Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4028/10.4TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES PROFISSIONAIS.
Doutrina:
- INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, pp. 404, 405.
- PESSOA JORGE, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392-394.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 608.º, N.º2.
DECRETO-LEI N.º 142/99, DE 30 DE ABRIL, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 185/2007, DE 10 DE MAIO: - ARTIGO 6.º.
DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL: - ARTIGOS 11.º, 49.º, N.º7, 50.º, N.º 1, 51.º, N.ºS 1 E 3, 56.º, N.º 1, AL. A).
DECRETO-LEI N.º 55/89, DE 22 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 70.º.
LEI N. º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 10.º, 10.º, AL. B), E 17.º, N.º 1, AL. E), 20.º, N.º 1, ALS. A) E C), 22.º, N.º 1, AL. A), N.º3, 37.º, N.ºS 1 E 3.
LEI N.º 4/2007, DE 16 DE JANEIRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21 DE JUNHO DE 2007, PROCESSO N.º 534/2007, DOCUMENTO N.º 07S534, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 25 DE JUNHO DE 2008, PROCESSO N.º 236/08, DOCUMENTO N.º 08S0236, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 20 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 469/10.5T4AVR.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1 - No juízo de preenchimento do nexo causal entre um acidente de trabalho e a morte do sinistrado que veio a ocorrer na sequência do mesmo, há que fazer apelo à teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563° do Código Civil, teoria segundo a qual para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo, traduzindo-se, essa adequação, em termos de probabilidade fundada nos conhecimentos médicos, de harmonia com a experiência comum, atendendo às circunstâncias do caso;

2 - O nosso sistema jurídico consagra a vertente ampla da causalidade adequada, não se exigindo a exclusividade do facto condicionante do dano, sendo configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, ao mesmo tempo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que suscite directamente o dano;

3 - Deve ser considerado causa adequada da morte do sinistrado o acidente de trabalho que provoca fractura de um membro inferior deste e a sua imobilização, bem como o recurso a fisioterapia para recuperação de movimentos desse membro, tratamento que terá desencadeado a entrada em circulação de um coágulo sanguíneo, que ao alojar-se no pulmão, provocou a morte do sinistrado.

4 – Não obsta à conclusão referida no número anterior o facto de se não ter estabelecido medico legalmente uma relação directa entre o acidente e a formação do coágulo sanguíneo em causa, uma vez que se deu como provado ser muito provável a existência de uma relação causal entre o acidente e a formação desse coágulo, cuja libertação foi provocada pelo tratamento de fisioterapia e não se provaram também quaisquer circunstâncias excepcionais que desencadeassem aquela formação.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I


AA, por si e na qualidade de representante legal dos menores BB, CC e DD, intentou a presente acção com processo especial para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra EE – Companhia de Seguros, S.A., e FF – ..., Lda., pedindo a condenação das RR, na proporção das respectivas responsabilidades, no pagamento de uma pensão anual, a cada uma das AA., da quantia de € 583,57, a título de indemnização pelo período de incapacidades temporárias, da quantia de € 5.400,00, referente a subsídio por morte e da quantia de € 1.800,00, relativa a despesas com funeral.

Invocou como fundamento da sua pretensão que: - o seu marido e pai das menores, GG, era trabalhador da 2.ª R, tendo sofrido um acidente de trabalho em 29 de Julho de 2009; - deste acidente veio a resultar a morte do trabalhador; - a 2.ª R havia transferido, parcialmente, para a 1.ª R. a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.

A acção prosseguiu seus termos, sendo contestada pela Ré seguradora que alegou, em síntese, que inexiste nexo de causalidade entre as lesões provocadas pelo acidente e a morte do sinistrado.

O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. veio pedir o reembolso de prestações pagas às Autoras, pedido que foi contestado pela Ré Seguradora.

A acção veio a ser decidida por sentença de 12 de Fevereiro de 2014, que a julgou improcedente.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram as Autoras recurso de revista per saltum para este Supremo Tribunal, tendo integrado nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«I. As RR. não lograram provar, e não poderiam porque nem sequer alegaram, a ocorrência de qualquer evento ou circunstância que pudesse ter interferido no processo de causalidade e que pudesse afastar a presunção legal constante nos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, ou a forte probabilidade referida no relatório pericial, pelo que o douto Tribunal a quo, salvo melhor opinião, não poderia apartar-se da presunção legal e deixar de enquadrar os factos provados descritos no pontos 16 a 18 da matéria provada como sendo, eles mesmos, um acidente de trabalho ou pelo menos consequência de acidente de trabalho, só assim respeitando o preceituado nos artigos 9.º e 10.º da Lei n. ° 98/2009, de 4 de Setembro.

