Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27/16.0YGLSB.
Nº Convencional: 3 ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ÚNICA INSTÂNCIA
INSTRUÇÃO
DECISÃO INSTRUTÓRIA
DESPACHO DE PRONÚNCIA
PROCESSO RESPEITANTE A MAGISTRADO
DIFAMAÇÃO
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
ATIPICIDADE DA CONDUTA
MANDATÁRIO JUDICIAL
Data do Acordão: 05/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática:
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A HONRA / DIFAMAÇÃO.
Doutrina:
- Alejandro Pablo Serrano, Los Delitos contra el Honor en el Derecho Penal Español y en el Derecho Comparado, Tese de Doutoramento, Universidade de Valladolid, p. 366 a 368, 372, 375, 381 e 382;
- Alfredo Gaspar, O Advogado e a sua Liberdade de Expressão nos Tribunais, Revista da Ordem dos Advogados, ano 48°, Dez.1988, p. 1004 e 1025;
- Beleza dos Santos, RLJ, 92º, p. 168;
- Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito, Civitas, 1997, p. 557, 970 e 971;
- Erika Mendes de Carvalho, Punibilidad y Delito, Editorial Reus, 2007, p. 53.
- Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 603 e 606;
- Fernanda Palma, Princípio da Desculpa em Direito Penal, Almedina, 2005, p. 127;
- Ferrando Montavani, Diritto Penale, Parte Speciale, I, Delitti Contro la Persona, CEDAM, 11.ª Edizione, 2005, p. 189, 201-205;
- Figueiredo Dias e Costa Andrade, Limites do Direito de Defesa — O Direito de Defesa em Processo Penar, Revista da Ordem dos Advogados, ano 52.º, Abril 1992, p. 273 e ss.;
- Figueiredo Dias, RLJ, 115º, p. 105;
- Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación., 2ª edição, Marcial Pons, Madrid, 1997, p. 419 e 421;
- Iolanda Rodrigues Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, p. 242-251.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 180.º, N.º 2, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 28-06-2006;
- DE 14-01-2009, RELATOR SOUTO MOURA;
- DE 09-04-2015, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O termo “gajo” assume, na comunicação e linguagem corrente, um duplo sentido/significado, “coloquial” e “pejorativo”. Assumindo a expressão inserta pelos arguidos, este duplo sentido significante, haverá que indagar o sentido e alcance com que ela foi utilizada no texto, contextualizando o sentido intencional com que foi utilizada.
II - A percepção e compreensão do vocábulo “gajo” pelo arguido deve ser interpretada e averbada com um sentido pejorativo, ominoso e infamante, tendo em conta a sequência comportamental do arguido, traduzida numa participação – contra “incertos” referenciados, por 24 razões, como sendo a assistente – e com a intenção, declarada e assumida, de repudiar a referência indigna e desqualificadora que havia recebido na carta apócrifa, de admitir que o sentido e alcance colocado na utilização e crisma dos visados na nota de rodapé – assistente X e ex-maridos e ex-acompanhantes da assistente Y – com o apódo de “gajo” assume e inculca uma conotação pejorativa e ferente da consideração para as pessoas visadas.
III - A expressão “provavelmente no tribunal a que preside se usem esses métodos” foi utilizada na participação em causa nos autos, como um comentário a umas declarações de parte que a arguida terá prestado no âmbito de uma acção cível, e em que terá afirmado que o meio de obtenção de prova por que tinha advindo ao conhecimento uma situação que constaria de uma carta que era dirigida ao arguido, e que havia, quiçá por engano, sido entregue na residência do irmão, e de que este se havia, indevidamente, apropriado e tomado conhecimento do respectivo conteúdo por violação da correspondência, era um meio lícito de obtenção de prova.
IV - Terá sido neste contexto que o arguido, repontando e comentando o conteúdo da referida declaração de parte, escreveu que “provavelmente no tribunal a que preside [a assistente] se usem esses métodos”. A imputação do juízo de valor contido nesta expressão é depreciativa e desqualificante da qualidade que ostenta a assistente – juiz – e que exibe perante aqueles a quem deve contas pela forma como administra e gere a justiça num órgão jurisdicional.
V - O interesse legítimo exigido pela al. a) do n.º 2 do art. 180.º do CP, comporta, na sua dimensão objectiva, uma acepção conformada com um repositório de valorações arrimado com o ethos da pessoa humana e aferida aos vectores psicossociais e comportamentais prevalentes numa determinada comunidade histórico-social. Trata-se de uma valoração de feição individual-social, que se constitui como um crédito associado ao acervo reputacional e personalístico de uma pessoa e colimado pela pauta avaliativa que a sociedade confere aquele sujeito concreto.
VI - O interesse legítimo arvorado, pelo arguido/recorrente, como causa de exclusão de responsabilidade para a prática do crime de difamação – que ele próprio qualifica como tal, ao considerar-se lesado e ofendido com o apódo com que foi crismado na missiva (anónima) que havia sido dirigido ao CSM – radica no facto de com o reenvio e remessa do apódo a outros estar a repulsar a indignidade que sentiu quando foi alanceado com o epíteto. O arguido/recorrente teria agido, numa situação que poderia, cum grano salis, qualificar-se como “culpa de carácter”.
VII – O interesse em alguém repudiar um doesto que haja sido produzida à sua honra, reputação e consideração pessoal adquire um perfil de legitimidade quando o autor da atitude repulsora o dirige a uma pessoa certa e determinada e que é reconhecida como sendo a autora da imputação lesiva da honra. Sendo a participação contra “incertos” inexiste interesse legítimo que o visado pelo doesto da apócrifa tinha em dirigir a manifestação de repulsa contra pessoas de que não possuía convicção segura e firme de que haviam sido elas as autoras da carta. Inexiste, de igual forma, interesse legítimo em incluir na manifestação de repúdio, apodando pessoas que não eram as incertas/suspeitas que indicava nas razões em que sustentava a identificação e autoria da carta anónima.
VIII – A inclusão na participação contra “incertos” de uma manifestação de repúdio contra uma ofensa recebida através de uma carta anónima e dirigida a pessoas pessoalmente referenciadas, retorquindo a ofensa que havia sido recebida, constitui um impulso de obtenção de uma satisfação de desforço pessoal incompatível com ideia de realização de um interesse legítimo.
IX - Não desconhecendo a arguida (mandatária judicial do co-arguido) que tanto as expressões em causa nos autos eram susceptíveis de lesar a honra e consideração dos visados, então a arguida tornou-se co-autora do arguido. Tal apenas não sucederia se a mesma provasse que foi constrangida pelo arguido a escrever o que consta da participação, ou não teve intervenção na elaboração do seu conteúdo, tendo-se limitado a subscrever o requerimento de denúncia. À Sra. Advogada sempre restaria a renúncia ao mandato, sendo que ao advogado cabe a direcção, organização e condução da defesa do representado o que inclui o dever de refrear a impulsividade e paixão coenvolvente ao litígio.

Decisão Texto Integral:

I. – RELATÓRIO.

I.A. – RECENSÃO DIACRÓNICA DO PROCEDIMENTO.

i) – Em 11 de Outubro de 2016, AA e BB, Juízes ..., apresentaram queixa criminal, contra CC, Juiz ..., e DD, advogada, pelos factos constantes de fls. 2 a 28;

ii) – Findo o inquérito e a 29 de Junho de 2017, os autores ada queixa, apresentaram requerimento em que imputavam aos denunciados um amplexo de factualidade a que subsumiram os supostos típicos contidos nos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. b) ambos do Código Penal (cfr. fls. 95 a 122 – original a fls. 174 a 201);

iii) – No(s) requerimento(s) mencionado(s) no item antecedente foi, pela facticidade dele constante, deduzido pedido de indemnização civil com base em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos;

iv) – A 6 de Outubro de 2017, o denunciado CC, requereu a abertura de instrução (fls. 215 a 217);

iv) – Proferido o despacho de fls. 234 e 235, foram os autos devolvidos ao Ministério Público e sanados/supridas as irregularidades elencadas;

v) – Em 8 de Março de 2018 (fls. 253) foi apresentado requerimento em que os participantes deduziram acusação particular e pedido cível contra CC e DD (fls. 256 a 283);

vi) – Em 18 de Abril de 2018, CC, e a 23 de Abril de 2018, DD, requereram a abertura de instrução (fls. 306 a 310 e 316 a 319, respectivamente);

vii) – Declarada aberta a instrução e realizadas as diligências de prova que haviam sido requeridas, foi efectuado debate instrutório e após a decisão instrutória que a seguir se deixa transcrita (sic): “De facto, não existe nulidade por falta de interrogatório do arguido durante o inquérito uma vez que essa nulidade, que, embora referida no RAI, não foi arguida, apenas existiria se o Ministério Público tivesse considerado que existia uma suspeita fundada da prática de um crime, caso em que o interrogatório seria obrigatório, juízo que não se coaduna com o formulado pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto que dirigiu o inquérito, que não deduziu acusação por qualquer crime público ou semipúblico e não acompanhou a acusação particular deduzida pelos assistentes - artigos 272.º, n.º 1, e 120.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Penal.

Também não existe nulidade da acusação na parte em que ela se refere à arguida uma vez que nesta peça processual se narram suficientemente factos, objectivos e subjectivos, que a podem fazer incorrer em responsabilidade criminal, preenchendo esse articulado os requisitos exigidos pelos artigos 285.º, n.º 3, e 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Depois de notificados da acusação particular contra eles deduzida, que não foi acompanhada pelo Ministério Público, os arguidos vieram requerer instrução nos termos que constam de fls. 306 e ss. e 316 e ss., tendo, no decurso desta, sido interrogado o arguido e tomadas declarações à assistente, findo o que se procedeu a debate instrutório em que o Ministério Público e o mandatário dos assistentes sustentaram que os arguidos deviam ser pronunciados pelos factos que lhes tinham sido imputados, sustentando o defensor dos arguidos a sua não pronúncia.

Importa, pois, decidir quanto à pronúncia ou não pronúncia dos arguidos.

Os assistentes AA e BB deduziram acusação particular contra os arguidos CC e DD imputando-lhes, no ponto I.1., a prática, em co-autoria, de dois crimes de difamação agravada, condutas p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Tal imputação baseou-se no facto de os arguidos terem subscrito uma queixa-crime que apresentaram no dia 4 de Abril de 2016 nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa em que fizeram constar, na p. 10, uma nota de rodapé na qual diziam, a propósito do uso de vocábulo "gajo", utilizado numa carta anónima que deu entrada no Conselho Superior da Magistratura no dia 13 de Agosto de 2013, de que o arguido disse apenas ter tido conhecimento em Dezembro de 2015, que "[o] uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de Guimarães, dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB - se companheiro então - porque ele não é o pai!!!...)".

A fls. 29 e ss. destes autos consta uma cópia dessa queixa, ninguém pondo em causa que a mesma foi subscrita, como se pode ver de fls. 45, pelo 1.º arguido, enquanto participante, e pela 2.ª arguida, enquanto sua advogada.

O teor dessa nota tem um sentido inequivocamente difamatório, assim como é inequívoco o carácter gratuito da sua inserção nesse documento, a qual só se pode justificar como uma pretensão de ofender a honra e consideração devidas aos visados, em primeiro lugar à assistente AA, mas também ao assistente BB.

Muito embora se admita e aceite que o texto dessa queixa se baseou num prévio escrito da autoria do arguido, uma vez que apenas ele tinha conhecimento do que aí era narrado, a sua mandatária, que também subscreveu o documento, não pode deixar de ser responsabilizada pelo seu conteúdo, de que ela não podia deixar de ter também conhecimento.

Pelo sucintamente enunciado, não pode este tribunal deixar de pronunciar os arguidos CC e DD pela prática de dois crimes de difamação, de que foram vítimas os assistentes, condutas p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal.

Esses crimes não são agravados nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 183.º do Código Penal porque nenhuma prova existe de que os arguidos estivessem cientes da falsidade do que consta dessa nota de rodapé.

Na mesma peça processual, no ponto designado como II.2, a assistente AA deduziu acusação particular contra os arguidos CC e DD imputando-lhes a prática de um outro crime de difamação agravada, conduta p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Uma tal imputação baseou-se na circunstância de aquela mesma queixa criminal atribuir a autoria da mencionada carta anónima de 2013 à assistente, de lhe imputar dois comportamentos indecorosos no dia em que decorreu uma acareação entre a assistente e o arguido no âmbito de um processo disciplinar, de afirmar que ela só alteraria o seu comportamento quando viesse a ser "confrontada com as Instâncias formais de controlo e reacção que se posicionam a jusante dos Tribunais, para efeitos de reeducação para o Direito" e de insinuar que, no tribunal em que a assistente se encontrava colocada, se utilizariam "como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação de correspondência alheia".

O exercício do direito de queixa quanto a factos que eventualmente possam constituir crime não pode ser considerado ilícito por ofender o direito à honra e consideração devidas aos denunciados - artigo 31.º, n.º 2, do Código Penal -, que lhe é inerente, só assumindo relevância criminal enquanto comportamento que integra a denúncia caluniosa, conduta p. e p. pelo artigo 365.º do Código Penal, incriminação de natureza pública, pela qual o Ministério Público não deduziu acusação, a qual exige, para além do mais, a consciência da falsidade da imputação.

Os três primeiros indicados trechos da referida queixa não constituem, por isso, o imputado crime de difamação agravada. Consubstanciam a referência a factos que constituem o objecto da própria queixa.

Já o mesmo não sucede quanto à quarta e última imputação, aquela em que se afirma que, no tribunal em que a assistente se encontrava colocada, se utilizariam "como métodos de obtenção da provo, o furto e a violação de correspondência alheia".

Nessa parte, o que se diz no indicado documento não integra e é completamente estranho ao exercício do direito de queixa, constituindo uma ofensa gratuita ao direito à honra e consideração devidas à assistente.

Não se trata aqui da imputação de factos concretos, mas da alusão a uma suspeita em relação à qual não se pode formular um juízo de verdade ou falsidade, sobre o que, de resto, não há qualquer prova.

Entendemos, portanto, que também o que se diz nas páginas 15 e 16 da indicada queixa constitui um comportamento difamatório, neste caso, apenas da assistente.

Porém, uma tal afirmação, feita, juntamente com outra, também ela difamatória, numa única peça processual, não consubstancia a prática de segundo crime, diferente do da difamação que se consubstanciou na inserção da nota de rodapé na página 10.

Por isso, a decisão instrutória deve pronunciar os arguidos pela prática de dois crimes de difamação p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, sendo que aquele de que foi vítima a assistente é integrado pelas afirmações feitas em duas diferentes passagens da queixa apresentada pelos arguidos nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, não os pronunciando pela prática dos restantes comportamentos narrados na acusação particular deduzida pelos assistentes.

Assim, e pelo exposto, pronuncio os arguidos: CC, identificado a fls. 213, e DD, identificada a fls. 247, pela prática dos seguintes factos:

1. No passado dia 4 de Abril de 2016, foi apresentada nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa uma queixa criminal subscrita pelo 1.2 arguido, enquanto participante, e pela 2.ª arguida, enquanto sua advogada.

2. Nessa queixa criminal, os subscritores imputavam à Assistente AA a co-autoria de uma carta anónima dirigida ao Conselho Superior da Magistratura em 13 de Agosto de 2013.

3. Essa queixa criminal foi apresentada contra incertos, nela se dizendo, no entanto, que existiam fortes suspeitas de aquela carta anónima ser da autoria conjunta de AA e de EE.

4. E, a dado passo dessa queixa - mais concretamente, na nota de rodapé da página 10 -, os subscritores, reportando-se ao uso da expressão "aquele gajo", contida na aludida carta anónima, escreveram o seguinte:

"O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de Guimarães, dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB - se companheiro então - porque ele não é o pai !!!...)".

5. Nessa passagem, insinuava-se que a Assistente AA tinha sido infiel a um seu ex-companheiro, mais concretamente ao Assistente BB, com quem tinha vivido em união de facto.

6. Insinuando-se que a Assistente AA, durante o período de tempo em que viveu com o Assistente BB, manteve relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente.

7. E que, inclusivamente, engravidou fruto desse relacionamento.

8. Insinuando-se ainda que a Assistente AA fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente.

9. Insinuando-se, ao mesmo tempo, que o termo "gajo" seria adequadamente empregue para identificar os "ex-maridos ou ex-companheiros" da Assistente e que a assistente se relacionaria com "gajos".

10. E identificando expressamente o Assistente BB como sendo um desses ex-companheiros - e, por isso, um "gajo".

11. Bem sabendo os subscritores que "gajo" é uma designação pejorativa, que significa "pessoa de fraca reputação, pessoa velhaca, astuta, finória".

12. Na indicada queixa, os Arguidos insinuaram ainda, na parte final do ponto V.5.XXIII, inserido nas suas páginas 15 e 16, que no Tribunal a que a assistente presidia se usavam, como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação de correspondência alheia, escrevendo, a propósito de uma carta dirigida ao Arguido que: "diz a Suspeita - a aqui Assistente -, é prova válida (provavelmente no Tribunal a que preside se usem estes métodos...)".

13. A mencionada insinuação e a nota de rodapé referida anteriormente não tinham qualquer relevância ou utilidade na economia da queixa que foi apresentada, já que não integravam o objecto de qualquer dos supostos crimes de que, por essa via, se dava notícia.

14, Os Arguidos bem sabiam que as afirmações e insinuações que produziam na nota de rodapé, constante da página 10, e no ponto V. 5. XXIII, constante das páginas 15 e 16, da queixa criminal que apresentaram eram ofensivas da honra e consideração dos Assistentes.

15. Agiram em comunhão de esforços e de intentos e de acordo com plano previamente delineado, idealizando e redigindo o texto que ambos assinaram.

16. Actuaram com o propósito de vexar, humilhar e rebaixar os Assistentes, fazendo crer a terceiros que a Assistente AA era pessoa desonesta, leviana, de mau porte, sem vergonha, e fazendo chacota do Assistente BB.

