Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3901/10.4TJNF.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DANOS PATRIMONIAIS
MENOR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA, CONFIRMADO O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º, 564.º E 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-11-2009, PROCESSO N°. 397/03.0GEBNV, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-01-2017, PROCESSO N.º 1862/13.7 TBGDM.P1.S1;
- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 294/07. 0TBPCV.C1.S1;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 2028/12.9TBVCT.G1;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1;
- DE 29-06-2017, PROCESSO N.º 976/12.5TBBCL.G1.S1;
- DE 06-07-2017, PROCESSO N.º 344/12.9TBBAO.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 15-02-2011, PROCESSO, N.º 291/07.6TBLRA, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A fixação da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, emergentes de acidente de viação, com recurso à equidade, envolve a ponderação de elementos não estritamente legais, devendo o STJ limitar a sua intervenção à verificação do uso, no acórdão recorrido, dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas.
II - Mostram-se conformes a tais critérios ou padrões, os valores, de 10.000 e de 8.000 euros, atribuídos a título de indemnização dos danos patrimoniais futuros e dos danos não patrimoniais com fundamento no seguinte quadro provado: (i) à data do acidente, o autor tinha 10 anos de idade e era (e é) estudante; (ii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que demanda maiores esforços no exercício da actividade habitual e demandará perda de capacidade de ganho quando ingressar no mercado de trabalho (iii) sofreu dores aquando do acidente e da convalescença, sendo o quantum doloris de grau 4 (numa escala progressiva de 7); (iv) a repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer corresponde ao grau 3 (numa escala progressiva de 7); (v) padeceu de incómodos e de tristeza por força do acidente, das lesões e das sequelas dele decorrentes; (vi) antes do acidente, era uma pessoa saudável, alegre e confiante.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO


1. Por acórdão da formação a que se reporta o art.º 672.º, n.º 3 do CPC, foi admitido o recurso de revista excepcional, limitando-se o seu âmbito ao conhecimento das questões enunciadas nos pontos 9 a 11 do acórdão: montante indemnizatório relativo a danos patrimoniais futuros emergentes de incapacidade e montante compensatório dos danos não patrimoniais do lesado.
Para a primeira questão, alude-se no acórdão do STJ à oscilação legal, doutrinal e jurisprudencial que se tem feito sentir sobre o tema, nomeadamente desde o DL 352/2007, de 23 de Outubro – que introduziu os pontos, em substituição da anterior referência que se fazia à incapacidade (para o trabalho) – sem que se tenha desenvolvido a referência ao valor dos “pontos”, havendo também falta de critério claro para encontrar um capital, que dê rendimento, que proporcione o que se deixou de auferir e se extinga no fim presumível da vida activa da pessoa visada, ao surgimento do dano biológico e dúvidas que o seu uso fazem surgir – tudo à luz da situação do caso concreto em que estamos perante um menor (10 anos).
Para a segunda questão, questiona-se como calcular o montante compensatório dos danos não patrimoniais do lesado.

2. AA (que à data da instauração da presente acção era menor, tendo entretanto atingido a maioridade) intentou acção emergente de acidente de viação contra BB, CC, Lda., e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação solidária de todos os RR., ou apenas do 3o Réu, a pagar-lhe a quantia total de € 39 500, sendo € 26 000 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 13 500 a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como as despesas com futuros tratamentos, acrescidas de juros de mora legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou que, em 20/01/2006, quando se encontrava parado na berma direita da Via Inter Municipal (VIM), junto à passadeira de peões existente no local, e se preparava para atravessar a faixa de rodagem da VIM, foi atropelado por um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de características não concretamente apuradas, cuja matrícula se desconhece, de cor branca, com a publicidade "CC", da propriedade do R. BB ou da Ré CC, Lda. ou de alguém cuja identidade também se desconhece, conduzido pelo R. BB, que não tinha seguro válido, ou por um veículo cuja matrícula e identidade do condutor não foi possível apurar, por se ter posto em fuga logo após o embate.

Do embate decorreram danos que pretendeu ver indemnizados.

