Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DANOS PATRIMONIAIS MENOR CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
Data do Acordão: | 02/27/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA, CONFIRMADO O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES DE INDEMNIZAÇÃO. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º, 564.º E 566.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 25-11-2009, PROCESSO N°. 397/03.0GEBNV, IN WWW.DGSI.PT; - DE 22-01-2017, PROCESSO N.º 1862/13.7 TBGDM.P1.S1; - DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 294/07. 0TBPCV.C1.S1; - DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 2028/12.9TBVCT.G1; - DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1; - DE 29-06-2017, PROCESSO N.º 976/12.5TBBCL.G1.S1; - DE 06-07-2017, PROCESSO N.º 344/12.9TBBAO.P1.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 15-02-2011, PROCESSO, N.º 291/07.6TBLRA, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I - A fixação da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, emergentes de acidente de viação, com recurso à equidade, envolve a ponderação de elementos não estritamente legais, devendo o STJ limitar a sua intervenção à verificação do uso, no acórdão recorrido, dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas. II - Mostram-se conformes a tais critérios ou padrões, os valores, de 10.000 e de 8.000 euros, atribuídos a título de indemnização dos danos patrimoniais futuros e dos danos não patrimoniais com fundamento no seguinte quadro provado: (i) à data do acidente, o autor tinha 10 anos de idade e era (e é) estudante; (ii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que demanda maiores esforços no exercício da actividade habitual e demandará perda de capacidade de ganho quando ingressar no mercado de trabalho (iii) sofreu dores aquando do acidente e da convalescença, sendo o quantum doloris de grau 4 (numa escala progressiva de 7); (iv) a repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer corresponde ao grau 3 (numa escala progressiva de 7); (v) padeceu de incómodos e de tristeza por força do acidente, das lesões e das sequelas dele decorrentes; (vi) antes do acidente, era uma pessoa saudável, alegre e confiante. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 2. AA (que à data da instauração da presente acção era menor, tendo entretanto atingido a maioridade) intentou acção emergente de acidente de viação contra BB, CC, Lda., e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação solidária de todos os RR., ou apenas do 3o Réu, a pagar-lhe a quantia total de € 39 500, sendo € 26 000 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 13 500 a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como as despesas com futuros tratamentos, acrescidas de juros de mora legais desde a citação até efectivo e integral pagamento. Alegou que, em 20/01/2006, quando se encontrava parado na berma direita da Via Inter Municipal (VIM), junto à passadeira de peões existente no local, e se preparava para atravessar a faixa de rodagem da VIM, foi atropelado por um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de características não concretamente apuradas, cuja matrícula se desconhece, de cor branca, com a publicidade "CC", da propriedade do R. BB ou da Ré CC, Lda. ou de alguém cuja identidade também se desconhece, conduzido pelo R. BB, que não tinha seguro válido, ou por um veículo cuja matrícula e identidade do condutor não foi possível apurar, por se ter posto em fuga logo após o embate. Do embate decorreram danos que pretendeu ver indemnizados. Na 1ª instância, os montantes indemnizatórios foram fixados em: i) € 6 000,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da perda da capacidade de ganho, ponderando o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica atribuído ao Autor (IPG de 3 pontos), a idade do lesado à data do acidente (o A. fez 11 anos de idade no dia seguinte ao do acidente), o facto do A. ser na altura (como ainda é hoje) estudante, a sua esperança média de vida (que situou nos 75 anos), o valor do provável futuro salário mensal do A. (atenta a escolaridade já alcançada) que