17. Bem sabendo que tais insinuações iriam chegar ao conhecimento de ambos e seriam lidas nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.

18. Tinham conhecimento dos factos mencionados, querendo actuar da forma como o fizeram.

19. Tinham conhecimento de que a sua conduta era criminalmente proibida e punível.

Pelo que praticaram, em co-autoria, dois crimes de difamação, condutas p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal.

I.b. –Irresignados com a decisão instrutória, recorrem CC (fls. 943 a 948 vº) e DD (fls. 949 a 951), tendo no final da exposição dos fundamentos dessumido os epítomes conclusivos que a seguir quedam transcritos, respectivamente, 

(DO RECURSO DE CC). 

a) - Em 2010, foi o recorrente, enquanto Inspector Judicial, incumbido de instruir um processo disciplinar à assistente e no âmbito deste descobriu que a testemunha, arrolada pela assistente, como presencial do telefonema, objecto do processo, o ora assistente BB, afinal nada podia ter presenciado porque, à hora do mesmo, estava a presidir a um julgamento.

b) - Foi a assistente (e a testemunha) punida pelo CSM com pena de suspensão por violação do dever de honestidade.

c) - Em 13 de Agosto de 2013, com o intuito de que fosse instaurado novo processo disciplinar ao recorrente, a coberto do anonimato, foi remetida ao CSM uma carta anónima, que é altamente ofensiva da honra e consideração que são devidas ao recorrente, enquanto Homem e enquanto cidadão.

d) - Convencido de que a carta anónima é da autoria da assistente e do Sr. EE, o recorrente e a sua advogada, apresentaram a competente participação criminal contra INCERTOS, indicando como SUSPEITOS a assistente e o Sr. EE.

e) - Na referida carta anónima, dirigindo-se ao recorrente, foi usado o vocábulo de "gajo", que é altamente pejorativo no seio da sociedade transmontana em que o recorrente está inserido, o que é reconhecido no despacho de pronúncia.

f) - E com o qual se sentiu revoltado e indignado já que tal vocábulo muito ofendeu e ofende o aqui recorrente.

g) - Para manifestar a revolta e indignação, no uso do direito legítimo á indignação, consagrado implicitamente no art.° 1º da CRP, o recorrente pediu à sua advogada, que repudiasse vivamente o uso de tal vocábulo, de forma expressa e inequívoca.

h) - Para tanto, inseriu-se na participação a nota de rodapé, constante da participação criminal, na qual se afirma: "O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de ..., dizendo «estou grávida, estou grávida". Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB - se companheiro então -porque ele não é o pai!!!..».) ".

i) - 0 recorrente apenas quis refutar energicamente, o uso do vocábulo "gajo", com que foi brindado, recorrendo para o efeito a afirmação da assistente .afirmação essa que tem por verdadeira já que foi transmitida ao recorrente por três pessoas de reconhecida idoneidade, que levaram o recorrente a acreditar na veracidade da mesma.

j) - Sendo verdadeira a expressão foi usada para realizar interesse legítimo, o de repudiar o uso do vocábulo "gajo", em defesa da honra e da dignidade do recorrente e por isso, ainda que se entenda que a expressão é difamatória - e não é, como se demonstrará-, verifica-se a causa de exclusão da ilicitude consagrada no n.º 2 do art. 180º do C. Penal.

k) - E não é difamatória a expressão:

(i) - Desde logo porque se trata de reprodução de expressão da própria assistente que, por definição, a não pode ofender.

(ii) - Depois, porque o que, na realidade, se diz e se quis dizer é que, se a assistente, quiser usar o vocábulo "gajo", então que o faça dirigindo-se aos seus ex-maridos ou ex-companheiros.

(iii) - Ainda porque a nota não contém qualquer intuito pejorativo, antes apenas e tão só o de repúdio pelo uso do vocábulo dirigido ao recorrente.

l) - O recorrente jamais brindou o assistente com o vocábulo "gajo" ou outro qualquer vocábulo ofensivo da honra e consideração que lhes é devida.

m) - À cautela, no condicional, ainda se questionou se o assistente BB seria a pessoa com quem, á data da expressão, vivia em união de facto a assistente - "se companheiro" -, desta forma se afastando este de possíveis interpretações que o pudessem atingir já que a assistente falou expressamente no Dr. BB por razões que se ignoram.

n) - Por isso, jamais este se pode sentir ofendido na honra e consideração que lhe são devidas.

o) - Em todo o caso, se alguém se pudesse sentir ofendido com a expressão da assistente, seriam os ex-companheiros e/ou os ex-maridos mas a assistente é que não pode sentir-se ofendida por se dizer que, se quisesse usar o vocábulo, se dirigisse aos seus ex-maridos e/ou ex-companheiros, não tendo esta, por isso, legitimidade para intervir na acção penal, em defesa daqueles.

p) - Segundo o despacho de pronúncia, uma segunda expressão, constante da participação criminal, é ofensiva da honra e consideração que são devidas à assistente pois que, assevera-se que "se afirma que, no tribunal em que a assistente se encontrava colocada, se utilizariam «como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação de correspondência alheia».

q) - Escreveu-se na queixa junta aos autos: "Em declarações de parte na aludida acção, a ora Suspeita fez alusão a uma carta que um tal ... teria remetido ao ora Participante a falar de assuntos da maçonaria. Carta essa de que o ora Suspeito se terá "apropriado", por furto e terá violado, (como fazia com muitas cartas, especialmente se fossem de instituições bancárias), dando conhecimento do conteúdo da mesma à Suspeita. De resto, ainda não há muito tempo (dois ou três meses) que o Denunciado se "gabou" a um vendedor de automóveis de que tinha em seu poder essa carta. Cujo conteúdo, diz a Suspeita, é prova válida (provavelmente no Tribunal a que preside se usem estes métodos...)".

r) - Como se vê do despacho de pronúncia, foi entendido que no Tribunal a que a assistente presidia se usavam, como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação da correspondência alheia. Trata-se, com o devido respeito se afirma, de interpretação errada, descontextualizada, e que não tem no texto a mínima correspondência.

s) - 0 que aí está escrito, de forma inequívoca, é o seguinte:

(i) Em declarações de parte na aludida acção (acção ordinária a correr termos no Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa), a aqui assistente fez alusão a uma carta que um tal Lobo teria remetido ao ora recorrente;

(ii) Carta essa que falará de assuntos da maçonaria;

(iii) Dessa carta se apropriou o aí Suspeito, Sr. EE porque o carteiro se enganou a entregar-lha - soube-se agora no processo crime posteriormente instaurado contra o Sr. EE.

(iv) O Sr. EE fez sua a carta, dela se apoderando (crime do art. 209° do C. Penal).

(iv) Violou a correspondência e terá dado conhecimento do conteúdo da mesma à assistente e esta afirmou que se tratava de prova válida.

t) - Como uma carta remetida via CTT, obtida pela prática de um crime, sem autorização do destinatário e/ou da Autoridade Judiciária competente, violando-se a mesma, configura prova proibida, não podendo ser usada e porque a assistente afirmou que se tratava de prova válida, em tom irónico e dubitativo (provavelmente, consta do texto) acrescentou-se: só se for no Tribunal a que preside...

u) - Porque em todos os outros Tribunais terá de ser considerada provada inválida, não se vendo, nas referidas circunstâncias, contextualizando devidamente a expressão, como possa alguém sentir-se ofendido na honra e consideração que lhe são devidas.

Termos em que deve ser julgado procedente o recurso e consequentemente revogado o despacho de pronúncia e ordenado o arquivamento dos autos, (…)”.

(DO RECURSO DE DD)
1. A Arguida DD não pode ser pronunciada pela prática do crime de difamação p. e p. pelo art.° 180° do C. penal.
2. Ela é Advogada e agiu no exercício de funções.
3. Porque a expressão lhe foi indicada pelo co-arguido, Juiz ..., e seu amigo pessoal, acreditou.
4. Foi sua única intenção repudiar o uso do vocábulo "gajo" usado contra o seu Constituinte.
5. Querendo afirmar que a Assistente não deveria usar o vocábulo para o seu Constituinte.
6. Teve o cuidado de retirar o Assistente Dr. BB das possíveis interpretações da expressão usada pela Assistente, usando o condicional: "se companheiro".
7. Nenhuma responsabilidade jurídico-penal lhe pode ser imputada até porque, conforme se pondera no Ac. RC de 1/03/89 (CJ, XIV, tomo 2, p. 76), não é possível responsabilizar um Advogado quando transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse, e no qual acreditou.
8. Não teve nunca a intenção - e nem sequer configurou a possibilidade - de preencher o (tipo de) ilícito (do art. 180°)., faltando-lhe, portanto, o dolo (do tipo) (assim, Jescheck, Tratado de Derecho Penal, tradução Espanhola, 4ª ed„ Granada, 1993, pg. 263 e ss).
9. Razão pela qual não pode ser pronunciada.
Termos em que, na procedência do recurso, deve ser revogado o despacho de pronúncia, determinando-se o arquivamento dos autos.
Respondeu o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos seguintes;
(RESPOSTA AO RECURSO DE CC)

1.Em 19.10.2018, foi neste processo e Tribunal proferida decisão instrutória, nos termos da qual, o co-arguido CC e outra, foram pronunciados pela prática de dois crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180º, nº 1 do CP.

2. Inconformado, dela interpôs recurso concluindo nos termos de págs.946v-948v,Com efeito, ainda que a queixa fosse apresentada contra incertos, nela consignaram que existiam fortes suspeitas de que tal missiva era da autoria da referida assistente AA e de EE,

3. Em 04.04.2016, o recorrente e a co-arguida DD, deram entrada nos serviços do MP junto da Relação de Lisboa, de uma queixa - crime subscrita pelo recorrente na qualidade de participante e pela co-arguida, enquanto sua mandatária.

4. Em tal peça imputaram à assistente AA e outro, a autoria de uma carta que fora dirigida ao CSM, em 13.08.2013. Com efeito,

5. Ainda que a queixa fosse apresentada contra incertos, nela consignaram que existiam fortes suspeitas de que tal missiva era da autoria da referida assistente AA e de EE. Nessa carta anónima,

6. Surge um trecho em que em que se usa a expressão «aquele gajo», que veio a merecer o comentário inserto na nota de rodapé de págs.10, em que se tecem considerações sobre tal vocábulo e que aqui, brevitatis causa, se dão por integralmente reproduzidos, sendo certo que os mesmos se apresentam, clara e objectivamente difamatórios dos aqui assistentes AA e BB, e como tal ofensivos do bom nome, honra e consideração, a estes devidos.

7. De igual modo, na parte final do ponto designado por V.5XXIII, inserto a págs. 15 e 16, da mesma, como melhor se colhe da sua leitura, o recorrente e a co-arguida DD insinuaram que no Tribunal a que a assistente, então presidia, se usavam, como métodos de obtenção de prova, o furto e a violação da correspondência, em jeito de comentário a uma alegada afirmação da assistente que teria tido lugar, em contexto totalmente diverso.

8. O consignado nos dois trechos em referência, quer sob a forma de insinuações, quer de considerações sobre os métodos de obtenção de prova no tribunal a que a assistente presidia, não tem qualquer préstimo ou racionalidade se vistos no contexto em que se inserem, o de uma queixa -crime.

9. Como se retira da motivação e coerentemente foi reafirmado pelo recorrente nas suas declarações em sede de instrução, o mesmo associa a assistente AA a tal carta anónima, conquanto consegue divisar nela 24/26 indícios que o levam a assim pensar comprometendo, do mesmo modo, o seu irmão supra referido. De todo o modo,

10. Tal convicção, não se alicerça, patentemente em provas existentes ou a produzir, pelo que nos textos em causa, desligados dos fins de uma queixa criminal, avulta o seu conteúdo difamatório para com os assistentes.

11. Sendo certo que, a tentativa de desconstruir tais textos e de os reinterpretar, mostra-se em vão, dada a sua meridiana clareza.

12. Inverifica-se, manifestamente, a causa de justificação da ilicitude invocada, prevista nº 2, alínea a), do art.180º do CP, «imputação feita para realizar interesse legítimo», conquanto a «noção de "interesse legítimo" envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo digna de tuteia pública ou privada, ideal ou material... Apud M. Miguez Garcia, "Código Penal Parte geral e especial", 3a edição, Setembro 2018, Almedina, págs. 861, nota 20.”

(RESPOSTA AO RECURSO DE DD)
1.Em 19.10.2018, foi neste processo e Tribunal proferida decisão instrutória, nos termos da qual, a recorrente e o co-arguido CC foram pronunciados pela prática de dois crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180°, nº 1 do CP.
2. Inconformada, dela interpôs recurso concluindo nos termos de págs. 950 -951.Com efeito, ainda que a queixa fosse apresentada contra incertos, nela consignaram que existiam fortes suspeitas de que tal missiva era da autoria da referida assistente AA e de EE,
3. Em 04.04.2016, a recorrente DD e o co-arguido CC, deram entrada nos serviços do MP junto da Relação de Lisboa, de uma queixa -crime subscrita por aquele na qualidade de participante e pela recorrente, enquanto sua mandatária.
4.Em tal peça imputaram à assistente AA e outro, a autoria de uma carta que fora dirigida ao CSM, em 13.08.2013. Com efeito,
5. Ainda que a queixa fosse apresentada contra incertos, nela consignaram que existiam fortes suspeitas de que tal missiva era da autoria da referida assistente AA e de EE. Nessa carta anónima,
6. Surge um trecho em que em que se usa a expressão «aquele gajo», que veio a merecer o comentário inserto na nota de rodapé de págs.10, em que se tecem considerações sobre tal vocábulo e que aqui brevitatis causa se dão por integralmente reproduzidos, sendo certo que os mesmos se apresentam, clara e objectivamente difamatórios dos aqui assistentes AA e BB, e como tal ofensivos do bom nome, honra e consideração, a estes devidos. De igual modo,
7. Na parte final do ponto designado por V.5XXIII, inserto a págs. 15 e 16, da mesma, como melhor se colhe da sua leitura, a recorrente e o co-arguido CC, insinuaram que no Tribunal a que a assistente, então presidia, se usavam, como métodos de obtenção de prova, o furto e a violação da correspondência, em jeito de comentário a uma alegada afirmação da assistente que teria tido lugar, em contexto totalmente diverso.
8. O consignado nos dois trechos em referência, quer sob a forma de insinuações, quer de considerações sobre os métodos de obtenção de prova no tribunal a que a assistente presidia, não tem qualquer préstimo ou racionalidade se vistos no contexto em que se inserem, o de uma queixa -crime.
9. A mera «convicção», que o co-arguido declara ter formado de que todos os casos com que se tem deparado e lhe têm retirado «o sossego» tem a ver com o facto de como Inspector Judicial ter tido a seu cargo uma inquérito disciplinar contra a aqui assistente AA, que no seu desenvolvimento veio a envolver o assistente BB e terminado com sanções disciplinares, aplicadas a ambos pela Secção Disciplinar do CSM, não se alicerça, patentemente em provas existentes ou a produzir, pelo que nos textos em causa, desligados dos fins de uma queixa criminal, avulta o seu conteúdo difamatório para com os assistentes. Outrossim,
10. Inverifica-se, manifestamente, a causa de justificação da ilicitude invocada, prevista nº 2, alínea a), do art. 180º do CP, «imputação feita para realizar interesse legítimo», conquanto a «noção de "interesse legítimo" envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo digna de tutela pública ou privada, ideal ou material... Apud M. Miguez Garcia, "Código Penal Parte geral e especial", 3ª edição, Setembro 2018, Almedina, págs. 861, nota 20.
11. Sendo certo que, a tentativa de desconstruir tais textos e de os reinterpretar, mostra-se em vão, dada a sua meridiana clareza. Por último,
12. Mostram-se perfectibilizados, também em relação à recorrente DD, quer o elemento objectivo quer o elemento subjectivo do tipo legal do artigo 180°, nº 1, do CP. Na verdade, não pode colher a argumentação de que uma Sra Advogada em pleno exercício de funções não agiu com dolo, já que se trata de alguém especialmente qualificada, pelo que não é admissível que não fosse capaz de entender a relevância jurídico-penal, dos trechos assinalados, ou não fosse conhecedora dos limites que o estatuto da OA, coloca ao exercício do patrocínio.”
Deserto de epítome conclusivo, os assistentes respondem ao cerne do recurso interposto pelo arguido, CC, com o aranzel jurídico e filológico-gramatical que se deixa transcrita (sic):

“1. O preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva.

Estabelece o art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal, “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias ”.

Segundo Beleza dos Santos, entende-se por honra, “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral”, e por consideração “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, e tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo” - in “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, nº 3152, p. 167/168).

Conforme se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Abril de 2008, Proc. n.º 4817/07, “De um modo geral, os autores distinguem entre uma concepção subjectiva ou interna da honra (o sentimento de estima por si próprio ou, ao menos, de não desestima, o sentimento de dignidade própria, o conceito que cada um faz das suas próprias qualidades morais) e uma concepção objectiva ou externa, traduzida no apreço e respeito ou, ao menos, na não desconsideração de que somos objecto; a reputação e boa fama, isto é, a consideração que merecemos, graças ao património moral que, com esforço próprio, fomos construindo, impondo-se à consideração dos outros. Tanto no caso da honra em sentido subjectivo, como objectivo, a lei não protege, de uma banda, os sentimentos exagerados de amor-próprio e da outra, o exclusivo valor que a opinião pública consagra a uma determinada pessoa e que pode não corresponder à sua real valia. Como, por outro lado, tutela a honra mesmo em relação a pessoas que não têm capacidade para sentir a ofensa ou das pessoas que não têm sentido de auto-estima e, em sentido inverso, de pessoas que não gozam dos favores da admiração pública”.

Numa concepção simultaneamente mais moderna e mais elaborada, não devem prevalecer neste domínio concepções puramente fácticas da honra (sejam elas subjectivas ou objectivas), mas uma concepção predominantemente normativa, temperada por uma concepção fáctica, em que se atenda ao valor da personalidade moral radicado na dignidade inerente a toda a pessoa humana, mas também à reputação de que goza determinada pessoa.