Na 1ª instância, os montantes indemnizatórios foram fixados em: i) € 6 000,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da perda da capacidade de ganho, ponderando o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica atribuído ao Autor (IPG de 3 pontos), a idade do lesado à data do acidente (o A. fez 11 anos de idade no dia seguinte ao do acidente), o facto do A. ser na altura (como ainda é hoje) estudante, a sua esperança média de vida (que situou nos 75 anos), o valor do provável futuro salário mensal do A. (atenta a escolaridade já alcançada) que fixou em € 700 e a redução que deverá introduzir-se por a indemnização ser paga de uma só vez; ii) € 2 500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos.
O Autor recorreu da decisão, tendo pedido que lhe fossem arbitrados, no mínimo, os seguintes montantes: i) € 19 500,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (perda de capacidade de ganho/dano biológico), partindo da previsibilidade de que auferiria um salário médio mensal de 1 000 durante 14 meses, quando ingressasse no mercado de trabalho,  considerando, ainda, a IPG de 3%, o facto de ser previsível terminar a sua formação académica com 25 anos de idade, uma esperança média de vida de 80 anos e a redução de 25% por receber a quantia indemnizatória de uma só vez, o que conduziria ao seguinte resultado: € 1 000 x 14 meses = € 14 000 x 3% (IPG) = € 420 x 55 anos [80 - 25] = € 23 100,00 - € 5 775,00 (25% de redução) = € 17
325,00, e com recurso à equidade peticiona a quantia de € 19 500,00; ii)
€ 25 000,00 como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, tendo em conta os factores por ele enunciados nas alegações de recurso.
O Tribunal da Relação de Guimarães veio a apreciar a pretensão indemnizatória, ponderando se se mostrava correctamente fixado o quantum indemnizatório, tendo em conta a factualidade provada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria e decidiu que o valor indemnizatório por danos patrimoniais futuros fixado pela Ia instância se encontrava ligeiramente desfasado dos elementos fácticos provados e carreados para os autos, justificando-se, segundo as regras da equidade, que o mesmo fosse aumentado para € 10 000,00 e a compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos fosse fixada em  € 8. 000,00.
Inconformado o A. pediu revista, tendo a formação admitido o conhecimento do recurso pelo STJ limitado à questão indemnizatória.


3. Nas conclusões do recurso, diz o recorrente (transcrição parcial em face das questões circunscritas pela formação):


1) (…) a 2);
3) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos patrimoniais futuros, mais concretamente a título de perda de capacidade de “ganhos”/dano biológico.
4) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.
5) (…) a 44);
45) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente às alíneas a), ll), mm), oo), pp) e qq) dos factos julgados provados e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor/Recorrente a titulo de danos patrimoniais, mais concretamente a titulo de dano biológico, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 19.500,00€ (Dezanove Mil e Quinhentos Euros).
46) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:
1) O A. AA à data do acidente de viação em apreço tinha 10 (dez) anos de idade, já que nasceu em ... de 1995.
2) O A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 3 pontos, que implica maiores esforços no exercício da atividade habitual
3) O Autor, à data do acidente de viação descrito nos presentes autos, era estudante, frequentando o 5.º ano de Escolaridade na Escola Preparatória em ....
4) O A. é atualmente estudante, encontrando-se a repetir a disciplina de matemática de 12º ano desde o ano letivo 2012/2013.
5)  O A. manifesta intenção frequentar um curso superior e formar-se na área das Ciências Tecnológicas.
47) Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nas alíneas ee), ff), gg), hh), ii), jj), kk), nn), rr), ss), tt), uu) e vv) dos factos julgados provados e com interesse para para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 20.000,00€ (Vinte Mil euros).
48) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes factores:
1) Em resultado do acidente referido em e), o A. foi assistido no Centro Hospitalar do ..., E.P.E., em ..., no dia 20-01-2006.
2) Apresentando nessa data traumatismo do tornozelo direito, e fractura do maléolo tibial direito.
3) No Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., em ... o A. foi radiografado e submetido a imobilização com tala gessada, tendo alta hospitalar para o domicílio nesse mesmo dia 20-01-2006.
4) O A. foi acompanhado em consulta externa no Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., em ... até 23-05-2006, data em que teve alta clínica.
5) O A. andou com a perna engessada durante seis semanas.
6) O A. andou com canadianas mais duas semanas.
7) As lesões sofridas pelo A. determinaram-lhe:
a) 1 (um) dia de défice funcional temporário total (incapacidade geral temporária absoluta);
b) 124 (cento e vinte e quatro) dias de défice funcional temporário parcial (incapacidade geral temporária parcial);
c) 45 (quarenta e cinco) dias de repercussão temporária na actividade profissional total (incapacidade temporária profissional total);
d) 79 (setenta e nove) dias de repercussão temporária na actividade profissional parcial (incapacidade temporária profissional parcial). (quesito 61º da base instrutória).
8) O A. ficou a padecer de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7.
9) O A. em consequência das referidas lesões sofreu dores.
10) Num “Quantum Doloris” fixado no grau 4.
11) O A. à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos era uma pessoa saudável.
12) Era também uma pessoa alegre e confiante.
13) Antes do acidente o A. praticava futebol, jogando nos infantis, e treinando pelo menos 2 vezes por semana.


4. Vêm provados os seguintes factos, da 1ª instância, e com relevância para a decisão da causa [transcrição]:

a) O A. AA nasceu em ... de 1995, e encontra-se registado como sendo filho de ... e de ..., (alínea A) dos factos assentes).

b) A presente acção deu entrada em Juízo no dia 24/11/2010, sendo que o R. Rui foi citado em 30/11/2010. (alínea B) dos factos assentes).

c) Mediante sentença, proferida, em 25/10/2010, transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular que, autuado sob o n° 57/06.0GBVNF.P1, correu os seus termos pelo Juízo Criminal deste mesmo Tribunal, foi o Io R. condenado numa pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 20,00 euros, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148°, n° 1 do Cód. Penal, o que perfaz a multa de 1.300,00 euros, perpetrado na pessoa do aqui A., em 20 de Janeiro de 2006, entre as 18:00 h e as 18:15 h, na Via Inter-Municipal (VIM), na freguesia de ..., deste concelho e comarca, tudo conforme consta do teor do documento junto aos autos de fls. 97 a 111, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, (alínea C) dos factos assentes).

