Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OPOSIÇÃO DE JULGADOS MATÉRIA DE FACTO MATÉRIA DE DIREITO NULIDADE ACUSAÇÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. Não há oposição de julgados quando como aqui sucede no acórdão recorrido não se coloca uma questão de liberdade de expressão ou do direito de exprimir a crítica, porque o que se passa antes é a utilização de expressão objetivamente difamatória e daí a condenação do arguido pelo crime de difamação agravado, enquanto no acórdão fundamento o que foi decidido em primeira linha foi a questão da nulidade insanável da acusação e, foi essa a causa, que determinou que fosse julgado improcedente o recurso (sendo que, mesmo que assim não fosse entendido, o que apenas se concede, como mera hipótese de raciocínio, o que é certo é que, então ter-se-ia de considerar que a imputação era por crime diverso do acórdão recorrido, isto é, não pronúncia por crime de difamação com publicidade e, logo por aí, não se podiam comparar as situações). II. Além disso, o que se depreende do articulado do recurso para fixação de jurisprudência, em que termina pedindo a sua absolvição, é que o recorrente está a utilizar este recurso extraordinário indevidamente, como se fosse mais um recurso ordinário, o que não pode ser, por contrariar a sua finalidade, além de que com o recurso para a Relação (apesar de desfavorável) ter esgotado os recursos ordinários. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.1. O arguido AA interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.º 2 e 438.º do CPP, por haver oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.05.2023 proferido nestes autos e o acórdão do TRP de 08.02.2012, proferido no processo n.º 10/11.2TAVRL.P1. 1.2. Para o efeito, apresentou as seguintes conclusões (transcrição): A. Vem o presente Recurso extraordinário para fixação de Jurisprudência, interposto ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e 438.º do CPP, colocar em causa o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão do Tribunal de primeira instância, condenando o Arguido, como autor, pelo crime de difamação, na pena de 100 (cem) dias de multas, cada, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no total global de € 1.000,00 (mil euros) e consequentemente julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Assistente, condenando o demandado na quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros). B. Conforme estipulado no n.º 2 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, é permitido interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão do Tribunal da Relação que esteja em contradição com outro acórdão, seja da mesma ou de uma diferente relação, ou do próprio Supremo Tribunal de Justiça, desde que não seja possível recorrer ordinariamente dessa decisão, salvo se a orientação adotada no referido acórdão esteja de acordo com a jurisprudência já fixada anteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça. C. No caso sub judice, o Recorrente vem interpor Recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão que condenou o Recorrente pela prática de um crime de difamação agravada, na qualidade de autor material, nos termos dos artigos 180.°, n.°1, e 184.° do Código Penal, uma vez que considerada que o acórdão recorrido está em clara oposição com um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido 08 de fevereiro de 2012, no âmbito do processo n.º 10/11.2TAVRL.P1, sendo este o acórdão utilizado como fundamento para o presente recurso. D. Tanto na situação dos presentes autos como na situação do acórdão-fundamento, está em causa saber se as expressões utilizadas pelo Arguido são ou não legítimas ao abrigo do direito de Liberdade de Expressão ou se, ao invés, são excessivas e violam o direito à honra do assistente. E. No acórdão-fundamento, discutiu-se se o arguido deveria, ou não, ser pronunciado pelo crime de difamação agravada, conforme previsto nos artigos 180.º e 183.º, n.º 2, do Código Penal, devido às seguintes expressões proferidas durante uma entrevista realizada pela rádio: "perdemos ingloriamente por culpa de um ... que, infelizmente, já nos habituou noutros jogos a ter esse comportamento"; "tivemos conhecimento agora aqui que este senhor ... costuma ir a jantares com diretores do E..., portanto, já estávamos precavidos para o que podia acontecer"; ou ainda "agora vi os festejos e o tipo de relação que tiveram no final do jogo ainda dentro do campo", dirigidas a um ... desportivo sob a jurisdição de uma federação desportiva, o que agrava o crime de difamação, tal como ocorre na situação do acórdão recorrido. F. Em ambas as situações, ainda que na dos presentes autos a afirmação tenha sido proferida de forma mais direta, estamos no campo da critica e não do atentado à honra do visado. G. Portanto, tanto no acórdão-fundamento como no acórdão da Relação de Lisboa, que é objeto do presente recurso, é necessário determinar se a crítica à atuação de uma determinada pessoa é ou não suscetível de ser considerada ofensiva da sua honra. H. O Direito Penal funciona como último recurso do sistema, portanto, levando em consideração o princípio da proporcionalidade e da harmonização prática, ou da equivalência, entre o direito à honra e o direito à liberdade de expressão e à crítica, deve-se considerar que a expressão em questão, proferida pelo Arguido, não possui dignidade penal suficiente para se enquadrar no tipo legal de difamação. I. Com efeito, o Arguido considera que, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou os artigos 8.