No entanto, como afirmava Beleza dos Santos, op. cit., “Nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (...). Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. Neste juízo individual ou do público, acerca do que pode ser considerado ofensivo da honra e da consideração é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom-nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom-nome em certo país em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo” - realce nosso.

Ora, na queixa criminal referida no douto despacho de pronúncia, os aqui Arguidos imputam à Assistente, Paula de Carvalho e Sá, a autoria de uma carta anónima dirigida ao Conselho Superior da Magistratura.

E, a dado passo dessa queixa – mais concretamente, na nota de rodapé da pág. 10 – reportando-se ao uso de uma expressão “aquele gajo”, contida na aludida carta anónima, escrevem o seguinte:

“O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de Guimarães, dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB – se ( sic) companheiro então – porque ele não é o pai!!!...) – realce e sublinhado nosso.

Nessa passagem, os Arguidos insinuam que a Assistente, AA, foi infiel a um seu ex-companheiro, mais concretamente, ao Assistente, BB, com quem viveu em união de facto.

Insinuando que a Assistente, AA, durante o período de tempo um que viveu com o Assistente BB, manteve relacionamento sexual com outro homem que não o Assistente.

E que, inclusivamente, engravidou fruto desse insinuado relacionamento.

Para imputar à Assistente uma conduta leviana e desavergonhada em alto grau, os Arguidos insinuam que a Assistente, AA fazia alarde público da sua infidelidade para com o Assistente.

A ponto de, no dizer dos Arguidos, ter entrado, “eufórica”, no Tribunal de ... – onde os Assistentes exerceram funções – dizendo:

“estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB – se (sic) companheiro então – porque ele não é o pai!!!...”.

O que atinge a Assistente, pois que insinua que esta teve uma conduta desonesta, leviana, de mau porte.

Assim, os Arguidos violaram o direito da Assistente ao bom nome, à honra e consideração, para além da reserva da intimidade da vida privada

Ao mesmo tempo, os Arguidos aproveitam para achincalhar a pessoa do Assistente, BB.

Insinuando que o termo “gajo” seria adequadamente empregue para identificar os “ex-maridos ou ex-companheiros” da Assistente – que, note-se, assim se relacionaria com “gajos”.

E identificando expressamente o Assistente, BB, como sendo um desses ex-companheiros – e, por isso, um “gajo”.

Bem sabendo que “gajo” é uma designação pejorativa, que significa “pessoa de fraca reputação, pessoa velhaca, astuta, finória” – Cfr., Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Volume I, Verbo, pág. 1852.

No mesmo passo, os Arguidos fizeram afirmações degradantes dirigidas ao Assistente, BB, na medida em que insinuam que este seria publicamente traído pela sua então companheira.

O que fizeram - conforme resulta da matéria de facto suficientemente indiciada - por forma a apoucar, humilhar e fazer troça do Assistente BB perante terceiros.

O que atinge directamente o Assistente BB, violando o seu direito ao bom nome, à honra e consideração, para além da reserva da intimidade da vida privada – Cfr., a propósito, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.02.2004, proc. n.º 03B3898, disponível em www.gde.mj.pt.

Com pretexto numa carta anónima que a Assistente não escreveu – e que não podiam afirmar ser da sua autoria, bastando ver que apresentaram queixa contra incertos – os Arguidos instrumentalizam uma queixa criminal para atentar contra a honra desta e do Assistente.

O que fizeram de forma gratuita, pois que tais insinuações, relativas à vida íntima dos Assistentes, não tinham qualquer relevância ou utilidade na economia da queixa que apresentaram, já que não integravam o objecto de qualquer dos supostos crimes de que, por essa via, deram notícia.

Para além de ofensivas e atentatórias da intimidade da vida privada dos Assistentes, tais insinuações são falsas e absurdas.

Na verdade, no período em que viveu em união de facto com o Assistente BB, a Assistente não manteve relacionamento sexual com qualquer outro homem e não engravidou.

Por isso, também não entrou – “eufórica” ou sem ser “eufórica” – no Tribunal de ... dizendo “estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB porque ele não é o pai!!!...”.

Os Assistentes, AA e BB, viveram em união de facto, união que terminou em Novembro de 2006, por mútuo acordo dos Denunciantes.

O Assistente, BB, passou, então, a residir na Rua [...]

Tendo, para o efeito, celebrado contrato de arrendamento, cuja cópia foi junta como doc. 2 com a queixa, e que tem a data de 15 de Novembro de 2006.

A Assistente, AA, por seu turno, continuou a residir na casa onde ainda actualmente vive, sita na ....

Desde pelo menos 15 de Novembro de 2006 cessou toda e qualquer coabitação entre os Assistentes, que não mais mantiveram comunhão de mesa, leito e habitação.

Posteriormente, a Assistente AA encetou relacionamento amoroso com o seu actual cônjuge, FF.

Tendo nascido, fruto deste novo relacionamento, duas filhas: ..., nascida em .../2007, e ..., nascida em .../2010 – Cfr., cópias dos respectivos cartões de cidadão, que se juntaram com a queixa como docs. 3 e 4.

Por isso, o ”episódio” relatado pelos Arguidos mais não é do que fruto da sua fantasia e uma mentira maldosa.

Bastando, aliás, para se concluir pelo absurdo daquilo que os Arguidos consignaram nesse passo lamentável da queixa que ambos subscreveram, ter em consideração que o Assistente BB é padrinho de casamento da Assistente AA e padrinho de baptismo da sua primeira filha.

Alegam os Arguidos que jamais quiseram insinuar qualquer infidelidade da Assistente AA ao Assistente BB.

Designadamente, que nunca pretenderam significar, com aquilo que escreveram na nota 10 da queixa, que a Assistente AA tivesse engravidado fruto de relações sexuais com outro homem no período em que o Assistente BB era seu companheiro.

Mais dizendo que o uso da condicional “se” visou afastar o Assistente BB de comentários que possam ser feitos na sequência da expressão que dizem reproduzir - vide, pontos 50 a 53, 55 e 56 e conclusões l) e m) das alegações do 1.º Arguido e conclusão 6.ª das alegações da 2.ª Arguida.

Mas não é assim, manifestamente.

Cabe lembrar que, no plano semântico, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, II Volume, Verbo, 2001pág. 3352, a conjunção “se”, entre o mais:

“(…) Serve para ligar frases por subordinação. I. Indica uma condição, uma hipótese, uma suposição que poderá ser seguida ou não de uma consequência, se se cumprir o exposto na frase subordinada. 1. Usa-se para casos em que o sujeito da enunciação considera uma hipótese possível, utilizando-se o presente do indicativo quer na frase subordinante quer na frase subordinada.- equivalente a - QUANDO, SEMPRE QUE. Se estou de férias, aproveito para ver os meus amigos. Se como morangos, fico com alergia. 2. Usa-se para casos em que o sujeito da enunciação considera um facto real ou eventual e que pode apresentar valor causal, utilizando-se o imperativo presente na frase subordinante e o presente do indicativo na frase subordinada - equivalente a - DADO QUE. Se não sabes, informa-te. 3. Usa-se para casos em que o sujeito da enunciação considera uma condição ou hipótese provável, utilizando-se o presente (indicativo ou imperativo) na frase subordinante e o futuro do conjuntivo na frase subordinada. Se fizer sol, levo um chapéu. Se fizer sol, leva um chapéu. 4. Usa-se para casos em que o sujeito da enunciação considera uma eventualidade, utilizando-se o futuro do indicativo na frase subordinante e o futuro do conjuntivo na frase subordinada. Se o teu amigo telefonar, não farei comentários. Se trouxeres mais alguém, podemos jogar à sueca”.

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, in Nova Gramática do Português Contemporâneo, Sá da Costa, 2000, pág. 582, as conjunções condicionais:

“(…) (iniciam uma oração subordinada em que se indica uma hipótese ou uma condição necessária para que seja realizado ou não o facto principal): se, caso, contanto que, salvo se, sem que [= se não], dado que, desde que, a menos que, a não ser que, etc.:

Se aquele entrasse, também os outros poderiam tentar…”.

Por outro lado, o substantivo “companheiro”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I Volume, Verbo, 2001, págs. 883 e 884, é sinónimo de “1. Pessoa que partilha a vida, a habitação, as ocupações, os tempos livres, as ideias… com outra pessoa, relativamente a outra pessoa; pessoa que acompanha alguém, que lhe faz companhia. (…) 2. Cada um dos elementos de um casal, relativamente ao outro. Ela e o companheiro partilhavam dos mesmos gostos musicais”.

Os seja: alguém é “companheiro” sempre por relação ou referência a outra pessoa - é companheiro de, ou é seu companheiro.

O advérbio “então”, do latim in tunc, conforme se esclarece no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I Volume, Verbo, 2001, pág. 1438, é sinónimo de “1. Em determinado momento no passado ou no futuro (…). Foi então que resolveu contar tuto. Um dia serás adulto e então poderás viver sozinho. A vida é assim e sempre será, agora e então. (…) 2. Em determinado espaço de tempo no passado ou futuro, mas não no presente - equivalente a - DE ENTÃO, NESSE MOMENTO. (…) Essa lei foi vetada pelo então Presidente da República. A então Ponte Salazar, agora Ponte 25 de Abril, foi um empreendimento muito arrojado”.

Passando agora ao plano sintáctico, cumpre lembrar que, como referem Celso Cunha e Lindley Cintra - op. cit., pág. 592 -, “(…) a oração subordinada desempenha sempre uma função sintáctica (sujeito, objecto directo, objecto indirecto, predicativo, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adnominal, adjunto adverbial ou aposto) em outra oração, pois que dela é um termo ou parte de um termo”.

Segundo os mesmos autores - op. cit., págs. 601 e 602 -, as orações subordinadas adverbiais “Funcionam como adjunto adverbial de outras orações e vêm, normalmente, introduzidas por uma das conjunções subordinativas”, classificando-se como condicionais se a conjugação é subordinativa condicional, por exemplo: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

Ora, se tentarmos articular sintacticamente entre si os termos “se”, “companheiro” e “então”, tal qual os mesmos surgem na expressão inscrita na nota 10 da queixa em causa nos autos e separados das restantes por dois travessões - “- se companheiro então -” -, logo concluímos ser tal articulação impossível nos termos defendidos pelos Arguidos, pelos menos de acordo com as regras do português escrito e falado.

Pois que:

- Como vimos, a conjunção “se” deve introduzir uma frase subordinada, cujo significado completo depende de outra frase, a subordinante. Todavia, no caso, nenhuma frase subordinante existe, pois que à expressão “se companheiro então” nada se segue no período contido entre travessões. É ininteligível, deste modo, que facto, acontecimento, evento ou enunciado é condicionado pela suposta oração subordinada condicional “se companheiro então”.
- Por outro lado, sendo “companheiro” um substantivo que identifica alguém por relação a outra pessoa, e não sendo esse “companheiro” o Assistente BB - como agora nos pretendem convencer os Arguidos -, ficamos sem perceber, lendo aquilo que escreveu, a quem é que se refere a expressão “se companheiro então” e de quem é que essa pessoa é, afinal, “companheiro”.
- Por fim, uma vez que nenhum verbo consta da expressão contida entre travessões, também resulta ininteligível, seguindo o “raciocínio” dos Arguidos, o que é que acontece no tempo ou espaço de tempo a que se refere o advérbio “então”.

Ou seja e em síntese, a ser levada à letra a expressão incluída entre travessões, interpretando o morfema “se” como correspondendo à conjunção condicional “se” - como pretendem os Arguidos -, a expressão “se companheiro então” mais não seria do que um amontoado de palavras sem qualquer articulação sintáctica entre si e sem qualquer significado útil.

Dado que não se perceberia qual o facto, acontecimento ou enunciado hipotético introduzido pela condicionante “se” - o que é que se diz que acontece, na frase subordinada “se x” -, qual o facto, acontecimento ou enunciado condicionado pela frase subordinante - o que é que acontece se “x” acontecer - e quem é que age ou sofre uma acção nesses supostos factos, acontecimentos ou enunciados - quem é o companheiro e de quem é que é companheiro - no tempo ou lapso de tempo indicado pelo advérbio “então”.

Ora, nenhum intérprete mediano poderá, razoavelmente, supor que os Arguidos, no período contido entre travessões, se limitaram a escrever palavras sem articulação sintáctica possível entre si e sem qualquer significado útil.

Até porque os autores da peça em causa nos autos são, respectivamente, um Senhor Juiz Desembargador, Mestre em Direito - que, como lembra a 2.ª Arguida, até é eleito repetidas vezes e por unanimidade pelos seus pares para presidir a uma secção criminal do Tribunal da Relação do Porto -, e uma Senhora Advogada.

Ambos dotados de formação académica superior, de cultura que se presume muito acima da média e que pressupõe, necessariamente, um bom domínio da linguagem escrita e falada - até porque a linguagem estrutura o pensamento e, como dizia um filósofo que o 1.º Arguido gosta de citar, M. Heidegger, “a linguagem é a casa do ser”.

Qualquer intérprete razoável, com o mínimo conhecimento da gramática portuguesa, lendo a expressão “se companheiro então” no contexto em que a mesma surge na nota 10, entre travessões e após a frase, transcrita em discurso directo, “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB”, conclui que a mesma desempenha a função de aposto, ou seja e como explicam Celso Cunha e Lindley Cintra, op. cit., págs. 156 e 158, de “termo de carácter nominal que se junta a um substantivo, a um pronome, ou a um equivalente destes, a título de explicação ou de apreciação”, como nas orações “Meu pai cortava cana para a égua, sua montaria predilecta” ou “Foi o que sucedeu ao seu maior amigo, o ..., quando andavam na traineira do Domingos Peixe”.

Como esclarecem os mesmos autores - op. cit., pág. 159 -, “Com o APOSTO atribui-se a um substantivo a propriedade representada por outro substantivo. Os dois termos designam sempre o mesmo ser, o mesmo objecto, o mesmo facto ou a mesma ideia”.

A esta luz, compreende-se facilmente que o substantivo “companheiro” contido na expressão entre travessões “se companheiro então” designa a mesma pessoa que os substantivos “Dr. BB” que imediatamente antecedem essa expressão, a eles se juntando a título de explicação - atribuindo ao Assistente BB a propriedade representada pelo substantivo “companheiro”, querendo significar: “o Dr. BB era companheiro”, em coerência com o início do texto contido na nota 10 da queixa criminal em apreço, onde se lê que “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros”.

Neste conspecto, também é fácil de entender que o advérbio de tempo “então” - vide, Celso Cunha e Lindley Cintra, op. cit., pág. 539 - desempenha a função sintáctica de complemento circunstancial de tempo ou adjunto adverbial de tempo, situando a propriedade representada pelo substantivo “companheiro” por referência ao tempo em que se diz ter sido proferida a frase em discurso directo que antecede imediatamente a expressão entre travessões, ou seja, no tempo em que se diz que a Assistente disse “estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB”, querendo assim significar: “O Dr. BB era companheiro ao tempo em que a Denunciada disse «estou grávida, estou grávida. Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB»”.

Resta, então, saber de quem é que, segundo o que se escreveu na nota 10 da queixa criminal em apreço, o Assistente BB seria companheiro, já que, como vimos, o substantivo “companheiro” designa alguém por relação a outra pessoa.

Ora, para tal, veja-se que, na dita nota, reportando-se ao vocábulo “gajo”, se começa por escrever “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada”.

E que, em seguida, se transcreve uma suposta frase da aqui Assistente - a “ora Denunciada” a que se alude na queixa -, referindo que a mesma dava notícia de estar grávida, mas pedia que não fossem - quem? - dar os parabéns ao Assistente BB, por ele, “Dr. BB”, não ser o pai.

Só se compreendendo, assim, a referência a “ex-companheiros”, “então”, “da ora Denunciada”, bem como a alusão ao anúncio da gravidez da Assistente e à possibilidade de alguém supor que o Assistente seria o pai, como querendo significar que, no momento - “então” - em que o anúncio da gravidez foi supostamente efectuado, o Assistente - o “Dr. BB” - era companheiro - “companheiro então”, por isso, um dos “ex-companheiros” à data da queixa - da Assistente AA - “da ora Denunciada”.

Ou seja: quis-se dizer que o Assistente - o “Dr. BB” - era, à data do anúncio da gravidez da Assistente, companheiro desta - “da ora Denunciada” e, por isso: “seu companheiro então”.

Assim, o que qualquer mediano entendedor compreende - e as doutas alegações mais não pretendem do que iludir -, é que, no trecho “se companheiro então”, escrito a computador e, por isso, batido ao teclado, ocorreu um lapso de escrita manifesto e ostensivo, revelado por todo o contexto da nota 10 vertida na queixa criminal em apreço.

Um lapsus que só não é calami porque o texto não foi escrito com uma pena, mas que é fácil de entender, por ter sido escrito com teclado e ter, manifestamente, escapado o bater da tecla “u” a seguir à palavra “se” - o que bem se explica pela fúria em apresentar, a toda a brida, mais uma queixa contra a aqui Assistente.

Assim, onde se escreveu “se”, o que se queria escrever era “seu”, pronome possessivo que, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, II Volume, Verbo, 2001, pág. 3405, “Usa-se frequentemente precedido por artigo definido e é relativo à terceira pessoa gramatical, quer se trate da pessoa de quem se fala (sendo neste caso parafraseável por «dele», «dela»), quer se trate da pessoa a quem é dirigida a mensagem, no tratamento formal por «o senhor», «a senhora» ou no tratamento por você (…) Indica parentesco ou relação social”.

Pronome que, assim, permite relacionar a propriedade designada pelo substantivo “companheiro” - que, já vimos, enquanto aposto, se junta aos substantivos “Dr. BB”, a título de explicação -, relacionando a pessoa que aqueles designam - o Assistente BB - com a Assistente AA- a “ora Denunciada” - significando que “o Dr. BB” era “companheiro” da “ora Denunciada” à data - “então” - em que esta supostamente teria dito “estou grávida, estou grávida, mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB (…) porque ele não é o pai”.

