julho de 2018 os arguidos casaram entre si, mantendo-se a viver em casa de EE, sem qualquer ocupação profissional.
27- O arguido no estabelecimento prisional tem sido acompanhado pelos serviços clínicos desse estabelecimento, fazendo medicação psicotrópica.
28- A arguida BB aos 4, 5 anos foi entregue aos cuidados das irmãs biológicas, vindo depois a ser confiada à instituição "..." no ..., vindo a ser adoptada na véspera de fazer 10 anos de idade
29- O percurso escolar da arguida foi regular até ao ensino superior, altura em que mostrou dificuldade de progressão. Iniciou assim a licenciatura de ... na faculdade de Ciências da Universidade ..., mas após quatro matrículas, a última das quais como aluna externa, a arguida viria a concluir apenas 6 das 12 cadeiras do 1º e 2° anos de licenciatura.
30- A arguida teve acompanhamento psiquiátrico quando tinha 14 anos pois teve uma depressão com o falecimento da avó foi acompanhada por psicóloga.
31- Voltou a ter acompanhamento psiquiátrico e psicológico aos 18 anos, pois tinha a autoestima em baixo não estava a conseguir terminar o curso, e depois melhorou mas só tomou a medicação aos 20 anos, mas continuou a ter acompanhamento psicológico em 2017 e 2018.
32- O insucesso da arguida no ensino superior agravou as relações entre mãe e filha, onde aquela sempre insistiu pela continuidade dos estudos, revoltando-se contra a ociosidade dos arguidos.
33- O relacionamento afectivo com o marido AA, foi o único que a arguida teve, tendo-o conhecido em finais de 2013.
34- A arguida embora não se encontrasse a trabalhar por conta de outrem dava explicações de ... auferindo 100€ mensais.
35- A arguida tem sido reivindicativa com as regras institucionais do estabelecimento prisional. Tem beneficiando de acompanhamento psicológico e psiquiátrico nos serviços médicos do estabelecimento prisional., estando clinicamente estável.
36- Os assistentes demandantes, não obstante serem familiares sentiram a consternação que foi comum à comunidade.
37- A vítima ... EE era pessoa considerada na comunidade, em particular no meio escolar onde trabalhava.
─ Factos não provados:
─ «"- mãe e filha discutiam por causa da relação amorosa entre BB e AA.
- os arguidos em dias anteriores aos factos, efectuaram pesquisa na internet indagando por medicamentos que provocassem na vítima um sono profundo.
- o arguido AA à data dos factos encontrava-se sob forte pressão psicológica e muito alterado,
interferindo essa alteração psíquica na sua capacidade para avaliar a ilicitude dos seus actos, apresentando uma capacidade de compreensão muito diminuída.
- Os demandantes relacionavam-se com a vítima EE, e que por isso sofreram angústia e
desgosto."».
─ Motivação da convicção probatória:
─ No respeitante ao provado:
─ «"Para a formação da sua convicção (atendendo aos critérios enunciados no art. 127°do Cód. Proc. Penal), embora os arguidos não houvessem prestado declarações, o Tribunal valorou o comportamento do arguido AA que em fase de inquérito, em auto de diligência a fis.90 e seguintes (datado de 6 de Setembro de 2018) acompanhou e indicou aos inspectores da PJ o local onde adquiriram os aceleradores na estação de abastecimento da ... no ..., concretamente gasolina num vasilhame, a par do isqueiro adquirido pela BB (o que motivou depois a aquisição das imagens nessa estação de serviço, conforme fotogramas do auto de visionamento das imagens fls.351 a 367 aí se observando dessas imagens a presença inequívoca dos arguidos que se deslocam, adquirindo respectivamente a gasolina (com abastecimento nas bombas pelo arguido AA em vasilhas] e o isqueiro pela arguida BB), tendo o arguido igualmente indicado o local onde deixaram o veículo automóvel estacionado na Rua ..., longe da estação de serviço e fora do alcance das câmaras de vigilância da mesma; mais indicou o local onde incineraram o cadáver de EE, em ..., seguindo sua indicação a Estrada Nacional no sentido ..., vindo a indicar e identificar o local (fls.91 a 150 metros da ... em ...) exactamente coincidente com o lugar onde foram encontrados os restos mortais da vítima, na sequência de um pequeno incêndio que ocorreu na madrugada do dia 2 de Setembro (cfr. .... 139 e que teve a intervenção dos bombeiros ..., conforme cópia de auto de notícia de .... 287 e 288 que relata pelas 5.40 horas da madrugada do dia 2 de Setembro um fogo no local) e que veio a incinerar a vítima que ficou carbonizada junto a uma manilha de escoamento de água e a uma estrada de terra batida, conforme auto de inspecção de fls. 134 a 137, e cópia de vista aérea do local a fls. 138 e 139 onde é sinalizado o local próximo da Estrada Nacional... ao Km ... na zona de .... […].