º, 18.º, 37.º, 202.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa. J. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos faz uma clara escolha ao conferir maior relevância ao valor da "liberdade de expressão" em relação ao valor da “honra”. Por outras palavras, a ponderação de valores deve ser sempre realizada, sendo que a jurisprudência que decide à luz da Convenção, tem vido a expressar uma preferência inequívoca pelo valor da liberdade de expressão. K. Não obstante em ambos os acórdãos estarem causa um crime de difamação agravada, pelos artigos 180.º, n.º 1, 184.º n.º 1, al. a) e art.º 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, e as declarações serem semelhantes, os tribunais decidiram em sentido oposto. L. No caso dos presentes autos a expressão em causa é “bandido encartado”, enquanto que no acórdão-fundamento estava em causa a expressão “tivemos conhecimento agora aqui que este senhor ... costuma ir a jantares com directores do E…, portanto, já estávamos precavidos para o que podia acontecer”. M. Embora reconheçamos que ambas as expressões são infelizes e grosseiras em relação aos visados, ousamos afirmar que, diante do contexto em que ambas as expressões foram proferidas, são insuscetíveis de se considerar como difamatória ou difusoras de qualquer dano irreparável à dignidade dos visados. N. Assim como no acórdão-fundamento, é evidente, a partir da contextualização apresentada pelo próprio Arguido, que as expressões foram proferidas sem que este tivesse plena consciência de que suas imputações e comentários poderiam ser interpretados como desonrosos, uma vez que simplesmente se limitou a expressar sua opinião diante do tribunal, sem a intenção deliberada de causar danos à honra do assistente. O. Ora, considerando a análise realizada, é possível afirmar que, embora a expressão utilizada no caso concreto possa ser considerada rude, não atinge um nível de suficiente que justifique a sua relevância ou tratamento penal. Ou seja, apesar de indelicada, a expressão em questão não possui a gravidade necessária para ser enquadrada como um crime e merecer a devida atenção do sistema penal. P. Conforme mencionado em sede de recurso, a verdadeira liberdade de expressão não se restringe apenas a opiniões comumente aceites, mas também àquelas que são suscetíveis de entrar em conflito com opiniões divergentes, pois é justamente por meio do debate e da exposição a diferentes perspetivas que ocorre o progresso e a evolução de uma sociedade democrática. Q. Permitir a expressão de opiniões controversas ou impopulares é essencial para garantir um ambiente pluralista, no qual as ideias possam ser discutidas, contestadas e aprimoradas. R. É importante ressaltar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, através de várias decisões, tem consolidado o entendimento de que a liberdade de expressão é um dos pilares fundamentais das sociedades democráticas, reconhecendo que a liberdade de expressão desempenha um papel crucial no progresso e desenvolvimento dessas sociedades, permitindo a livre troca de informações, ideias e opiniões. S. Como bem destacado pelo tribunal a quo, a advocacia é uma profissão que está sujeita a importantes interesses de ordem pública e, por essa razão, os advogados estão mais expostos à crítica e ao escrutínio público, sendo natural que, no exercício de suas funções, os advogados sejam objeto de análises e avaliações por parte da sociedade, uma vez que estão envolvidos na administração da justiça e na defesa dos interesses de seus clientes. T. Como tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, certas profissões, com uma acentuada vertente pública, devem ter uma maior tolerância à crítica, inclusive críticas eventualmente injustas, agressivas ou exageradas. Isso faz parte da missão que escolheram e está inerente às responsabilidades profissionais que assumem. U. Assim como no Acórdão-Fundamento, o Arguido, no momento das referidas declarações, estava imbuído pela emoção e por um entusiasmo excessivo, intensificado pelo sentimento de angústia e frustração que vinha experimentando há meses. Portanto, a expressão utilizada, considerando todas as circunstâncias, não é adequada para se enquadrar no tipo legal de crime de difamação, mas sim como uma manifestação de falta de elegância verbal, especialmente