De outro modo, como já se referiu, o texto da nota 10 da queixa em apreço, em particular no trecho entre travessões, violaria grosseiramente as regras da gramática, correspondendo a um amontoado de palavras sem sentido útil - o que não se presume.

Assim, só não terá ocorrido um lapso de escrita - escrevendo-se “se” em vez de “seu” - na hipótese de, já então, se pretender criar o artifício da suposta ambiguidade, de que os Arguidos agora se servem, na espectativa de que os seus escritos encontrem um leitor menos atento, menos sagaz ou com menos paciência para ler tudo, com atenção, desde o princípio e até ao fim.

Em face do exposto, também se compreende não fazer qualquer sentido o alegado pelos Arguidos quando referem que não pretenderam insinuar que o epíteto “gajo” fosse adequado ao Assistente BB.

Na verdade, os Arguidos escreveram que o uso desse vocábulo -“gajo” - “sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada” - entre os quais identificam o Assistente BB.

Ou seja: insinuam que a Assistente AA - a “ora Denunciada” -, ao - alegadamente - usar o vocábulo “gajo” dirigido ao 1.º Arguido, estaria a confundi-lo com os seus ex-maridos ou ex-companheiros.

Ora, a Assistente AA só poderia, ao alegadamente usar o vocábulo “gajo”, estar a confundir o 1.º Arguido com os seus ex-maridos ou ex-companheiros caso estes - entre os quais o Assistente BB - fossem, efectivamente, “gajos” - como claramente se insinua na nota 10 da queixa em apreço.

O mesmo sucede quando se faz referência a um suposto furto ou violação de correspondência e se acrescenta que “provavelmente no Tribunal a que preside - a aqui Assistente - se usem esses métodos”.

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, II Volume, Verbo, 2001, pág. 2993, o advérbio “provavelmente” significa: “1. De modo possível ou provável; com probabilidade de vir a acontecer. Terei de voltar outra vez, provavelmente, para concluir o trabalho. 2. Segundo as aparências; de modo plausível, verosímil, ou provável; de acordo com o que parece corresponder à verdade - equivalente a - NATURALMENTE. Provavelmente, fez tudo o que era possível para salvar a menina. Provavelmente, fizeram aquilo sem intenção”.

Ou seja: ao dizer que, “provavelmente”, o furto e a violação de correspondência são métodos que se usam no Tribunal a que a Assistente AA, os Arguidos insinuam - sem margem para qualquer dúvida razoável, apesar dos sofismas vertidos nas doutas alegações -, ser plausível, verosímil que nesse Tribunal se usem como métodos o furto e a violação de correspondência.

Acresce dizer o seguinte.

Ainda que se entendesse que os Arguidos pretenderam usar a conjunção condicional “se” ao invés do pronome possessivo “seu” - o que não se concede -, tal jamais lhes aproveitaria.

De resto, como explicam M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, in Código Penal - Parte Geral e Especial - Com Notas e Comentários, 3.ª Edição, págs. 851 e 852, “A imputação de um facto pode fazer-se «mesmo sob a forma de suspeita». O legislador prevê uma conduta dissimulada, falsa: lançar a suspeita sobre a vítima de ter tido um comportamento indevido. O autor não afirma um facto, limita-se a fazer conjecturas sobre a maneira como se comporta a vítima. Insinua «factos» que são apropriados para desacreditar o lesado. Ou, dito de outro modo, exprimindo alegações fundadas sobre probabilidades faz nascer a aparência de que a vítima não merece o respeito dos outros. Esta maneira de atacar uma pessoa pode ser tão perigosa como qualquer outra forma directa de atentado à honra” - realce nosso.

No mesmo sentido, refere J. faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª Edição, págs. 915 e 916, “Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo, são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja”.

Ora, ainda que se entendesse que a expressão contida entre travessões na nota 10 da queixa está formulada em termos condicionais, jamais se poderia considerar que a mesma, objectivamente, exclui o Assistente BB da imputação que a mesma veicula.

Tratar-se-ia, ao invés, de uma imputação feita sob a forma de suspeita, igualmente idónea a preencher a tipicidade objectiva do crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal.

Veja-se, a título de exemplo, o caso decidido pelo Ac. da Relação de Coimbra, de 21.11.1996, CJ, 1996, t. V, pág. 52, onde se entendeu que “Pratica dois crimes de difamação do art. 180º nº 1 do CP, por ofender a honra e consideração de dois ofendidos, aquele que, dirigindo-se a outras pessoas, afirmou que «o ... e o ... andam a sair todos os dias logo pela manhã, se calhar andam-se a papar um ao outro»” - realce nosso -, de nada tendo servido ao aí arguido o emprego do condicional “se calhar”.

O mesmo sucede, por maioria de razão, com o uso do advérbio “provavelmente”, que se destina a transmitir uma imputação - o uso do furto e da violação de correspondência no Tribunal a que a Assistente preside - como sendo algo de plausível ou verosímil.

Alegam, ainda, os Arguidos que se limitaram a reproduzir expressão alheia, pelo que o seu comportamento não é idóneo a ofender a honra de quem quer que seja.

Mas não é assim.

Conforme explicam M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, in Código Penal - Parte Geral e Especial - Com Notas e Comentários, 3.ª Edição, pág. 850, “O primitivo significado de difamar coincide com a ideia de espalhar, divulgar (Ovídio, «Metamorfoses», 4-236); está impressivamente cunhado no termo «reproduzir», que significa fazer circular, propalar (termo apropriado ao relato oral e que o Código emprega no artigo 187º) ou propagar, do latim «propagare», verbo de origem agrícola, que descreve a prática do jardineiro que mete na terra os rebentos de uma planta para a multiplicar”.

Segundo observam os mesmos autores - op. cit. -, pág. 852, em nada obsta ao preenchimento do tipo que a afirmação seja alheia, ouvida em outro lugar - por exemplo, um “boato” -, que o agente reproduz - isto é, repete, tornando-se eco do que foi dito ou insinuado. A indicação da fonte não desonera o agente da sua responsabilidade, valendo o mesmo para quem, ao relançar o “boato”, acrescenta que não acredita naquilo que lhe transmitiram e que, ainda assim, repete.

É o que resulta da própria letra do art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal, “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”

- realce nosso.

De resto, é isso mesmo que o 1.º Arguido vem sustentando nas várias participações criminais que apresenta contra a Assistente AA, mesmo quando esta se limita a reproduzir certidões extraídas de processos judiciais: reproduzir também é difamar - veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.06.2018, proferido no Proc. n.º 114/12.4TRPRT -, entendimento que foi secundado por este Alto Tribunal a quo e que nem se imagina que possa ser alterado nestes autos, em que as posições das partes estão invertidas.

Tendo as expressões em apreço sido proferidas pelos Arguidos com o único propósito de ofender os Assistentes na sua honra e consideração junto de terceiros, é, por isso, manifesto que se encontra preenchida a tipicidade objectiva e subjectiva dos crimes pelos quais foram pronunciados.

2. A não exclusão da ilicitude.

2.1. Da realização de interesses legítimos.

Atenta a matéria de facto considerada suficientemente indiciada, é manifesto que não poderão os Arguidos ver a ilicitude da sua conduta excluída nos termos do art.º 180.º, n.º 2, do Código Penal, nos termos do qual:

“A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos;
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”.

Ora, em primeiro lugar, para que a dirimente da ilicitude prevista no art.º 180.º, n.º 2, do Código Penal, possa operar, é indispensável que a imputação de factos ofensivos da honra seja feita para realizar um interesse legítimo.

Conforme referem M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, in Código Penal - Parte Geral e Especial - Com Notas e Comentários, 3.ª Edição, pág. 861, “A noção de «interesse legítimo» envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo digna de tutela, independentemente da sua natureza pública ou provada, ideal ou material”.

No mesmo sentido, refere Maria da Conceição Valdágua, “A Dirimente da Realização de Interesses Legítimos nos Crimes Contra a Honra”, in Jornadas de Direito Criminal - Revisão do Código Penal, Volume II, CEJ, 1998, pág. 247, que “A exclusão da ilicitude por realização de interesses legítimos assenta, pois, no princípio da ponderação de interesses, que também está subjacente à causa de justificação do direito de necessidade”.

Mais referindo - op. cit., pág. 234 -, que “Não será difícil obter consenso em torno da tese de que estão excluídos do âmbito dos interesses legítimos, a que se refere o art.º 180º, nº 2, al. a), do C.P. revisto, todos aqueles interesses cuja satisfação, manifestamente, não cabe à ordem jurídica fomentar, mas sim contrariar, como é o caso do interesse em provocar um escândalo, humilhar ou comprometer uma pessoa ou vingar-se dela”.

Segundo a mesma autora - op. cit., págs. 236 e 238 -, “Outra exigência, respeitante ao interesse a realizar, que não se encontra expressamente formulada na lei mas não pode deixar de reconhecer-se, é a da prevalência do interesse a realizar sobre o interesse na tutela da honra. Trata-se de um requisito da realização de interesses legítimos que resulta do princípio da ponderação de interesses, a ela subjacente, e pressupõe, portanto, uma ponderação em concreto de todos os factores relevantes”.

Acresce que, como também refere a autora citada - op. cit., pág. 250 -, “A imputação deve ser necessária (para a realização do interesse ou interesses legítimos) e feita em termos adequados (o menos gravosos possível para o ofendido, em face das circunstâncias)”.

Dizem os Arguidos que, com a nota 10 da queixa em apreço, apenas quiseram repudiar e refutar energicamente o uso do vocábulo “gajo” contido na carta anónima cuja autoria ou co-autoria imputavam à Assistente, ao Sr. EE e a incertos.

Só que os Arguidos não se limitaram a refutar ou a repudiar esse epíteto - cujo emprego, de resto, também repugna aos Assistentes, dirigido seja a quem for.

Se fosse só isso que os Arguidos tivessem pretendido, teriam certamente escrito: “Repudia-se energicamente o uso do vocábulo «gajo»” ou “Repudia-se energicamente o uso do vocábulo «gajo»”.

Não foi isso que fizeram, optando por retribuir o aludido epíteto -“gajo” - insinuando que o mesmo seria adequado a terceiros que nada -mesmo nada - tinham que ver com o objecto da queixa que apresentaram: os ex-companheiros ou ex-maridos da Assistente e, em particular, o Assistente BB.

O que não podiam fazer.

E muito menos podiam ilustrar tal insinuação com o relato deprimente de uma suposta infidelidade da Assistente AA ao Assistente BB supostamente ocorrida no tempo em que foram companheiros um do outro.

Não sendo tais afirmações pertinentes aos factos objecto da queixa que apresentaram - dado que a mesma tinha por objecto o envio de uma carta anónima e não qualquer suposta infidelidade da Assistente AA ao Assistente BB - nem tendo qualquer utilidade para a sua demonstração, não se vê que interesses legítimos podem ter os Arguidos realizado com a nota 10 da referida queixa.

Ao invés, como resultou indiciado, mais não visaram do que humilhar os Assistentes - interesse cuja satisfação, manifestamente, não cabe à ordem jurídica fomentar, mas sim contrariar.

O mesmo sucedendo com a insinuação de que, no Tribunal a que a Assistente preside, se usam como métodos o furto e a violação de correspondência, já que esse também não era o objecto da queixa em preço nem contribuía, fosse em que medida fosse, para a sua demonstração ou indiciação.

Ainda que algum interesse legítimo se conseguisse vislumbrar - o que não se concede, mas já não surpreende -, jamais se poderá considerar que tais imputações eram necessárias à sua realização e, muito menos, terem sido feitas em termos adequados, ou seja, o menos gravosos possíveis para os ofendidos, em face das circunstâncias.

Cabendo, tão só, lembrar os Arguidos de que as peças processuais não servem para extravasar estados de alma.

Em segundo lugar, como explicam M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, in Código Penal - Parte Geral e Especial - Com Notas e Comentários, 3.ª Edição, pág. 862 e 863, se é certo que a dirimente da ilicitude prevista no art.º 180, n.º 2, do Código Penal, não depende da prova da verdade dos factos desonrosos imputados, bastando-se com a existência de fundamento sério para, em boa fé, o agente os reputar verdadeiros, não menos certo é que “Deve ser «sério», no dizer da lei, o fundamento da imputação. Não são sérias as suspeitas infundadas ou conclusões apressadas (…). O tribunal há-de estar ciente dos esforços que o agente diz ter realizado, da credibilidade das suas fontes e do fundamento que teve para reputar como verídico o conjunto das informações a que teve acesso”.

No mesmo sentido, refere Maria da Conceição Valdágua, “A Dirimente da Realização de Interesses Legítimos nos Crimes Contra a Honra”, in Jornadas de Direito Criminal - Revisão do Código Penal, Volume II, CEJ, 1998, págs. 247 e 248, que: “Entre as causas de justificação, a realização de interesses legítimos apresenta a particularidade - que partilha com a causa de justificação do consentimento presumido (artº 39º) - de exigir, como um dos requisitos da exclusão da ilicitude do comportamento, que o agente se certifique da existência de indícios sérios de determinada situação ou de determinado facto”.

Os Arguidos apenas sustentam as imputações que formularam em suposições, supostos relatos de outiva, mexericos e boatos maldosos, que jamais poderiam ser fundamento sério para que aquele, em boa fé, pudesse reputar como verdadeiras esses imputações.

Desde logo porque, a ser verdade que são provenientes do Senhor Doutor ..., como diz o 1.º Arguido, sempre este deveria ter em consideração tratar-se de pessoa que se encontra de relações cortadas com a Assistente, em virtude de ter com esta mantido um contencioso.

E porque, a ser verdade que são provenientes do Senhor Doutor ..., cumprirá não esquecer que se trata - nem mais nem menos - do Excelentíssimo Advogado que patrocina o 1.º Arguido contra a Assistente nos processos 114/12.4TRPRT e 5/13.1TRGMR - onde, diga-se de passagem, pugnou com invulgar denodo pela punição criminal da Assistente e seu Advogado por estes, na defesa apresentada no processo disciplinar n.º 269/2011, onde se propunha a demissão da Assistente com fundamento no relato comprovadamente falso do 1.º Arguido, terem alegado factos verdadeiros, de conhecimento público e de reconhecido relevo - tando assim que motivaram a cessão da comissão de serviço do 1.º Arguido como inspector judicial, por decisão disciplinar do CSM, há muito transitada em julgado - e que mais não eram, no essencial do que a reprodução fiel de certidões de processos judiciais de natureza pública.

Advogado com quem - e o 1.º Arguido saberá - os Assistentes nunca tiveram qualquer relação próxima ou, sequer, amistosa, pelo que nada poderia saber sobre a vida destes, que não fosse a mera reprodução de mexericos deprimentes, sem interesse para qualquer pessoa de bem.

Pior ainda no caso da Senhora Desembargadora, Dr.ª ..., que os Assistente nunca tiveram o privilégio de conhecer - como não conhecem a quase totalidade dos Senhores Desembargadores da Relação de ... ou do ... - e com quem pensam nunca se ter cruzado, pelo que também nada poderia saber sobre a vida destes - muito surpreendendo, de resto, que tal fosse assunto de conversa da referida Senhora Desembargadora ou de qualquer outro Senhor Desembargador que, certamente, terão assuntos mais sérios com que se ocupar.

De todo modo, tendo em consideração que os Arguidos afirmam terem sido tais pessoas quem transmitiu e, assim, propagou os mexericos deprimentes que reportam, sempre se dirá que os Assistentes procurarão apurar a responsabilidade das mesmas na sede própria - que, agora, será apenas a cível, pois que, dado o lapso de tempo decorrido entre a queixa objecto dos autos e o requerimento de abertura de instrução formulado pelo 1.º Arguido - onde, pela primeira vez, identifica os autores dessas maledicências -, é bem provável que qualquer responsabilidade criminal das mesmas esteja extinta por prescrição.

Nenhum outro meio de prova trouxeram os Arguidos aos presentes autos que permitisse sustentar objectivamente as imputações que formularam e que sabem ser falsas e despropositadas.

O 1.º Arguido é Juiz Desembargador, pressupondo-se que sabe distinguir o que constitui prova por presunção daquilo que mais não é do que um conjunto de falácias e mexericos - mal estaríamos se assim não fosse.

O mesmo sucede com a 2.ª Arguida: ainda que confiasse na veracidade do que lhe dizia o 1.º Arguido, sabia ou tinha a obrigação de saber que aquilo que foi vertido na queixa, nos excertos em apreço nos presentes autos, não tinha qualquer pertinência ou utilidade para o seu objecto.

Nada obrigava a 2ª Arguida, do ponto de vista legal, contratual ou deontológico, a verter para a queixa todos os comentários ou imputações impertinentes ao seu objecto.

Ainda que provenientes de um Senhor Juiz Desembargador, repetidamente eleito, por unanimidade, para presidir a uma secção criminal na Relação do Porto.

O que sucede é que a 2.ª Arguida achou - e continua a achar - que a circunstância de patrocinar uma pessoa reconhecidamente muito prestigiada no meio judiciário - como é o 1.º Arguido, a julgar pelas referidas reeleições - contra meros juízes de primeira instância - como são os Assistentes - lhe garantia total impunidade.

Ora, tal não pode corresponder a qualquer fundamento sério para, em boa fé, reputar verdadeiras as imputações que verteram na queixa em apreço.

Acresce que, conforme decorre do n.º 3 do art.º 180 do Código Penal, a dirimente da realização de interesses legítimos não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida provada e familiar.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3.ª Edição, pág. 728, não admitem, por exemplo, a exceptio veritatis a frase “Eu também lhe posso dizer que ouvi dizer que a senhora anda metida com o senhor D” ou a alegação de relações extramatrimoniais.

Ora, a imputação vertida na nota 10 da queixa em apreço, relativa a supostas infidelidades sexuais da Assistente AA ao seu ex-companheiro, o Assistente BB, é manifestamente pertinente à respectiva esfera íntima, pelo que jamais poderá ver a sua ilicitude excluída nos termos do art.º 180.º, n.º 2, do Código Penal.