[…].
Pela recolha dos vestígios hemáticos de EE na sua residência, pelas projecções hemáticas detectadas no hall do segundo piso da habitação, com vestígios no tecto desse compartimento, no espelho da fita do estore, com sangue abundante no chão do hall, projecções no quadro metálico do guarda-corpos do hall e na face lateral do armário ali existe, associado às conclusões do relatório de autópsia já mencionado, o qual revela que os ossos do crânio da vitima foram flagelados por vários impactos de um objecto contundente, o Tribunal convence-se, com esta abundância de prova, que a vida da vitima foi retirada de forma violenta no hall do 2° piso junto à sala de estar que fica ao lado do seu quarto, com diversos os golpes infligidos no seu crânio, ai se consumando o homicídio. Só assim se explicam as projecções de sangue num perímetro tão extenso de vários metros. De referir que os golpes infligidos com o objecto contundente foram de tal forma vibrados que desfiguraram a vitima com fatura dos ossos do nariz, afundamento dos ossos do crânio, portanto foi usada extrema violência no homicídio, com golpes que projectaram sangue da vitima no tecto e em vários pontos do hall.
[…].
Testemunha FF, médica psiquiátrica, consultou por duas vezes, em 2016, o arguido AA. Fez o relatório de fls. 1070 verso confirmando o seu teor. O arguido foi medicado, tratado e depois o mesmo deixou o tratamento, descontinuou e a depoente depois deu outra medicação. Instada a esse propósito a testemunha esclareceu que a oportunidade das periciais psiquiátricas tem limitações e só quando ocorrem patologias psiquiátricas é que se justificam, o que não era o caso porque não lhe detectou quadros psicóticos. Em 2016 ele estava deprimido, e com dificuldades de concentração mas acabou o curso, não é pelo facto de estar deprimido que essa circunstância poderia justificar a realização de uma perícia psiquiátrica. Continuando a ser instada a esse propósito a testemunha referiu que o que pode justificar uma perícia é um contexto de patologias psicóticas. 25% das pessoas têm depressões, e isso não justifica a realização de perícia psiquiátrica. Todas as depressões passam. Havia mais risco de suicídio. As depressões podem ser mais intensas ou leves, neste caso era mais intensa, mas por definição é temporária. O pai do arguido tinha manifestações psicóticas, mas na altura o arguido não tinha nada de psicótico. A medicação terá produzido efeitos, porque tirou o curso com boa média.
[…].
A testemunha DD, logista, mãe do arguido AA, referiu que o filho é muito sociável e responsável, licenciou-se em .... Sempre foi bolseiro. Recebia 250€ mensais, dos quais 90 euros pagava as propinas, e o resto, depois de pago o passe e a alimentação, entregava à depoente. A depoente não esteve presente no casamento do filho. Refere que quando saíram de casa da dona EE foram viver com a depoente, e depois para o fim correu menos bem. Houve queixas de parte a parte. Na altura ambos os arguidos fumavam.
A testemunha GG, empresária, privou com o AA na ... de que é dona, entre 2011 e 2012 e mais tarde o arguido visitou-os frequentemente. É um miúdo muito afável e meigo. O arguido pode continuar a contar com a amizade da depoente. A testemunha HH, doméstica, é tia do arguido AA. O AA tem o apoio da família. Era muito organizado.
O arguido AA em declarações que prestou sobre a sua situação pessoal e social referiu que após o curso esteve dois meses em estágio auferindo 100€ mensais; depois trabalhou como operário fabril durante 3 meses na empresa I..., auferindo 350€ mensais. Antes de iniciar o curso já tinha estado como assistente de loja durante 6 meses auferindo salário que não recorda. É visitado todas as semanas no EP pela mãe, irmã e tia. E algumas vezes por amigos.
A arguida BB, em declarações que prestou sobre a sua situação pessoal e social teve acompanhamento psiquiátrico quando tinha 14 anos e aos 18 anos, pois teve uma depressão com o falecimento da avó foi acompanhada por psicóloga e aos 18 anos tinha a auto-estima em baixo não estava a conseguir terminar o curso, e depois melhorou mas só tomou a medicação aos 20 anos. Mas continuou a ter acompanhamento psicológico. Tem nomes que indicou para a visitarem, mas ainda não recebe visitas e desconhece a razão. A relação com a Avó era muito boa e depois passou muito mal, foi um grande choque quando a avó faleceu. Tinha 14 anos quando a avó faleceu. Trabalha no EP fazendo tapetes de arraiolos.
Mais interessou o teor da certidão de fls. 1048 e 1049; assim como o conteúdo dos relatórios sociais entretanto junto nos autos"».

