Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2226/13.8TJVNF-B.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RECURSO DE OPOSIÇÃO DE TERCEIRO
RECURSO DE REVISÃO
SIMULAÇÃO PROCESSUAL
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
CASO JULGADO MATERIAL
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXCEÇÕES DILATÓRIAS ) / SANEAMENTO DO PROCESSO / DESPACHO SANEADOR / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO / LEGITIMIDADE PARA RECORRER / RECURSO DE REVISTA / RECURSO DE REVISÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2016, 3.ª Edição, 322.
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1981, 410 e ss., 441-449.
- Eurico Lopes Cardoso, “Código de Processo Civil” Anotado, Almedina, 2.ª Edição, 1962, nota ao artigo 780.º, 537-538.
- Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição 2008, 695-696; Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, 211, 231.
- Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei n.º 303/2007), Quid Juris, Lisboa, 2009, 359.
- Luís Lameiras, Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil – Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, Almedina, 2008, 198.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA REDAÇÃO DADA PELO DEC.-LEI N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 199.º, 460.º, N.º2, 771.º, ALÍNEA G), 772.º, N.º 2, ALÍNEA C), 773.º, N.º 1, 775.º, N.º 2, 776.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC), APROVADO PELA LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGOS 193.º, 278.º, N.º 1, ALÍNEA B), 546.º, 547.º, 576.º, N.º 1 E 2, 577.º, ALÍNEA B), 578.º, 595.º, N.º 1, ALÍNEA A), 629.º, N.ºS 1 E 2, 631.º, N.º 3, 671.º, N.ºS 1 E 3, 672.º, N.º 2, ALÍNEA A), E N.º3, 696.º, ALÍNEAS B), D) E G), 700.º, N.º 2.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 5.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 07/04/2011, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 1081/08. 4TBTVD. L1-2, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O recurso extraordinário de oposição de terceiro, inovatoriamente, introduzido pelo Código de Processo Civil de 1939 equivalia, substancialmente, a uma ação de simulação instaurada pelo terceiro recorrente contra as partes na ação em que ocorrera a simulação processual, não se exigindo então que fosse obtida previamente, em processo declarativo comum, uma sentença de simples apreciação de reconhecimento dessa simulação.

II. Entretanto, a Reforma do CPC operada pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/ 1961 introduziu a exigência de instauração prévia de uma ação destinada a obter sentença de reconhecimento da simulação e do envolvimento de prejuízo para terceiro, que servisse de base ao referido recurso extraordinário.

III. Posteriormente, no âmbito das alterações ao regime recursório civil introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, e mantidas, no essencial, pela Reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, o referido recurso extraordinário de oposição de terceiro foi integrado no recurso extraordinário de revisão de sentença.

IV. Das disposições do mencionado recurso de revisão pertinentes à simulação processual, no que delas releva de essencial, resulta que o julgamento do respetivo fundamento tem agora lugar na própria instância recursória, não se exigindo, para tal efeito, a prévia instauração de ação declarativa comum de reconhecimento dessa simulação.

V. Nessa medida, a instauração de ação declarativa para reconhecimento da simulação processual, em vez da interposição imediata do recurso de revisão, constitui erro insuprível no meio processual utilizado, determinando a nulidade de todo o processo e, consequentemente, a absolvição do réu da instância.       

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1 - AA - Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite de ..., CRL., instaurou, em 26/07/2013, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário contra:

1.º R. - BB;

2.º R. - CC;

3.ºs R.R. - DD e mulher EE;

4.ºs R.R. - FF e mulher GG;

5.ºs R.R. - HH e mulher II;

6.ª R. - JJ - Investimentos Imobiliários, S.A.

alegando, em resumo, que:

. A A. é titular de um crédito sobre os 1.º R., 2.º R. e 3.ºs R.R., na qualidade de avalistas da “Sociedade Agrícola KK, Lda”, emergente de fornecimentos de bens e serviços pela A. a esta sociedade, crédito esse assumido no contrato de confissão de dívida reproduzido a fls. 27/v.º29, datado de 11/04/2007, então no valor de € 953.754,49, e mais tarde objeto do acordo de pagamento constante do documento reproduzido a fls. 29/v.º-32, outorgado em 05/03/2009, no montante de € 1.172.691,30;

. Simuladamente e com vista a subtrair o seu património à eventual execução desse crédito, os 3.ºs R.R. declararam, através do documento reproduzido a fls. 71/v.º-72/v.º, datado de 10/02/1999, prometer vender ao 4.º R. marido metade indivisa dos seus prédios e a totalidade de dois deles, livres de quaisquer ónus e encargos pelo preço de 37 milhões de escudos equivalente a € 184.555,22, promessa essa que sujeitaram a execução específica;

. Na prossecução de tal objetivo, o 4.º R. marido FF, instaurou, em 2008, contra os 3.ºs R.R., DD e mulher EE, uma ação declarativa para execução específica daquele contrato-promessa, que correu termos sob o n.º 1105/08.5TJVNF, no então Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, conforme documento reproduzido a fls. 69/v.º-70, a qual os ali demandados, ora 3.ºs R.R., propositadamente não contestaram;

. Por efeito dessa falta de contestação, a ação foi julgada procedente, com a consequente decretação do dito contrato prometido e transmissão dos dois prédios e da metade indivisa dos restantes dos 3.ºs R.R. para o 4.º R. HH, casado, sob o regime de comunhão de adquiridos, com a 4.ª R. GG, conforme a sentença reproduzida a fls. 50/v.º-53/v.º, de 01/10/2008, transitada em julgado em 13/10/2008 (fls. 69);

. Porém, os 3.ºs R.R. continuaram a ocupar e explorar os referidos prédios, nunca tendo também o 4.º R. marido pago o preço declarado no sobredito contrato;

. Posteriormente ao referido negócio simulado, e com o mesmo objetivo, os 3.ºs R.R. simularam também com o 5.º R. HH, em 14/10/2008, uma dação em cumprimento da outra metade dos aludidos prédios;

. Em 06/12/2010, os 4.ºs R.R., HH e mulher GG, e os 5.ºs R.R., HH e mulher II, em conluio com a sociedade 6.ª R., de má fé, declararam vender a esta todos os bens simuladamente adquiridos aos 3.ºs R.R..   