2.2. O exercício de um direito ou o cumprimento de um dever.

É certo - reconhecem os Assistentes - que toda a participação ou queixa criminal contém, em regra, objectivamente, uma ofensa à honra, por comunicar a prática de factos configuradores de um comportamento criminoso e que, apesar disso, é evidente que ninguém pode ser impedido de participar um facto delituoso.

Ninguém duvida que, ao direito à honra do denunciado contrapõe-se o direito à denúncia como via necessária de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos interesses legalmente protegidos do denunciante, direito constitucionalmente consagrado – Cfr., art.º 20.º, da Constituição da República.

Num Estado de direito é impensável, pois, impedir quem quer que seja de participar um facto delituoso, com a justificação de que em consequência da participação ir-se-á lesar a honra do participado - e nem os Assistentes pretendem algo diverso.

Todavia, ponto é que não se extravase o âmbito dos factos relevantes e objecto da denúncia.

Pois que, quando tal suceda, espraiando-se o denunciante em considerações desonrosas, irrelevantes e estranhas ao objecto da denúncia, já não se poderá considerar que actua no exercício de um direito -direito de denúncia ou de queixa.

Também não se questiona que, como sustenta Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª Edição, pág. 200, “(…) o Advogado não pode ser responsabilizado pelas afirmações sobre factos ou juízos de valor que faz em actos ou peças processuais em defesa do arguido, isto é, por toda e qualquer afirmação de facto ou de direito atinente ao objecto do processo. Trata-se do reverso do art. 32º/3 da CRP. Por isso impõe-se uma interpretação constitucional da regra prevista no art. 154º/2 do CPC no sentido de que as afirmações do Advogado feitas nessa qualidade, com aquele fito (defesa do arguido) e aquele âmbito (relação com o objecto do processo) nem sequer preenchem a tipicidade do crime de injúrias”

Só que, como refere J. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2.º, págs. 124 e 126: “Não pode admitir-se que o advogado, ou o solicitador, ou a parte use de linguagem desbragada e despejada com prejuízo do respeito devido às instituições, às leis e ao tribunal; mas é absolutamente indispensável que esta censura não se exerça em detrimento do sagrado direito de defesa. Tem de reconhecer-se ao advogado a liberdade de dizer, por escrito ou oralmente, tudo o que for necessário à defesa da causa que lhe está confiada.

Claro que, para defender eficazmente os interesses do seu constituinte, o advogado não precisa de insultar, agredir ou vexar quem quer que seja, nem tão pouco de ofender a dignidade do tribunal, o decoro ou o prestígio das instituições. (…)

Bem sei que o calor da discussão, a paixão do combate, a aspereza do conflito criam um estado de alma propício às expressões violentas e excessivas. Não se esqueça, porém, que uma discussão pode ser animada e viva, sem deixar de ser correcta. A divisa dos advogados quando pleiteiam devia ser esta: fortier in re, suaviter in modo.

A verdade é que o uso de linguagem agressiva e despejada nunca pode ser útil à defesa duma causa. Pode ser necessário, por vezes, tomar uma atitude enérgica e vibrante; mas há um limite que nunca é lícito ultrapassar: o limite imposto pelo elementar respeito que se deve aos outros. Que se reaja com dignidade e aprumo contra ataques ou injustiças, está certo, contanto que se não caia no insulto grosseiro ou na injúria soez”

Ora, não sendo tais afirmações em apreço pertinentes aos factos objecto da queixa que os Arguidos apresentaram - conforme já referido -nem tendo qualquer utilidade para a sua demonstração, não se vê que direito podem ter os Arguidos realizado com tais afirmações.

Por outro lado, nada obrigava a 2ª Arguida, do ponto de vista legal, contratual ou deontológico, a verter para a queixa comentários ou imputações impertinentes ao seu objecto.

Pelo contrário: estava obrigada a se abster de os formular, pois que mais não são do que insultos grosseiros e soezes.

De resto: os Assistentes exercem funções há, pelo menos, duas dezenas de anos; cada um já presidiu a bem mais de mil julgamentos; e já leu vários milhares de peças processuais.

Contudo, nunca, em toda a sua carreira se depararam com peças processuais contendo insinuações tão gratuitas, tão despropositadas e tão grosseiras como são as vertidas na queixa que os Arguidos subscreveram e que são objecto dos presentes autos.

Por fim, cabe lembrar que a aqui Assistente e o seu Advogado foram visados pelo 1.º Arguido no processo criminal n.º 114/12.4TRPRT, no qual o Alto Tribunal a quo entendeu condenar aqueles no pagamento, ao 1.º Arguido, de uma indemnização no valor de € 10.000,00.

Então, de nada valeu à Assistente e seu Advogado que as imputações alegadamente desonrosas objecto desses autos tivessem sido vertidas em defesa escrita no âmbito de processo disciplinar - processo n.º 269/2011.

De nada adiantou que se tenha provado a veracidade de tais imputações e que as mesmas se destinassem a abalar a credibilidade da única testemunha da acusação nesses autos de processo disciplinar - o aqui 1.º Arguido -, conforme a doutrina mais autorizada - que não é, manifestamente, a citada nesse acórdão - e a jurisprudência vêm reconhecendo ser possível - pelo menos em processo civil, nem que seja para discutir uma dívida ou a propriedade de uma parcela de terreno - no âmbito do incidente de contradita.

Foi completamente desprezada a circunstância de o 1.º Arguido ter sido disciplinarmente condenado e afastado da comissão de serviço como inspector judicial precisamente porque se demonstraram os factos alegados nessa defesa e que foram objecto de simultânea participação disciplinar.

De nada serviu que se tenha demonstrado ter o 1.º Arguido faltado à verdade na participação que deu origem ao referido processo disciplinar e que, nesse processo disciplinar e com fundamento nessa falsidade, tenha sido proposta a demissão da Assistente.

Nesse processo, a prova redundava na palavra do 1.º Arguido contra a da Assistente, sendo certo que aquele dizia que esta, numa conversa a sós, lhe havia pedido para retirar um ofício de um processo mas, simultânea e contraditoriamente, reconhecia ter-se despedido da mesma amistosamente, com dois beijos.

Qualquer pessoa minimamente sensata diria que o CSM não podia condenar a Assistente - valendo para ela o mesmo princípio in dubio pro reo que tantas vezes vale ao 1.º Arguido.

Só que o CSM, efectivamente, condenou a Assistente.

E o Supremo Tribunal de Justiça, chamado a sindicar tal condenação em sede de recurso, escusou-se de reapreciar a prova e nem sequer concedeu à Assistente o direito a uma audiência pública, como a mesma havia requerido.

E, por isso, o T.E.D.H., através de acórdão da Grande Chambre proferido em 6.11.2018, concluiu que foi violado o direito da Assistente a um processo equitativo, no âmbito desse processo disciplinar n.º 269/2011.

Apesar disso, o Alto Tribunal a quo concluiu, no processo criminal n.º 114/12.4TRPRT, que a defesa apresentada pela aqui Assistente e seu advogado no processo disciplinar n.º 269/2011 era inútil - e inútil até era, mas porque a condenação da arguida nesses autos de processo disciplinar foi uma profecia auto-realizada e porque o contencioso disciplinar é o que é… -, desnecessária e desproporcional, não correspondendo à realização de qualquer interesse legítimo.

Não se pode aceitar que, agora que as posições processuais estão invertidas - a então arguida é agora Assistente e o então assistente é agora o 1.º Arguido, também acompanhado da sua advogada -, o Alto Tribunal a quo venha a concluir que o comportamento dos Arguidos, afinal, não constitui qualquer crime.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exªs douta­mente suprirão deve ser julgado improcedente o recurso e, em consequência, ser mantida a douta decisão de pronúncia, (…)”
Na vista a que propina o nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, coonesta a posição expressa nas respostas adrede.
I.c) – QUESTÕES A APRECIAR NO RECURSO.
(Do recurso de CC)
A pretensão do recorrente, CC, convoca para solução (do recurso) as sequentes questões:
(i) – Defesa de um interesse legítimo, como causa de justificação da responsabilidade pela imputação do ápodo “gajo” ao ofendido/assistente BB (artigo 180º, nº 2, alínea a) do Código Penal);
(ii) – Divertida imputação do vocábulo “gajo” ao assistente BB (por dever considerar-se que a expressão não lhe era individualmente dirigida);

(iii) – Descontextualização do sentido denotativo atribuído à proposição impressa na acusação de que (sic): "(…) no tribunal em que a assistente se encontrava colocada, se utilizariam «como métodos de obtenção da prova, o furto e a violação de correspondência alheia».
(Do recurso de DD)
Em seu turno o recurso da arguida, DD; convoca para solução da respectiva pretensão recursiva, a sequente questão:
(i) – Acção legitimada pelo exercício de funções de mandatário judicial por se limitar a transferir para a peça processual o que lhe é fornecido pelo “cliente”.
II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.B.1. – Crime de Difamação. Elementos Constitutivos.

O artigo 180º, nº 1 do Código Penal manda punir com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 120 dias “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ele um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.” (“Injúria e difamação apresentam, para além da identidade do objecto jurídico, as seguintes características fundamentais comuns: 1) serem ambas delitos de manifestação de pensamento receptivo (Ausserungsdelikte); 2) serem ambos delitos de dano, por que assim o impõe a própria letra dos artt. 594 e 595 e porque o conceito de honra no sentido personalístico, qual valor da personalidade (a prescindir da opinião do sujeito ou de terceiro ou do mérito ou demérito social do ofendido), qualquer juízo de indignidade, enquanto contraposto a tal valore, é de per si lesivo da honra; 3) o ser o sujeito passivo qualquer pessoa física enquanto tal , e pela difamação, também a pessoa jurídica ou ente colectivo de facto; 4) a determinação do sujeito passivo, devendo a ofensa ter como destinatários sujeitos com certeza individualizados ou suficientemente individualizados, donde não subsiste delito contra a honra em caso de ofensa em forma colectiva, não podendo nenhum particular («singolo») ser considerado pessoalmente ofendido; 5) a perseguição de querela de parte, seja na forma simples ou agravada.”)  

Pontua este penalista que os delitos contra a honra assumem de comum a noção de «facto determinado», no sentido de dever ser um “facto descrito com uma especificação tal capaz de poder apresentar-se como qualquer coisa historicamente individuado e, por isso, irrepetível. A individualidade histórica representa a característica intrínseca da determinabilidade do facto, sendo esse igual somente a si próprio e não confundível com outros factos do sujeito ou de terceiros. A irrepetibilidade constitui-se como critério de (nova) prova («riprova«), o procedimento mental para a verificação («l’accertamento») em concreto da determinabilidade: determinado resta o facto adscrito até quando, prescindindo-se embora («via a via») dos elementos atinentes à sua abstracta individualidade, continua a apresentar-se irrepetível: com outras palavras, não pode ser confundido com outros do mesmo sujeito ou de outros. Cessa de ser tal e torna-se indeterminado a partir do momento em que, prescindindo ainda de um só destes elementos, isso possa ser imaginado repetível da parte do mesmo sujeito, possa ser confundido com outros factos.” (tradução nossa) [[1]]                 

Situando as orientações teóricas que têm vindo a assumir relevo na delimitação do conceito de honra – “concezione dell’onore-setimento”; “concezione dell’onore valore detta «normativa», e “l’onore in senso personalístico, come «bene personalístico costituzionalmente orientato” – o penalista italiano Ferrando Mantovani, começa por dar notícia da evolução que foi sofrendo o conceito até se fixar no conceito de honra no sentido personalístico como «bem personalístico constitucionalmente orientado».

Descartando da primeva das ditas concepções – aquela que atina como o conceito de «honra-sentimento» -, o autor aponta inconvenientes para a concepção da «honra valor, ou dita «normativa», aquela “que entende a honra não como dado factual, mas como valor da pessoa humana, enquanto aspecto dela própria, e por isso prescinde da opinião favorável do sujeito ou de terceiros a respeito disso.” Desde logo a formulação «utilitarista», ou seja “qual entidade exclusivamente sociológica, pois que a honra vem entendida como o valor, que ao particular «al singolo» é atribuído pela comunidade segundo o «merecimento comunitário» e, portanto, como valor do particular enquanto «membro» de mesma comunidade”, advertindo que se esta concepção – a concepção da «honra valor», ou «normativa» - teve  o mérito de evidenciar a honra como conceito normativo, “não pode prescindir de parâmetros sociológicos para a sua determinação e a individualização daquilo que é ofensivo, apresentando pelo seu «utilitarismo» de fundo, vícios e inconvenientes”.  [[2]]

Para superação dos inconvenientes das sobreditas concepções, autor pugna por um conceito de honra com um sentido personalístico, ou mais precisamente “bene personalistico constituzionalmente orientato”, isto é “à luz do princípio personalístico que “impronta” se imprime na nossa Constituição e da totalidade do nosso ordenamento”. Isto é, no sentido: 1) que a honra encontra fundamento, para além (oltre) da lei ordinária, também na Constituição, figurando entre os direitos invioláveis do homem; 2) que a honra é atributo originário da pessoa humana como tal e enquanto tal, constituindo um valor intrínseco dela própria em raiz da própria dignidade da pessoa humana e, portanto, tutelada objectivamente; 3) que a honra é “igual”, como é igual a dignidade, em todos os homens, pertencendo, inderrogávelmente, a cada homem e sendo igual para todos, sem distinção de raça, sexo, religião, língua, opinião politica, condição pessoal e social: do princípio ao fim da vida; 4) que o valor da pessoa humana, constituindo o conteúdo da honra, é dado a exteriorizar-se e a operar na própria conformidade de conjunto, e sobretudo, dos valores constitucionalmente significativos, para além de todos os demais valores jurídicos ou socioculturais, constitucionalmente não incompatíveis; 5) que a função da tutela da honra, é a de concorrer para a salvaguarda da “pari dignità” igualdade da pessoa humana, proibindo a qualquer sujeito, privado ou público, a expressão (directa ou mediante a atribuição de factos) de juízos de indignidade, isto é, contrastantes com os valores, no sentido supra precisados, da pessoa, e independentemente dos possíveis efeitos sobre o sujeito ofendido e sobre os demais associados; que a verdade não legitima, enquanto tal, alguma ofensa à honra, a qual enquanto atributo da personalidade enquanto tal, é tutelável, por principio, objectivamente e independentemente da falsidade ou da verdade do atribuído. Salvo as hipóteses, não incrimináveis, de prevalência, segundo o balanço dos interesses, com respeito aos bens da honra de outros interesses constitucionalmente relevantes (por ex., a liberdade de manifestação do pensamento) e nos rigorosos limites de tal prevalência (por ex.. constitui, com respeito a tal liberdade, para além da verdade dos factos, o interesse público-social dos próprios e da linguagem em si não ofensiva); 7) que a notoriedade dos factos ofensivos não exclui a ofensividade da sua atribuição, como se dessume do artigo 596º/1 (do Código Penal italiano)” – (a tradução é nossa) [[3]]. 
Na doutrina nacional, a honra é assumida num sentido normativo-pessoal [[4]], assinalando que “a honra é um aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável dignidade. Desta forma, a comunidade em que cada um se insere não constitui a fonte da honra, apenas o lugar em que ela se deve actualizar”. [[5]] Em auxilio da posição que assume, chama a autoridade do Professor Figueiredo Dias, que afirmando esta dimensão considera que: “[…] a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico “honra”, que o faça contrastar com o conceito de “consideração” (…) ou com os conceitos jurídico-constitucionais de “bom nome” e “reputação”. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da “honra” ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fáctico, quer – no outro extremo – estritamente normativo” (FIGUEIREDO DIAS, RLJ, 115º, 105)”.

Na anotação ao artigo 180.º do Código Penal, escreve o Prof. Faria Costa que o critério da ofensa à honra é dado pela alteração empiricamente comprovável de certos elementos de facto, quer de raiz psicológica, quer de índole social ou exterior. “[…] A honra subjectiva ou interior, que consistiria no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma – no fim de contas estaremos, aqui, mergulhados no domínio do “apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral” (BELEZA DOS SANTOS, RLJ 92º 168) ou, se se quiser, “o homem coloca-se perante si mesmo como objecto de percepção e de valoração, por força de um processo autónomo de objectivação, que constitui o instrumento apto à configuração de um quadro da própria personalidade de conteúdo variável, porquanto dependente da quantidade e do tipo da representação singular. Esta representação, que pode referir-se quer às manifestações externas da vida do homem, aos seus hábitos, à sua posição na vida social, quer às suas qualidades espirituais ou físicas, funde-se num quadro único, como consequência da percepção de si mesmo (Selbswahrnelmung) feita pelo sujeito” (Musco, Bene giuridico cit. 11). A honra objectiva ou exterior, equivalente à representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o mesmo é dizer, a consideração, o bom nome, a reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente» [[6]].   

Esta concepção parece radicar naquela que era a posição expressa pelo Prof. Beleza dos Santos em escrito lavrado na RLJ, ano 92º, pág. 165 e repercutido em acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28.06.2006, proferido no processo nº 2315/06, de que: “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível”.

Há pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem ou pensam os outros, que se consideram ofendidos por palavras ou actos que, para a generalidade das pessoas, não constituiriam ofensa alguma. Neste caso, não deve considerar-se existente qualquer difamação ou injúria.” (ibidem)

Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.” (ibidem)

Neste juízo Individual ou do público, acerca do que pode ser ofensivo da honra e da consideração, é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom-nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país, em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o serem outro lugar ou tempo.” (ibidem)

O direito criminal não pune por motivos unicamente individuais, mas pela projecção social dos crimes” (ibidem, pág. 166)».