b. Decisão de direito.
10. Após ter rejeitado os recursos interpostos por ambos os arguidos no tocante à condenação pelo crime de profanação de cadáver, por irrecorribilidade nos termos do art.º 400º n.º 1 al.ª f) e 432º n.º 1 al.ª b) decorrente da dupla conforme condenatória no Tribunal da Relação ... em pena não superior a 8 anos de prisão, bem como no tocante a diversas questões interlocutórias decididas no mesmo acórdão – neste caso, nos termos dos art.º 400º n.º 1 al.ª c) e 432º n.º 1 al.ª b) –, cuidou o Acórdão Recorrido do enquadramento jurídico-penal dos factos relativos ao crime de homicídio qualificado e da medida concreta da pena relativa a tal ilícito e da pena conjunta, o que fez, no  mais saliente, nos termos que seguem transcritos:
─ «a) Enquadramento jurídico.
[…].
44. É correto o enquadramento nas als. e) e j) do n.º 2 do art. 132 do CP e a qualificação do crime por essas circunstâncias, devendo também improceder nessa parte o recurso do arguido AA.
No entanto, só uma qualificará o tipo, relevando as demais, como agravantes gerais, na medida da pena […].
b) Medida da pena parcelar do crime de homicídio qualificado
[…].
53. Como patamar inicial neste percurso de determinação da medida da pena importa reter que, para o crime de homicídio qualificado pelo qual os arguidos foram condenados, a lei prevê no art. 132, n.º  1 do Código Penal, uma pena de 12 a 25 anos de prisão. A pena de prisão aplicada aos arguidos pela prática do crime de homicídio qualificado (23 anos de prisão em relação à arguida BB e 22 anos de prisão no que se reporta ao arguido Júri), aproxima-se do limite máximo (25 anos). Ver-se-á, adiante, se tal afronta a proporcionalidade, ou, pelo contrário, é razoável atento o circunstancialismo em concreto.
54. […].
Como é salientado comummente nas decisões atinentes ao crime de homicídio, a vida é o bem jurídico supremo (o que é reconhecido pela nossa Ordem Jurídica), sendo que, naturalmente, o homicídio é causador de grande abalo, alarme e instabilidade na comunidade, cuja sensibilidade e consciência jurídica geral a Lei bem andou em espelhar. […].
A reação do sistema penal deverá ser a adequada para estabilizar o ânimo e a confiança da comunidade e manter a sua crença na norma que tutela tal bem jurídico, e, em geral, a sua identificação com a Ordem Jurídica, atualizada e encarnada pelas suas instituições. […].
São assim elevadas as necessidades de prevenção geral em situações, como a presente, em que coincidem o desvalor intrínseco da ação e a atribuição de um pathos de negatividade, rejeição e até choque, por parte da comunidade. Necessidade acentuada de prevenção geral que é mais patente ainda nos contornos concretos da atuação dos arguidos no caso vertente.
55. Recordemos alguns pontos relevantes. A vítima foi morta na sua própria casa, era pessoa mais velha do que os arguidos, encontrava-se, obviamente, face aos agressores, em inferioridade numérica, fora apanhada totalmente desprevenida (e certamente, muito plausivelmente, chocada e atónita), já que não seria previsível ser morta por aqueles a quem deu guarida, sustentava, e com quem vivia.
O alarme social decorrente de um tal sucesso criminal é exponenciado pelas características da vítima, bem inserida comunitariamente, ... e socialmente estimada.
O dolo é intenso.
Os arguidos quiseram e tiraram a vida à vítima (agindo, pois, com dolo direto ).
O grau de ilicitude é elevado, atento o modo como se consumou o homicídio, sendo que a violência, brutalidade, e força empreendida é bem patente nas lesões causadas.
Como circunstância agravante também se deve atender ao comportamento ulterior ao crime, queimando e escondendo o cadáver da vítima, simulando queixa na polícia, procurando enganar as autoridades e a comunidade através da comunicação social, e revelando falta de sentido crítico quanto aos atos que tinham praticado.
O juízo de censura também é muito elevado.
[…].
Em relação ao arguido AA, apenas» a frieza de ânimo e a persistência em matar por 24 horas «se podem refletir como agravantes na medida da culpa», nos termos da al.ª j) do art.º 132º n.º 2 do CP, «já que a avidez funcionou como qualificante.
58. Tudo sopesado, considerando as elevadíssimas necessidades de prevenção sentidas no caso em concreto, o intenso grau de culpa e de ilicitude, todo o comportamento revelado pelos arguidos após perpetrarem o crime (sem qualquer sinal de arrependimento, mas com intuito de camuflar o crime que cometeram, tentando enganar as autoridades e comunidade, revelando personalidades "frias e calculistas"), entende-se que as penas não excedem um quadro de razoabilidade e proporcionalidade e são adequadas e necessárias para se cumprirem as finalidades preventivas.
59. Em suma, não se vislumbra qualquer erro que justifique uma intervenção corretiva do STJ. Pelo que é de manter as penas aplicadas aos arguidos» de 23 anos de prisão para arguida BB e de 22 anos de prisão para o arguido AA, «cuja diferenciação se justifica (para além do que adiante se mencionará a propósito da pena conjunta) pelo facto de em relação à arguida BB ter que ser atender às circunstâncias agravantes avidez e frieza de ânimo e persistência em matar por 24 horas e em relação ao arguido AA, apenas estas últimas se podem refletir como agravantes na medida da culpa, já que a avidez funcionou como qualificante (como já se tinha assinalado).
c) Medida da pena conjunta
[…].
61. Antes de mais, deverá ressaltar-se que a pena parcelar do crime de profanação de cadáver foi de 1 ano e 8 meses de prisão (sendo que, em relação a este crime, por não ser admissível o recurso - como se viu anteriormente -, deverá manter-se imutável, não podendo ser sindicada pelo STJ). Às penas parcelares de homicídio qualificado o acórdão recorrido, confirmando a decisão da 1.' instância, fez acrescer 1 ano.
62. O modo de execução do crime, o planeamento, o comportamento ulterior, as motivações que estiveram na sua génese, acentuam a gravidade da ilicitude, juízo de censura e necessidades de prevenção geral.
63. Ambos os arguidos, vivendo na mesma casa da vítima, numa relação de muita proximidade ou mesmo comunhão de vida, e a quem deviam (na normalidade da "lógica dos afetos") sentimentos de gratidão, por aquela lhes dar um lar e os sustentar, acabaram por a matar, de uma forma violenta, muito agressiva, queimando-a à posteriori e servindo-se de embustes para que não recaíssem suspeitas sobre si.
A avidez, motivo do crime, acentua esse juízo global de censura e ilicitude.
Note-se também a ausência de arrependimento.
Como contraponto destes aspetos de grande censurabilidade, temos alguns dados: são os dois arguidos primários, que estavam inseridos na sociedade, com habilitações. Mas têm pouca capacidade para mitigar as necessidades de prevenção especial. A inserção social algo claudica, pela situação de dependência económica face à vítima, pela falta de autonomia de ambos, que, aliás, terá sido uma das determinantes do crime, como se disse com contornos de avidez ou ganância. Acresce que tais circunstâncias pré-existentes, não foram bastantes para evitar impulsos criminosos de extrema gravidade societária. E se não tiveram esse condão, existe o risco de recidiva. O que apenas pode ser prevenido com penas de prisão com suficiente impacto.
Toda esta factualidade tem de ser, neste momento, vista à luz do art. 77, n.º 1, in fine.
64. Dada a consternação comunitária e o alarme social que este tipo de crimes provoca […], a falta de arrependimento e o destino impiedoso que foi dado ao cadáver, entende-se não poderem proceder razões maiores para atenuar a repercussão da pena atribuída pela profanação na pena única. […].
65. Se o juízo de reprovação é muito forte por toda a factualidade exposta, e nos termos interpretativos já desenvolvidos, não pode deixar-se de refletir, a final, sobre os próprios limites da punição […].
Não se sendo insensível ao caráter primário dos agentes, à sua idade e à esperança ainda na ressocialização, à sua preparação académica e a indícios positivos, como os laços mantidos com família e amigos por AA (semanalmente visitado) e à ocupação com trabalho produtivo, na prisão, por BB (tecendo tapetes de arraiolos), o peso da gravidade dos seus atos e as necessidades de prevenção pesam muito negativamente. […].
66. Por todo o exposto, e não colocando em questão a coautoria […], afigura-se equilibrada decisão do Tribunal da Relação ao estabelecer uma diferença punitiva entre a pena da arguida BB e a do arguido AA, refletindo a menor necessidade de prevenção especial e de culpa deste.
Diferença essa que, tendo em consideração as condições da prática dos crimes, nomeadamente o contributo que neles se desenha haver sido o do arguido (vista também a sua personalidade), tem relevância. Pesa também a sua previsível maior facilidade socialização futura e o apesar de tudo, certamente, um pouco mais suave impacto social da conduta, aquilatável, v.g., pelas visitas de amigos na prisão.
[…].
Tudo sopesado, verifica-se, assim, não haver reparo a fazer à decisão ponderadora do Tribunal da Relação», mormente no tocante às penas únicas de prisão de 23 anos para o, aqui, Recorrente e de 24 anos para a co-arguida.