. Assim, tanto a compra e venda de 06/12/2010 como a referida dação em cumprimento de 14/10/2008, encontram-se feridas de nulidade.

Nessa base, pediu a A. que:

a) – o 1.º R., o 2.º R. e os 3.ºs R.R. fossem, solidariamente, condenados a pagar-lhe a quantia de € 1.172.691,30, acrescida de juros;

b) – fosse declarada a nulidade do dito contrato-promessa celebrado entre os 3ºs e o 4º R. marido;

c) – fosse declarada a nulidade da petição inicial do processo n.º 1105/08.5TJVNF;  

d) – fosse declarada a nulidade de todo o processado no processo n.º 1105/08.5TJVNF, bem como a sentença de execução específica nele proferida, com base em simulação do negócio jurídico e em uso fraudulento daquele processo;

e) – fosse declarada a nulidade da dação em cumprimento celebrada entre os 3.ºs RR. e o 5.º R. marido;

f) – fosse declarada a nulidade da compra e venda efetuada à 6.ª R. pelos 4.ºs RR. e 5.ºs R.R., porque simulados e ainda porque, tendo na sua génese os negócios jurídicos simulados entre os 3.ºs, o 4.º R. marido e o 5.º R. marido, sendo estes nulos, acarretam automaticamente a nulidade dos atos subsequentes que dele dependem;

g) – seja declarado que, em virtude dessa nulidade, os prédios voltam à titularidade dos 3.ºs RR.;

h) – seja declarada a nulidade dos registos efetuados na Conservatória de Registo Predial e o cancelamento dos mesmos.


2. Os 3.ºs R.R., DD e mulher EE, bem como 4.ºs R.R., FF e mulher GG, vieram defender-se, invocando, além do mais, a exceção de caso julgado decorrente da ação que correu termos sob o n.º 379/09.9TJVNF instaurada pela ora A. contra os ora 1.º R., 2.º R., 3.ºs R.R., 4.ºs R.R. e ainda a sociedade LL, S.A.., na qual foi pedida:

a) – a condenação solidária dos ora 1.º R., 2.º R. e 3.ºs R.R. a pagarem à ora A. o valor de € 1.394.434,70, assumido no contrato de confissão de dívida assumida pela sociedade KK e por aqueles R.R., na qualidade de avalistas daquela, outorgado em 11/04/2007;

b) – a declaração de nulidade do contrato-promessa celebrado entre os 3.ºs R.R. e o 4.º R. com a consequente restituição dos bens dele objeto, à data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 1105/08.5TJVNF e o consequente cancelamento dos respetivos registos.

A referida ação terminou por desistência dos pedidos nela formulados pela ora A. em relação a todos os ali demandados, desistência que foi homologada por sentença transitada em julgado, a declarar extintos os direitos que a mesma A. pretendia fazer valer nessa ação.


3. No presente processo, findos os articulados, foi proferido o despacho saneador reproduzido a fls. 87-92, datado de 20/11/2015, em que, no que aqui releva, foi decretada:

A – A absolvição da instância:

i) – dos 3.ºs e 4.ºs R.R. com fundamento na ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, quanto aos pedidos de declaração da nulidade da petição inicial do processo n.º 1105/08. 5TJVNF, bem como de todo o processado e sentença nele proferida, formulados nas alíneas c) e d) do petitório;

ii) – dos 3.ºs e 4.ºs R.R., com fundamento em caso julgado quanto ao pedido de declaração de nulidade do dito contrato-promessa de compra e venda celebrado entre aqueles R.R., formulado na alinea b) do petitório;

B – A absolvição do 3.ºs e 5.º R.R. na parte do pedido formulado na alínea f) do petitório, respeitante à nulidade do negócio celebrado entre aqueles R.R., decorrente da invocada nulidade, por simulação, do contrato-promessa celebrado entre os 3.ºs e 4.ºs R.R.;

C – O prosseguimento da causa contra os 1.º, 2.º, 3.ºs, 5.ºs e 6.ª R.R., quanto aos pedidos formulados nas alíneas a), e) e a parte não alcançada pela absolvição parcial do pedido da f) do petitório.  


4. Inconformada com essas decisões absolutórias, a A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, através do acórdão de fls. 139-162, datado de 02/06/2016, julgou a apelação parcialmente procedente nos seguintes termos:

a) – mantendo o decidido quanto à verificação da exceção de caso julgado;

b) – revogando a decisão recorrida na parte em que considerou verificada a ineptidão da petição inicial e, em sua substituição, absolvendo os 3.ºs e 4.ºs R.R. da instância, quanto aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório, com fundamento em erro insuprível no meio processual usado, nos termos dos artigos 193.º, 196.º e 576.º, n.º 1, do CPC.

5. Mais uma vez inconformada, vem agora a A. pedir revista dessa decisão, em termos gerais, por considerar não verificado o impedimento da dupla conforme em face da alteração operada, mas também, subsidiariamente, a título de revista excecional com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, uma vez que se encontra em causa igualmente uma questão que, pela sua relevância jurídica, urge e impõe uma resolução e apreciação para uma melhor e necessária aplicação de direito, tendo rematado com as seguintes conclusões: 

1.ª- A revista é admissível na medida em que, não havendo dupla conforme face à alteração da decisão da 1.a instância, encontram-se verificados os requisitos do valor da causa e da sucumbência e, para além disso, o mesmo insere-se nos casos em que é sempre admissível recurso, ex vi artigos 629.º e 671.º, n.º 3, “a contrario sensu”, e seguintes, ambos do CPC;

2.ª - Subsidiariamente, sem prescindir, o recurso de revista seria sempre admissível in casu (ainda que, nesse caso, com a forma de recurso de revista excecional com base na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC), uma vez que se encontra igualmente em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, urge e impõe uma resolução e apreciação para uma melhor e necessária apreciação de direito;

3.ª - Só com a procedência do pedido de declaração de nulidade dos presentes autos é que poderá seguir o processo de recurso extraordinário de revisão a que se refere o processo que sob o n.º 1105/08.5TJVNF-A, corre termos pelo Tribunal da Comarca de Braga, Instância Central de Guimarães, 2.a Secção Cível, J3, em 17/02/2016,