fixou em € 700 e a redução que deverá introduzir-se por a indemnização ser paga de uma só vez; ii) € 2 500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos. a) O A. AA nasceu em ... de 1995, e encontra-se registado como sendo filho de ... e de ..., (alínea A) dos factos assentes). b) A presente acção deu entrada em Juízo no dia 24/11/2010, sendo que o R. Rui foi citado em 30/11/2010. (alínea B) dos factos assentes). c) Mediante sentença, proferida, em 25/10/2010, transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular que, autuado sob o n° 57/06.0GBVNF.P1, correu os seus termos pelo 2° Juízo Criminal deste mesmo Tribunal, foi o Io R. condenado numa pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 20,00 euros, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, n° 1 do Cód. Penal, o que perfaz a multa de 1.300,00 euros, perpetrado na pessoa do aqui A., em 20 de Janeiro de 2006, entre as 18:00 h e as 18:15 h, na Via Inter-Municipal (VIM), na freguesia de ..., deste concelho e comarca, tudo conforme consta do teor do documento junto aos autos de fls. 97 a 111, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, (alínea C) dos factos assentes). d) Em 13-02-2006, a legal representante do A. apresentou queixa crime contra o R. BB, tendo a mesma originado o processo no qual foram praticados os actos constantes dos autos certificados nos termos do documento de fls. 272 a 298, cujo teor se dá por integralmente reproduzido que culminaram na sentença referida em c). (quesitos 43° a 53° da base instrutória). e) No dia 20 de Janeiro de 2006, entre as 18:00 horas e as 18:15 horas, na VIM, que liga ..., na freguesia de ..., concelho e comarca de ..., ocorreu um acidente de viação, sob a forma de atropelamento, no qual intervieram um veículo automóvel ligeiro, de mercadorias, de cor branco com os dizeres "CC", cuja matrícula não foi possível apurar, conduzido pelo R. BB, e o A. que seguia a pé. (quesitos Io a 3° da base instrutória). f) No dia, hora e local mencionados em e) o condutor do veículo ali referido circulava no sentido de marcha .... (quesito 8o da base instrutória). g) Na hemi-faixa direita da VIM, atento o seu sentido de marcha (...), junto à berma do seu lado direito, (quesito 9° da base instrutória). h) No local onde ocorreu o acidente e à data da ocorrência do mesmo, existia e existe uma passadeira para peões, logo seguida de um cruzamento a cerca de 05 (cinco) metros, (quesito 10° da base instrutória). i) No dia, hora e local acima melhor mencionados, encontrava-se o A. dentro da berma direita da VIM, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, (quesito 11° da base instrutória). j) Com a intenção de atravessar a faixa de rodagem da VIM, da sua margem direita para a sua margem esquerda, atento o sentido de marcha ... (quesito 12° da base instrutória) k) Pela passadeira de peões ali existente no local, (quesito 13° da base instrutória) 1) A passadeira estava sinalizada, no local no pavimento e verticalmente pelo sinal H7 (passagem para peões), (quesito 13° da base instrutória) m) O R. BB sabia que naquele local havia uma passadeira para peões. (quesito 14° da base instrutória) n) O A. antes de iniciar a travessia olhou para a sua esquerda (sentido de marcha ...) e de seguida para a sua direita (sentido de marcha ...) e novamente para a sua esquerda, aguardando oportunidade para atravessar, (quesito 15° da base instrutória) o) Na altura em que o A estava imobilizado junto à passadeira, colocando para o efeito um pé (direito) na estrada dentro da berma direita da VIM foi colhido, na sua perna direita, pela roda traseira do lado direito, do veículo referido em e). (quesitos 16° e 17° da base instrutória) p) O R. BB pretendia virar de direcção à direita imediatamente a seguir à passadeira e cortou a curva à direita, (quesito 22° da base instrutória) q) O R. invadiu, com o veículo que circulava, parcialmente a referida berma direita onde já se encontrava o A. (quesito 23° da base instrutória) r) O atropelamento deu-se dentro da berma direita atento o sentido de marcha ..... (quesito 26° da base instrutória) s) O veículo automóvel referido em e) após o atropelamento