11. Isto dito:  

C. Recurso de revisão: considerações gerais.
12. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça» [3].
O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.
Mas fim do processo é, também e antes de tudo, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, garantindo o art.º 29º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa a revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».


Espaço de realização, assim, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão da sentença penal está regulado nos art.os 449º a 466º, enunciando, logo, o primeiro deles os – todos os – fundamentos respectivos, concretamente, a falsidade dos meios de prova verificada por sentença transitada em julgado (449º n.º 1 al.ª a)); a sentença injusta decorrente de crime cometido por juiz ou por jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo (al.ª b)); a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença, suscitando-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al.ª c)); a descoberta de novos factos ou meios de prova que, em si mesmos ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação (al.ª d)); a condenação com fundamento em provas proibidas (al.ª e)); a declaração pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento à condenação (al.ª f)); e a sentença de instância internacional, vinculativa para o Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça (al.ª g)).

13. Sendo, um expediente excepcional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar o recurso de revisão.
E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa» [4]: «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgindo no prolongamento da ou das anteriores», sendo que «no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias» [5].

14. No que especificamente respeita ao fundamento previsto no art.º 449º n.º 1 d) de que o Recorrente expressamente se vale, pressuposto primeiro da revisão é a existência de factos ou meios de prova que possam considerar-se novos.

Na sua acepção mais comum, «[a] expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão» [6].
Vem concedendo, todavia, jurisprudência mais recente – com o que se concorda – que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal» [7]. Entendimento de que, de resto, a própria lei dá indicação ao referir no art.º 453º n.º 2 a propósito da nova prova testemunhal que «[o] requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor».