d) Em 13-02-2006, a legal representante do A. apresentou queixa crime contra o R. BB, tendo a mesma originado o processo no qual foram praticados os actos constantes dos autos certificados nos termos do documento de fls. 272 a 298, cujo teor se dá por integralmente reproduzido que culminaram na sentença referida em c). (quesitos 43° a 53° da base instrutória).

e) No dia 20 de Janeiro de 2006, entre as 18:00 horas e as 18:15 horas, na VIM, que liga ..., na freguesia de ..., concelho e comarca de ..., ocorreu um acidente de viação, sob a forma de atropelamento, no qual intervieram um veículo automóvel ligeiro, de mercadorias, de cor branco com os dizeres "CC", cuja matrícula não foi possível apurar, conduzido pelo R. BB, e o A. que seguia a pé. (quesitos Io a 3° da base instrutória).

f) No dia, hora e local mencionados em e) o condutor do veículo ali referido circulava no sentido de marcha .... (quesito 8o da base instrutória).

g) Na hemi-faixa direita da VIM, atento o seu sentido de marcha (...), junto à berma do seu lado direito, (quesito 9° da base instrutória).

h) No local onde ocorreu o acidente e à data da ocorrência do mesmo, existia e existe uma passadeira para peões, logo seguida de um cruzamento a cerca de 05 (cinco) metros, (quesito 10° da base instrutória).

i) No dia, hora e local acima melhor mencionados, encontrava-se o A. dentro da berma direita da VIM, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, (quesito 11° da base instrutória).

j) Com a intenção de atravessar a faixa de rodagem da VIM, da sua margem direita para a sua margem esquerda, atento o sentido de marcha ... (quesito 12° da base instrutória)

k) Pela passadeira de peões ali existente no local, (quesito 13° da base instrutória)

1) A passadeira estava sinalizada, no local no pavimento e verticalmente pelo sinal H7 (passagem para peões), (quesito 13° da base instrutória)

m) O R. BB sabia que naquele local havia uma passadeira para peões. (quesito 14° da base instrutória)

n) O A. antes de iniciar a travessia olhou para a sua esquerda (sentido de marcha ...) e de seguida para a sua direita (sentido de marcha ...) e novamente para a sua esquerda, aguardando oportunidade para atravessar, (quesito 15° da base instrutória)

o) Na altura em que o A estava imobilizado junto à passadeira, colocando para o efeito um pé (direito) na estrada dentro da berma direita da VIM foi colhido, na sua perna direita, pela roda traseira do lado direito, do veículo referido em e). (quesitos 16° e 17° da base instrutória)

p) O R. BB pretendia virar de direcção à direita imediatamente a seguir à passadeira e cortou a curva à direita, (quesito 22° da base instrutória)

q) O R. invadiu, com o veículo que circulava, parcialmente a referida berma direita onde já se encontrava o A. (quesito 23° da base instrutória)

r) O atropelamento deu-se dentro da berma direita atento o sentido de marcha ..... (quesito 26° da base instrutória)

s) O veículo automóvel referido em e) após o atropelamento do A, imobilizou a sua marcha a cerca de 15/20 (quinze/vinte) metros de distância da sua traseira em relação do local do acidente, num cruzamento existente à sua direita, (quesito 27° da base instrutória)

t) A VIM tinha a data e tem ainda duas faixas de rodagem, com duas hemi-faixas, de sentido inverso cada uma, com linhas longitudinais a demarcá-las. (quesito 28° da base instrutória)

u) A VIM era marginada por bermas, delimitadas por linhas contínuas, (quesito 29° da base instrutória)

v)  À data e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos autos, a faixa de rodagem da VIM tinha uma largura total de cerca de 7,10 metros, dispondo cada hemi-faixa de rodagem de uma largura de 3,55 metros, (quesito 30° da base instrutória)

w) O local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos autos e à data da ocorrência do mesmo, tinha grande movimento de peões e era marginada de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a via. (quesito 31° da base instrutória)

x) A VIM em toda a sua extensão apresenta-se alcatroada e com o piso sem lombas ou buracos, (quesito 32° da base instrutória)

y) A VIM à data e no local onde ocorreu o acidente de viação descrito nos presentes autos e atento o sentido de marcha ...., apresentava uma configuração em forma de recta com uma extensão superior a 100 (cem) metros e em forma de descida um pouco acentuada. (quesito 33° da base instrutória)

z) A VIM à data e no local do acidente e atento o sentido de marcha ..., tinha visibilidade a mais de 200 metros, (quesito 34° da base instrutória)

k) O A. era avistável no campo visual do condutor do veículo referido em e) numa distância nunca inferior a 100 metros, (quesito 35° da base instrutória)