4.ª - Para o acórdão recorrido, em casos de simulação processual, ao contrário do defendido nas decisões jurisprudenciais acima mencionadas, a questão da simulação passa a ser discutida apenas e somente na fase rescindente do recurso de revisão;

5.ª - Porém, a única forma prevista na lei para resolver o problema sub judice é precisamente a de fazer como fez a A., isto é, apresentar em tempo recurso extraordinário de revisão e apresentar também em juízo ação para declaração de nulidade por simulação que é a presente ação e de que nenhum RR. deve ser absolvido, nem do pedido, nem da instância, antes de ser devidamente julgada;

6.ª - Ao julgar não ser necessária a instauração da ação cível, tendo em vista à prolação de decisão que sirva de fundamento do recurso de revisão, o acórdão recorrido fez errada interpretação da lei aplicável ao caso “sub judice”, mormente, violando o disposto nos artigos 696.º, alínea g), 697.º, n.º 2, alínea c), 698.º, n.º 2 e n.º 5, todos do CPC;

7.ª - É imprescindível e absolutamente necessária, dada a sua relevância jurídica, que a questão ora suscitada seja apreciada por este STJ e, em nome da segurança, certeza e paz jurídica, para uma melhor aplicação do direito, decidir se deve fazer "tábua rasa" da ação cível prévia em que se declare a existência de simulação processual, definindo judicialmente o âmbito e natureza do disposto no artigo 700.º, n.º 2, do CPC;

8.ª - Na posição da recorrente a única interpretação possível do artigo 700.º, n.º 2, do CPC é a de que este preceito garante apenas um reforço do contraditório já que a aplicação com as necessárias adaptações do rito do processo comum declarativo abrange apenas a possibilidade de as partes pediram instrução e prova para além da certidão junta, requererem declarações de parte, proferirem alegações, mas jamais poderá ser confundida com uma acção tout court;

9.ª - Nessa medida a decisão sob recurso violou também o disposto no artigo 700.º, n.º 2, do CPC, extravasando completamente o seu sentido e alcance;

10.ª - A única exceção de caso julgado procedente terá de ser a referente à alínea b) da p.i. mas adstrita exclusivamente à validade intrínseca do contrato-promessa e jamais à execução específica desse contrato-promessa por força da simulada p.i. uma vez que esta poderá ser decretada em razão da eventual nulidade do processado subsequente;

11.ª - Porém, a verificação do caso julgado quanto ao teor específico da alínea b), referido apenas à validade intrínseca do contrato-promessa, jamais poderá implicar a absolvição do pedido ou da instância desses RR. na presente lide porque a eficácia real de tal contrato (operada pela procedência da ação) poderá vir a ser anulada com a eventual anulação de todo o processado ulterior à p.i. e na justa medida em que subsistem os demais pedidos, mormente o da alínea c) igualmente aplicável aos RR. demandados na alínea b) e à eficácia real do contrato-promessa que alegadamente terão celebrado;

12.ª - Por isso, não se verifica a exceção do caso julgado na presente lide invocada pelos 3.º e 4.º RR., e julgada procedente, na medida em que manifestamente não há qualquer identidades dos sujeitos, da causa de pedir e do pedido nos processos com o n.º 379/09.9 TJVNF e o caso sub judice, porque enquanto no primeiro processo se atacou somente a validade do contrato-promessa celebrado entre os aqui 3.ºs RR e o R. António Ribeiro e, na presente demanda judicial, o pedido visa atingir a validade e eficácia que a pe­tição inicial e todo o ulterior processado conferiu a esse mesmo contrato-promessa, consubstanciado num ato simulado das partes conseguido através do uso fraudulento do processo na ação não contestada do processo 1105/08.5TJVNF, do 1.° juízo cível;

13.ª - Admitindo que a redação apresentada em juízo não é a mais feliz e a que permita, inequivocamente, esclarecer o âmbito e alcance do pedido ínsito na alínea b) do pedido final dos presentes autos, esclarece e requer a A., ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, que esse pedido se cinge apenas à execução específica concedida a esse contrato através de p.i. simulada e não abrange a validade intrínseca e substancial do contrato-promessa propriamente dito;

14.ª - Por outras palavras, o caso julgado que se possa ter formado, cinge-se única e exclusivamente à validade intrínseca do próprio contrato-promessa em si, mas jamais aos efeitos jurídicos que derivaram duma p.i. e todo ulterior processado subsequente nulos que permitiram a sua execução específica porque assente num ato simulado das partes;

15.ª - O caso julgado derivado da desistência do pedido quanto à validade do contrato-promessa não veda às partes - se vierem a aperceber-se de factos concretos demonstrativos de uma alteração supervenientes das circunstâncias - a possibilidade de suscitar e requerer a declaração de nulidade da p.i. e todo ulterior processado porque assente em ato simulado;

16.ª - Em momento algum ficou demonstrado e provado que a recorrente sabia do conluio simulado das partes no processo judicial referido assente numa p.i. não contestada, numa sentença e todo processado subsequente nulo porque simulado;

17.ª - O fundamento da causa de pedir nos presentes autos não é a validade ou do contrato-promessa propriamente dito mas sim a declaração de nulidade de p.i. e todo ulterior processado porque simulado e tal facto não se encontrava coberto e vedado pelo caso julgado e pela desistência do pedido no anterior processo judicial em que se formou caso julgado somente quanto à validade do contrato-promessa;

18.ª - O acórdão recorrido ao julgar verificada a exceção de caso julgado e, em consequência, absolvendo os 3.ºs e 4.ºs RR. dos pedidos formulados na alínea b) e bem assim parcialmente quanto ao pedido formulado na alínea f), por um lado, e ao absolver do pedido os 3.º e 5.º RR. quanto ao pedido formulado sob a alínea f), violou o estipulado nos artigos 285.º, 289.º, 291.º, 576.º, 577.º, 580.º, 581.º, todos do CPC, nos termos supra expostos.

Pede a Recorrente que se revogue a decisão recorrida e se ordene o prosseguimento do processo contra todos os R.R. pelos pedidos por aquela afetados.