Todavia:
15. Nos termos, expressos, do art.º 449º n.º 3 não é admissível revisão com fundamento em novas provas ou novos factos «com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada».
A (simples) correcção da medida da sanção aplicada, sem alteração da incriminação, não constitui fundamento suficientemente relevante para afastar a estabilidade do caso julgado e os valores da certeza e segurança que ele protege: «os factos novos têm de impor uma alteração na substância, na própria condenação por determinado crime; o valor de justiça que se impõe ao caso julgado tem de ser referido ao valor essencial, e não apenas a pressupostos de alguma relativa variabilidade, como são os fundamentos e os critérios – em boa medida prudenciais – da fixação concreta da sanção. No rigor, […] a consequência tem de ser a dúvida relevante sobre a influência dos factos novos relativamente à subsistência da condenação por um determinado crime – no sentido da absolvição ou […] a declaração da inexistência de um crime, ou seja, a absolvição por um determinado crime, embora sem excluir a possível subsistência de outro na sequência do novo julgamento a efectuar, integrado pelos factos que não sejam afectados pela intervenção modificativa dos factos novos» [8].
Fora do âmbito desta proibição ficam, assim e apenas, os casos em que, pela revisão, se persegue uma correcção mediata da medida concreta da pena, é dizer, a que possa resultar de uma nova, e corrigida, moldura penal abstracta, seja em razão da alteração da qualificação jurídica dos factos seja da consideração de uma (nova) circunstância modificativa [9].

16. Condição necessária da revisão, a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, todavia, suficiente, havendo uns e, ou, outros de lançar «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª d) citada, parte final.
E dúvidas efectivamente graves ou sérias, que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada» [10].
Tudo tendo de decorrer, como já dito, «sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se)» [11], haverá esse facto e, ou, meio de prova de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado» [12]. E assim em termos de que «na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (art.125.º, do CPP) e, sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação».


17. Isto consignado:

D. Os concretos fundamentos de revisão.
18. Na perspectiva, então, do Recorrente os relatórios sociais relativos às pessoas dele e da co-arguida BB de que ora junta certidão, elaborados ao abrigo e para os fins do art.º 370º [13] e juntos, em 3.7.2019, (ainda) antes do início da audiência de julgamento em 1ª instância no dia seguinte, revelam um conjunto de factos relativos ao perfil psicológico e, em geral, da personalidade de ambos que não foi considerado pelo tribunal – por isso que, nessa perspectiva, tem os factos e os meios de prova/ relatórios por novos –, mas que, sendo-o agora, bem pode justificar uma redução substancial da medida concreta das penas parcelares aplicadas por via do instituto da atenuação especial previsto no art.º 72º do CP e, consequencialmente, da própria pena única, «evitando um sentença injusta e reparando um grave erro judiciário».
E, a mais de acusar o Acórdão Recorrido de ter ignorado tais factos e meios de prova, parece ainda o Recorrente censurar-lhe a circunstância de, relativamente à arguida BB, não ter cuidado de esclarecer devidamente aquele perfil – que lhe anotara o relatório pouca empatia e egocentrismo, «características», a seu ver, «muitas vezes referenciadas em Psiquiatria, como sendo características de comportamentos muito mais graves» –, isso ao não ter «solicitado, conforme indicado no» documento, «informações à Clinica ... em ...» onde ela seguira tratamento psiquiátrico.   

Veja-se, começando por esta última questão.

a. A omissão do pedido de informação sobre os tratamentos clínico-psiquiátricos seguidos pela co-arguida BB.
19. A questão da não indagação sobre os tratamentos clínico psiquiátricos seguidos pela co-arguida, enunciou-a, e enquadrou-a, o Recorrente nas conclusões 10 a 14 e 29 da motivação nos termos acima transcritos, mas que, por comodidade, se recordam:
─ «10
Continuando no âmbito do relatório social da Arguida, antes da conclusão é referido que, "Ao nível das suas características pessoais, a arguida apresenta-se de modo contraditório uma vez que autoreferencia-se como dependente, carente e vulnerável, mas por outro lado mostra-se pouco empática, egocêntrica e determinada a vários níveis, nomeadamente em terminar a relação com o coarguido, em perspetivar prosseguir a sua vida com outro companheiro, apresentando-se revoltada com os impactos da presente medida coativa e reivindicativa em meio prisional. "
11
É referido no relatório supra mencionado a pouca empatia e o egocentrismo da arguida BB, características estas muitas vezes referenciadas em Psiquiatria, como sendo características de comportamentos muito mais graves, que o Tribunal de Condenação, não quis saber, não valorou, quando poderia ter solicitado conforme indicado no relatório social da arguida, elaborado pela DGRSP, informações á Clinica ... em ... (relatório social da arguida pagina 3 segundo paragrafo).
12
No próprio relatório, foi indicado que "Em contacto com a clínica psiquiátrica de ... em ... no sentido de obter informações sobre eventuais acompanhamentos/tratamentos psiquiátricos da arguida não foi possível recolher quaisquer informações, pese embora nos tenham referido gue dariam essas intermações sobre a arguida ao Tribunal. caso este as solicitasse." Tal devia ter sido solicitado, talvez assim se compreendesse melhor com os comportamentos dos dois arguidos.
13
A falta de Empatia na personalidade egocêntrica implica a falta de capacidade para sair de si mesma, e poder entender o que a outra pessoa sente ou vive são incapazes de vivenciar o que a outra pessoa está a sentir, faz com que saiba compreender o estado emocional e conhecer a perspetiva de outra pessoa em determinada situação, o que é uma vantagem, já que o ajuda a identificar as pessoas emocionalmente vulneráveis
14
E o arguido AA é uma pessoa emocionalmente vulnerável, conforme consta do relatório social do arguido, na sua conclusão, "Ao longo do processo de desenvolvimento de AA, aparentemente, terá existido, sofrimento interno associado ao abandono por parte do pai, a dificuldades de adaptação a contextos sociais e vários quadros depressivos nos quais era evidente a existência de baixa-autoestima, tendência isolamento, tristeza, desesperança, astenia e anedonia e tentativa de suicídio, que motivaram o seu acompanhamento médico e medicamentoso na área da Psiquiatria. O arguido conheceu BB através de uma rede social ... esta uma relação afetiva que parece ter-se caracterizado pela dependência emocional mas através da qual o arguido ter-se-á sentido realizado em termos emocionais ... Após o inicio da relação, o arguido confrontou-se com vivências familiares pautadas pelo conflito que parecem ter-se constituído enquanto fatores de desorganização psico-emocional e terão facilitado o desenvolvimento, em 2017, de um novo quadro depressivo. De relevar ainda que em termos pessoais, a instabilidade laboral/financeira e a incapacidade de autonomização  do casal terão reforçado, no arguido, a emergência de sentimentos de ineficácia e frustração.".
[…].
29
Como se percebe por todo o supra exposto o Arguido AA, foi instrumentalizado, conduzido, levado, manipulado pela arguida BB, sendo que estas características da BB estão plasmadas no seu relatório social elaborado pela DGRSP, sendo que o Tribunal da Condenação, tinha o conhecimento dos factos e não valorou, não deu importância aos mesmo, sendo que deveria ter solicitado, conforme foi referido no relatório social da BB, na introdução, folha 3 segundo paragrafo, informações á Clinica ..., para poder averiguar e esclarecer factos, sendo que se o fizesse teria evitado uma sentença injusta, e não teríamos que estar a reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.»