II. Por outro lado, o artigo 11.° estende o direito à reparação nos casos em que " 5 - (...) a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento."

III. Atentos aos factos dados por provados nos pontos 13, 15, 16 a 18, 20 a 22 muito se estranha a conclusão a que chegou o douto tribunal a quo, tanto mais quando o próprio tribunal afirma que habitualmente os coágulos são libertados na corrente sanguínea até 3 meses após o acidente, pois, como é bom de ver, o facto descrito no ponto 18 teve lugar precisamente no espaço de três meses e meio desde o início das sessões de fisioterapia (início de Novembro até 15 Fevereiro), parece-nos que o mesmo cai necessariamente dentro do que é "habitual" e temporalmente adequado (somando-se aos demais pressupostos causais de uma embolia pulmonar enunciados pelos peritos nos seus esclarecimentos e que também se verificaram no presente caso), reforçando a tese de que o facto descrito no ponto 18 é, ele mesmo um acidente de trabalho ou pelo menos consequência do acidente, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

IV. Assim, não tendo sido ilididas, pelas RR. as presunções legais resultantes das disposições supra referidas, o douto tribunal, com o devido respeito, andou mal ao considerar como não provado o nexo causal ao arrepio do disposto e da ratio dessas mesmas disposições, interpretando e aplicando erradamente as disposições dos artigos 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

V. No presente caso não são conhecidas nem se registaram quaisquer circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que tenham interferido no processo de causalidade, pelo que, como afirmaram os peritos Dr. HH e o Dr. II, não sendo conhecidas quaisquer outras causas/circunstâncias (atentos quadro clínico do Sinistrado), a flebotrombose que provocou a embolia pulmonar a qual, como causa natural, lhe provocou a morte (facto 18), muito provavelmente, teve como causa o traumatismo que o sinistrado sofreu (facto 8, já caracterizado como acidente de trabalho) e consequente cirurgia ortopédica com a imobilização do membro afectado.

VI. Face ao relatório pericial e depoimentos prestados pelos peritos, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, o douto Tribunal conclui, e bem, que: "Muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos. (facto 20)"; "formados os coágulos a que se refere o ponto anterior, o tratamento de fisioterapia que provocou a mobilização progressiva da perna do sinistrado, teve como consequência a sua activação sanguínea, fazendo com que os coágulos se libertassem, (facto 21)"; "Coágulos que, ao entrarem na circulação, foram alojar- ‑se nos pulmões, provocando a embolia pulmonar referida em 18, supra, (facto 22);

VII. Com o devido respeito que é muito pelo douto tribunal a quo, muito se estranha a sentença aqui proferida porquanto, ao arrepio da ratio do disposto no artigo 563.º do CC (que preconiza a teoria da causalidade adequada), fez improceder totalmente a presente acção por não conseguir obter uma certeza absoluta, uma confirmação sem margem para duvidas, de que a embolia pulmonar tenha sido provocada pela fractura ou tenha surgido na consequência dos respectivos tratamentos de que o sinistrado foi alvo, não se bastando com a forte probabilidade ou seja a adequacão desta causa ao efeito morte.

VIII. Assim somos a concluir que andou mal o douto tribunal a quo ao proferir a sentença ora em recurso com base numa errada interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil.»

Termina pedindo a procedência do recurso e que seja «em consequência, revogada a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e substituída por outra que julgue a acção procedente por provada e condene as Recorridas na totalidade dos pedidos.

A Ré Seguradora respondeu ao recurso interposto pelas Autoras integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A) GG exercia as funções de armador de ferro – Of. de 2.ª - e todas as funções da sua especialidade ou quaisquer outras desde que fossem compatíveis com a sua qualificação profissional, por força de contrato de trabalho celebrado com a 2.ª R - FF - ..., Ld.ª;

B) No âmbito desse contrato, o trabalhador foi cedido à empresa JJ ¬ Construções, Lda., prestando os seus serviços na obra “KK, Lotes 1.06.1.4 e 1.06.1.3", sita no Parque ...;

C) Em Julho de 2009, o trabalhador auferia a retribuição de Euros 492,00 x 14 meses (salário base) e Euros 6,17 x 22 dias x 11 meses (subsídio de alimentação), o que perfaz a remuneração anual de Euros 8.381,14;

D) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 10/115106, do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de riscos traumatológicos-seguro completo, encontrava-se transferida para a 1.ª R. EE - Companhia de Seguros, S.A. a responsabilidade da 2.ª R. por sinistros dessa natureza, pelo montante, no que concerne ao trabalhador supra-identificado, correspondente ao salário base - Euros 492,00 x 14 meses;

 E) No dia 29 de Julho de 2009, pelas 11 horas, no local da obra supra-indicada, o trabalhador encontrava-se a montar um pilar de betão em cavaletes e, ao pousá-lo no chão, o mesmo tombou e caiu sobre a sua perna esquerda, fracturando a tíbia;

F) Na sequência do acidente, o sinistrado foi encaminhado de urgência para o Hospital Curry Cabral e daí foi transferido para o Hospital Fernando Fonseca, onde foi assistido;

G) Foi submetido a cirurgia para encavilhamento da tíbia, tendo ficado internado no Hospital Fernando Fonseca de 29/07/2009 a 06/08/2009, data em que teve alta;

H) O sinistrado saiu do hospital com a perna engessada e com a prescrição de marcha com canadianas sem apoiar a perna operada, vendo-se forçado a manter a perna imobilizada;

I) Após a alta médica do hospital, o sinistrado foi acompanhado pela seguradora;

J) Desde a data da alta até ao início dos tratamentos de fisioterapia, o sinistrado manteve a sua perna totalmente imobilizada;

K) O sinistrado encontrou-se totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente;

L) Os tratamentos de fisioterapia tiveram início cerca de três meses após o acidente;

M) No dia 15 de Fevereiro de 2010, durante uma sessão de tratamento, o sinistrado sentiu-se mal, com dificuldades respiratórias;

 N) Foi assistido pela médica da clínica, bombeiros de Barcarena e INEM, que efectuaram manobras de SAV durante 45 minutos, no entanto sem sucesso, tendo sido verificado o óbito momentos a seguir na clínica;

O) Realizada autópsia, foi apurado que o sinistrado sofreu uma flebotrombose femural esquerda e uma embolia pulmonar, o que, como causa natural, lhe provocou a morte;

P) A Ré, ora Recorrida, não questiona a existência do acidente dos autos, e que o mesmo é de trabalho, conforme assumido em sede de contestação;

Q) Mais, em consequência do evento dos autos, a ora Ré, ora Recorrida, procedeu ao acompanhamento clínico do sinistrado GG, tendo, inclusivamente, pago as despesas decorrentes desse acompanhamento;

R) No entanto, e quanto ao nexo de causalidade entre as lesões sofridas e a morte do sinistrado, GG, a Ré, ora Recorrida, concorda com a motivação depositada na douta sentença proferida;

S) Ora, refere o douto Tribunal a quo que "importa apreciar se existe o indispensável nexo de causalidade entre as lesões provocadas pelo acidente de trabalho e o evento «morte». É que apenas se resultar provado que a morte do sinistrado foi consequência directa e necessária do acidente poderão as AA. ter direito à pensão e demais prestações que aqui reclamam”.

T) Acrescenta a sentença recorrida que “A lei estende ainda a reparação das lesões ou doenças que surjam no decurso do tratamento subsequente ao acidente de trabalho e que sejam consequência desse tratamento - n.º 5 do artigo 9.º da Lei n.º  100/97. 

No caso vertente temos provado que o acidente de trabalho de que o sinistrado foi alvo lhe determinou a seguinte lesão corporal: fractura da tíbia esquerda. Mais de seis meses depois vem a morrer por uma flebotrombose femoral esquerda e uma embolia pulmonar.

No tocante ao nexo causal, resultou provado que muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos (v. ponto 20. dos Factos Provados).

Como é bom de ver, não existe uma certeza absoluta de que a embolia pulmonar tenha sido provocada pela fractura da perna resultante do acidente de trabalho. E não olvidemos que mesmo este facto resultou de uma perícia que não colheu a unanimidade dos peritos médicos, tanto mais que habitualmente os coágulos são libertados na corrente sanguínea até 3 meses após o acidente.

Como igualmente não existe uma confirmação sem margem para dúvidas que aquela patologia tenha sido consequência dos tratamentos de que o sinistrado foi alvo fruto da lesão corporal sofrida no acidente.