6. A R./Recorrida EE contra-alegou, começando por suscitar a questão prévia da inadmissibilidade da revista, quanto ao segmento decisório sobre a exceção de caso julgado, dado que, nessa parte, ocorre dupla conforme, não se verificando qualquer dos fundamentos previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC, nem tendo a Recorrente, mormente quanto à mesma questão, invocado motivos enquadráveis nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 672.º do mesmo Código. No mais pugna pela manutenção do julgado.

7. Sobre a interposição do recurso foi exarado o despacho de fls. 238 pela Exm.ª Relatora da Relação, datado de 06/10/2016, com o seguinte teor:

«Por ter legitimidade e estar em tempo, admite-se o recurso interposto a fls. 169.

Oportunamente, subam os autos ao (…) STJ.

           

        Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – Apreciação sobre a admissibilidade da revista


Antes de mais, consigna-se que, tendo a presente ação sido instaurada em 26/07/2013 e as decisões impugnadas sido proferidas em 20/11/2015 (pela 1.ª instância) e em 02/06/2016 (pela Relação), é aplicável o regime recursório do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor desde 01/09/2013, nos termos do n.º 1 do art.º 5.º desta Lei. 


No que respeita ao cabimento da revista - do que o despacho da Exm.ª Relatora da Relação que a admitiu não se ocupou -, impõe-se, a título de questão prévia, ajuizar sobre a verificação daquele requisito e dos seus termos.


Com decorre do acima relatado, os segmentos decisórios do despacho saneador proferido na 1.ª instância incidiram sobre as duas seguintes questões:

i) – a exceção de ineptidão da petição inicial relativamente aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório, absolvendo os  3.ºs e 4.ºs R.R da instância nessa parte;

ii) – a exceção de caso julgado material relativamente ao pedido formulado na alínea b) do petitório, absolvendo também da instância os mesmos 3.ºs e 4.ºs R.R. e ainda, por consequência daquela exceção, absolvendo os 3.ºs e 5.ºs R.R. da parte final do pedido formulado na alínea f) do petitório.


Por sua vez, no acórdão recorrido, aprovado por unanimidade, foi mantido o segmento decisório no que respeita ao caso julgado, mas revogado o segmento referente à exceção de ineptidão, que foi substituído pela declaração da absolvição da instância dos 3.ºs e 4.ºs R.R. agora com fundamento em erro insuprível no meio processual usado.


Ora, dado o valor da ação (€ 1.172.691,30), bem como o da sucumbência dos R.R. absolvidos, e atenta a natureza da decisão recorrida, a presente revista mostra-se admissível, nos termos gerais dos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, do CPC.

Porém, o n.º 3 do citado artigo 671º, aqui aplicável, preceitua que:

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

Sucede que, no caso vertente, o segmento decisório do acórdão recorrido no que respeita à absolvição da instância dos 3.ºs e 4.ºs R.R., relativamente aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório, estriba-se em fundamentação essencialmente diferente da assumida pela 1.ª instância, na medida em que se decretou tal absolvição com base no erro insuprível do meio processual usado, enquanto que, na decisão da 1.ª instância, o fora com base na ineptidão da petição inicial.

Nessa medida, não se verifica dupla conforme relevante nos termos do n.º 3 do mencionado artigo 671.º, pelo que a revista é admissível, na parte em que impugna o sobredito segmento decisório.

Porém, o segmento decisório que confirmou a decisão da 1.ª instância sobre a exceção do caso julgado relativamente ao pedido formulado na alínea b) do petitório, absolvendo também da instância os mesmos 3.ºs e 4.ºs R.R. e ainda, por consequência, absolvendo os 3.ºs e 5.ºs R.R. de parte do pedido formulado na alínea f) do petitório, baseou-se em fundamentação substancialmente idêntica.          

Resta saber se a recorribilidade da revista quanto ao segmento decisório sobre exceção dilatória da ineptidão da petição inicial/erro no meio processual usado, em virtude da descaraterização da dupla conforme, aproveita também ao segmento impugnado em sede de exceção de caso julgado.

Tal problemática, embora não isenta de alguma polémica, tem vindo a ser equacionada no sentido da dupla conforme ser aferível em função dos distintos segmentos decisórios.

Neste sentido, Abrantes Geraldes[1] observa que:

  «[…] se quanto a determinado segmento se verificar a plena confirmação do resultado declarado na 1.ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a interposição de recurso “normal” de revista. Em tal circunstância, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça relativamente a tal parcela ficará dependente do accionamento da revista excepcional e da sua aceitação pela formação referida no arti.º 672.º, n.º 3.


Ora, os segmentos decisórios aqui em foco recaem sobre pretensões distintas, a saber:

i) - a primeira, que tem por fim anular todo o processado no processo n.º 1105/08.5TJVNF e, no essencial, a sentença ali proferida, e já transitada, que decretou a execução específica do contrato-promessa celebrado entre os 3ºs e o 4º R. marido, com fundamento em simulação processual, conforme pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório;

ii) - a segunda, que visa a declaração de nulidade daquele contrato-promessa, com fundamento em simulação deste, o que já fora objeto do processo que correu termos sob n.º 379/09.9TJVNF, bem como a  ineficácia de negócios subsequentes ao referido contrato, conforme os pedidos formulados na alínea b) e parte da alínea f) do petitório.


Neste quadro, a pretensão referida em i), correspondente aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório, mostra-se perfeitamente distinta da pretensão indicada em ii), na parte em que esta se refere ao pedido formulado na alínea b) do petitório. Com efeito, a pretensão, fundada em simulação processual, dirigida à anulação do processo n.º 1105/08. 5TJVNF, mormente à anulação da decisão que ali decretou a execução específica do contrato-promessa em referência pode não depender necessariamente da ora pretendida declaração de nulidade do mesmo contrato-promessa fundada na simulação extrajudicial deste. De resto, na perspetiva da própria Recorrente, “a validade intrínseca” do contrato-promessa não afetaria, por si só, a pretendida anulação da decisão que decretou a execução específica desse contrato-promessa com fundamento na invocada simulação processual.