quando consideramos que ambos os envolvidos estavam também envolvidos noutro processo judicial, ainda pendente, no qual a discussão era semelhante à que estava a ser tratada. V. Além disso, importa salientar que o Arguido prestou juramento na qualidade de testemunha e fez seu depoimento comprometendo-se a responder com a verdade a todas as perguntas colocadas, independentemente de seu testemunho poder prejudicar algum bem protegido, sendo, por isso, o mais espontâneo e natural possível. W. Com efeito, é necessário concluir que o comportamento do Arguido não se enquadra na prática do crime de difamação agravada pelo qual foi condenado. Tal condenação é claramente contraditória com os fundamentos e a decisão do Acórdão-Fundamento, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (aplicável em virtude do artigo 8.ºda Constituição) e com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a liberdade de expressão deve prevalecer sobre o direito à honra da parte ofendida. X. É evidente a contradição entre as decisões do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento e a oposição frontal sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que ambas as decisões em confronto convocam um quadro normativo idêntico e têm subjacente um núcleo factual coincidente. Termina pedindo que seja concedido provimento ao presente Recurso extraordinário para fixação de Jurisprudência e, em consequência, o Acórdão Recorrido seja revogado e substituído por outro que julgue a ação improcedente, absolvendo o Recorrente, com as legais consequências. 1.3. O Ministério Público respondeu ao recurso apresentando as seguintes conclusões: • Pese embora se afirme que estão em causa dois acórdãos sobre o mesmo ilícito, tal não corresponde à verdade, pois enquanto no acórdão fundamento se discute a verificação do crime de difamação agravada, p. e p. pelo arts. 180º e 183º, nºs 1, al. a) e 2 do Código Penal, no acórdão do TR de Lisboa, considerou-se que o arguido praticou o crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º e 184º, com referência ao 132º, nº2, al. l), todos do Código Penal. • Nem os elementos enunciados na motivação do recurso relativos à matéria de facto são idênticos, nem o contexto ou circunstancionalismo em que as expressões foram proferidas. • Não se verifica, pois, oposição de decisões relativamente à mesma questão de direito, vd. Art. 437º, nºs. 1 e 2 do CPP. • Mas apenas decisões diversas, ponderada a matéria de facto em concreto, do caso concreto. • Deste modo, entendemos que não deve ser admitido o recurso ou, caso assim não se entenda, deverá ser declarado improcedente o recurso por não estarem verificados os fundamentos para a sua interposição, como exige o disposto no art. 437º do CPP. 1.4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido de ser intempestivo o recurso ou, assim não se entendendo, deve ser julgado improcedente, por não se mostrarem preenchidos os requisitos substantivos deste recurso extraordinário. 1.5. Em resposta ao Parecer do Sr. PGA, o recorrente sustenta, por um lado, que o recurso é tempestivo (uma vez que foi notificado eletronicamente em 26.05.2023, presume-se notificado em 29.05 seguinte, pelo que considerando não ser admissível recurso para o STJ visto o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, contando o prazo de 10 dias para qualquer reclamação ou arguição de nulidade ou recurso para o Tribunal Constitucional, o acórdão transitou em julgado passado esses 10 dias, pelo que decorridos 30 dias desde o trânsito em julgado, o último dia do prazo para interposição do recurso para fixação de jurisprudência é precisamente o dia 10/07/2023, data em que foi interposto o recurso em apreço) e, por outro lado, que há contradição de julgados, sendo irrelevante que haja distinções na forma de agravamento do crime, pois o bem jurídico é o mesmo, sendo que ambas as situações se reportam ao crime de difamação previsto no art. 180.º, n.º 1, do CP e, em ambos, está em causa saber se a critica à atuação de certa pessoa é ou não passível de ser considerada ofensiva à honra. 1.6. Colhidos os vistos de acordo com o exame preliminar e realizada a conferência, incumbe, agora, decidir da admissibilidade ou rejeição deste recurso extraordinário (art. 441.º do CPP). II. Fundamentação 2.1. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art. 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos. O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Ora, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende do preenchimento de requisitos formais e de requisitos materiais, que se extraem dos arts. 437.º e 438.