U) Acresce que, e isso resulta dos autos, do acompanhamento clínico realizado, em 23 de Outubro de 2009, o sinistrado, GG, iniciou medicina física e de reabilitação, a qual decorreu até ao dia 15 de Fevereiro de 2010, não se tendo verificado qualquer situação anormal, que alertasse para o risco de vida daquele;

V) Ora, consta dos autos a informação clínica pelo Dr. LL, médico fisiatra que acompanhou o sinistrado GG, nos termos da qual refere: "Na sequência das observações feitas em 19 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 2010 nunca foram visíveis edema e outros sinais inflamatórios do membro inferior esquerdo nomeadamente ao nível da virilha, coxa e joelho esquerdo” (…) "Apresentava edema da extremidade do membro inferior esquerdo compatíveis com a cirurgia e imobilização registados", conforme documento 4 junto aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

W) De resto, da Informação prestada pela Dr.ª, MM, que se encontra junta aos autos como documento 3, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não poderá ser estabelecido o nexo de causalidade entre a embolia pulmonar sofrida por aquele GG e a factura da perna ocorrida cerca de 7 meses antes da sua morte;

X) Resulta daquela informação que não foi verificada qualquer evidência clínica que levasse a um diagnóstico de trombose venosa profunda por todas as equipas médicas que observaram o sinistrado, nomeadamente, pelos serviços clínicos da Ré, pelos clínicos da medicina física e de reabilitação ou até pela própria médica de família que observou aquele GG entre a data do acidente de trabalho e a data da morte;

Y) Acresce ainda que, são diversos os factores de risco que podem conduzir a uma situação de flebotrombose, apontada no Relatório de Autópsia Médico-Legal como uma das causas de morte, nomeadamente, idade superior a 40 anos, hipertensão arterial, hábitos tabágicos, cirurgia nos últimos 3 meses, imobilidade, insuficiência cardíaca, trauma pélvico ou lombar, desidratação, obesidade, varizes, doença hematológica associada a hipercoaguabilidade, vasculites ou cancro, sendo que aquele GG tinha 51 anos, um quadro de hipertensão arterial descompensada à data do diagnóstico de tromboembolismo, uma eventual patologia cardíaca, expressa pelo sopro cardíaco e hipertensão arterial, embora não especificada ou confirmada por exames complementares de diagnóstico, para além de ter iniciado uma semanas antes da sua morte, terapêutica injectáve1 no Centro de Saúde, cuja terapêutica é habitualmente utilizada para situações de lombalgias;

 Z) Mais, as situações de lombalgia e raquialgia determinam uma imobilização relativa ou completa que, associada aos outros factores de risco de que aquele GG, sinistrado, era portador, pode estar na origem da flebotrombose e do subsequente tromboembolismo.

AA) Por outro lado, o depoimento prestado pela Professora Doutora NN, Perita Médica do Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação do Sul, que realizou a autópsia ao sinistrado, GG, cuja gravação ficou registada a 20140110102724_13643,20140110110142_13643 e 20140110111316_13643, é de crucial importância para aferir da existência de nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo sinistrado e a sua morte, ocorrida mais de seis meses após o acidente sofrido por este;

BB) Assim, refere a Prof. Dr.ª. NN em 20140110102724 13643, minuto 11:00, que, “No fundo, o que está aqui em questão é estabelecer o nexo de causalidade médico legal, e o nexo de causalidade médico legal estabelece-se com base em critérios objectivos, e neste caso eu procurei e não encontrei sinais objectivos de uma lesão traumática que afectasse o território vascular venoso. Aqui não foi encontrado. Procurei mas não encontrei. " (...) "Outro dos critérios, é o da adequação temporal”;

CC) Mais, acrescenta ao minuto 12:00, que "Quando estabeleço o nexo de causalidade médico legal, tenho que analisar todos os critérios, se quiser, todos os parâmetros, seu conjunto, porque basta que às vezes um só deles não se configure, para que não se possa estabelecer, ", referindo ainda ao minuto 13:14 que "É que, além da adequação temporal, tem que haver a continuidade evolutiva, e a continuidade evolutiva apreciável na informação clínica, em termos de observação autópica, seria de esperar encontrar outros parâmetros que permitissem falar de continuidade evolutiva. (...) Portanto, eu não tenho sinais objectivos do traumatismo e da repercussão a nível venoso, não tenho outros sinais que resultaria, portanto, de evolução desse traumatismo, não tenho. Eu começo a não ler muitos parâmetros que me permitam estabelecer o nexo de causalidade médico-legal. "