Nessa medida, o segmento decisório em que se declarou a exceção de caso julgado material quanto ao pedido formulado na alínea b) do petitório e, em consequência disso, se absolveu da instância os 3.ºs e 4.ºs R.R., relativamente a tal pedido, afigura-se autónomo e cindível do segmento decisório em que, no âmbito da pretensão fundada em simulação processual, se absolveu também os mesmos R.R. da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório por erro insuprível no meio processual usado.   


a parte do segmento decisório em que se absolveu parcialmente os 3.ºs e 5.ºs R.R. do pedido formulado na alínea f) do petitório não se mostra inteiramente cindível da pretensão fundada em simulação processual, porquanto a ali pretendida declaração de nulidade da venda efetuada à 6.ª R. pelos 4.ºs RR. e 5.ºs R.R., depende basicamente da validade e eficácia da execução específica do contrato prometido decretada na sentença proferida no processo n.º 1105/08.5TJVNF e, de certo modo, alcançada pela pretensão fundada em simulação processual, deduzida nas alíneas c) e d) do petitório. Mais precisamente, o pedido de declaração de nulidade da venda feita à 6.ª R. pelos 4.ºs RR. e 5.ºs R.R. ancora-se na conjugação complementar de dois fundamentos: o da simulação processual propriamente dita e o da simulação extrajudicial dos negócios jurídicos celebrados entre os 3.ºs, o 4.º R. marido e o 5.º R. marido, simulação esta que seria ainda suscetível de relevar, pelo menos, ao que parece, na tese da A., no contexto da simulação processual, independentemente da “validade intrínseca” desses negócios.

Nestas circunstâncias, diversamente do que sucede em relação ao pedido de declaração de nulidade do contrato-promessa formulada na alínea b) do petitório, o pedido de declaração de nulidade da venda feita à 6.ª R pelos 4.ºs RR. e 5.ºs R.R. formulado na alínea f) do petitório dependerá, no sobredito contexto de fundamentação, nuclearmente da validade e eficácia da decisão de execução específica impugnada, sem prejuízo do caso julgado preclusivo da declaração de nulidade do referido contrato-promessa.      


Consequentemente, considera-se não extensível ao segmento decisório sobre a exceção do caso julgado, na parte respeitante ao pedido formulado na alínea b) do petitório, a descaraterização da dupla conforme decorrente da fundamentação essencialmente diferente assumida no acórdão recorrido no âmbito do segmento decisório sobre a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial/erro no meio processual usado. Mas tem-se por mais seguro considerar extensível aquela descaraterização no tocante ao segmento decisório em que se absolveu os 3.ºs e 5.ºs R.R. de parte do pedido formulado na alínea f) do petitório. 

Daí que a recorribilidade da revista quanto ao segmento decisório incidente sobre o pedido formulado na alínea b) do petitório dependeria da invocação pela Recorrente ou de algum dos fundamentos configurados no artigo 629.º, n.º 2, do CPC ou de algum dos pressupostos de revista excecional previstos no artigo 672.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Não se ignora que a Recorrente, subsidiariamente, afirmou que o recurso seria sempre admissível a título de “revista excecional com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, uma vez que se encontra igualmente em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, urge e impõe uma resolução e apreciação para uma melhor e necessária aplicação de direito”. E parece até direccionar tal afirmação genérica à questão respeitante à pretendida anulação do processado e da decisão proferida no processo n.º 1105/08.5TJVNF, conforme o peticionado sob as alíneas c) e d) do petitório.  

Porém, no que concerne ao segmento decisório sobre a exceção do caso julgado referente ao pedido formulado na alínea b) do petitório, não especificou a Recorrente quaisquer razões para tal, como exige a alínea a) do n.º 2 do citado artigo 672.º, o que significa que, quanto a este segmento decisório, não existe matéria a submeter à verificação da formação dos três juízes deste Supremo Tribunal a que se refere o n.º 3 do mesmo normativo.  

Por outro lado, as decisões das instâncias que reconheceram a ocorrência daquela exceção não se traduzem sequer em ofensa de caso julgado - bem pelo contrário - para que seja aplicável o preceituado na alínea a), parte final, do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.


Em suma, impõe-se concluir que a presente revista:

a) – é admissível, em termos gerais, na parte em que impugna os segmentos decisórios que declararam a absolvição da instância dos  3.ºs e 4.ºs R.R. e a absolvição parcial do pedido dos 3.ºs e 5.ºs R.R., respetivamente, em relação aos pedidos formulados nas alí-neas c) e d), e f) do petitório;

b) – mas é inadmissível, por ocorrência de dupla conforme, quanto ao segmento decisório que confirmou a decisão da 1.ª instância sobre a exceção de caso julgado, relativamente ao pedi-do formulado na alínea b) do petitório, absolvendo da instância os 3.ºs e 4.ºs R.R..

Por tal razão, não se tomará conhecimento do objeto da revista quanto a este último segmento.

 

III – Do mérito do recurso


1. Quanto à questão do erro na forma do meio processual usado


Como já acima ficou enunciado, a A., ora Recorrente, deduziu pretensão contra os 3.ºs e 4.ºs R.R. no sentido de ser declarada a nulidade da petição inicial e de todo o processado do processo n.º 1105/08.5TJVNF, bem como da sentença de execução específica nele proferida, com base em simulação processual.

A 1.ª instância, considerando verificado o vício de ineptidão da petição inicial deduzida na presente ação, com fundamento em falta de causa de pedir, quanto àqueles pedidos, absolveu da instância os 3.ºs e 4.ºs R.R. nessa parte.

Por sua vez, o Tribunal da Relação entendeu que o vício em causa não se reconduzia a falta de causa de pedir determinativa da ineptidão da petição inicial, mas antes a erro insuprível no meio processual usado, já que o meio idóneo seria o recurso extraordinário de revisão de sentença, com o fundamento configurado na alínea g) do artigo 696.º do CPC, decretando nesta base também a absolvição da instância dos mesmo R.R..

Todavia, a Recorrente persiste na tese de que a pretensão em referência é suscetível de constituir objeto de ação declarativa comum necessária ao posterior prosseguimento do recurso de revisão.


Vejamos. 


O recurso extraordinário de oposição de terceiro destinado a impugnar sentença já transitada em julgado, com fundamento em simulação processual, foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 1939[2].