20. Sucede, todavia, que a alegação é, em termos de recurso de revisão, claramente improcedente.
Com efeito, querendo o Recorrente, como quer, apoiar a revisão no fundamento previsto na al.ª d) do art.º 449º n.º 1, não se vê como um tal arrazoado possa cumprir esse papel, que, na economia da impugnação, serve o único propósito de questionar a suficiência da instrução e o acerto do juízo probatório do Acórdão Recorrido, não o de apresentar nova prova que ponha em séria dúvida a justiça da condenação, ou, sequer, o de requerer a realização de uma qualquer diligência probatória.
Mas se assim, mas se, como tudo indica, é aquele o propósito do Recorrente, então não pode a alegação, em si e por si, constituir fundamento de revisão, que não se vê como se possa acolher na previsão da al.ª d) do n.º 1 do art.º 449º, muito menos na de alguma das seis outras aí taxativamente enumeradas.
Quando muito, poderia a questão ter constituído fundamento de impugnação ordinária, fosse por via de arguição/reclamação por nulidade nos termos do art.º 120º n.º 2 al.ª d), parte final, fosse por via de recurso incidente sobre a decisão de facto.
Não foi essa, porém, a opção do Recorrente que, como documentado nos autos principais, nem nada requereu em 1ª instância quanto à efectuação de tal diligência – mormente, ao abrigo do art.º 340º do CPP –, nem arguiu nulidade pela sua omissão, nem no recurso que interpôs da decisão final para o Tribunal da Relação suscitou de qualquer modo a questão ou interpelou o acerto da decisão de facto com tal fundamento.
E opção que já não está em tempo de aqui reconsiderar que, como se assinalou em 12. supra, o recurso de revisão não constitui, nem pode constituir, (mais) um meio de impugnação ordinária.

21. Razões por que, sem necessidades de mais aprofundadas considerações, se conclui pela improcedência deste fundamento do recurso.