(numeração não sequencial como consta do Ac. do TR)

l) No local e na data referidos em e) fazia bom tempo e o piso estava seco. (quesito 37° da base instrutória)

n) O R. BB na data referida em e) era sócio gerente da R. CC, a qual distava do local do acidente cerca de 500 (quinhentos) metros, (quesito 42° da base instrutória)

o) Em resultado do acidente referido em e), o A. foi assistido no Centro Hospitalar do ..., E.P.E., em ...., no dia 20-01-2006. (quesito 54° da base instrutória)

p) Apresentando nessa data traumatismo do tornozelo direito, e fractura do maléolo tibial direito, (quesito 55° da base instrutória)

q) No Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., em ... o A. foi radiografado e submetido a imobilização com tala gessada, tendo alta hospitalar para o domicílio nesse mesmo dia 20-01-2006. (quesito 56° da base instrutória)

ah) O A. foi acompanhado em consulta externa no Centro Hospitalar Do ..., E.P.E., em ... até 23-05-2006, data em que teve alta clínica, (quesito 57° da base instrutória)

ai) O A. andou com a perna engessada durante seis semanas, (quesito 58° da base instrutória)

aj) O A. andou com canadianas mais duas semanas, (quesito 59° da base instrutória)-

ak) As lesões sofridas pelo A. determinaram-lhe:

-1 (um) dia de défice funcional temporário total (incapacidade geral temporária absoluta);
- 124 (cento e vinte e quatro) dias de défice funcional temporário parcial (incapacidade geral temporária parcial);
- 45 (quarenta e cinco) dias de repercussão temporária na actividade profissional total (incapacidade temporária profissional total);
- 79 (setenta e nove) dias de repercussão temporária na actividade profissional parcial (incapacidade temporária profissional parcial), (quesito 61° da base instrutória)

ai) Encontra-se junto aos autos a fls. 39, um documento, data de 0/2/2010, subscrito por ..., Médico Especialista em Ortopedia, com domicílio profissional no "Centro de Medicina Ocupacional e Preventiva Lda" sita na ..., do qual consta que "AA, de 15 anos de idade, sofreu em Janeiro de 2006, atropelamento, com fractura do maléolo tibial direito. Foi submetido a tratamento conservador da fractura. Actualmente a fractura encontra-se consolidada. Mantém como sequelas, dor residual no tornozelo e pé direitos, principalmente com os esforços físicos; Estas sequelas conferem-lhe uma IPP de 4% de acordo com a TNI (CAP. IN." 14.14). Quantum doloris de 3 em 7" (quesito 62° da base instrutória)

am) O A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que implica maiores esforços no exercício da actividade habitual. (quesitos 72° e 75° da base instrutória)

an) O A. ficou a padecer de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7. (quesitos 63°, 93°, 94° e 104° da base instrutória)

ao) O Autor, à data do acidente de viação descrito nos presentes autos, era estudante, frequentando o 5.° ano de Escolaridade na Escola Preparatória em .... (quesito 81° da base instrutória)

ap) O A. é actualmente estudante, encontrando-se a repetir a disciplina de matemática de 12° ano desde o ano lectivo 2012/2013. (quesito 82° da base instrutória)—

aq) O A. manifesta intenção frequentar um curso superior e formar-se na área das Ciências Tecnológicas, (quesito 84° da base instrutória)

ar) O A. em consequência das referidas lesões sofreu dores, (quesito 90° da base instrutória)

as) Num "Quantum Doloris" fixado no grau 4. (quesito 91° da base instrutória)

at) O A. à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos era uma pessoa saudável, (quesito 97° da base instrutória)

au) Era também uma pessoa alegre e confiante, (quesito 98° da base instrutória)