Não obstante o princípio da relatividade do caso julgado material, visou-se com tal mecanismo facultar a terceiros um meio de tutela judicial específico contra atos revestidos de autoridade de caso julgado entre as partes, mas que fossem, ainda assim, suscetíveis de prejudicar interesses de terceiro, embora não alcançados pelo âmbito do julgado. Através dele, provada que fosse a simulação processual, obter-se-ia, pois, a anulação de decisão desse modo lograda e já transitada.

Para tanto, a simulação processual ocorrerá “quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si”[3], podendo, nomeadamente, consistir num conluio entre autor e réu no sentido de ser deduzida por aquele determinada pretensão para não ser contraditada ou só ficticiamente contraditada por este, de modo a obter, por essa via, uma decisão judicial tendente a prejudicar terceiro.[4]

Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[5], o referido meio de impugnação por via recursória extraordinária, a interpor perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada, comportava a seguinte tramitação:

a) – uma fase de admissão, integrada pelo requerimento de interposição e pelo despacho de indeferimento ou de admissão liminar do recurso (artigos 780.º e 781.º do CPC/39);

b) – uma fase de seguimento, desencadeada logo após o despacho liminar de admissão, comportando, sucessivamente, a notificação pessoal do recorrido, a resposta que o mesmo entendesse deduzir, as subsequentes alegações das partes, eventuais diligências de prova sumária sobre os fundamentos alegados e a decisão sobre a viabilidade do recurso, determinativa ou não do seu seguimento (art.º 782.º, 1.ª parte, CPC/39);

c) – por fim, em caso de seguimento do recurso, uma fase de instrução, discussão e julgamento, de contraditório mais desenvolvido, seguindo, como se findassem os articulados, os termos do processo correspondente à ação em que fora proferida a decisão impugnada,  culminando em sentença final, a julgar a pretensão procedente ou improcedente, declarando, respetivamente, insubsistente a sentença impugnada ou negando provimento ao recurso (art.º 782.º, 2.ª parte, CPC/39).       

Nessa configuração, o recurso extraordinário de oposição de terceiro equivalia, substancialmente, a uma ação de simulação instaurada pelo terceiro recorrente contra as partes na ação em que ocorrera a simulação processual, agora como recorridos, recaindo sobre aquele o ónus de alegar os factos tendentes a inferir que o processo encobria o ato simulado e que teve por fim obter uma sentença que lhe causasse prejuízo (art.º 780.º do CPC/ 39)[6]. Não se exigia, pois, que fosse obtida previamente, em processo declarativo comum, uma sentença de simples apreciação de reconhecimento dessa simulação processual.

Posteriormente, por se considerar que o regime de tal recurso não permitia uma adequada investigação do vício em causa, a Reforma do CPC operada pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/1961 (CPC/61) introduziu a exigência de instauração de uma ação prévia ou preparatória da anulação com vista a obter sentença de reconhecimento da simulação e do envolvimento de prejuízo para terceiro, que então servisse de base ao referido recurso extraordinário, como decorria do preceituado no artigo 779.º daquele Código[7]. Em consonância com esta solução, o artigo 780.º do mesmo diploma estabeleceu, para a interposição do recurso, o prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da decisão final da ação de simulação, a qual deveria, por sua vez, ser intentada dentro dos cinco anos subsequentes ao trânsito da sentença que se pretendia impugnar por via do recurso extraordinário de oposição de terceiro. No respeitante à tramitação, o artigo 781.º suprimiu a precedente decisão interlocutória de seguimento do recurso, passando a seguir-se, após a resposta dos recorridos ou o termo do respetivo prazo, a realização de diligências probatórias, a produção de alegações e a decisão final.

Nessa conformidade, o terceiro prejudicado por sentença transitada em julgado obtida mediante simulação processual teria de instaurar, previamente, uma ação declarativa comum de simples apreciação com vista à obtenção de sentença de reconhecimento dessa simulação e do prejuízo para ele dela decorrente, e só com base nesta sentença transitada é que lhe era facultado lançar mão do recurso extraordinário de oposição de terceiro destinado à prolação de decisão rescisória da sentença afetada pela simulação processual, nos termos dos artigos 779.º a 781.º do CPC/61.   

Este regime foi mantido, no essencial, pela Revisão do CPC introduzida pelos Dec.-Leis n.º 329-A/95, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-09, tendo também ficado incólume no quadro das alterações editadas pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08/03, em que, no entanto, se eliminou a exigência de ação prévia nos casos previstos nas alíneas b) e d) do artigo 771.º do CPC, no âmbito do recurso extraordinário de revisão de sentença.


Sucede que o Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/08, em vigor desde 01/01/ 2008, que alterou profundamente o regime dos recursos cíveis, integrou o recurso extraordinário de oposição de terceiro no recurso extraordinário de revisão de sentença, com a transposição do respetivo fundamento para a alínea g) do artigo 771.º e as adaptações inseridas nos artigos 680.º, n.º 3, 772.º, n.º 2, alínea c), 773.º, 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2, todos do CPC na versão então dada.

Além disso, segundo alteração do artigo 771.º operada por aquele diploma, deixou de se exigir como dantes, para efeitos de revisão de sentença, a prévia instauração de ação para obtenção de sentença transitada nos casos previstos nas alíneas b) e d) do mesmo normativo, mantendo-se essa exigência apenas quanto aos casos previstos na alínea a). Porém, ainda assim, segundo o disposto no n.º 2 do então artigo 301.º do CPC, a sentença homologatória transitada em julgado sobre confissão, desistência ou transação poderia ser impugnada, com fundamento em nulidade ou anulabilidade, alternativamente, mediante prévia ação declarativa seguida de recurso de revisão ou pela via de interposição direta deste recurso, nos termos da alinea d) do artigo 771.º. 

Assim, no que aqui releva, o citado artigo 771.º, preceitua que:

A decisão transitada em julgado (…) pode ser objecto de revisão quando:

g) – O litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665.º, por se não ter apercebido da fraude.

E o artigo 772.º prescreve que:

2. O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

c) – No caso da alínea g) do artigo 771.º, desde que o recorrente teve conhecimento da sentença.        

Por sua vez, o artigo 773.º, sob a epígrafe Instrução do requerimento, dispõe o seguinte:

1 - No requerimento de interposição, que é autuado por apenso, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 771º, o prejuízo resultante da simulação processual.