do A, imobilizou a sua marcha a cerca de 15/20 (quinze/vinte) metros de distância da sua traseira em relação do local do acidente, num cruzamento existente à sua direita, (quesito 27° da base instrutória) t) A VIM tinha a data e tem ainda duas faixas de rodagem, com duas hemi-faixas, de sentido inverso cada uma, com linhas longitudinais a demarcá-las. (quesito 28° da base instrutória) u) A VIM era marginada por bermas, delimitadas por linhas contínuas, (quesito 29° da base instrutória) v) À data e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos autos, a faixa de rodagem da VIM tinha uma largura total de cerca de 7,10 metros, dispondo cada hemi-faixa de rodagem de uma largura de 3,55 metros, (quesito 30° da base instrutória) w) O local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos autos e à data da ocorrência do mesmo, tinha grande movimento de peões e era marginada de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a via. (quesito 31° da base instrutória) x) A VIM em toda a sua extensão apresenta-se alcatroada e com o piso sem lombas ou buracos, (quesito 32° da base instrutória) y) A VIM à data e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos presentes autos e atento o sentido de marcha ...., apresentava uma configuração em forma de recta com uma extensão superior a 100 (cem) metros e em forma de descida um pouco acentuada. (quesito 33° da base instrutória) z) A VIM à data e no local do acidente e atento o sentido de marcha ..., tinha visibilidade a mais de 200 metros, (quesito 34° da base instrutória) k) O A. era avistável no campo visual do condutor do veículo referido em e) numa distância nunca inferior a 100 metros, (quesito 35° da base instrutória) (numeração não sequencial como consta do Ac. do TR) l) No local e na data referidos em e) fazia bom tempo e o piso estava seco. (quesito 37° da base instrutória) n) O R. BB na data referida em e) era sócio gerente da R. CC, a qual distava do local do acidente cerca de 500 (quinhentos) metros, (quesito 42° da base instrutória) o) Em resultado do acidente referido em e), o A. foi assistido no Centro Hospitalar do ..., E.P.E., em ...., no dia 20-01-2006. (quesito 54° da base instrutória) p) Apresentando nessa data traumatismo do tornozelo direito, e fractura do maléolo tibial direito, (quesito 55° da base instrutória) q) No Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., em ... o A. foi radiografado e submetido a imobilização com tala gessada, tendo alta hospitalar para o domicílio nesse mesmo dia 20-01-2006. (quesito 56° da base instrutória) ah) O A. foi acompanhado em consulta externa no Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., em ... até 23-05-2006, data em que teve alta clínica, (quesito 57° da base instrutória) ai) O A. andou com a perna engessada durante seis semanas, (quesito 58° da base instrutória) aj) O A. andou com canadianas mais duas semanas, (quesito 59° da base instrutória)- ak) As lesões sofridas pelo A. determinaram-lhe: -1 (um) dia de défice funcional temporário total (incapacidade geral temporária absoluta); ai) Encontra-se junto aos autos a fls. 39, um documento, data de 0/2/2010, subscrito por ..., Médico Especialista em Ortopedia, com domicílio profissional no "Centro de Medicina Ocupacional e Preventiva Lda" sita na ..., do qual consta que "AA, de 15 anos de idade, sofreu em Janeiro de 2006, atropelamento, com fractura do maléolo tibial direito. Foi submetido a tratamento conservador da fractura. Actualmente a fractura encontra-se consolidada. Mantém como sequelas, dor residual no tornozelo e pé direitos, principalmente com os esforços físicos; Estas sequelas conferem-lhe uma IPP de 4% de acordo com a TNI (CAP. IN." 14.14). Quantum doloris de 3 em 7" (quesito 62° da base instrutória) am) O A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que implica maiores esforços no exercício da actividade habitual. (quesitos 72° e 75° da base instrutória) an) O A. ficou a padecer de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7. (quesitos 63°, 93°, 94° e 104° da base instrutória) ao) O Autor, à data do acidente de viação descrito nos presentes autos, era estudante, frequentando o 5.