av) Antes do acidente o A. praticava futebol, jogando nos infantis, e treinando pelo menos 2 vezes por semana, (quesito 103° da base instrutória)
5. Por outro lado, na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:
1) O R. logo após o embate pôs-se em fuga. (quesito Io da base instrutória)
2) O veículo referido em e) era de propriedade do R. BB ou da R. CC, Lda. (quesito 4o da base instrutória)
3) O veículo interveniente no acidente versado nestes autos não beneficiava, na data em que o mesmo ocorreu, de seguro de responsabilidade civil obrigatório, válido e eficaz, (quesito 5o da base instrutória)
O R. BB, no dia, hora e local da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, conduzia o supra referido veículo por conta, às ordens, sob a orientação, instruções que a sua entidade patronal "CC, Lda" lhe havia transmitido, dentro do seu horário de trabalho e seguindo por um itinerário que ela lhe havia previamente, (quesito 6o da base instrutória)
5) O R. BB seguia a uma velocidade situada entre os 70 e os 80 Km/horários e circulava com as luzes de cruzamento (médios) desligadas, (quesito 9o da base instrutória)
6) A passadeira estava sinalizada, no local e antes da passadeira, para os condutores que circulavam na VIM, em ambos os sentidos de marcha verticalmente, pelo sinal A-16 a) (sinal de perigo de aproximação de passagem de peões), e um sinal C -13 (sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 50 Km por hora), (quesito 13° da base instrutória)
7) O R. Rui passou na passadeira sem diminuir a velocidade que vinha imprimindo ao veículo, (quesito 19° da base instrutória)
8) O A. após o embate, caiu no pavimento, ficando estatelado e imobilizado totalmente dentro da berma do lado direito, atento o sentido de marcha .... (quesito 25° da base instrutória)
9) O A. faltou às aulas uma semana, (quesito 60° da base instrutória)
10) O A. ficou a padecer definitivamente de dor no tornozelo ao caminhar em terrenos muito inclinados, (quesito 63° da base instrutória
11) O A. necessita actualmente e necessitará no futuro, de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Ortopedia e Psiquiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas, (quesito 64° da base instrutória)
12) O A. necessita actualmente e necessitará no futuro, de realizar Hidroterapia e Hidroginástica no mini mo três vezes por semana, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas, (quesito 65° da base instrutória)—
13) O A. necessita actualmente e necessitará no futuro, de realizar no mínimo três sessões de Fisioterapia e Fisiatria por ano, sendo que cada sessão deverá ter a duração mínima de 4 (quatro) semanas, para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas. (quesito 66° da base instrutória)
14) O A. necessita actualmente e necessitará no futuro, de efectuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas, (quesito 67° da base instrutória)
15) O A. necessita actualmente e necessitará no futuro, de ajuda medicamentosa de forma regular, designadamente anti-depressivos e anti-inflamatórios para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas, (quesito 68° da base instrutória)
O A. terá necessidade no futuro, de se submeter a várias intervenções cirúrgicas e plásticas em número indeterminado para tratamento e correcção das lesões e sequelas, (quesito 69° da base instrutória)
17)     O A. terá necessidade no futuro de se submeter a vários internamentos
hospitalares, de efectuar várias despesas hospitalares, de efectuar a vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efectuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correcção das lesões e sequelas, (quesito 70° da base instrutória)

18)     O Autor irá sofrer de perda de mobilidade a nível do tornozelo e pé direitos. (quesito 71° da base instrutória)
19) E previsível que o seu grau de incapacidade se venha a agravar com o decurso dos anos tornando mais penoso o desempenho das suas tarefas e dificultando a sua produtividade e ascensão na carreira, (quesito 74° da base instrutória)
20) Actualmente, o Autor, necessita de descansar diariamente por vários períodos de tempo já que não consegue manter-se muito tempo de pé. (quesito 78° da base instrutória)
21) As lesões e sequelas poderão reduzir o período de vida activa da Autor, (quesito 80° da base instrutória)
22) O A. tem bom aproveitamento escolar, (quesito 83° da base instrutória)
23) O A. completará aos 22/23 anos a licenciatura na área das Ciências Tecnológicas. (quesito 86° da base instrutória)
24) O A. ganhará futura e previsivelmente num 1° emprego uma remuneração mensal nunca inferior a de 1.000,OO€ (mil euros), (quesito 87° da base instrutória)
25) Por forças das lesões sofridas em virtude do acidente de viação descrito nos autos, o A. teve necessidade de ser submetido a vários tratamentos, a vários internamentos hospitalares, de recorrer a várias consultas médicas, de ajuda medicamentosa e de efectuar vários exames clínicos, nas quais despendeu a quantia de 500,00€ (Quinhentos Euros), (quesito 88° da base instrutória)
26)  O A. para se deslocar a vários tratamentos, a várias consultas médicas e de efectuar vários exames clínicos despendeu a quantia de 500,00€ (Quinhentos Euros), (quesito 89° da base instrutória)
27) Na altura do acidente, o Autor sofreu angústia de poder a vir a falecer, (quesito 92° da base instrutória)
28) O A., por vezes, não consegue dormir com as dores a nível do tornozelo e pé direitos, (quesito 95° da base instrutória)
29) Após o acidente e devido às lesões traumáticas sofridas e às sequelas actuais e permanentes de que o mesmo padece - e continuará a padecer no futuro - tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada psiquicamente, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida. (quesito 99° da base instrutória)
30) O A. sente-se actualmente e desde a data do acidente afectado psiquicamente, infeliz, desgostoso da vida, inibido e diminuído física e esteticamente, (quesito 100° da base instrutória)
31) O A. sente-se actualmente e desde a data do acidente descrito nos autos, abalado, deprimido, introvertido, angustiado, triste, inseguro, muito nervoso e receoso de que o seu estado de saúde piore, (quesito 101° da base instrutória)
32) Em consequência das supra descritas lesões e das sequelas actuais permanentes e irreversíveis de que padece, o A. não pode actualmente - e não poderá no futuro - nos seus tempos livres e de lazer, praticar futebol, ténis, basquetebol, andebol, ciclismo, entre outras modalidades. (quesito 102° da base instrutória).

6. Mantém-se a posição defendida no Tribunal da Relação: “A restante matéria era irrelevante, conclusiva ou reflectia conceitos de direito, tal sucedendo, nomeadamente, com o quesitado em 7, 18, 20, 21, 24, 36, 38, 39, 40, 41, 73, 76, 77, 79, 85, 96.”