DD) Ora, tal factualidade foi afirmada ao longo de todo o depoimento, por diversas vezes;

EE) Pergunta então a Mandatária da Ré em 20140110111316_13643, minuto 10:30, que "Já referiu que há inúmeras razões, algumas delas ainda nem sequer conhecidas que possam causar uma flebotrombose. Pela observação que fez, não conseguiu estabelecer uma relação com o sinistro com uma possível fractura, que nem sequer conseguem observar …”;

FF) Em resposta, a Prof.ª Dr.ª NN, refere "Não é "não consegui estabelecer", Eu não estabeleci, é diferente! Não havia elementos objectivos, não havia parâmetros relacionados com a continuidade evolutiva e adequação temporal. ";

GG) Esclarece ainda em 20140110111316_13643, minuto 12:40, que "Fiz dissecção de toda a zona vascular. Para explorar toda a zona vascular, distal à zona da flebotrombose. Neste caso, foi feita nos dois membros e às vezes até encontramos zonas de trombose vascular em membros que não sofreram qualquer lesão. ";

HH) Perante todos os esclarecimentos prestados pela Prof. Dra. NN, perguntou a Mandatária da Ré, ao minuto 13:45 da gravação com a referência 20140110111316_13643, e em conclusão, "Então a flebotrombose ocorreu por algum factor, mas não estabeleceu nenhuma relação com a situação do traumatismo?”, o que foi confirmado por aquela Sra. Dra. Perita Médico Legal; 

II) Pelo exposto, ficou amplamente demonstrado, não apenas pela documentação que se encontrava junta aos autos, como também pelos depoimentos prestados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo sinistrado GG, causadas pelo acidente de trabalho ocorrido em 29 de Julho de 2009, e a morte daquele, em 15 de Fevereiro de 2010;

JJ) Daí que a douta sentença recorrida tenha julgado bem, sendo manifestamente evidente que não merece qualquer censura.»

Termina pronunciando-se pela improcedência do recurso.

O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIALIP, veio aderir ao recurso, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 634.º do Código de Processo Civil.

Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho, pronunciando-se no sentido da improcedência da revista, terminando com a seguinte síntese conclusiva:

«Em conclusão:

a.) O acidente em apreciação nestes autos, ocorrido em 29 de Julho de 2009, rege-se pelo regime jurídico disciplinado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, sob cujo império aquele ocorreu, não tendo o diploma legal que o substituiu – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro –, e que regula a matéria nos artigos 9.º, n.º 1, alínea f), 10.º e 11.º, natureza interpretativa e eficácia retroativa;

b.) A factualidade assente e não contestada foi adequadamente integrada no quadro jurídico em vigor pela sentença impugnada

Termos em que se emite parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, por ter feito correta interpretação e aplicação da lei, ao caso em apreço.»

Notificado este parecer às partes, vieram as Autoras pronunciar-se na linha das posições por si defendidas no âmbito do recurso.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se é possível imputar, de forma juridicamente relevante, a morte do sinistrado às lesões sofridas no acidente de que foi vítima.


II


1 - A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:

«1. No dia 15 de Fevereiro de 2010, pelas 13h55m, faleceu, com a idade de 51 anos, GG.

2. A 1.ª A., AA, tinha contraído casamento civil com GG em 19 de Agosto de 1999.

3. As 2.ª, 3.ª e 4.ª AA – BB, CC e DD – são filhas de GG e da 1.ª A.

4. GG exercia as funções de armador de ferro – Of. de 2.ª – e todas as funções da sua especialidade ou quaisquer outras desde que fossem compatíveis com a sua qualificação profissional, por força de contrato de trabalho celebrado com a 2.ª R – FF – ..., Lda..

5. No âmbito desse contrato, o trabalhador foi cedido à empresa JJ – Construções, Lda., prestando os seus serviços na obra "KK, Lotes … e …", sita no Parque ....

6. Em Julho de 2009, o trabalhador auferia a retribuição de € 492,00 x 14 meses (salário base) e € 6,17 x 22 dias x 11 meses (subsídio de alimentação), o que perfaz a remuneração anual de € 8.381,14.

7. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de riscos traumatológicos-seguro completo, encontrava-se transferida para a 1.ª R. EE – Companhia de Seguros, S.A., a responsabilidade da 2.ª R por sinistros dessa natureza, pelo montante, no que concerne ao trabalhador supra-identificado, correspondente ao salário base – € 492,00 x 14 meses.