b. Relatórios sociais: os factos e os meios de prova novos
22. Como acabado de referir, o Recorrente acusa, ainda, o Acórdão Recorrido de ter ignorado o perfil psicológico e de personalidade dele e da co-arguida BB que os relatórios sociais desvendavam, sendo que – contrapõe – se o tivesse feito, bem podia/devia ter atenuado especialmente as penas que lhe aplicou, mas o que ainda está em tempo de ser corrigido por via deste recurso extraordinário que aqui podem os correspondentes factos e os pertinentes documentos ser considerados novos e constituir fundamento de autorização de revisão nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª d).
Argumentário que vem sintetizado nas conclusões 1, 2 e 23 a 31 do requerimento recursório nos termos já transcritos supra mas que, igualmente, aqui se recordam:
─ «1
Vem o arguido apresentar o presente recurso extraordinário, porquanto não se conforma com a decisão proferida na sentença, por existirem factos novos, ou seja cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados pelo Tribunal por desconhecimento, que embora fossem de conhecimento do arguido no momento em que o julgamento teve lugar conforme Ac. STJ de 14-05-2008 : "I O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.
II. Um dos fundamentos do recurso de revisão é a existência de novos factos (art. 494.º n.º 1, al. d), do CPP), isto é, de factos cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal, embora pudessem ser conhecidos do arguido no momento em que o julgamento teve lugar.
2.
Os factos supra expostos cuja conclusão se inicia, provocam uma grave dúvida e não apenas uma dúvida sobre a justiça da condenação.
[…].
23
O arguido AA é uma pessoa emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, que foi aproveitada pela arguida BB, que pelas característica que lhe são apontadas pelo Relatório Social, supra mencionado, usou o arguido desde o inicio, quando decidiu casar, em regime de separação de bens, para engendrando um plano para se apoderar do património da mãe, a BB desde o primeiro momento, em que foram acusados, tentou que o AA admitisse os factos sozinho.
24
A BB tem uma personalidade manipuladora e controladora, conforme se retira do seu relatório social, verificada desde o inicio da relação, "A partir de julho de 2015, data em que AA foi viver para junto do agregado de origem da companheira, DD afirmou ter registado uma mudança de atitude no filho, passando a relação familiar a ser pontual e distante, uma vez que este raramente atendia os telefonemas que lhe fazia. Na sua perspetiva esta mudança de comportamento é enquadrada quer pelo facto de o filho de estar apaixonado e ser submisso a BB, quer por esta ter assumido um papel de liderança/dominação na relação por alegadamente recear a forma próxima e afetuosa de relacionamento entre mãe e filho. O arguido confirmou este maior distanciamento face ao seu agregado materno, como forma de evitar conflitos com BB."
25
O AA foi manipulado pela BB, o AA é uma pessoa vulneráveis e propensas a desenvolverem sentimentos de culpa, medo e de obrigação bem como a evitar situações de conflito, acabando por ceder, sobretudo quando os laços afetivos são maiores como na relação entre casais. www.psicologia.pt
26
O AA foi manipulado pela BB, desde o primeiro momento, plano este que, pelos circunstancialismos dos factos, casamento com separação de bens, a dependência emocional do AA para com a BB, o afastar do AA da família, deixando-o cada vez mais dependente dela para tudo, fez com que o AA agisse, automaticamente, a mando e segundo orientações da BB, que pela sua personalidade de falta de empatia, egocêntrica, manipuladora, levou o AA, emocionalmente mais vulnerável, a mando da BB a praticar os factos, existindo uma diminuição do Dolo por parte do AA.
27
O arguido AA é uma pessoa, emocionalmente fraca, emocionalmente vulneráveis, submisso, que foi aproveitada pela arguida BB, que é definida pelo Relatório Social Supra mencionado como tendo falta de Empatia e uma personalidade egocêntrica.
28 Neste sentido, e como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, existe uma diminuição do dolo do agente, e como tal, na aplicação da medida da pena, nos termos e para o disposto dos artigo 71.º numero 1, e 71.º número 2 alínea b) do Código Penal,
29
Como se percebe por todo o supra exposto o Arguido AA, foi instrumentalizado, conduzido, levado, manipulado pela arguida BB, sendo que estas características da BB estão plasmadas no seu relatório social elaborado pela DGRSP, sendo que o Tribunal da Condenação, tinha o conhecimento dos factos e não valorou, não deu importância aos mesmo, sendo que deveria ter solicitado, conforme foi referido no relatório social da BB, na introdução, folha 3 segundo paragrafo, informações á Clinica ..., para poder averiguar e esclarecer factos, sendo que se o fizesse teria evitado uma sentença injusta, e não teríamos que estar a reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.».

23. Mas tal como já viu acontecer com a primeira objecção do Recorrente, também esta não pode proceder, nada autorizando – e porventura até com maior nitidez do que ali – que se reveja o Acórdão Recorrido com base na al.ª d) do n.º 1  art.º 449º, nem, aliás, em qualquer outra das alínea da norma.
Na verdade:

Condição primeira da produtividade dos factos e meios de prova enquanto fundamento de revisão é, como assinalado em 13. supra, que eles possam considerar-se novos no sentido suposto pelo art.º 449º n.º 1 al.ª d) sempre citado.
E diz a propósito o Recorrente que é o que se passa com os relatórios, com os factos que (directamente) narram e com os outros que, a partir destes, desenvolve, isso na medida em que, não obstante tudo ser já então do seu conhecimento, eram, ao tempo do julgamento, ignorados pelo tribunal, motivo por que não foram por este valorados. E cita, mesmo, em abono da tese da novidade dos factos o acórdão deste STJ de 14.5.2008 [14] de cujo sumário extraiu a asserção de que são novos os «factos cuja existência era ignorada ao tempo do julgamento, que não foram valorados no julgamento porque desconhecidos do tribunal, embora pudessem ser conhecidos do arguido no momento em que o julgamento teve lugar».

Acontece, porém, que – e começa-se pela questão dos factos – aquele conceito de novidade, para além de apenas valer quanto aos que o Recorrente desenvolve a partir dos que constam dos relatórios – quanto a estes, disponíveis os documentos na altura da audiência de julgamento em 1ª instância e referenciados, inclusivamente, na motivação da convicção probatória [15] é uma evidência que eram (também) do conhecimento do Tribunal –, aquele conceito de novidade, dizia-se, mostra-se hoje abandonado e substituído pelo que de se deu conta em 14. supra é dizer, pelo de que só são novos os factos que eram, a um mesmo tempo, desconhecidos pelo arguido e pelo tribunal, apenas se concedendo que ainda possam ser novos os já então conhecidos pelo arguido, mas justificando este por que não pôde ou por que  não quis apresentá-los em devido tempo.
E à luz deste mais recente entendimento do STJ – que, como se afirma, entre muito outros, no AcSTJ de 21.3.2018 - Proc. n.º 558/12.1JELSB-I.S1, é «a única interpretação que se harmoniza com o carácter excecional do recurso de revisão», que «não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais» [16] – é muito claro que os factos não são qualificáveis como novos, tanto mais que é o próprio Recorrente que confessa – e não se vê como pudesse deixar de o fazer, ou não se trate de factos pessoais dele – serem do seu conhecimento conhecê-los no momento da audiência de julgamento.