º do CPP. Assim, este Supremo Tribunal tem entendido, como é clarificado em variada jurisprudência1, que são requisitos formais, a legitimidade do recorrente, a tempestividade da interposição do recurso (prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido), a identificação do acórdão fundamento (com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição), incluindo se tiver sido publicado, o lugar da publicação e o trânsito em julgado do acórdão fundamento e, por sua vez, são requisitos materiais, que os dois acórdãos respeitem à mesma questão de direito, tenham sido proferidos no “domínio da mesma legislação”, “assentem em soluções opostas”, partindo de idêntica situação de facto, importando que as decisões em oposição sejam expressas. Quanto a estes últimos dois requisitos, a saber, que sejam proferidas “soluções opostas a partir de idêntica situação de facto e que as decisões em oposição sejam expressas”, assinala-se no acórdão do STJ de 21.10.2021 citado, que “constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1, 5.ª) acrescendo que, de há muito, constitui também jurisprudência pacífica no STJ que a oposição de soluções entre um e outro acórdão tem de referir-se à própria decisão, que não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).” 2.2. Posto isto, vejamos se, neste caso concreto, estão ou não preenchidos todos os requisitos acima apontados. Assim. Analisados os autos não há dúvidas que o recorrente, atenta a sua qualidade no acórdão recorrido (arguido) tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (art. 437.º, n.º 2 n.º 5, do CPP), sendo claro o seu interesse em agir, tendo-o apresentado tempestivamente (art. 438.º, n.º 1, do CPP), em 10.07.2023, uma vez que foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, ou seja, do ac. do TRL proferido em 25.05.2023, notificado eletronicamente aos sujeitos processuais em 26.05.2023, pelo que se presume notificado em 29.05 seguinte e, considerando não ser admissível recurso para o STJ visto o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, contando o prazo de 10 dias para qualquer reclamação ou arguição de nulidade ou recurso para o Tribunal Constitucional, o acórdão transitou em julgado passado esses 10 dias, ou seja, em 9.06.2023 (terminando o prazo de 30 dias aludido no art. 438.º, n.º 1, do CPP, precisamente em 10.07.2023). Para além disso, neste seu recurso extraordinário, o recorrente/arguido identifica o acórdão fundamento (Ac. do TRP de 8.02.2012, proferido no processo n.º 10/11.2TAVRL.P1), ou seja, o acórdão que invoca estar em oposição com o acórdão recorrido proferido nestes autos (em 25.05.2023), referindo ter transitado em julgado, tendo junto aos autos cópia do mesmo e indicado o local da sua publicação. Dir-se-á que estão preenchidos os pressupostos formais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Resta, agora, apurar, se igualmente se mostram preenchidos os seus pressupostos materiais. Importa, assim, analisar o acórdão recorrido (ac. do TRL de 25.05.2023 proferido nestes autos) e o acórdão fundamento (ac. do TRP de 8.02.2012 proferido no processo n.º 10/11.2TAVRL.P1). Analisando o circunstancialismo fáctico que esteve na base de cada uma das diferentes soluções que constam quer do acórdão recorrido (que negando provimento aos recursos interpostos quer pelo arguido, quer pelo assistente, concluiu pela confirmação da decisão recorrida, que condenou o arguido como autor material de um crime de difamação p. e p. nos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do CP, em pena de multa, além de ter julgado parcialmente procedente o pedido cível também contra ele formulado), quer do acórdão fundamento (que julgou improcedente o recurso do assistente do despacho de não pronúncia do arguido que por acusação particular, acompanhada pelo MP, fora acusado da prática de um crime de difamação com publicidade p. e p. nos arts. 180.º e 183.º, n.º 2 do CP, tendo previamente declarado a nulidade insanável da acusação particular por o crime imputado ser semi-público e, portanto, de acordo com o Assento n.º 1/2000, DR I-A de 6.01.2000, a acusação devia ser deduzida pelo Ministério Público, não se bastando a mera adesão posterior deste à acusação particular), verificamos que não há identidade de circunstâncias subjacentes a ambas as decisões, o que justifica os diversos enquadramentos e soluções jurídicas. Vejamos. No acórdão recorrido2, o arguido foi condenado por um crime de difamação com agravação p. e p. nos arts. 180.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do CP, em resumo, por no dia 13.03.2019, quando prestava depoimento como testemunha, em audiência final, no âmbito de ação cível n.