II. FUNDAMENTAÇÃO

7. As questões colocadas por este recurso, definidas a partir das conclusões apresentadas, são as de saber se o Tribunal da Relação deu cumprimento ao disposto na lei, em matéria de fixação da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nomeadamente se atendeu aos critérios habituais que a jurisprudência tem considerado relevantes quando a fixação da indemnização se faz com recurso à equidade.

Na verdade, uma vez que o recurso à equidade envolve a ponderação de elementos não estritamente legais, e devendo o STJ limitar a sua intervenção às situações em que se discute a legalidade, apenas se pode dizer, como o fez o STJ no seu acórdão de 8/6/2017, proc. 2104/05.4TBPVZ.P1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), que: “Tratando-se de uma indemnização fixada pelas instâncias segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, num recurso de revista importa essencialmente verificar se os critérios seguidos na fixação da indemnização são os que se entendem passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis”.

Importa, assim, verificar se as instâncias fizeram uso dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas, ainda que tenhamos sempre presente que também este STJ tem entendido que “o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (Ac. do STJ de 29/6/2017, proc. n.º 976/12.5TBBCL.G1.S1 (Lopes do Rego).

8. Sobre os danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (dano biológico), depois de inúmeras considerações sobre o direito aplicável e as particularidades do caso concreto, disse a Relação que:
1. A indemnização tem como objectivo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que determinou a reparação (art.° 562° do Código Civil) e inclui o prejuízo causado (dano emergente), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucro cessante), bem como a reparação dos danos futuros desde que sejam previsíveis (art.° 564° do Código Civil);
2.  O Tribunal deve recorrer à equidade, se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (art.° 566°, n.° 3 do mesmo Código).
3. A equidade, na medida em que remete para as particularidades do caso concreto, permite ter em consideração as especiais condições de cada lesado.
4. Tendo resultado provado nos autos que na sequência do acidente:
41.1. o A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (ou dano biológico) fixável em 3 pontos (IPG de 3)
4.2. Desse dano resultam maiores esforços no exercício da actividade habitual, ficando ainda a padecer de uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3 (numa escala de 1 a 7);
4.3. o dano patrimonial futuro previsível decorrente de uma manifesta perda da respectiva capacidade de ganho quando ingressar no mercado de trabalho
4.4. a IPG pode não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade com um esforço suplementar, quer porque o lesado está desempregado, quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho,
no caso dos autos, à data do acidente, o A. tinha apenas 10 anos de idade (fez 11 anos no dia seguinte ao do acidente) e era - como ainda o é hoje - estudante, pois resultou provado que, naquela altura, frequentava o 5o ano de escolaridade, actualmente encontra-se a repetir a disciplina de matemática do 12° ano de escolaridade desde o ano lectivo 2012/2013 e manifesta intenção de frequentar um curso superior e formar-se na área das Ciências Tecnológicas.
Por isto o Tribunal entendeu que a “afectação da pessoa do ponto de vista funcional, (e) ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios (…) e constitui uma desvalorização efectiva que (…) terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos, devendo ser tida em conta; que a jurisprudência tem considerado que uma justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida (não a vida activa do lesado, já que não é razoável fíccionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades); que não é a idade da reforma que conta para efeitos de cálculo da indemnização, mas sim a esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado, disse o  tribunal que o valor indemnizatório por danos patrimoniais futuros fixado pela Ia instância se encontraria ligeiramente desfasado dos elementos fácticos provados e carreados para os autos, justificando-se, segundo as regras da equidade, que o mesmo seja aumentado para € 10 000,00 (…).”

8.1. Terá o Tribunal da Relação feito uso dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas?

Estamos em crer que sim.

Na verdade, se fizermos uma análise das decisões jurisprudenciais mais recentes sobre o ponto, podemos concluir qua solução acolhida no acórdão recorrido obedece aos padrões habituais, tal como vêm sintetizados no Ac. deste STJ de 25/05/2017, Processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 (Maria da Graça Trigo):

“II. A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.

III. Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) – e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais –, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas

IV. No domínio dos danos patrimoniais indetermináveis a reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil), dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

V. A atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho – antes da lesão -, tanto na profissão habitual do lesado, assim como em actividades profissionais ou económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A estes acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como das actividades profissionais alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado).”

8.2. Vejamos ainda se o valor arbitrado se encontra dentro de valores comparáveis, em termos de outras decisões judiciais, muito em especial, das proferidas por este Supremo Tribunal de Justiça.