8. No dia 29 de Julho de 2009, pelas 11 horas, no local da obra supra-indicada, o trabalhador encontrava-se a montar um pilar de betão em cavaletes e, ao pousá-lo no chão, o mesmo tombou e caiu sobre a sua perna esquerda, fracturando a tíbia.

9. Na sequência do acidente, o sinistrado foi encaminhado de urgência para o Hospital Curry Cabral e daí foi transferido para o Hospital Fernando Fonseca, onde foi assistido.

10. Foi submetido a cirurgia para encavilhamento da tíbia, tendo ficado internado no Hospital Fernando Fonseca de 29/07/2009 a 06/08/2009, data em que teve alta.

11. O sinistrado saiu do hospital com a perna engessada e com a prescrição de marcha com canadianas sem apoiar a perna operada, vendo-se forçado a manter a perna imobilizada.

12. Após a alta médica do hospital, o sinistrado foi acompanhado pela seguradora.

13. Desde a data da alta até ao início dos tratamentos de fisioterapia, o sinistrado manteve a sua perna totalmente imobilizada.

14. O sinistrado encontrou-se totalmente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente.

15. Os tratamentos de fisioterapia tiveram início cerca de três meses após o acidente.

16. No dia 15 de Fevereiro de 2010, durante uma sessão de tratamento, o sinistrado sentiu-se mal, com dificuldades respiratórias.

17. Foi assistido pela médica da clínica, bombeiros de Barcarena e INEM, que efectuaram manobras de SAV durante 45 minutos, no entanto sem sucesso, tendo sido verificado o óbito momentos a seguir na clínica.

18. Realizada autópsia, foi apurado que o sinistrado sofreu uma flebotrombose femoral esquerda e uma embolia pulmonar, o que, como causa natural, lhe provocou a morte.

19. Participado o sinistro e instaurados os presentes autos, realizou-se, em 12 de Abril de 2011, tentativa de conciliação, não tendo sido realizado acordo em virtude das rés entenderem não existir nexo causal entre a morte do sinistrado e o acidente – que as partes consideraram ser de trabalho – ocorrido em 29/07/2009.

20. Muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos.

21. Existindo formados os coágulos a que se refere o ponto anterior, o tratamento de fisioterapia que provocou a mobilização progressiva da perna do sinistrado, teve como consequência a sua activação sanguínea, fazendo com que os coágulos se libertassem.

22. Coágulos que, ao entrarem na circulação, foram alojar-se nos pulmões, provocando a embolia pulmonar referida em 18. supra.

23. Na sequência de requerimento que lhe foi apresentado, o Instituto da Segurança Social, I.P. pagou à 1.ª A subsídio por morte no valor de € 1.257,66.

24. E a cada uma das restantes autoras um subsídio por morte no valor de € 419,22.

25. Às AA foram pagas, no período de Março de 2010 a 08/01/2013, pensões de sobrevivência no valor total de € 10.023,26.»


III

1 – O acidente dos autos ocorreu no dia 29 de Julho de 2009, sendo por tal motivo, conforme bem refere o Ministério Público no seu parecer, enquadrado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que a regulamentou.

O presente recurso foi admitido como revista per saltum, nos termos do artigo 678.º do Código de Processo Civil.

Deu-se como assente no despacho que assim o admitiu que estavam preenchidos os pressupostos daquela forma de revista, tal como são definidos no n.º 1 daquele artigo do Código de Processo Civil, nomeadamente, que as partes nas suas alegações apenas suscitavam questões de direito.

Ponderando a questão que constitui o objecto do recurso – o estabelecimento de um nexo de imputação entre o acidente dos autos e a morte do sinistrado –, considerou-se que estava apenas em causa a dimensão jurídica dessa questão, uma vez que não era questionada a matéria de facto dada como provada.

Teve-se em consideração a jurisprudência deste Tribunal há muito sedimentada, sobre o estabelecimento de um nexo de causalidade e sobre a delimitação das questões de facto que essa matéria suscita, face às questões de direito subjacentes àquela problemática.

Na verdade, as questões de causalidade têm implícita a duplicidade de dimensões da realidade – facto/direito – que acaba por se reflectir no âmbito do recurso de revista.

Não tendo sido posta em causa a matéria de facto dada como provada, aquilo que incumbe ao Tribunal em sede de revista é saber se os factos fixados suportam a imputação de um vínculo de natureza jurídica entre o acidente dos autos e a morte do sinistrado.