Intentando identificar o bem jurídico [[7]] tutelado no crime de difamação, escreve Marcelo Psaro, in op. loc. cit., p. 8 e segs. que o bem jurídico protegido é a “dignità sociale”, “entendida esta como a estima difusa no ambiente social de todo e qualquer individuo, se bem que (seppure) em medida diferenciada, goza e que representa, por explicito reconhecimento constitucional, o fundamento do principio da igualdade”(tradução nossa). O conceito de honra para o Tribunal Supremo italiano afirma-se como sendo “a estima que cada homem difunde de si no ambiente em que vive, o conjunto de valores morais de um sujeito é portador na opinião dos outros”. [[8]]

Tratando-se de um bem jurídico «imaterial» ou «ideal» Maurach referia que o bem jurídico «honra» “era o mais subtil, o mais difícil de apreender com as torpes luvas do Direito Penal e, por isso, o bem jurídico que goza da protecção menos eficaz do nosso sistema de direito penal.” [[9]]

A determinação do conteúdo e/ou do recorte jurídico-material do bem jurídico teve na Alemanha uma primeira abordagem efectuada pelas denominadas teorias fácticas evoluindo depois para as «teorias normativas centradas no valor da pessoa humana» donde se terão aproximado das teorias do reconhecimento.

De forma perfunctória e básica, as teorias fácticas centravam a análise do conteúdo e projecção cognitiva da honra a circunstâncias fácticas, da realidade social, do entorno, ou das circunstâncias psicológicas, do foro interno. (“Noutras palavras, algumas destas teorias põem a enfase no momento objectivo (elementos externos), outras fazem-no no momento objectivo (elementos internos) e, finalmente, há-as que atendem a ambos os momentos; seguindo, a classificação proposta por Schmidt estaríamos falando das teorias fáctico-psicológicas, as fáctico-subjectivas e as teorias fácticas compostas.”) [[10]]            

A teoria fáctica terá sido inicialmente rebatida por HIRSCH que “construiu o seu conceito normativo de honra a partir da “pretensão respeito” que deve ser observada e que pode ser violentada; e esta realidade pode ser directamente lesionável por declarações de terceiros. O ataque à honra não se dirige, portanto, contra o sentimento de honra ou a fama, mas sim contra o valor real de uma pessoa, seja este moral ou social,” [[11]]    

Já para Maurach, apoiante das teorias normativas, “(…) a honra estaria socialmente determinada (“sozialbedingt”) se consideramos que a injúria é um ataque contra a pretensão de respeito do valor social merecido, que encontra a sua razão de ser na dignidade da pessoa; seguindo este entendimento, a honra só diminui quando se atribui a outros defeitos ou deficiências mentais (“geistig Unzulänglichkeiten”) que neguem a condição da pessoa como membro plenamente válido (“vollgültiges Mitglied”) da sociedade.” [[12]]

As teorias normativas, maioritariamente assumidas pela doutrina [[13]] viriam a ter como seu epígono AMELUNG para quem a chave da definição do bem jurídico honra residiria em: honra e comunicação. “Segundo o seu posicionamento (“planteamiento”), a honra é um requisito ou pressuposto prévio para a comunicação; é a capacidade de uma pessoa para satisfazer as suas expectativas normativas de ser considerado válido interlocutor num ambiente (“entorno”) comunicativo real ou potencial; do mesmo modo e em sentido inverso, a desonra estigmatiza o individuo e anula as suas possibilidades comunicativas com os demais.”

Por um lado, no marco desta semântica com a comunicação tipicamente amelungiana, a honra guarda relação com a comunicação da pessoa com o seu foro interno, a comunicação consigo mesmo (“Kommunikation mit sich selbst”), a forma na qual a pessoa se vê a si mesma (“sich selbst in die Augen sehen”) quando cumpre com as exigências que se auto-impõe; quer dizer, a honra interna é a capacidade da pessoa de satisfazer as exigências auto-impostas ou as próprias expectativas (“Fähigkeit zur Erfüllung von eigenen Erwartuntgen”) e cujo cumprimento é um pressuposto para que possa ser aceite por si mesmo; na medida em que é a capacidade de permanecer fiel às próprias expectativas e normas auto-impostas, a honra interna não pode ser lesionada por outras pessoas. Sobre esta base, qualidade do individuo na perspectiva dos demais para cumprir com as expectativas e normas auto-impostas (“Fähigkeit zur Erfüllung von Erwartuntgen”) constituiria fundamento pessoal da honra externa (“persönliche Grundlagen der äusseren Ehrw”) que definitivamente se adquire quando os demais imputam ou atribuem ao individuo a verdadeira capacidade para cumprir com as expectativas (“Unter stellung der Fahigkeit zur Efüllung von Erwartuntgen”). Quando o individuo não vê satisfeito o reconhecimento da sua legitima expectativa a ser aceite como um interlocutor no seu ambiente comunicativo em atenção à sua capacidade para cumprir com as expectativas, se lesiona a sua honra externa porquanto não se lhe confere, atribui ou reconhece a capacidade que se tem e que lhe corresponde.” [[14]/[15]]     

Na jurisprudência interna vem sendo entendido que (sic): “O crime de difamação tutela o bem jurídico honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos (art. 180.º do CP). A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou juízo que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. A lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.” [[16]]

O objecto jurídico é a reputação, no sentido personalístico, [[17]] constituindo-se o crime de difamação como um crime doloso, bastando para tanto: “a) a consciência e a vontade da conduta ofensiva, isto é, da comunicação da imputação («dell’ddebito») ofensiva (expressão verbal, escrita, desenho, etc.) para pelo menos duas pessoas; b) o conhecimento da ofensividade da imputação para a reputação, pelo que o erro sobe a ofensividade exclui o dolo(assim que não é punível quem, por exemplo, julga que a expressão não seja difamatória por escassa domínio da língua ou dialecto ou porque na comunidade a que pertence não é ofensiva); c) a convicção da percepção e da compreensão da ofensa da parte, de pelo  menos, duas pessoas, pelo que não é punível quem erroneamente julga que a imputação ofensiva não pode se materialmente percebido ou compreendido no seu significado pelo próprio.” [[18]]    

A subjectividade intencional e volitiva inserta e exigida no tipo de ilícito fica suficientemente satisfeita com a confirmação ou verificação de uma consciência assumida por parte do autor de que a imputação factual que efectua e dirige ao sujeito passivo é passível de o afectar negativamente a sua reputação e consideração, tanto pessoal como social. Basta, assim, o dolo genérico, ou o dolo eventual, na justa medida em que se configura bastante que o autor prefigure ou conforme a sua actuação com a consciência de que a ofensa imputada é susceptível de afectar negativamente a honra e consideração do visado. [[19]]

Servidos pelo guião teorético esquissado, haverá que apreciar se as expressões insertas na pronúncia se perfilam como integradoras de ilicitude susceptível de preencher a materialidade típica prevista na norma incriminadora.

Os arguidos mostram-se pronunciados por (i) haverem inserto numa participação (contra «incertos», referenciados individualmente por 24 razões) que se a assistente, AA, queria apodar alguém de «gajo» então que utilizasse esse ápodo referindo-o ao assistente, BB, (bem como os ex-maridos e ex-companheiros); (ii) e, por na mesma participação terem comentando uma declaração prestada pela assistente, Paula Sá, num depoimento de parte, em que a assistente declarara ser licita a obtenção de prova mediante o recurso a furto e violação de correspondência, «provavelmente no tribunal a que preside se usem esses métodos».   

O termo «gajo» assume, na comunicação e linguagem corrente, um duplo sentido/signifi-cado, «coloquial» e «pejorativo». No primeiro sentido, pretende significar e referir-se a uma “pessoa incerta cujo nome não ocorre ou não se quer mencionar, sujeito, fulano, indivíduo, tipo”, já quanto ao segundo, o vocábulo assume uma feição significante depreciativa, ominosa e desqualificadora da personalidade do individuo visado, por pretender qualificá-lo como “indivíduo velhaco, astuto, espertalhão; indivíduo finório; pessoa com má reputação; referente a um sujeito trapaceiro ou malandro.”

Assumindo a expressão inserta pelos arguidos, este duplo sentido significante, haverá que indagar o sentido e alcance com que ela foi utilizada no texto, ou seja perscrutar e glosar, contextualizando, o sentido intencional com que foi utilizada. Para uma atinada interpretação do sentido em que o termo foi utilizado, naquele concreto momento histórico-pessoal e social, importa (i) indagar o sentido em que o vocábulo foi utilizado na carta anónima enviada ao Conselho Superior da Magistratura e cuja autoria o arguido; CC, imputa à assistente, AA e irmão EE; (ii) em face da reacção expandida pelos arguidos, na participação, contra «incertos», tentar compreender o impacto emocional e de sentido que o termo causou quando foi lido e percebido como sendo ele o visado; (iii) e, finalmente, interpretar a pulsão intencional, do arguido, contida no direccionamento da expressão ao assistente, BB, e aos «ex-maridos e ex-companheiros» da assistente.    

O circunstancialismo em que a expressão/vocábulo é utilizado, na carta anónima endereçada ao Conselho Superior da Magistratura, em que eram descritas e narradas uma cópia de situações desfavoráveis e desabonatórias da vivência pessoal e social do arguido CC, parece não deixar dúvidas quanto ao sentido ignominioso que o termo conleva e encerra. Se alguém, numa missiva apócrifa, pretende denunciar situações susceptíveis de afectar a idoneidade pessoal e profissional do visado e, para se referir ao sujeito utiliza o vocábulo «gajo», a intenção é, temos por certo, desdoirar e depreciar a qualidade pessoal e o carácter do indivíduo visado. Daí que advoguemos que a percepção e compreensão do vocábulo «gajo» pelo arguido deva ser interpretada e averbada com um sentido pejorativo, ominoso e infamante. 

Com a interpretação que advogamos haveremos de, glosando a sequência comportamental do arguido, traduzida numa participação – contra «incertos» referenciados, por 24 razões, como sendo a assistente, AA e EE – e com a intenção, declarada e assumida, de repudiar a referência indigna e desqualificadora que havia recebido na carta apócrifa, de admitir que o sentido e alcance colocado na utilização e crisma dos visados na nota de rodapé – assistente, BB e ex-maridos e ex-acompanhantes da assistente, AA – com o ápodo de «gajo» assume e inculca uma conotação pejorativa e ferente da consideração para as pessoas visadas.

Na conotação impressiva e individualizada com que a expressão foi dirigida ao assistente, BB, não vacilamos em qualificar que o termo «gajo» foi utilizado, no circunstancialismo e contexto referenciado, com uma conotação e sentido significante pejorativo, afastando, pelas expostas razões, o sentido e propensão significativa coloquial.   

Se assim para a expressão «gajo», afigura-se-nos que a expressão frásica inscrita na pronúncia «provavelmente no tribunal a que preside se usem esses métodos», assume, no contexto em que foi produzida, uma propensão e um alcance desqualificador e depreciativo da condição profissional da assistente.

A expressão foi utilizada, na participação a que vimos aludindo, como um comentário a umas declarações de parte que a arguida terá prestado no âmbito de uma acção cível, e em que terá afirmado que o meio de obtenção de prova por que tinha advindo ao conhecimento uma situação que constaria de uma carta que era dirigida ao arguido, CC, e que havia, quiçá por engano, sido entregue na residência do irmão, EE, e de que este se havia, indevidamente, apropriado e tomado conhecimento do respectivo conteúdo por violação da correspondência, era um meio licito de obtenção de prova.

Terá sido, neste contexto, que o arguido, repontando e comentando o conteúdo da referida declaração de parte, escreveu que «provavelmente no tribunal a que preside se usem esses métodos».

O comentário – em nosso juízo desnecessário para o fim pretendido com a participação que formulava – inculca uma critica acintosa, depreciativa, ominosa e desdourada para a qualidade pessoal e profissional da arguida. A utilização do advérbio «provavelmente» no contexto frásico em que foi empregue e no circunstancialismo espácio-pessoal em que se inere encerra uma constatação, que na sua formulação dubitativa, induz um sentido afirmativo e referenciador relativo a uma forma de proceder concernente com os métodos que serão[seriam] utilizados no tribunal a que a assistente preside naquele concreto modo de aquisição de material probatório.  

O advérbio de conotação modal empregue e utilizado pelo arguido inculca a ideia uma formulação referente a procedimentos usados no tribunal a que a assistente preside e que, no juízo de quem expressa a critica, são ilegais, ilegítimos e, como tal proibidos pelo ordenamento adrede, o que repercute uma forma de estar e agir da assistente totalmente arredada do conhecimento (mínimo) de como actuar em casos em que a obtenção de meios de prova tenham assumido a forma similar aquela que foi relatada supra.   