° ano de Escolaridade na Escola Preparatória em .... (quesito 81° da base instrutória) ap) O A. é actualmente estudante, encontrando-se a repetir a disciplina de matemática de 12° ano desde o ano lectivo 2012/2013. (quesito 82° da base instrutória)— aq) O A. manifesta intenção frequentar um curso superior e formar-se na área das Ciências Tecnológicas, (quesito 84° da base instrutória) ar) O A. em consequência das referidas lesões sofreu dores, (quesito 90° da base instrutória) as) Num "Quantum Doloris" fixado no grau 4. (quesito 91° da base instrutória) at) O A. à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos era uma pessoa saudável, (quesito 97° da base instrutória) au) Era também uma pessoa alegre e confiante, (quesito 98° da base instrutória) av) Antes do acidente o A. praticava futebol, jogando nos infantis, e treinando pelo menos 2 vezes por semana, (quesito 103° da base instrutória) 6. Mantém-se a posição defendida no Tribunal da Relação: “A restante matéria era irrelevante, conclusiva ou reflectia conceitos de direito, tal sucedendo, nomeadamente, com o quesitado em 7, 18, 20, 21, 24, 36, 38, 39, 40, 41, 73, 76, 77, 79, 85, 96.” 7. As questões colocadas por este recurso, definidas a partir das conclusões apresentadas, são as de saber se o Tribunal da Relação deu cumprimento ao disposto na lei, em matéria de fixação da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nomeadamente se atendeu aos critérios habituais que a jurisprudência tem considerado relevantes quando a fixação da indemnização se faz com recurso à equidade. Na verdade, uma vez que o recurso à equidade envolve a ponderação de elementos não estritamente legais, e devendo o STJ limitar a sua intervenção às situações em que se discute a legalidade, apenas se pode dizer, como o fez o STJ no seu acórdão de 8/6/2017, proc. 2104/05.4TBPVZ.P1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), que: “Tratando-se de uma indemnização fixada pelas instâncias segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, num recurso de revista importa essencialmente verificar se os critérios seguidos na fixação da indemnização são os que se entendem passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis”. Importa, assim, verificar se as instâncias fizeram uso dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas, ainda que tenhamos sempre presente que também este STJ tem entendido que “o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (Ac. do STJ de 29/6/2017, proc. n.º 976/12.5TBBCL.G1.S1 (Lopes do Rego).
8. Sobre os danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (dano biológico), depois de inúmeras considerações sobre o direito aplicável e as particularidades do caso concreto, disse a Relação que: 8.1. Terá o Tribunal da Relação feito uso dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas? Estamos em crer que sim. Na verdade, se fizermos uma análise das decisões jurisprudenciais mais recentes sobre o ponto, podemos concluir qua solução acolhida no acórdão recorrido obedece aos padrões habituais, tal como vêm sintetizados no Ac. deste STJ de 25/05/2017, Processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 (Maria da Graça Trigo): “II. A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. III. Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) – e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais –, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas IV. No domínio dos danos patrimoniais indetermináveis a reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil), dentro dos limites que o tribunal tiver como provados. V. A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho – antes da lesão -, tanto na profissão habitual do lesado, assim como em actividades profissionais ou económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A estes acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como das actividades profissionais alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).”
8.2. Vejamos ainda se o valor arbitrado se encontra dentro de valores comparáveis, em termos de outras decisões judiciais, muito em especial, das proferidas por este Supremo Tribunal de Justiça.