Nesta faceta, que se reconduz à valoração jurídica da factualidade dada como provada, está em causa apenas matéria de direito que pode ser dirimida em sede de recurso de revista per saltum. Não está, pois, em causa a dimensão naturalística da relação factos – resultado que tem preocupado a jurisprudência deste Tribunal.

Com efeito, considerou-se sobre essa temática, no acórdão desta secção de 10 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 3411/06.4TTLSB.L1.S1[1], o seguinte:

«Conforme se vê, a lei exige, para fundamentar a reparação, que o comportamento do agente seja abstracta e concretamente adequado a produzir o efeito lesivo.

Por isso se diz que a afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes:

- a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano;

- a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido.

Estas duas vertentes são cumulativas e, portanto, indissociáveis na tarefa de indagação do processo causal para efeitos da reparabilidade de um sinistro.

A adequação concreta – nexo naturalístico – entre o comportamento do agente e o efeito lesivo tanto pode ser firmada através da prova que tenha sido alcançada directamente sobre a matéria, como pode ser indirectamente obtida por meio de presunções judiciais.

Em qualquer dos casos, estamos sempre num domínio que é da soberania exclusiva das instâncias.»

Como se referiu, não está em causa no presente recurso a dimensão naturalística, de base médico legal, da relação entre o acidente e a morte do sinistrado – questão a que o tribunal de 1.ª instância respondeu, nos termos que resultam da matéria de facto dada como provada.

É essa a questão – estabelecimento da dimensão naturalística da relação entre facto que desencadeia o resultado relevante e este resultado – que a jurisprudência tem remetido para o âmbito do julgamento em matéria de facto e para a competência das instâncias.

No presente recurso, pelo contrário, o que se questiona é apenas o estabelecimento, com base nos factos dados como provados, de um nexo de imputação juridicamente relevante da morte do sinistrado ao acidente, questão que cabe no âmbito do recurso de revista per saltum.

2 – A Ré seguradora sempre recusou assumir as responsabilidades que lhe são imputadas no presente processo, com base na afirmação de que não existe relação de causalidade adequada entre o acidente dos autos, cuja caracterização como acidente de trabalho não é posta em causa, e a morte do sinistrado.

Na sequência desta tomada de posição foram levados à Base Instrutória, conforme se alcança de fls. 228 e 229, os seguintes três factos: 1.º - “O traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos?; 2.º - “O tratamento de fisioterapia, que provocou a imobilização progressiva da perna do sinistrado, teve como consequências a sua activação sanguínea, fazendo com que os coágulos se libertassem?”; 3.º - “Coágulos que ao entrarem na circulação foram alojar-se nos pulmões, provocando a embolia pulmonar referida alínea S?”.

A alínea S) da matéria de facto assente refere que «Realizada a autópsia, foi apurado que o sinistrado sofreu flebotrombose femoral esquerda e uma embolia pulmonar, o que, como causa natural, lhe provocou a morte (cf. Relatório de autópsia de fls. 5 a 8, cujo teor se considera integralmente reproduzido).

Realizada a audiência de julgamento, onde, para além do mais, foram ouvidos peritos médicos, o tribunal respondeu àquelas três questões nos seguintes termos: 1.º «Provado apenas “muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos»; No que se refere à segunda questão o Tribunal respondeu nos seguintes termos «Existindo formados os coágulos a que se refere o quesito anterior, o tratamento de fisioterapia que provocou a mobilização progressiva da perna do sinistrado, tinha como consequência a sua activação sanguínea, fazendo com que os coágulos se libertassem».

Finalmente o tribunal respondeu «provado» à terceira questão.

Ponderadas globalmente estas respostas, constata-se que o tribunal, à primeira questão em que se estabelecia a relação entre «o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado» e a formulação de coágulos sanguíneos, respondeu, restritivamente, afirmando apenas que, «muito provavelmente», esse traumatismo, a cirurgia e a imobilização do membro afectado originaram a formação dos coágulos em causa.

Mas o tribunal já respondeu afirmativamente à segunda questão, na parte que se refere à relação entre o tratamento de fisioterapia e a mobilização progressiva do membro afectado e a libertação dos coágulos e consequente entrada na circulação sanguínea.