º 12382/17.0..., que o ali Autor (...) instaurou contra as Rés, a instância do Mandatário destas e na presença da Srª. Juiz e da Mandatária do Autor, a quem se dirigiu e a propósito deste, afirmou que (…) este ... deve ser um, para mim é um bandido encartado”, sendo que com tais declarações prestadas a propósito do referido ... (assistente nestes autos), “enquanto cidadão e ..., qualidade que não ignorava, aquele pôs em causa a sua honorabilidade, seriedade, dignidade e o seu bom nome pessoal e profissional, tendo o afetado, posto que se sentiu vexado, quer a nível profissional, quer a nível pessoal.” Mais se provou, no que aqui releva, que o arguido ao produzir a afirmação supra referida relativamente ao assistente, sabia que se dirigia a terceiros, formulando juízo ofensivo da honra, a consideração e o brio profissional daquele, enquanto ..., o que previu e quis. Agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente da punibilidade e reprovabilidade da sua conduta. Por sua vez, no acórdão fundamento3, verifica-se que a acusação enferma de nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. b), do CPP (por a acusação dever ser deduzida pelo Ministério Público, atenta a natureza semi-pública ou pública do crime em questão e, portanto, não se bastar com a mera adesão posterior do Ministério Público à acusação particular fora do caso previsto no art. 284, n.º 1 do CP), mas para além dessa questão incontornável, não deixam de analisar o mérito do recurso, verificando que o arguido não foi pronunciado por um crime de difamação com publicidade p. e p. nos arts. 180.º e 183.º, n.º 2 do CP, em resumo, por se ter considerado que quando, na qualidade de Presidente da Direção do Clube G… deu a entrevista à rádio da região, no final do jogo em que perdeu com o Clube E…, referiu-se ao ofendido, na qualidade de ... de um jogo de futebol disputado pelo Clube a que ele preside, proferiu, entre outras, as seguintes palavras, “(…)Tivemos conhecimento agora, aqui, que este senhor ... costuma ir a jantares com directores do E... portanto, já estávamos precavidos para o que podia acontecer. //(...)// O que eu quero dizer é que tivemos aqui conhecimento que esse senhor tem excelente relacionamento com alguns directores mas isso não quer dizer nada. (...) Quem sou eu para estar aqui a alegar ou acusar alguma coisa?! Agora vi os festejos e o tipo de relação que tiveram no final do jogo, ainda dentro do campo. Quer dizer, aquilo parecia irmãos! Vária gente fica um bocado preocupada com estas coisas. Quem sou eu para acusar? E não entenda estas palavras como eu que esteja a dizer que o ... terá sido aliciado ou terá feito um frete. Sei que, pelo menos, infeliz foi. Isso aí posso garantir que foi infeliz e nos prejudicou. // (...) //”. Em termos de matéria de facto as duas situações não eram comparáveis, desde logo considerando a qualidade das vítimas, isto é, as funções exercidas por cada uma delas e, bem assim, o local e circunstâncias onde e como foram cometidos os factos em questão, por um lado no caso do acórdão recorrido (em plena audiência final de ação cível, quando o aqui recorrente estava a prestar depoimento como testemunha, respondendo a instâncias do mandatário das Rés, referindo-se de forma objetivamente difamatória ao Autor, que como bem sabia era ..., querendo ofendê-lo na sua honra, consideração e no seu brio profissional, estando bem ciente da punibilidade e reprovabilidade da sua conduta, sendo condenado pelo crime de difamação p. e p. nos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do CP) e, por outro lado, no acórdão fundamento (onde o respetivo arguido, na qualidade de Presidente da Direção do Clube G, em entrevista a uma rádio local, no final do jogo em que perdeu com o Clube E…, referiu-se ao ofendido, na qualidade de ... desse jogo de futebol, como pessoa que conhecia e tinha excelente relacionamento com alguns diretores do clube vencedor E, mas ao mesmo tempo, referindo que com essas suas palavras não estava “a dizer que o ... terá sido aliciado ou terá feito um frete. Sei que, pelo menos, infeliz foi. Isso aí posso garantir que foi infeliz e nos prejudicou”, sendo que não foi pronunciado por um crime de difamação com publicidade p. e p. nos arts. 180.º e 183.º, n.º 2 do CP, sendo que o recurso foi julgado improcedente pela nulidade da acusação acima referida). Ora, qualquer cidadão médio percebe que quem, como o arguido, durante o depoimento como testemunha, em plena audiência pública em ação cível, dolosamente, a instâncias do mandatário das Rés, referindo-se ao Autor, que bem sabe que é ..., a seu propósito afirma “este ... deve ser um, para mim é um bandido encartado” que está objetivamente a ofender a honra, consideração e brio profissional devido ao assistente, não se podendo confundir essa situação com aquela outra em que um dirigente de futebol, não foi pronunciado por um crime de difamação com publicidade, por no fim de um jogo em que perdeu com outra equipa, ter dado uma entrevista a um canal regional de rádio e referindo-se ao ... do jogo disse, além do mais, “Tivemos conhecimento agora, aqui, que este senhor ... costuma ir a jantares com directores do E... portanto, já estávamos precavidos para o que podia acontecer. //(...)