2 – Nos casos das alíneas a), c), f) e g) do artigo 771.º, o recorrente, com o requerimento de interposição, apresenta certidão, consoante os casos, da decisão ou do documento em que se funda o pedido.

No que respeita ao julgamento da revisão, diversamente da tramitação simplificada prevista no n.º 1 do artigo 775.º, aplicável aos casos configurados nas alíneas a), c), e) e f) do artigo 771.º, o n.º 2 daquele artigo determina, para os casos previstos nas alíneas b), d) e g) deste artigo 771.º, a tramitação do processo sumário. E o n.º 2 do artigo 776.º prescreve que: no caso da alínea g) do artigo 771.º, se o fundamento da revisão for julgado procedente anula-se a decisão recorrida.

De todo este quadro normativo, especialmente face ao disposto no artigo 771.º, alínea g) – em que, diferentemente dos casos previstos da alínea a), não se exige sentença transitada em julgado sobre o fundamento da revisão -, ao preceituado no artigo 772.º, n.º 2, alínea c) – em que o prazo de 60 dias para a interposição do recurso se conta a partir do conhecimento da sentença revidenda, por parte do recorrente, suprimindo desse modo o prazo de caducidade da ação de simulação anteriormente previsto no artigo 780.º, n.º 2 -, ao prescrito no artigo 773.º, n.º 1 – em que se exige que o recorrente alegue os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 771.º, o prejuízo resultante da simulação processual – e, por fim, ao estatuído nos artigos 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2 – segundo os quais, no caso de revisão fundada em simulação processual, se seguem, em vez da tramitação mais simplificada prevista no n.º 1 do artigo  775.º, os termos do processo sumário para o julgamento desse fundamento com vista à anulação da sentença revidenda -, impõe-se concluir que se deixou de exigir a prévia instauração de ação declarativa comum para o reconhecimento da simulação processual.

É certo que, estranhamente, o n.º 2 do artigo 773.º, referindo-se incluse aos casos da alínea g), exige que o recorrente apresente com o requerimento de interposição de recurso certidão comprovativa da decisão em que se funda o pedido, mas, perante o quadro inequívoco acima traçado e a revogação dos precedentes artigos 779.º e 780.º, n.º 2, do CPC, não restará senão inferir que aquela referência se deverá a mero lapso legislativo, por se mostrar inconciliável com o novo modelo do recurso de revisão, ao eliminar a exigência de instauração ação prévia para a generalidade dos casos previstos no artigo 771.º.

Nesta linha de entendimento, Lebre de Freitas e outros[8], embora tendo por duvidosa a bondade da solução de eliminação da propositura de ação prévia, observam que:

«A grande novidade do novo regime é que deixa de se exigir uma sentença transitada em julgado que tenha reconhecido a existência de simulação, diferentemente do que se previa no artigo 779.º-1 revogado. A questão da simulação passa a ser discutida na fase rescindente do recurso de revisão. É, por isso, enigmático o art. 773 – 2 quando exige a apresentação, também neste caso, “da decisão ou do documento em que se funda o pedido”, na medida em que parece apontar para a solução anterior da propositura de uma acção autónoma para apreciar a simulação.» 

Também Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes[9], questionando a bondade da solução de fundir num só os recursos de revisão e de oposição de terceiro, consideram que:

«A maior inovação estrutural introduzida pelo novo regime consiste em se ter deixado de exigir uma sentença transitada em julgado que reconheça a existência de simulação.

Impõe-se, por isso, uma interpretação apagógica do artigo 773.º, n.º 2, isto é que exclua o significado interpretativo menos razoável ou mais absurdo da exigência da apresentação “da decisão ou do documento em que se funda o pedido.”»

Em sentido algo diferente, Luís Lameiras, apoiando-se exclusivamente no n.º 2 do artigo 773.º, inclina-se para o entendimento de que daquele normativo decorrerá a exigência da prévia ação de simulação, ficando apenas ressalvada a prova do prejuízo para o recorrente a produzir no próprio recurso[10].

Também parece apontar nesse sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/04/2011, proferido no processo n.º 1081/08. 4TBTVD. L1-2[11], indicado pela Recorrente, embora versando sobre um caso em que o pedido ali formulado iria para além do mero reconhecimento da simulação invocada como fundamento daquele, o que diverge, de certo modo, do caso aqui em apreço, em que os pedidos deduzidos nas alíneas c) e d) do petitório, com fundamento em simulação processual, envolvendo apenas a A. e dos 3.ºs e 4.º R.R., têm exclusivamente por finalidade a anulação da sentença já transitada que decretou a execução específica do contrato-promessa em referência.    

Todavia, salvo o devido respeito por este último entendimento, afigura-se que o apelo ao n.º 2 do artigo 773.º se revela, por si só, frágil, em face das demais alterações substanciais acima enunciadas, em especial perante a ideia de concentrar o julgamento do fundamento do recurso no quadro da sua própria tramitação relativamente à generalidade dos casos previstos no artigo 771.º, com a ressalva da hipótese da alínea a), ideia que parece subjacente não só a este artigo, mas também aos artigos 775.º, n.º 2, e 776.º, n.º 2, para além da própria eliminação do prazo de caducidade da ação de simulação anteriormente estabelecido no artigo 780.º, n.º 2, do CPC/95/96. Do igual modo, a admitir a exigência de prévia instauração da ação de simulação não se revele muito coerente que se deixe para o recurso apenas a apreciação do prejuízo que dela decorre para o recorrente, face ao disposto na parte final do n.º 1 do artigo 773.º, já que o prejuízo de terceiro é um dos pressupostos do vício da simulação processual.        

De realçar que, se o recurso de revisão fundado em simulação processual não comportasse o julgamento desse fundamento, não se encontraria então razão plausível que justificasse seguir a tramitação mais solene prescrita no n.º 2 do artigo 775.º correspondente ao n.º 2 do atual artigo 700.º do CPC, em vez da tramitação simplificada preconizada no n.º 1 do mesmo artigo, nomeadamente quanto aos casos previstos na alínea a) do artigo 771.º correspondente ao atual artigo 696.º daquele Código. 