Em nosso juízo o tramo de proposição inscrita na pronúncia é passível de ser crismada e qualificada de difamante para a honra e consideração da assistente.
II.B).2. – CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO/EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR RELEVÂNCIA DO JUSTIFICATIVO “INTERESSE LEGÍTIMO”.
Crismando-a de «causa de exclusão de ilicitude» [[20]] referida ao nº 2 do artigo 180, nº 2, alínea a) do Código Penal - «realização de um interesse legítimo» -, o arguido, CC, estima que a utilização do termo «gajo», na nota de rodapé da participação criminal que efectuou se destinava a repudiar e manifestar a sua repulsa e repúdio pela utilização do mesmo vocábulo na participação “anónima” que fora endereçada ao Conselho Superior da Magistratura em que o arguido era invectivado com esse ápodo (alínea i) da síntese conclusiva), pelo que “sendo verdadeira a expressão foi usada para realizar interesse legítimo, o de repudiar o uso do vocábulo “gajo” em defesa da honra e dignidade do recorrente do recorrente e por isso, ainda que se entenda que a expressão é difamatória – e não é, como se demonstrará – verifica-se a causa de exclusão da ilicitude consagrada no nº 2 do art. 180º do C. Penal”   
Na prevalência de interesses que convoca, o arguido contrapõe à lesão do direito à honra e dignidade do lesado o seu próprio direito à honra e dignidade. Em linear acepção a sua acção reactiva situar-se-ia num plano de “legítima defesa” da sua honra e dignidade esgrimindo a acção (típica) realizada – ao apodar de «gajo» o assistente – como modo de eximir ou recluir a ofensa que lhe teria sido dirigida, em momento anterior, quando o terão apodado de «gajo» (na carta anónima endereçada ao Conselho Superior da Magistratura pela suspeitada assistente e seu irmão).
Colhe, em jeito de recensão diacrónica, contextualizar a acção ilícita do arguido.
Tudo incoa com a comunicação, em carta anónima, ao Conselho Superior da Magistratura de factos/situações socio-pessoais atinentes à vivência (suposta) do arguido, tendo-se nela apodado o arguido de «gajo». Suspeitando ser a assistente e um irmão do arguido (EE) os autores da carta, o arguido, em requerimento subscrito pela arguida, DD, participa criminalmente contra “suspeitos”, indicando vinte e quatro (24) razões pelas quais assaca a responsabilidade e autoria da carta endereçada ao Conselho Superior da Magistratura, à assistente e ao irmão. Nessa participação sem nominação autoral específica da carta anónima, o arguido em nota de rodapé escreveu que “O uso do vocábulo sugere confusão com os ex-maridos ou ex-companheiros da ora Denunciada (ou não foi ela quem entrou eufórica no Tribunal de ..., dizendo «estou grávida, estou grávida». Mas não vão dar os parabéns ao Dr. BB - se companheiro então - porque ele não é o pai !!!...)”.       
Na perspectiva (defensiva) do recorrente a utilização do vocábulo «gajo», dirigida aos ex-maridos e ex-companheiros da assistente, e ao aqui assistente, BB “se companheiro então”, representaria uma manifestação de repulsa, repúdio e indignação por uma ofensa que tinha recebido no contexto de uma carta anónima dirigida ao Conselho Superior da Magistratura – que o arguido/recorrente imputa à assistente e ao irmão, EE. 
Regra geral uma acção típica, antijurídica e efectuada responsavelmente também é punível.” [[21]]
A acção ou omissão típica, antijurídica e culpável só não é punível se ocorrer uma causa de justificação, ou uma «causa de exclusão do injusto». “A admissão de uma causa de justificação não implica afirmar que a conduta justificada deva valorar-se positivamente. A referida conduta não é desaprovada pelo ordenamento e com isso é aceite por este , mas a emissão de ulteriores juízos de valor positivos não pertence aos encargos do Direito penal.” [[22]
As causas de justificação são os motivos jurídicos bem fundados para executar um comportamento em si proibido. Diversamente do que ocorre no comportamento atípico, no justificado trata-se de um comportamento socialmente não anómalo, mas sim aceitado como socialmente suportável somente em consideração do seu contexto, ou seja, a situação de justificação. O comportamento justificado distingue-se do antijurídico, mas não culpável, por aquele não mostrar falta de motivação jurídica dominante; o comportamento antijurídico, mas não culpável, evidencia-se tal falta, no entanto o autor não é responsável por ela (de contrário, o comportamento seria culpável”. (tradução nossa) [[23]]       
Alinhado com as teorias pluralistas, Günther Jakobs, divide as causas de justificação em três grupos: “(a)no primeiro grupo a justificação é consequência de um comportamento de organização da vítima da intervenção. O fundamento da justificação cabe denominar-se princípio da responsabilidade, ou quiçá de modo mais atenuado princípio do ocasionamento por parte da vítima da intervenção (…); (b) o segundo grupo segue o princípio da definição de interesses por parte da própria vítima da intervenção. O motivo bem fundado reside neste grupo de casos em que a vítima da intervenção a define como benéfica ou pelo menos como aceitável, quer dizer, administra os seus interesses modificando a ordenação destes (…): (c) o fundamento da justificação no terceiro grupo é o princípio da solidariedade. Recorre-se à vítima da intervenção no interesse de outras pessoas, sobretudo da generalidade.” [[24]]
A causa de justificação da responsabilidade [[25]] inerida no segmento normativo do número dois (2) do artigo 180º do Código Penal, assume, ou reveste, uma formulação genérica ou universal, embora, pela componente adjuntiva operada pela proposição copulativa “e”, que implica, prova da verdade da imputação, subsista e adquira um papel mais proficiente e relevante nos casos em que a ofensa à honra é concretizada por meios da imprensa. [[26]]
O interesse legítimo exigido pela alínea a) do nº 2 do artigo 180º do Código Penal, comporta, na sua dimensão objectiva, uma acepção conformada com um repositório de valorações arrimado com o ethos da pessoa humana e aferida aos vectores psicossociais e comportamentais prevalentes numa determinada comunidade histórico-social. Trata-se de uma valoração de feição individual-social, que se constitui como um crédito associado ao acervo reputacional e personalístico de uma pessoa e colimado pela pauta avaliativa que a sociedade confere aquele sujeito concreto.
O interesse legítimo arvorado, pelo arguido/recorrente, como causa de exclusão de responsabilidade para a prática do crime de difamação – que ele próprio qualifica como tal, ao considerar-se lesado e ofendido com o ápodo com que foi crismado na missiva (anónima) que havia sido dirigida ao conselho Superior da Magistratura (cfr. fls.  ) - radica no facto de com o reenvio e remessa do ápodo a outros estar a repulsar a indignidade que sentiu quando foi alanceado com o epíteto. O arguido/recorrente teria agido, numa situação que poderia, cum grano salis, qualificar-se como «culpa de carácter». (“Ser responsável seria, neste sentido, uma consequência de ter agido na consciência de si mesmo, formada e mantida anteriormente, e de continuar no momento da punição a manter essa consciência. A responsabilidade teria, consequentemente, como condição uma elevada consciência de si mesmo reflectida na acção, mais do que a constatação empírica (porventura impossível) de alternativas de acção e de uma liberdade da vontade criadora.”) [[27]]     
O arguido/recorrente estima que o acinte do ápodo constitui, para si e na comunidade local onde reside, um desdouro e um gravame socio-pessoal inauferível e indelével pelo e daí faz derivar o interesse legitimo que uma pessoa nas sua posição adquire em repudiar de forma firme e ostensiva a lesão pessoal que haja sofrido.
Desbordando da abordagem histórico-hermenêutica que pudesse ser efectuada do termo «gajo», como um prius da análise da causa de justificação que constitui o tema em tela de juízo, centrar-nos-emos na tomada de posição relativamente à existência, ou não, da predita causa de justificação da responsabilidade por parte do autor da acção ilícita e típica.
O interesse em alguém repudiar um doesto que haja sido produzida à sua honra, reputação e consideração pessoal adquire um perfil de legitimidade quando o autor da atitude repulsora o dirige a uma pessoa certa e determinada e que é reconhecida como sendo a autor da imputação lesiva da honra.
Reposicionando o enquadramento da situação em que o caso se desencadeou, temos (i) que o epíteto «gajo» foi inserido numa carta apócrifa; (ii) que a participação/denúncia onde a manifestação de repulsa se ineriu não tinha destinatários certos e determinados (embora indicasse 24 razões para identificar os visados «incertos»).
Sendo a participação contra «incertos» caberá questionar qual o interesse legítimo que o visado pelo doesto da carta apócrifa tinha em dirigir a manifestação de repulsa contra pessoas de que não possuía convicção segura e firme de que haviam sido elas as autoras da carta (embora, itera-se, apontasse/indicasse 4 razões para a assacar à assistente e ao irmão, EE)? E qual o interesse legítimo em incluir na manifestação de repúdio, apodando pessoas – os ex-maridos e ex-companheiros da assistente – que não eram as «incertas/suspeitas» que indicava nas razões em que sustentava a identificação e autoria da carta anónima?
Em nosso juízo a inclusão na participação contra «incertos» de uma manifestação de repúdio contra uma ofensa recebida através de uma carta anónima e dirigida a pessoas pessoalmente referenciadas, retorquindo a ofensa que havia sido recebida, constitui um impulso de obtenção de uma satisfação de desforço pessoal incompatível com ideia de realização de um interesse legítimo. Não se constitui como legítima e humanamente aceitável uma manifestação de repúdio em que alguém desconhecendo, com certeza e segurança, quem foi o autor da ofensa recebida – ainda que julgue, por 24 razões, serem determinadas pessoas – dirige a ofensa contra pessoas que, embora ele referencie como ligadas a uma pessoa que ele julga ser a autora da carta ofensiva, não tiveram qualquer intervenção na missiva. A legitimidade só poderia – ainda que em tese e com muita benevolência – ser correctamente equacionada e conferida se a ofensa em que se plasmasse a manifestação de repúdio fosse dirigida contra as pessoas que o repulsor considerasse serem os autores da carta apócrifa. Dirigir a ofensa contra pessoas, que referencia como tendo estado ligadas a uma das “autoras” da carta apócrifa, constitui um acto e uma atitude incoadunável com um ajustado realizar da manifestação de repúdio. Reputa-se incongruente e desconchavado fazer uma ofensa a terceiros e com ela visar atingir quem se estima ser o “autor” de uma ofensa. Ofender pessoas que hajam estado ligadas, por razões familiares ou de convivência de facto, a alguém que se estima ter sido o “autor” de um acto lesivo e perturbador da vivência do “lesado” constitui um desvio que se salda por atingir terceiros que exorbitam círculo alvo e cujo efeito é repercutir a ofensa num arco de pessoas que de alguma maneira estiveram ligadas ao alvo a atingir, repercutindo a ofensa a todo o conjunto de pessoas que de alguma maneira estiveram ligadas à vivência pessoal-social de alguém vessando o anátema e o estigma a todo esse arco de pessoas. É fazer alastrar o opróbrio de alguém que julga ser merecedor a um eito de pessoas só pelo facto de essas pessoas terem estado ligadas à pessoa que se pretende visar com a ofensa.
Não é legítimo nem compatível com qualquer interesse a tutelar. 
A causa de justificação despoletada carece de substancialidade jurídico-material para dessorar a imputação ilícita e típica que lhe está assacada na pronúncia.
II.B.3. – DIVERTIDA IMPUTAÇÃO DO VOCÁBULO «GAJO» AO ASSISTENTE BB (POR DEVER CONSIDERAR-SE QUE A EXPRESSÃO NÃO LHE ERA INDIVIDUALMENTE DIRIGIDA).

Expende o arguido/recorrente que (i) “(…) jamais brindou o assistente com o vocábulo "gajo" ou outro qualquer vocábulo ofensivo da honra e consideração que lhes é devida; que (ii) “à cautela, no condicional, ainda se questionou se o assistente BB seria a pessoa com quem, à data da expressão, vivia em união de facto a assistente - "se companheiro" -, desta forma se afastando este de possíveis interpretações que o pudessem atingir já que a assistente falou expressamente no Dr. BB por razões que se ignoram; que (iii) Em todo o caso, se alguém se pudesse sentir ofendido com a expressão da assistente, seriam os ex-companheiros e/ou os ex-maridos mas a assistente é que não pode sentir-se ofendida por se dizer que, se quisesse usar o vocábulo, se dirigisse aos seus ex-maridos e/ou ex-companheiros, não tendo esta, por isso, legitimidade para intervir na acção penal, em defesa daqueles.

O arguido/recorrente não operou uma ajustada e conspícua leitura do despacho de pronúncia. Não atentou no item 10 em que se escreveu, culminando a descrição explicativa do sentido do emprego e uso do vocábulo «gajo», que (sic) “identificando expressamente o Assistente BB como sendo um desses ex-companheiros - e, por isso, um "gajo".

O despacho de pronúncia não inculca a ideia de que o termo «gajo», utilizado na participação impulsionada pelos arguidos, fosse dirigido à assistente – cfr. alínea k), i) e o) – mas sim ao assistente, BB e/ou ex-maridos e ex-companheiros. A confusão – se propositada ou por carência de aptidão interpretativa – em que o arguido/recorrente incorre não desvirtua o sentido assumido do narrado no despacho de pronúncia e que, em são e tersa hermenêutica, significa e confirma que o termo «gajo» era dirigido aos ex-maridos e ex-companheiros da assistente, onde se encontrava incluído o assistente, BB, “se então companheiro” da assistente.

Fixado o sentido e alcance do explanado no despacho de pronúncia, procurará indagar-se se a ofensa pode ser dirigida a uma pluralidade de pessoas e não, tão só, a uma pessoa certa e determinada, vale dizer individualizada, ou identificada.

O crime de difamação é um crime intuito persona, isto é com ele visa-se ofender a honra e consideração de uma pessoa determinada e individualmente referenciada, tanto pessoal como no contexto social.

Revisitando a lição de Ferrando Mantovani, e que supra deixamos, o crime de difamação deve objectivar uma determinabilidade do sujeito passivo (qualquer pessoa física ou ente colectivo) “devendo a ofensa ter como destinatário com certeza identificado («individuati») ou facilmente («agevolmente») identificável («individuabili»; donde não subsiste delito contra a honra no caso de ofensa em forma colectiva, não podendo nenhum singular sujeito ser considerado pessoalmente ofendido.” [[28]]    
A individualização exigida pela imputação (objectiva e subjectiva) desdourada há-de adquirir uma aptidão referenciadora da pessoa concreta q quem a ofensa é dirigida, ou seja a quem o autor tem como objectivo da sua acção. A ofensa há-de conter em si mesma uma referenciação conotativa que se ajuste à intencionalidade que lhe vai associada. Deve, na sua significação perceptiva poder ser identificada como tendo destinatário aquele concreto sujeito, por ser ele quem naquele concreto momento está colocado em posição de receber o agravo que o autor profere.
No caso concreto, o autor da acção lesiva referenciou como destinatários (objectos da imputação) «os ex-maridos e ex-companheiros», tendo identificado um concreto «ex-companheiro» da assistente, o assistente, BB, «se companheiro então». O autor refere, como destinatários do epíteto que ele pretendia refutar e repudiar, os «ex-maridos e ex-companheiros», pelo que a individualização ou possibilidade de individualização foi determinada, ou seria possível de determinar. O grupo de pessoas a quem o autor da acção era confinado e estava suficientemente identificado - «ex-maridos e ex-companheiros” – que seria relativamente fácil a qualquer pessoa que estivesse integrada no meio identificar este conjunto ou feixe de pessoas. No meio onde os assistentes se encontram inseridos não seria difícil individualizar cada um dos sujeitos a quem o epíteto era endereçado. Bastaria saber quem tinham sido os «ex-maridos« e/ou os ex-compa-nheiros» da assistente para que fosse encontrado o sujeito concreto a quem a ofensa se ajustava.
O arguido visou directamente o assistente, BB, que, aliás havia sido referenciado pela assistente na frase que vem referida em rodapé.
Não sobram dúvidas que, com o ápodo de «gajo» - que o arguido considera e estima ser “altamente pejorativo no seio da sociedade transmontana em que o recorrente está inserido» - teve como destinatário um individuo determinado ou que era facilmente identificável.             
Soçobra este fundamento do recurso.
II.B.4. – DESCONTEXTUALIZAÇÃO DO SENTIDO DENOTATIVO ATRIBUÍDO À PROPOSIÇÃO IMPRESSA NA ACUSAÇÃO DE QUE (SIC): “(…) NO TRIBUNAL EM QUE A ASSISTENTE SE ENCONTRAVA COLOCADA, SE UTILIZARIAM «COMO MÉTODOS DE OBTENÇÃO DE PROVA, O FURTO E A VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA ALHEIA»”   
Na formulação defensiva que ensaia, o arguido/recorrente, CC, estima que o tribunal ao pronunciar o arguido pela imputação (lesiva da honra da assistente) de que no tribunal a que a assistente presidia, ou onde se encontrava colocada, “se utilizariam «como métodos de obtenção de prova, o furto e a violação de correspondência alheia”, não atentou em que (i) o que se pretendia significar era que uma referência a ligações do arguido à maçonaria tinha sido obtida através de uma carta que era endereçada ao arguido/recorrente; (ii) que essa carta foi ilegitimamente apoderada pelo irmão do arguido/recorrente; (iii) o irmão do arguido/recorrente terá lido a carta e adquiriu o conhecimento do seu conteúdo; (iv) que a aquisição desse conhecimento se tem de valorar como ilegítimo e ilícito, por configurar um crime de furto e violação de correspondência alheia; (v) que a obtenção de um elemento probatório, por utilização de meios ilícitos e ilegais, não pode ser tido como válido e apto a fazer prova em juízo, ou num pleito judicial. O que pretendeu significar, na participação que formulou (contra incertos), e em face de uma afirmação da assistente produzida aquando da prestação de declarações de parte, numa acção cível que corre termos em Lisboa, de que “se tratava de prova válida”, era de que, e “em tom irónico e dubitativo, “só se for no Tribunal a que preside.”
A proposição afirmativa em que o arguido/recorrente glosa um juízo de ciência que assevera ter sido expresso pela assistente, nas declarações de parte prestadas numa acção cível que corre termos na comarca de Lisboa, de que a prova obtida por meio de apropriação indevida de correspondência e respectiva violação do conteúdo que nela se continha, deveria ser considerada como prova obtida licitamente (para efeitos de confirmação de um enunciado de facto sujeito a comprovação judicial) constitui um juízo desfavorável e depreciativo da idoneidade e capacidade funcional e profissional da assistente, AA.
O comentário, «provavelmente no tribunal a que preside se usem esses métodos» (cfr. item sob o número 13 do despacho de pronúncia), na sua formulação significante denota e evidencia uma intenção de imputação de uma forma de proceder que, no juízo apreciativo do arguido/recorrente, contraria as regras de obtenção de prova legalmente permitidas, consentidas e utilizadas no procedimento processual. Ao apreciar o juízo de ciência que a assistente terá expresso nas preditas declarações de parte, o arguido/recorrente apreciou de forma negativa o juízo produzido associando-lhe uma carga depreciativa e de menoscabo, por envolver uma infracção ao que deve ser arrimado ao correcto agir de um tribunal na decisão que toma quanto aos meios de obtenção de prova que admite para comprovação dos factos que tem o dever de julgar. Dizer que num tribunal a que um concreto magistrado preside se usam métodos que a lei proíbe e veda como métodos eficazes, válidos e operativos constitui uma acerba critica (negativa e ominosa) ao modo como o magistrado administra e concebe o direito (processual) que está funcionalmente obrigado a observar segundo a lei vigente. Significa que o magistrado que permite, consente e admite esses métodos de obtenção de prova torpedeia e acalcanha o direito de forma ostensivamente ignara, tal é a evidência da torpeza legal que a utilização desses métodos conleva.
O significado da proposição apreciativa e valorativa contida no despacho de pronúncia («provavelmente no tribunal a que preside se usem esses métodos») constitui-se como uma apreciação desqualificante e depreciativa do aplicador da lei processual, por coenvolver um juízo de ilegalidade, flagrante e ostensiva, por dever ser do conhecimento de qualquer prático do direito, quando mais de alguém que preside a um tribunal, e que ao dirigi-la a um juiz inculca um juízo de negatividade técnico-pessoal impressivo. O juízo apreciativo e valorativo contido na proposição inscrita no despacho de pronúncia, pela sua carga negativa englobante de um sentido de desprezo e/ou desconhecimento por regras basilares e elementares do direito probatório, não pode deixar de atingir, pela merma de rango ou pauta avaliativa em que se repercute na capacidade de alguém a quem está adstrita a função de administrar justiça num órgão jurisdicional, ou seja para a sociedade.
A imputação do juízo de valor contido na proposição de que no tribunal a que a assistente preside “provavelmente” se utilizam métodos que a lei e as regras próprias de um direito processual arrimado a valores de isenção e lhaneza, na forma como as provas são obtidas para um processo que se pretende justo e equitativo, é depreciativa e desqualificante da qualidade que ostenta e que exibe perante aqueles a quem deve contas pela forma como administra e gere a justiça num órgão jurisdicional.
Não nos sobram dúvidas, que a imputação formulada em forma de juízo de valor [[29]] (crítico e valorativo) constitui uma imputação que ofende e fere a qualidade de julgadora da assistente e deve ser integrada na materialidade ilícita-típica contida no artigo 180º do Código Penal.  
II.B.5. – SE A ACÇÃO PODE SER LEGITIMA PELO EXERCICIO DE FUNÇÕES DE MANDATÁRIO JUDICIAL E POR SE LIMITAR A TRANSFERIR PARA A PEÇA PROCESSUAL O QUE LHE É FORNECIDO PELO CLIENTE. (DO RECURSO DA ASSISTENTE DD).
Na defesa que desenvolve contra o juízo de pronúncia que contra si foi formulado, a arguida, DD, refere (i) ser advogada; (ii) ter acreditado no que lhe havia sido dito pelo cliente, Juiz Desembargador e amigo pessoal; (iii) teve como único objectivo repudiar a utilização do termo «gajo» formulado contra o seu cliente; (iv) teve o cuidado de excluir o “Dr. BB das possíveis interpretações da expressão usada pela Assistente, usando o condicional: "se companheiro"; (v) (…) não é possível responsabilizar um Advogado quando transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse, e no qual acreditou (Ac. RC de 1/03/89 (CJ, XIV, tomo 2, p. 76). (vi) “Não teve nunca a intenção - e nem sequer configurou a possibilidade - de preencher o (tipo de) ilícito (do art. 180°)., faltando-lhe, portanto, o dolo (do tipo).
A questão da responsabilização criminal do advogado que, enquanto mandatário judicial de um arguido, inscreve numa peça processual expressões que, objectivamente, são susceptíveis de integrar a materialidade ilícita e típica contida numa norma incriminadora, tem sido objecto de uma díspar abordagem e de análises desencontradas.
A jurisprudência – normalmente dos tribunais de segunda (2ª) instância – tem vindo a adoptar como referente orientador o Acórdão da Relação de Coimbra, de 1 de Março de 1989, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo II, pág. 76, em que se equacionou um quadro hipotético configurando três situações possíveis: (i) “a primeira em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse, depois de o advertir expressamente das consequências que daí poderão advir; (ii) a segunda será o caso em que o autor da peça processual é apenas o advogado, sem qualquer interferência do cliente; (iii) a terceira é aquela em que o cliente relata os factos que sabe não serem verdadeiros, com o propósito de que o advogado os verta para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade.”
Malgrado o apertado leque de hipóteses configurado – muitas mais poderiam ser conjecturadas – não deixa de se erigir como guia orientador e/ou propinador para especificas e concretas situações que a realidade possa prodigalizar.
A lei essencial estatui no artigo 208º da Constituição da República Portuguesa que “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.
A Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), no artigo 13.º, nº 2, al. b), estatui que assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício dos actos próprios de forma isenta, independente e responsável, regulando-os como elemento indispensável à administração da justiça concretizando que, para garantir o exercício livre e independente de mandato que lhes seja confiado, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias a um desempenho eficaz, designadamente (no que ao caso interessa) [b)] “o direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto da profissão”.
O Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Actos dos magistrados”, estatui no artigo 150º, nº 2, que “não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.
Já o artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei º 15/2005 de 26 de Janeiro), dispõe-se que: “1 - A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca; 2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.”