Num primeiro caso sujeito à apreciação deste tribunal, uma estudante de 15 anos idade, em consequência de um acidente:
Numa outra situação também decidida por este tribunal (Ac. STJ, de 16/3/2017 - MARIA DA GRAÇA TRIGO, Proc. n.º 294/07. OTBPCV.C1.S1) um lesado, de 19 anos de idade, em consequência de acidente: Numa terceira situação -Ac. STJ, de 6/7/2017(FERNANDA ISABEL PEREIRA), proc. n.º 344/12.9TBBAO.P1.S1- um sujeito, então com 44 anos de idade e desempregado: i) sofreu lesões físicas gravíssimas; ii) sofreu diminuição total da acuidade visual; iii) ficou a padecer de um défice permanente da integridade psíquica de 87%; iv) teve dores avaliáveis em 7 numa escala de 7 graus; v) depende da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas do dia-a-dia e terá de ser formado para as executar por si; vi) vive extremamente angustiado e preocupado com o seu futuro num quadro de isolamento social e manifesta revolta e tristeza;
Numa quarta situação – Ac. STJ de 22/1/2017 (OLIVEIRA VASCONCELOS), Proc. 1862/13.7 TBGDM.P1.S1 – uma senhora, vítima de acidente, em virtude do qual: o tribunal considerou adequado fixar uma indemnização de 70.000 euros, pelo dano biológico. O acórdão recorrido tomou ainda em consideração o entendimento que “tem sido defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, após determinação do capital, há que proceder a um "desconto" ou "dedução" em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado”, subtraindo o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, através de uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia – dedução essa que tem oscilado entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. n°. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. n°. 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt) – chegando-se assim ao valor de € 11 025,00, finalmente ponderado à luz da equidade – redundando na fixação do valor de € 10.000 euros, o que se conforma com os padrões gerais a que a jurisprudência tem recorrido na fixação da indemnização, pelo que nada há a censurar. 9. Sobre os danos patrimoniais futuros disse a Relação: “Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos. Será de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes. (…). No caso em apreço, os factos provados descritos alíneas ae) a ak), am), an) e ar) a av) que aqui damos por reproduzidos, importam para o A. danos de natureza não patrimonial que merecem tutela jurídica. No âmbito da factualidade apurada supra referida, basta atentarmos na natureza e gravidade das lesões sofridas pelo A., as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença, o período de convalescença e em que esteve incapacitado para as suas actividades habituais, os tratamentos a que foi sujeito, as sequelas que acompanharão o A. pelo resto da vida, o quantum doloris de grau 4 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de que ficou a padecer fixada no grau 3 (ambas numa escala de 1 a 7), bem como os incómodos e a tristeza decorrentes do acidente, das lesões que sofreu e das sequelas com que ficou. Sem questionar a gravidade das lesões e do sofrimento do A. e ponderando todos os elementos apurados, o Tribunal "a quo" entendeu ser de arbitrar ao A. uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 2 500,00. Todavia, não se poderá olvidar que o A., à data do acidente, tinha 10 anos de idade (fez 11 anos no dia seguinte ao do sinistro), era estudante e uma pessoa saudável, alegre e confiante e que as sequelas físicas resultantes das lesões que lhe advieram do acidente irão acompanhá-lo ao longo da sua vida, não podendo, ainda, desconsiderar que a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso. Por tudo o que se deixou exposto, consideramos justa e adequada ao caso concreto a atribuição ao A. de uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 8.000,00”. Estando já afirmado que, nos termos do disposto no art.°496°, n.°s 1 e 3 do Código Civil, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal – e para evitar repetições desnecessárias – a este tribunal compete verificar se as instâncias (em especial o tribunal da Relação) fizeram uso dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas. Pela transcrição do acórdão recorrido já se deixou antever quais os critérios ponderados pelo tribunal recorrido: Nessa ponderação o tribunal atendeu às circunstâncias do caso concreto – indicam-se os pontos da matéria de facto provada. Constando dos autos os factos não provados, certamente a gravidade dos mesmos a terem sido provados teria conduzido a resultado diferente. Tal não se verificou. Não cremos que a indemnização fixada tenha fugido aos critérios habituais, nem que se tenha afastado dos princípios enunciados por este STJ, nomeadamente no já citado Ac. do STJ de 29/6/2017, proc. n.º 976/12.5TBBCL.G1.S1 (Lopes do Rego): “o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” . Sem prejuízo de outra jurisprudência que possa ser aqui indicada, merece ainda referência o Ac. do STJ de 25/11/2009, proferido no proc. 397/03.0GEBNV.S1 (Raúl Borges), ao ilustrar inúmeras situações decididas por este STJ, confirmando o entendimento também aqui sufragado. Os Acórdãos supra indicados assim o permitem confirmar. III. DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, nega-se a revista, confirmando-se o Ac. do Tribunal da Relação. Custas pelo A. Lisboa, 27 de Fevereiro de 2018
Fátima Gomes
Garcia Calejo
Roque Nogueira
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