// O que eu quero dizer é que tivemos aqui conhecimento que esse senhor tem excelente relacionamento com alguns directores mas isso não quer dizer nada. (...) Quem sou eu para estar aqui a alegar ou acusar alguma coisa?! Agora vi os festejos e o tipo de relação que tiveram no final do jogo, ainda dentro do campo. Quer dizer, aquilo parecia irmãos! Vária gente fica um bocado preocupada com estas coisas. Quem sou eu para acusar? E não entenda estas palavras como eu que esteja a dizer que o ... terá sido aliciado ou terá feito um frete.” A expressão em causa (“bandido encartado” nas circunstâncias em que foi proferida pelo arguido e dirigida ao assistente, ..., portanto, tendo em atenção o contexto em que foi proferida, mesmo sentindo-se o arguido enganado por ele) no acórdão recorrido é objetivamente ofensiva da honra e consideração do visado e, como se diz no acórdão recorrido, ao assim apelidar o assistente “o arguido ultrapassou claramente a crítica à sua atuação enquanto ..., para atingir diretamente a sua substância pessoal. Embora o assistente, sendo ..., tenha uma grande exposição e, por isso, se reconheça existir uma maior margem de crítica admissível, há limites que não podem ser excedidos, sob pena de se esvaziar o conteúdo do direito à honra e consideração. E, no caso em apreço, esses limites foram claramente ultrapassados, tendo a crítica extravasado a valoração do mérito da atuação do assistente enquanto causídico, e atingido, com carga depreciativa, o núcleo essencial das suas qualidades morais.” Por isso mesmo é que, de seguida, a mesma decisão, concluiu pela verificação integral do crime pelo qual o arguido/recorrente foi condenado. Já no caso do acórdão fundamento, temos de distinguir duas situações como acima já se notou: - Por um lado, como se verifica do dispositivo a causa direta ou fundamental para julgar improcedente o recurso do assistente foi precisamente a nulidade insanável da acusação, prevista no art. 119.º, al. b), do CPP, conhecida oficiosamente pelo TRP (considerando que a vítima nos presentes autos é ... desportivo, sob jurisdição das federações, o crime imputado ao arguido, tem hoje natureza semipública, face ao disposto no art. 184°, conjugado com o art. 132° n° 2 al. l), ambos do Cód. Penal, devendo por isso a acusação ser deduzida pelo Ministério Público, não se bastando a mera adesão posterior à formulada pelo assistente. Pelo que de acordo com o Assento n° 1/2000, publicado no DR Série I-A de 2000-01-06, a acusação deduzida nos termos constantes dos autos, enferma de nulidade insanável prevista no art. 119° al. b) do CPP); - Por outro lado, apesar dessa questão incontornável, analisada a questão de fundo do recurso, tendo então em atenção a não pronúncia pelo dito crime de difamação com publicidade, refere-se a dado passo no acórdão fundamento que também improcederia o recurso uma vez que, “no caso concreto da factualidade em análise, não podemos concluir por indícios fortes da imputação de um facto que objetiva e subjetivamente atente contra a honra e dignidade do assistente, em face dos elementos concretos decorrentes dos autos, mesmo quando analisados à luz das regras da experiência comum. (…) Não é de aceitar, que no contexto circunstancial descrito, perante as dúvidas pertinentes sobre a falta de isenção do ... e o cuidado explicativo que teve na entrevista em justificar o que afirmava, se possa dar relevância criminal às palavras proferidas pelo recorrido B.” Ou seja, podemos afirma que em termos de matéria de facto, existe uma diferença substancial entre o acórdão recorrido (onde se utiliza uma expressão concreta clara e objetivamente ofensiva da honra e consideração devida ao ... Autor a quem o arguido se refere quando é ouvido como testemunha em audiência pública) e o acórdão fundamento (onde são utilizadas expressões genéricas em entrevista na rádio, no final do jogo e quem as profere procura contextualizar de forma a que não sobre qualquer cariz ofensivo da honra ou consideração devida ao arbitro de que fala), que justificam as diferentes soluções. Portanto, como resulta do supra exposto, comparando o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, é bem claro que, ao contrário do que afirma o recorrente, não se tratam em ambos de expressões “infelizes e grosseiras para com os visados, mas (…) pelo contexto, incapazes de denegrir a honra e bom nome dos visados”, mas antes no primeiro caso (no do acórdão recorrido) da utilização de expressão concreta (“bandido encartado”) objetivamente ofensiva da honra e consideração, que extravasa toda a crítica e não se pode admitir, sob pena de (como se diz no mesmo acórdão recorrido) “se esvaziar o conteúdo do direito à honra e consideração” do visado, enquanto no segundo (acórdão fundamento) da utilização de expressões vagas, contextualizadas pelo seu autor, para lhe retirar cariz ofensivo da honra e consideração devida ao ... de que fala, que no caso concreto “não releva em termos criminais”. E, tão pouco dos dois acórdãos se extrai que se podem fazer críticas a uma pessoa ofensivas da sua honra (como já foi explicado, no acórdão recorrido, o arguido/recorrente ao apelidar o assistente de “bandido encartado” ultrapassou claramente a crítica à