Em suma, pelas razões expostas, conclui-se que, segundo o modelo do recurso extraordinário de revisão de sentença regulado nos artigos 771.º a 777.º do CPC, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, em vigor à data da propositura da presente ação (em 26/07/2013), em que se integra a revisão de sentença transitada com fundamento em simulação processual, o julgamento deste fundamento, pelo menos quando circunscrito à anulação da decisão revidenda, deve ser promovido no âmbito desse recurso, sem necessidade de prévia instauração de ação de simulação.   

Tal regime foi mantido nos mesmos termos pela Reforma do CPC introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-04, como se alcança do disposto nos atuais artigos 631.º, n.º 3, e 696.º a 702.º do CPC, sendo que agora tramitação do recurso, nos casos das alíneas b), d) e g) do artigo 696.º, passou a seguir, após a resposta dos recorridos ou o termo do respetivo prazo, os termos do processo comum declarativo (art.º 700.º, n.º 2), o que veio até reforçar as garantias do contraditório.


Aqui chegados, resta saber que vício ocorre no caso, como o dos presentes autos, em que a A. optou pela instauração autónoma da presente ação fundada na pretensa simulação processual ocorrida no processo n.º 1105/08.5TJVNF.

Nessa base, a A. pediu que fosse declarada:

– a nulidade da petição inicial do processo n.º 1105/08.5TJVNF;  

– a nulidade de todo o processado no processo n.º 1105/08.5TJVNF, bem como a sentença de execução específica nele proferida, com base em simulação do negócio jurídico e em uso fraudulento daquele processo.

Desde já, tal formulação mostra-se incorreta, mesmo na tese da exigência de prévia instauração daquela ação, uma vez que não seria nesta que teria lugar o juízo rescisório da anulação da decisão revidenda, mas sim no âmbito do recurso a interpor. Na ação de simulação, caberia apenas formular o pedido de simples apreciação do reconhecimento da simulação processual. De qualquer modo, tal pedido de reconhecimento ainda se poderia considerar implícito naquela formulação, o que justificaria, nesse alcance mais restrito, a apreciação da questão enunciada.

Ora, na linha do entendimento firmado no acórdão recorrido, tendo em conta o que ficou acima exposto sobre a economia do novo modelo do recurso extraordinário de revisão, considera-se que a tutela judicial aqui pretendida pela A. é diretamente acionável por via do referido recurso de revisão e não por via da ação declarativa comum. Daí que o uso do processo comum em detrimento daquele mecanismo recursório, especialmente previsto na lei, colide com o preceituado no n.º 2 do 460.º correspondente ao atual artigo 546.º do CPC.

Estamos assim perante um erro sobre o meio de impugnação utilizado – a via da ação, em vez da via especial recursória extraordinária -, o que se traduz num vício consistente em erro na forma de processo, dantes previsto no artigo 199.º do CPC e hoje no artigo 193.º, na variante de erro no meio processual, donde resulta claramente o não aproveitamento da própria petição inicial para o meio tido por idóneo – que é o recurso extraordinário de revisão -, nem tão pouco se mostrando ajustável por via da adequação formal preconizada no artigo 547.º do CPC.

Consequentemente, tal inaproveitamento da petição inicial reconduz-se à exceção dilatória de nulidade de todo o processo, relativamente à pretensão por ele afetada, determinando a absolvição da instância dos 3.ºs e 4.ºs R.R., nessa parte, o que é de conhecimento oficioso, nos termos conjugados dos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea b), 578.º e 595.º, n.º 1, alínea a) do CPC, tal como foi decidido no acórdão recorrido.

Termos em que improcedem as razões da Recorrente neste particular.


2. Quanto à questão da projeção da exceção do caso julgado relativamente ao pedido formulado na alínea f) do petitório

 

Quanto à projeção da exceção do caso julgado no pedido formulado na alínea f) do petitório depreende-se que tal pretensão de declaração de nulidade da compra e venda efetuada à 6.ª R. pelos 4.ºs RR. e 5.ºs R.R. dependerá, como já foi dito, nuclearmente do que vier a ser decidido no recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no processo n.º 1105/08.5TJVNF sobre a ali decretada execução específica do contrato-promessa em referência, mas precisamente quanto à validade e eficácia do contrato prometido, que não da mera nulidade daquele contrato-promessa.

Nestas circunstâncias, afigura-se ainda prematura a absolvição de parte daquele pedido, pelo que procedem, neste particular, as razões da Recorrente, no sentido de se relegar para final a apreciação integral da pretensão formulada sob a alínea f) do petitório. 


IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em:

a) – Não tomar conhecimento da revista quanto ao segmento decisório em que se declarou a verificação da exceção de caso julgado relativamente ao pedido formulado na alínea b) do petitório;  

b) – Conceder parcialmente a revista quanto ao segmento decisório em que se absolveu os 3.ºs e 5.ºs R.R. de parte do pedido formulado na alínea f) do petitório, anulando-se tal segmento decisório e ordenando-se o prosseguimento da causa nessa parte;

c) – Negar a revista quanto ao segmento decisório em que se absolveu os 3.ºs e 4.ºs R.R. dos pedidos formulados nas alíneas c) e d) do petitório com fundamento em erro insuprível no meio processual usado, confirmando-se tal decisão.


As custas do recurso ficam a cargo das partes, na proporção de 3/4 para a Recorrente e 1/4 para a Recorrida.


Lisboa, 26 de Janeiro de 2017

                           

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria

__________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2016, 3.ª Edição, p. 322.
[2] Por todos, vide Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1981, pp. 410 e segs..
[3] A noção adotada encontra-se formulada por Lebre de Freitas e outros, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição 2008, p. 695.
[4] Ob. cit. p. 696.
[5] Ob. cit. pp. 441-449.
[6] Neste sentido, vide Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1981, pp. 448.
[7] A este propósito, vide Eurico Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2.ª Edição, 1962, nota ao artigo 780.º, p. 537-538, e Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, p. 211.

[8] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 231.
[9] In Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei n.º 303/2007), Quid Juris, Lisboa, 2009, p. 359.
[10] In Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil – Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, Almedina, 2008, p. 198.
[11] Acessível na Internet: http¨//www.dgsi.pt/trl.