Num primeiro caso sujeito à apreciação deste tribunal, uma estudante de 15 anos idade, em consequência de um acidente:
(i) sofreu sequelas anátomo-funcionais que se traduziram num défice funcional de integridade físico-psíquica fixado em 2 pontos;
(ii) passou a ter falta de concentração, desmotivação, apatia e falta de investimento nas tarefas propostas, não tendo conseguido transitar de ano por falta de aproveitamento escolar;
(iii) esteve internada num total de 30 dias em que permaneceu imobilizada e dependente de terceiros;
(iv) entre a data do acidente e a consolidação sofreu lesões e angústias num grau 5/7;
(v) passou a apresentar problemas de auto-estima e de autoconfiança, relacionadas com a própria imagem e com o facto de claudicar e de apresentar cicatrizes, num grau 3/7,

o tribunal considerou adequado fixar uma indemnização de € 6 000 por perda da capacidade de ganho/dano biológico.

Numa outra situação também decidida por este tribunal (Ac. STJ, de 16/3/2017 - MARIA DA GRAÇA TRIGO, Proc. n.º 294/07. OTBPCV.C1.S1) um lesado, de 19 anos de idade, em consequência de acidente:
(i) sofreu graves lesões, que determinaram a amputação de órgãos (baço, rim direito, glândula supra-renal direita, segmento do intestino) e "limitação da flexão do joelho direito";
(ii) ficou a padecer de uma taxa de incapacidade geral de 41 pontos;
(iii) exercia profissão (pedreiro e carpinteiro de cofragens), que exigia elevados níveis de força e destreza físicas, tendo as lesões por si sofridas diminuído de forma "considerável e definitiva" a sua capacidade de trabalho, sendo embora compatíveis com o exercício da actividade habitual;
(iv) considerando as características da sua profissão, encontravam-se limitadas, de forma irremediável, as possibilidades de, a médio prazo, progredir (ou mesmo prosseguir) na profissão habitual;
(v) a incapacidade geral do lesado praticamente inviabilizaria as possibilidades de mudança para profissão alternativa compatível as suas competências, assim como dificultaria ou inviabilizaria as possibilidades de exercício de outras actividades económicas,
o tribunal considerou adequado fixar uma indemnização de € 250 000 por perda da capacidade de ganho/dano biológico.

Numa terceira situação -Ac. STJ, de 6/7/2017(FERNANDA ISABEL PEREIRA), proc. n.º 344/12.9TBBAO.P1.S1- um sujeito, então com 44 anos de idade e desempregado:

i) sofreu lesões físicas gravíssimas;

ii) sofreu diminuição total da acuidade visual;

iii) ficou a padecer de um défice permanente da integridade psíquica de 87%;

iv) teve dores avaliáveis em 7 numa escala de 7 graus;

v) depende da ajuda de terceira pessoa para a realização das tarefas do dia-a-dia e terá de ser formado para as executar por si;

vi) vive extremamente angustiado e preocupado com o seu futuro num quadro de isolamento social e manifesta revolta e tristeza;
o tribunal considerou adequado fixar uma indemnização de 150.000 euros por danos patrimoniais futuros.

Numa quarta situação – Ac. STJ de 22/1/2017 (OLIVEIRA VASCONCELOS), Proc. 1862/13.7 TBGDM.P1.S1 – uma senhora, vítima de acidente, em virtude do qual: 
i) ficou com dores diárias na coluna cervical e na cabeça;
ii) devido às dores, tem dificuldade em dormir, andar, sentar-se, curvar-se, pegar em objetos, vestir-se, pentear-se, secar o cabelo, arrastar mobília, pegar em tachos, dar banho à filha, subir e descer escadas, passar a ferro e conduzir um veículo automóvel;
iii) frequenta desde o acidente (08-07-2012), e terá de continuar a frequentar, tratamentos de fisioterapia;
iv) ficou a sofrer de perturbação de stress pós-traumático, o que afeta a sua autonomia pessoal, social e profissional, importando uma incapacidade de 10%;
v) o exercício da sua atividade profissional (cabeleira) é possível, mas implica esforços suplementares, o que lhe importa uma incapacidade de 2,7%;
vi) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos;
vii) as lesões sofridas e as sequelas com que ficou têm repercussão permanente nas atividades desportivas, a qual foi fixada no grau 3 numa escala de 7;
viii) à data do acidente estava desempregada e inscrita no Centro de Emprego, tendo perdido essa qualidade a partir de 27-02-2012 por aí se ter deixado de apresentar em consequência das lesões;
ix) por causa destas, teve de recusar um emprego na sua profissão de cabeleireira; e 
x) contratou uma empregada que lhe assegura as lides domésticas,

         o tribunal considerou adequado fixar uma indemnização de 70.000 euros, pelo dano biológico.