Isto quanto aos factos, como se vem dizendo, e isto, por maioria de razão, também quanto aos documentos, como, de certo modo, igualmente já dito: juntos os relatórios sociais ao processo em 3.7.2019; iniciada a audiência de julgamento em 1ª instância a 4.7.2019 e concluída em 29.7.2019, com sessões a 9.7.2019, 12.7.2019 e 19.7.2019 de permeio; referenciados os relatórios na fundamentação da convicção probatória e muito evidente o apoio que neles colheram vários passos do provado – mormente, o dos n.os 13 a 35 –, é uma realidade incontornável que o Tribunal Colectivo ... – e através dele, o Tribunal da Relação ... e, depois, este Supremo Tribunal de Justiça, que julgaram , sucessivamente os recursos que os arguidos interpuseram – teve conhecimento de tais meios de prova logo por ocasião do acto judicativo, pelo que jamais podem ser considerados novos para efeitos de revisão.

O que tudo autoriza a conclusão – e com isto remata-se nesta parte – que também não será com base na ideia da superveniência de factos ou meios de prova prevista no art.º 449º n.º 1 d) que poderá ser autorizada a revisão.

24. Mas ainda que nada fosse como precede, a realidade é que, mesmo sem se cuidar de saber, por desnecessário, se os factos ou meios de prova assim alegados  lançariam grave dúvida sobre a justiça da condenação como (também) sempre exigiria o art.º 449º n.º 1 al.ª d), a verdade é que jamais o pedido de revisão poderia – poderá – ser autorizado.
É que – e abreviam-se considerações – e como já se assinalou, o que o Recorrente expressamente persegue neste recurso é, não a sua absolvição, ainda que parcial, mas sim a redução imediata das penas, parcelares e conjunta, que lhe foram aplicadas por via do reconhecimento no julgamento revidendo de que actuou com um grau de culpa consideravelmente diminuído por comparação ao suposto pelos tipos dos art.os 131º e 132º – homicídio – e 254º – profanação de cadáver –, do CP, isso por, nas sua palavras, ter sido «manipulado» pela co-arguida BB «desde o primeiro momento, plano este que, pelos circunstancialismos dos factos, casamento com separação de bens, a dependência emocional do AA para com a BB, o afastar do AA da família, deixando-o cada vez mais dependente dela para tudo, fez com que o AA agisse, automaticamente, a mando e segundo orientações da BB, que pela sua personalidade de falta de empatia, egocêntrica, manipuladora, levou o AA, emocionalmente mais vulnerável, a mando da BB a praticar os factos, existindo uma diminuição do Dolo por parte do AA.».
Trata-se, porém e como assinalado em 15., de finalidade expressamente arredada pelo art.º 449º n.º 3 do recurso de revisão fundado na al.ª d) seu do n.º 1, conduzindo, como in casu conduz, inexoravelmente e mesmo que outras razões não houvesse – mas há –, à denegação do pedido de autorização de revisão de sentença.

25.  Motivos por que também por aqui, e afinal, em tudo, o recurso improcede, como já de seguida se decide.

III. decisão.
26. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a autorização da revisão.

Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's

*

Digitado e revisto pelo signatário (art.º 92º n.º 4 do CPP).

*

Supremo Tribunal de Justiça, em 5.5.2022.


Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

Helena Moniz

_______________________________________________________


[1] Veja-se o n.º 2 da motivação de recurso.
[2] Diploma a que pertencerão os preceito que doravante se citarem sem  menção de origem.
[3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1981, p. 158.
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, pp. 1209 e 1215.
[5] AcTConst n.º 376/2000, in DR, II, de 13.12.
[6] AcSTJ de 27.2.2014 - Proc. n.º 5423/99.3JDLSB-B.S1 citado, aliás, referenciando Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 2ª ed., anotação 12 ao art.º 449º.
[7] AcSTJ de 17.12.2009 - Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1, acessível em www.dgsi.pt, tal como, aliás, todos os que se vieram a citar sem outra especificação.
[8] AcSTJ de 23.9.2010 – Proc. n.º 300/07.9SALSB-A.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, AcSTJ de 14.3.2013 - Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1, in www.dgsi.pt.
[10] AcSTJ de 29.4.2009 - Proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1. No mesmo sentido e entre muitos outros, AcSTJ de 22.1.2020 - Proc. n.º 209/13.7PBELV-B-S1.
[11] AcSTJ de 19.11.2020 - Proc. n.º 198/16.6PGAMD-A.S1.
[12] AcSTJ de 5.9.2018 - Proc. n.º 3624/15.8JAPRT-F.S1 (sumário).
[13] Relatório social para determinação da sanção
[14] Proferido no Proc. n.º 08P1417, in www.dgsi.pt
[15] Veja-se, supra, n.º 9., parte final.
[16] In www.dgsi.pt.