Aduz a recorrente que, na peça que apresentou, em representação do seu mandante, se limitou a reproduzir e dar forma ao que lhe havia sido transmitido pelo arguido/recorren-te, aliás, magistrado de um tribunal superior e seu amigo pessoal.

Não custa admitir que o curso do sucedido assuma os contornos com que a recorrente o recorta. A ser assim, e não desconhecendo, ou antes tendo sabendo, como não descarta a hipótese de saber, que tanto o termo empregue como a proposição em que que era desqualificado e censurado o modo de proceder da assistente eram susceptíveis de lesar a honra e consideração dos visados, então a arguida/recorrente tornou-se co-autora do arguido/recorrente, por mancomunação e conjunção de propósitos na obtenção do resultado ofensivo que sabiam estar a perpetrar e cujo resultado anteviram como necessário e conseguido. A menos que a arguida/recorrente prove que foi constrangida pelo arguido/recorrente a escrever o que consta da participação, ou não teve intervenção na elaboração do seu conteúdo, tendo-se limitado a subscrever o requerimento de denúncia, a autora, ao não se ter distanciado e tendo anuído ao conteúdo do requerimento, torna-se comparticipante na acção ilícita que resultou na ofensa da honra e consideração dos assistentes, A arguida/recorrente, enquanto representante judicial do arguido/recorrente, ainda que não se possa descontar a qualificação especial e especifica do mesmo, para se cindir ou cisar da conduta do representado deveria demonstrar que, tendo-se apercebido que as expressões revestiam feição ofensiva, o tinha avisado e esclarecido das eventuais consequências e que mesmo assim ele teria insistido na inserção dos termos que constam da participação. À Senhora advogada, sem nunca obliterar nem a qualidade do arguido nem a sua relação de amizade, mas até por isso, ou seja pela confiança que uma relação de amizade conleva na despreocupação e franqueza da exposição dos motivos discrepantes que haja que assumir, sempre restaria a solução de renúncia do mandato, por entender que não estava em condições para prosseguir com a representação, por a persistência do arguido em incluir termos que ela considerava ferentes da honra e dignidade dos assistentes ser contrária à sua consciência e ao seu código deontológico. Ao advogado cabe a direcção, organização e condução da defesa do representado e neste feixe de competências e deveres (de representação) inclui-se o de resistir e refrear à impulsividade e paixão co-envolvente ao litígio de modo a que os casos e situações litigiosas cheguem ao tribunal despejadas e despojadas de uma terminologia carregada de emotividade e sentido de despeito e rancor. Não se advoga uma advocacia inane e dessorada, mas não se incentiva uma advocacia fraguada e acintosa. [[30]]

Tal como a arguida/recorrente configura o fundamento do seu alor recursivo – isto é, como mera amanuense e executora displicente e acrítica da vontade do arguido/recorrente – afigura-se-nos que não poderá deixar de acompanhar, como comparticipante, o co-arguido. A especial qualidade da arguida/recorrente não a desautora da co-autoria do ilícito comprovado, pela especial obrigação que, no exercício de um mandato regular a são, tinha de obviar à inserção dos termos ofensivos e de impedir que o seu cliente, até pela qualificação que ele ostenta, levasse por diante o propósito de incluir os supramencionados termos na participação criminal que despoletaram contra os assistentes.       

    

III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Negar provimentos aos recursos, mantendo, por conseguinte, o despacho de pronúncia;
- Condenar os recorrentes nas custas.


  Lisboa, 29 de Maio de 2019


                                          
  (Gabriel Martim Catarino)

                                          
 (Mário Belo Morgado)
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[1] Ferrando Montavani, Diritto Penale, Parte Speciale, I, Delitti Contro la Persona, CEDAM, 11ª Edizione, 2005, pág. 201-205.
[2] Ferrando Mantovani, Diritto Penale, Parte Speciale, I, Delitti Contro la Persona, CEDAM, 11ª Edizione, 2005, pág. 189.  
[3] Cfr. op. loc. cit. pags. 191 a 194.
[4] Conotando-lhe uma variação léxica vide Iolanda Rodrigues Brito, “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, pág. 242-251. “Enquanto bem jurídico-penal, a honra é acolhida numa concepção normativo-fáctica (…).”   
[5] Faria Costa – “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pagina 606
[6] In “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo I”, Coimbra Editora, 1999, p.603.
[7]Nenhum bem jurídico goza de uma protecção absoluta do Direito Penal, sob pena de se inviabilizar a convivência social. A tutela penal do bem jurídico deve ser chamada apenas quando for ultrapassada a barreira do contacto social permitido, pois a partir daí os riscos a que se expõe o bem jurídico não têm se ser suportados pelo Direito Penal. Por isso, o legislador penal criminaliza a difamação e a injúria para proteger o bem jurídico honra, pese embora não tenha a pretensão de estender a protecção a toda a amplitude, em conformidade com o princípio do mínimo da intervenção penal.” - Iolanda Rodrigues Brito, “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, pág. Iolanda Rodrigues Brito, “Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas”, Coimbra Editora, 2010, pág. 247. 
[8] Cfr. na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Janeiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, “O bem jurídico protegido com o art. 181.º do CP é a honra e consideração de outra pessoa: trata-se no fundo do direito à fama, reconhecimento e respeito pessoal e social que todas as pessoas têm que ter. III - Entende-se por honra, «aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral», e por consideração «aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo» – Beleza dos Santos, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria, RLJ Ano 92.º, n.º 3152, págs. 167/168; cf., também, Ac. do STJ de 30-04-2008, Proc. n.º 4817/07 - 5.ª, com os mesmos intervenientes processuais. IV -Segundo afirma Faria e Costa (Comentário Conimbricense, pág. 630), o carácter ofensivo de certas palavras tem de ser visto num “contexto situacional” e se o significante das palavras permanece intocado, o seu significado varia consoante os contextos..” – disponível em www.dgsi.pt.
[9] Alejandro Pablo Serrano, “Los Delitos contra el Honor en el Derecho Penal Español y en el Derecho Comparado”, Tese de Doutoramento, Universidade de Valladolid, pág. 366. “Com carácter geral, podemos afirmar que o conceito de honra alude ao valor interno e à validade ou consideração externa do homem e a pretensão de respeito desta valia; neste sentido, a conexão com a dignidade volta a aflorar se tivermos em conta que a própria dignidade encarna, objectivamente, o valor, as qualidades ou os traços essenciais e, subjectivamente, a pretensão de respeito.”      
[10] Alejandro Pablo Serrano, “Los Delitos contra el Honor en el Derecho Penal Español y en el Derecho Comparado”, Tese de Doutoramento, Universidade de Valladolid, pág. 367-368. O principal defensor do desterro das teorias fáticas terá sido HIRSCH, que tomou como inicio da honra “o património de valor preexistente ou prévio, que se reconhece a todos os homens por igual; esse valor identifica-se com o respeito (“Anspruch”); de forma que o direito à honra seria a pretensão de não ser molestado, o direito da pessoa manter um âmbito de paz em relação com as questões da honra,  um espaço não atacado (“EhrFriedenssphäre”) ou também (“Frieden in Dingen der Ehre”). (op. loc. Cit. Pág. 372)   
[11] Alejandro Pablo Serrano, op. loc. cit., pág.,372. Seguidor desta doutrina foi igualmente MERZ “para quem a honra era, nas suas palavras, o valor ou a qualidade objectiva do homem (“objektives Geltungswer”), quer dizer, o conhecido como valor interno (que é a denominação habitual dos partidários das teorias normativas); em consonância com a linha normativa dominante, propõe MERZ um conceito pessoal de honra conforme ao qual todas as pessoas são iguais na plena posse de honra salvo que esta pode ver-se reduzida por deficiências elementares ou mais acusadas,”    
[12] Alejandro Pablo Serrano, op. loc. cit., pág. 375.
[13] Assim por exemplo, SCHMIDT, WOLFF, LENCKNER E SCHÖSSLER, para quem “o modelo de reconhecimento do outro se converte num princípio de fundamental significado no marco e uma sociedade pluralista, tolerante e aberta com uma multitude de perspectivas igualmente legitimas. Para que este reconhecimento intersubjectivo seja efectivo deve dar-se cumprimento a duas pretensões: a) a do reconhecimento da sua condição de ser humano e de participante livre e igual num ambiente de relações comunicativas e com independência das suas circunstâncias culturais, religiosas ou éticas (elemento constante e de natureza normativa); b) e o reconhecimento e o respeito da sua identidade individual, à luz das considerações sociais e temporais actualmente dominantes, que se decidirá discursivamente num permanente processo de socialização como consequência de um consenso social (“konsentierten gesellsschaftlichen Wertvorstellungen”) que todos acatam porque todos confiam nele, sobre o que depositam os seus horizontes de expectativas (“Erwantungshorizonten”) e ao que se chega procurando sentir o nome do outro (“Erfüfhlungsvermögen”), tendo empatia e sensibilidade (elemento variável e de natureza fáctica), e que, em última instância, arroja ou define o legitimo valor social da pessoa (“berichtigter sozialer Geltungswert der Person”).”           
[14] Alejandro Pablo Serrano, op. loc. cit., pág. 381-382.
[15] Aproximando territorialmente o debate veja-se o estudo de Conceptión Carmona Salgado, “Calumnias, Injurias y Otros atentados al Honor”, 2012. As concepções normativas “concebem a honra como valor interno da pessoa, baseado na sua dignidade como ser humano, que o legitima para gozar a priori da faculdade de ser respeitado pelos demais e que impede o seu escarnecimento e humilhação, dependendo o seu conteúdo do comportamento do sujeito em função do seu adequado cumprimento do código ético e valorativo vigente, seja este extrajurídico (baseado em critérios morais e sociais) seja este de índole estritamente jurídica.”
Em relação a esta corrente doutrinária – normativa – soem distinguir-se as concepções normativo-fácticas e as concepções estritamente normativas. “A tenor das primeiras, todo o sujeito dispõe de uma quantidade mínima de honra como elemento estático, vinculado à sua dignidade pessoal, assim como uma quantidade de honra “variável” em atenção a determinados critérios fácticos, segundo os quais o grau de respeito manifestado através do seu próprio comportamento no livre desenvolvimento da sua personalidade relativamente aos valores éticos dominantes (código ético) pode determinar a eventual »redução» do grau de tutela jurídica da sua honra (elemento dinâmico, vinculado a esse livre desenvolvimento, assim como à assumpção pelo sujeito das consequências derivadas das suas acções voluntariamente executadas, o que equivale a compaginar o conceito social de honra com os postulados constitucionais, ainda que sem renunciar à ideia de merecimento ou de valor real do mesmo, segundo o comportamento de cada um dos titulares (Honra real ou merecida), no bom entendimento de que as eventuais desigualdades de trato que este “planteamiento” pudesse suscitar em relação a este direito fundamental nada têm com os critérios apriorísticos, baseados, por exemplo, no estatuto social, ideologia, profissão ou capacidade económica, mas sim, simples e lhanamente, na sua capacidade de proceder, respeitosa ou não, tolerante ou intolerante, relativamente a valores essenciais que devem imperar numa sociedade democrática, cujo respeito deveria incumbir-nos a todos os cidadãos por igual.
Pelo contrário, as concepções estritamente normativas reconhecem idêntica quantidade de honra à generalidade das pessoas por se tratar de um atributo inerente à sua dignidade, com independência de quais sejam as opiniões de vida adoptadas por elas em relação a esses valores mencionados (protecção d livre desenvolvimento da personalidade), de tal forma que a sua tutela penal radicaria em proteger a liberdade de cada sujeito para eleger a sua forma de viver e de evoluir perante as limitações que certos juízos de valor ou imputações de factos pudessem representar ao mostrar-se de antemão idóneas para gerar o rechaço social.”                                        
[16] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Abril de 2015, in www.dgsi.pt.
[17] Mantovani, Ferrando, op. loc. cit. pág. 235.
[18] Mantovani, Ferrando, op. loc. cit. pág. 236.
[19]O elemento subjectivo deste ilícito vem a traduzir-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei. VI -Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano – cf. Faria e Costa e Beleza dos Santos in, ob. Cits.” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2009, supra citado.
[20] Sobre a distinção conceptual e teorética de causa de justificação de ilicitude e causa de exclusão de punibilidade, como causa de justificação, veja-se, com proveito, Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito, Civitas, 1997, pág. 971.
Para uma distinção/definição entre causas de justificação da antijuridicidade (e/ou do injusto), causa de exclusão da culpabilidade e exculpação e causa de exclusão da punibilidade mais circunstanciada pode ver-se, com proveito, o Autor citado, in op. loc. cit. págs. 557 a 601; 814.  
[21] Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito, Civitas, 1997, pág. 970. “A concorrência de uma acção ou uma omissão, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são elementos essenciais do conceito de delito. O delito é, portanto, a acção ou omissão típica, antijurídica e culpável.” – Erika Mendes de Carvalho, Punibilidad y Delito, Editorial Reus, 2007, pág. 53.    
[22] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 557.
[23] Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación., 2ª edição, Marcial Pons, Madrid, 1997, pág. 419.
[24] Günther Jakobs, op. loc. cit. 421.
[25] Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 976. O Professor considera que ocorrerá neste caso uma «aparente causa de exclusão de punibilidade” – cfr. op. loc. cit. 974-977.
[26]Consagra, assim, o n.º 2 do artigo 180.º uma específica causa de justificação com um âmbito de aplicação geral e universal (muito embora tenha uma prevalente incidência na conflitualidade entre o direito à honra e o direito a informar).
Para se afirmar esta causa de justificação é necessário que se verifiquem, cumulativamente, duas condições: a imputação de facto desonroso ser feita para realizar interesses legítimos e, para além disso, o agente provar a verdade da mesma imputação ou ter fundamento sério para a reputar verdadeira.
Para preencher a intencionalidade ínsita na alínea a) é necessário que se demonstre a prossecução de interesses legítimos.
A justificação jurídico-penal da conduta ofensiva da honra que se traduz na imputação de factos não depende, apenas, da realização de um interesse legítimo, a lei impõe, ainda, que o agente prove a verdade da imputação ou que haja tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.”- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Abril de 2015, in www.dgsi.pt.
[27] Fernanda Palma, Princípio da Desculpa em Direito Penal, Almedina, 2005, pág. 127.
[28] Ferrando Mantovani, op. loc. cit. pág. 203.
[29] Facto é um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, é um juízo de existência ou de realidade.
Juízo já não é uma apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor. – Cfr. acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 9 de Abril de 2015, www.dgsi.pt.
Faria Costa,  Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 1.ª edição, comentário ao artigo 180.º, § 19 a 25, págs. 609-611..
[30] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Junho de 2006, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, em que se escreveu, “é necessário não esquecer que um processo é uma luta, quase sempre viva e apaixonada, de interesses ou de sentimentos, e que nem sempre é possível manter nessa luta uma atitude de extrema correcção e de impecável urbanidade” (cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 550, pág. 117, cit. por Alfredo Gaspar, in “O Advogado e a sua Liberdade de Expressão nos Tribunais”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 48°, Dez.1988, pág. 1025).
«Para que os escritos dos advogados e procuradores se julguem criminalmente difamatórios ou injuriosos, não basta atender à significação própria das palavras, sendo necessário verificar se servem ou não para provar a intenção das partes, isto é, se são exigidos pela defesa ou apenas manifestam a intenção criminosa de ofender alguém na sua honra e consideração” (cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 35°, pág. 262, cit. por Alfredo Gaspar, no mesmo local).
 “ (...) [o ambiente do processo penal] é dominado por uma atmosfera densificada de emotividade e conflitualidade. O que deve valer como um estímulo ao exercício quotidiano da tolerância e da disponibilidade para aceitar limiares particularmente qualificados de risco permitido e de sacrifício socialmente adequado do bem jurídico mais intensamente coenvolvido, a saber, a honra” (cfr. Prof. Figueiredo Dias e Prof. Costa Andrade, in “Limites do Direito de Defesa — O Direito de Defesa em Processo Penar, Revista da Ordem dos Advogados, ano 52.º, Abril 1992, pág. 273 e sgs.).
«De outra forma, abrir-se-ia a porta a limitações tão drásticas como intoleráveis da liberdade de expressão e actuação dos diferentes sujeitos processuais. Estes não podem viver sob a ameaça constante da invocação das reacções criminais em nome da tutela da honra, uma espada de Damocles que só poderia redundar em manifestações perversas de auto-censura (...)“ (ibidem).
À semelhança do que vale para outras e relevantes manifestações de liberdade: a liberdade de expressão, de criação, de informação, de participação no debate político, etc.”, também no domínio do processo penal, as razões dos sujeitos processuais “impõem o recuo da tutela penal da honra” (ibidem, sendo da nossa autoria o que não está em itálico). “Não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa” (artigo 154°, n°5 do CPC).
Esta regra é de validade extensiva a todas as jurisdições, incluindo a penal (cfr. neste sentido, cfr. Alfredo Gaspar, “O Advogado e a sua Liberdade de Expressão nos Tribunais”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 48°, Dez.1988, pág. 1004).”