sua atuação enquanto ...) e, agora, pretende utilizar este recurso extraordinário, como se fosse uma segunda via de recurso ordinário não admissível, uma vez que o recurso da Relação foi-lhe desfavorável e esgotou já os recursos ordinários. Para além de no acórdão recorrido não se colocar uma questão de liberdade de expressão ou do direito de exprimir a crítica, porque o que se passa antes é da utilização de expressão objetivamente difamatória e daí a condenação do arguido pelo crime de difamação agravado, enquanto no acórdão fundamento o que foi decidido em primeira linha foi a questão da nulidade insanável da acusação e, foi essa a causa, que determinou que fosse julgado improcedente o recurso (sendo que, mesmo que assim não fosse entendido, o que apenas se concede, como mera hipótese de raciocínio, o que é certo é que, então ter-se-ia de considerar que a imputação era por crime diverso do acórdão recorrido, isto é, não pronúncia por crime de difamação com publicidade e, logo por aí, não se podiam comparar as situações). O que se depreende do articulado do recurso para fixação de jurisprudência é que o recorrente está a pretender utilizar este recurso extraordinário como se ainda fosse um recurso ordinário (referindo que a expressão utilizada de “Bandido encartado” vem no âmbito de um processo impulsionado pelo assistente que lhe causou um enorme sentimento de frustração por se sentir enganado por um ...), que não é, pretendendo a sua absolvição. De todo o modo, como se explicou é manifesto que não se podem considerar os dois acórdãos em oposição. Uma vez que se tratam de situações ou circunstâncias distintas, compreende-se que não se podem equiparar ou afirmar que tratam da mesma questão de forma oposta (sendo uma a encontrada pelo acórdão recorrido e a outra encontrada pelo acórdão fundamento). É que os pressupostos para cada uma das soluções encontradas num caso e noutro são diferentes. Assim, as situações analisadas e decididas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento não são equiparadas. Não há, assim, identidade, semelhança ou equivalência nas situações analisadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, o que justificou as diferentes/opostas soluções jurídicas que foram dadas. Daí que, não seja possível estabelecer uma comparação entre as duas situações descritas (ou seja, não há identidade de situações de facto) que constam do acórdão recorrido por um lado e do acórdão fundamento por outro lado, o que inviabiliza que se possa concluir pela verificação do requisito substantivo ou material da existência, quanto à mesma questão de direito, de decisões opostas. Por isso, por falta do apontado requisito material, rejeita-se o presente recurso extraordinário. * III - Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s. * Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos. * Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Outubro de 2023 Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) José Luís Lopes da Mota (Adjunto) Sénio Alves (Adjunto) _______
1. Entre outros, Ac. do STJ de 21.10.2021, proferido no proc. n.º 613/95.0TBFUN-A.L1-C.S1 (relatado por António Gama), consultado no site da dgsi. 2. Foi a seguinte matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, com interesse para esta decisão: 1.O assistente BB é ..., detentor da cédula profissional n° ..03-L, com escritório na Avenida ..., em .... 2.O assistente BB instaurou uma ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra a sociedade A..., Lda. e CC, que originou o Processo n° 12382/17.0..., que pendeu no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Cível de ... Juiz 2; 3. Em sede de audiência final do referido processo, que teve lugar no dia 13 de Março de 2019, pelas 14 horas, no ..., sito na Rua ..., em ..., o arguido AA, que fora arrolado como testemunha pelas ali rés identificadas em 2º, prestou depoimento nessa qualidade; 4. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, na qualidade de testemunha, o arguido, no decurso do seu depoimento, a instâncias do Ilustre mandatário das Rés, e na presença da Meritíssima Juíza e da Ilustre mandatária do autor, aqui assistente, a quem se dirigiu e a propósito deste , afirmou que; (...) este ... deve ser um, para mim é um bandido encartado". 5. Com as declarações prestadas pelo aqui arguido AA e transcritas no ponto 4, a propósito do assistente BB, enquanto cidadão e ..., qualidade que não ignorava, aquele pôs em causa a sua honorabilidade, seriedade, dignidade e o seu bom nome pessoal e profissional, tendo o afetado, posto que se sentiu vexado, quer a nível profissional, quer a nível pessoal; 6. O arguido AA, ao produzir a afirmação supra referida relativamente ao assistente BB, sabia que se dirigia a terceiros, formulando juízo ofensivo da honra, a consideração e o brio profissional daquele, enquanto ..., o que previu e quis; 7. Agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente da punibilidade e reprovabilidade da sua conduta. Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante BB: 8. Na sequência dos factos praticados pelo arguido o assistente sentiu-se humilhado; Da contestação do arguido: 9. O arguido fez a declaração transcrita no ponto 4 dos factos provados quando estava a ser inquirido pelo mandatário da Ré naquele processo, expondo a sua indignação e revolta com acontecimentos que envolviam o assistente e um ... estagiário que com este colaborava; 10. O assistente, acompanhado pelo Dr. DD, intentou contra o arguido ação que corre termos no Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de ..., sob o n.° 8895/19.8..., na qual reclama honorários pelos serviços prestados no âmbito de uma ação de despejo de que foi objeto a sociedade "J...,Lda., de que o arguido é sócio gerente; 11. O arguido considera que os honorários que lhe estão a ser exigidos não são devidos, uma vez que ficou convicto que apenas teria de pagar a título de honorários o valor de €400, sendo que já pagou ao referido Dr. DD o valor de €640 12. O arguido sentiu-se enganado pelo assistente;↩︎ 3. Resultaram indiciados, em síntese, os seguintes factos do despacho de não pronúncia objeto do recurso apreciado no acórdão fundamento, com interesse para esta decisão: - No dia 12.12.2010, pelas 15H00, realizou-se no campo de futebol do G...: o jogo de futebol do Campeonato Distrital de Futebol de 11 Masculino da H..., entre as equipas do G... e do E.... Este jogo foi arbitrado pelo assistente. O jogo terminou com a vitória do E... por dois golos a um. No final do jogo, o arguido deu uma entrevista à D..., onde declarou o seguinte (e para além do mais): «(...) Conseguiu [o assistente] inquinar o jogo a meio campo, conseguiu anular-nos, não marcar um penalty que foi a nosso favor e que podia ter resolvido o jogo e perdemos ingloriamente por culpa de um ... que, infelizmente, já nos habituou noutros jogos a ter esse comportamento. Temos sido severamente castigados ao longo deste campeonato - tal como fomos o ano passado - e nós não podemos tolerar atitudes de arbitragens destas. Tive o cuidado de lhe dizer no final do jogo, que ele conseguiu inquinar o jogo e tive o cuidado também de enviar uma mensagem ao Sr. Presidente da H... a dizer-lhe o que este senhor conseguiu fazer (...) Não é a primeira vez que isto acontece e perdemos a vontade de estar à frente de equipas de futebol, dos clubes, se toda a gente sabe os sacrifícios que passamos. Há dias tive conhecimento que bateram a este senhor ... em .... Nós não queremos seguir esse caminho, somos pessoas de bem (...). Agora se calhar em relação à atitude que porventura venham a ter, se calhar, terão toda a razão porque ficou confirmado hoje, mais uma vez, que fomos prejudicados.? Tivemos conhecimento agora, aqui, que este senhor ... costuma ir a jantares com directores do E... portanto, já estávamos precavidos para o que podia acontecer. //(...)// O que eu quero dizer é que tivemos aqui conhecimento que esse senhor tem excelente relacionamento com alguns directores mas isso não quer dizer nada. (...) Quem sou eu para estar aqui a alegar ou acusar alguma coisa?! Agora vi os festejos e o tipo de relação que tiveram no final do jogo, ainda dentro do campo. Quer dizer, aquilo parecia irmãos! Vária gente fica um bocado preocupada com estas coisas. Quem sou eu para acusar? E não entenda estas palavras como eu que esteja a dizer que o ... terá sido aliciado ou terá feito um frete. Sei que, pelo menos, infeliz foi. Isso aí posso garantir que foi infeliz e nos prejudicou. // (...) // O ... é uma pessoa experiente e sabe perfeitamente que se tiver que festejar alguma coisa não seria ali. O que vi foi a reacção de quando o foram cumprimentar, a forma muito familiar que existia ali, de amizade, e que não me agradou. E o próprio ... devia ter posto algum respeito e cumprimentar sim senhor as pessoas, que fica bem às duas partes, mas devia ter imposto algum respeito e dizer aos dirigentes do E... que seguissem o caminho deles, porque não é ali dentro das quatro linhas ainda que se tem atitudes daquelas. É muito desgosto porque a nossa assistência manifestou-se muito contra isso, eu estava do outro lado e vi assim um bocadinho de longe, mas não quer dizer com isto - repito: que tenha havido qualquer aliciamento ou algum favor (...) fomos severamente castigados». -I..., presidente e treinador do E..., comentou na rádio as palavras proferidas pelo arguido, para além do mais, dizendo: «Até nos rimos! (...) // (...) porque eles se podem queixar-se de alguma coisa é apenas e só da equipa do E... que não deixou jogar o G1..., foi-lhe superior durante o jogo. (...) e posso abrir um precedente porque até fui eu que no fim do jogo fui cumprimentar a equipa de arbitragem e na brincadeira disse-lhe "Senhor ..., você anda a abusar do ...!", por causa daquele problema que ele teve cardíaco. Ele até se riu e disse "não quero saber nada disso". |