8.3. No caso dos autos foi tomado em consideração que:
i) a idade do lesado - menor com 10 anos de idade à data do acidente, mas entretanto já maior, que era - como ainda o é hoje - estudante, e que manifesta intenção de frequentar um curso superior e formar-se na área das Ciências Tecnológicas;
ii)  o seu grau de incapacidade geral permanente -  IPG de 3 pontos de que o A. ficou a padecer, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, tem de relevar para efeitos indemnizatórios, conjugado com a previsibilidade de o Autor terminar os seus estudos aos 25 anos e a partir daí estar em condições de ingressar no mercado de trabalho;
iii)  as suas potencialidades de aumento de ganho – antes da lesão –, tanto na profissão habitual do lesado, assim como em actividades profissionais ou económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências uma vez que o IPG de 3 pontos é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua actividade laboral, designadamente, num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuído as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho; atendendo a que esperança média de vida de 75 anos referida e o valor do provável salário mensal que o A. auferirá no futuro, quando começar a trabalhar, considerado pelo Tribunal "a quo", ou seja, € 700, o que implicará um rendimento anual de € 9 800,00 (€ 700 x 14 meses); multiplicando o valor de € 9 800,00 pelos 50 anos de esperança de vida do lesado contados a partir dos 25 anos de idade (75 - 25) e por 3% relativos à IPG de que o A. padece, chegamos ao montante de € 14 700,00 (€ 9 800,00 x 50 anos x 3%);
iv) conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como das actividades profissionais alternativasigualmente justificadas pelos pontos anteriores em conjunto.

O acórdão recorrido tomou ainda em consideração o entendimento que “tem sido defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, após determinação do capital, há que proceder a um "desconto" ou "dedução" em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado”,  subtraindo o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, através de uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia – dedução essa que tem oscilado entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. n°. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. n°. 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt) – chegando-se assim ao valor de € 11 025,00, finalmente ponderado à luz da equidade – redundando na fixação do valor de € 10.000 euros, o que se conforma com os padrões gerais a que a jurisprudência tem recorrido na fixação da indemnização, pelo que nada há a censurar.

9. Sobre os danos patrimoniais futuros disse a Relação:

“Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos. Será de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes. (…). No caso em apreço, os factos provados descritos alíneas ae) a ak), am), an) e ar) a av) que aqui damos por reproduzidos, importam para o A. danos de natureza não patrimonial que merecem tutela jurídica. No âmbito da factualidade apurada supra referida, basta atentarmos na natureza e gravidade das lesões sofridas pelo A., as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença, o período de convalescença e em que esteve incapacitado para as suas actividades habituais, os tratamentos a que foi sujeito, as sequelas que acompanharão o A. pelo resto da vida, o quantum doloris de grau 4 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de que ficou a padecer fixada no grau 3 (ambas numa escala de 1 a 7), bem como os incómodos e a tristeza decorrentes do acidente, das lesões que sofreu e das sequelas com que ficou. Sem questionar a gravidade das lesões e do sofrimento do A. e ponderando todos os elementos apurados, o Tribunal "a quo" entendeu ser de arbitrar ao A. uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 2 500,00. Todavia, não se poderá olvidar que o A., à data do acidente, tinha 10 anos de idade (fez 11 anos no dia seguinte ao do sinistro), era estudante e uma pessoa saudável, alegre e confiante e que as sequelas físicas resultantes das lesões que lhe advieram do acidente irão acompanhá-lo ao longo da sua vida, não podendo, ainda, desconsiderar que a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso. Por tudo o que se deixou exposto, consideramos justa e adequada ao caso concreto a atribuição ao A. de uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 8.000,00”.

Estando já afirmado que, nos termos do disposto no art.°496°, n.°s 1 e 3 do Código Civil, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal – e para evitar repetições desnecessárias – a este tribunal compete verificar se as instâncias (em especial o tribunal da Relação) fizeram uso dos critérios ou padrões utilizados em situações análogas.

Pela transcrição do acórdão recorrido já se deixou antever quais os critérios ponderados pelo tribunal recorrido:
a) natureza e gravidade das lesões sofridas pelo A.;
b) as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença;
c) o período de convalescença e em que esteve incapacitado para as suas actividades habituais;
d) os tratamentos a que foi sujeito;
e)  as sequelas que acompanharão o A. pelo resto da vida;
f) o quantum doloris de grau 4;
g) e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de que ficou a padecer fixada no grau 3 (ambas numa escala de 1 a 7);
h) bem como os incómodos e a tristeza decorrentes do acidente, das lesões que sofreu e das sequelas com que ficou.

Nessa ponderação o tribunal atendeu às circunstâncias do caso concreto – indicam-se os pontos da matéria de facto provada. Constando dos autos os factos não provados, certamente a gravidade dos mesmos a terem sido provados teria conduzido a resultado diferente. Tal não se verificou. Não cremos que a indemnização fixada tenha fugido aos critérios habituais, nem que se tenha afastado dos princípios enunciados por este STJ, nomeadamente no já citado Ac. do STJ de 29/6/2017, proc. n.º 976/12.5TBBCL.G1.S1 (Lopes do Rego): “o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” .

Sem prejuízo de outra jurisprudência que possa ser aqui indicada, merece ainda referência o Ac. do STJ de 25/11/2009, proferido no proc. 397/03.0GEBNV.S1 (Raúl Borges), ao ilustrar inúmeras situações decididas por este STJ, confirmando o entendimento também aqui sufragado.

Os Acórdãos supra indicados assim o permitem confirmar.

III. DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, nega-se a revista, confirmando-se o Ac. do Tribunal da Relação.

Custas pelo A.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2018

Fátima Gomes

Garcia Calejo

Roque Nogueira