A resposta dada à questão respectiva, tendo como pressuposto a afirmação «existindo formados os coágulos», não tem outra leitura, no contexto da matéria de facto dada como provada, uma vez que resulta da mesma que os coágulos em causa existiam, entraram em circulação na sequência da mobilização progressiva do membro em causa e se se foram alojar no pulmão do sinistrado.

3 - A partir da matéria de facto dada como provada, o tribunal veio a excluir a existência de uma relação de causalidade entre o acidente e a morte do sinistrado, com base na seguinte fundamentação:

«No caso vertente temos provado que o acidente de trabalho de que o sinistrado foi alvo lhe determinou a seguinte lesão corporal: fractura da tíbia esquerda. Mais de seis meses depois vem a morrer por uma flebotrombose femoral esquerda e uma embolia pulmonar.

No tocante ao nexo causal, resultou provado que muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos (v. ponto 20. dos Factos Provados).

Como é bom de ver, não existe uma certeza absoluta de que a embolia pulmonar tenha sido provocada pela fractura da perna resultante do acidente de trabalho. E não olvidemos que mesmo este facto resultou de uma perícia que não colheu a unanimidade dos peritos médicos, tanto mais que habitualmente os coágulos são libertados na corrente sanguínea até 3 meses após o acidente.

Como igualmente não existe uma confirmação sem margem para dúvidas que aquela patologia tenha sido consequência dos tratamentos de que o sinistrado foi alvo fruto da lesão corporal sofrida no acidente.

Por tudo quanto vimos expendendo, não se verificando o nexo de causalidade entre o acidente e suas lesões e o resultado morte, não poderá esta demanda proceder.»

Está, pois, em causa no presente recurso saber se a partir da matéria de facto dada como provada é possível estabelecer um nexo de imputação juridicamente relevante entre o acidente sofrido pelo sinistrado e a respectiva morte.


IV


1 - O artigo 563.º do Código Civil, sob a epígrafe «nexo de causalidade», ao estatuir que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», fundamentando a solução legislativa na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, tem sido visto como expressão do acolhimento no sistema jurídico português da teoria da causalidade adequada.

Conforme refere INOCÊNCIO GALVÃO TELES, «a orientação hoje dominante (…), consiste em só considerar como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar. A ideia de causalidade fica assim restringida às condições que (…) apresentam aptidão ou idoneidade para a produção do dano. Causa será só a condição adequada a essa produção»[2].

Prossegue aquele autor referindo que a melhor formulação daquela teoria talvez seja a seguinte: «como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela irrelevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco de verificação do dano» e prossegue «Alguém pratica certo acto a que se segue, imediatamente ou mais tarde, um prejuízo que sem esse acto não se daria. O acto, condição ou pressuposto do prejuízo, é, em princípio, causa jurídica deste. Mas deixará de o ser se, à data da ocorrência, não se mostrar idóneo para aumentar o perigo de produção do prejuízo, segundo o que a experiência da vida ensina, em face da própria índole do acto e das circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis»[3].

Sobre a problemática do estabelecimento do nexo causal, como pressuposto da responsabilidade civil, considerou-se no acórdão desta Secção, de 21 de Junho de 2007, proferido no Processo n.º 534/2007[4], o seguinte:

«No que ao nexo de causalidade concerne, perfilhando uma teoria de formulação negativa, tal como a que foi formulada por Enneccerus-Lehmann, para se usarem os ensinamentos de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Volume I, 748), “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercedam no caso concreto”, sendo que, no juízo de prognose, em “condições regulares, desprendendo-nos da natureza do evento constitutivo de responsabilidade, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele” (cfr., também, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª edição, 518, para quem “o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em circunstâncias anómalas ou excepcionais”, e Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392, que defende que a “orientação hoje dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo”, traduzindo-se essa adequação “em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre eles”)».

A orientação subjacente a este acórdão teve acatamento no acórdão desta Secção de 25 de Junho de 2008, proferido na revista n.º 236/08[5], em que se considerou o seguinte:

«No nosso sistema, o art.º 563º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa, certo que não exige a exclusividade do facto condicionante do dano.

Neste contexto, é configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, do mesmo passo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que suscite directamente o dano.

Apesar disso, o facto condicionante já não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal.»

Importa, contudo, que se tenha presente que a teoria da causalidade adequada fornece critérios para determinação das causas juridicamente relevantes de um determinado evento, no contexto das condições que para o mesmo contribuíram.

Deste modo, o contributo causal de um determinado facto para um concreto evento é o ponto de partida para a eventual consideração do mesmo como causa adequada desse evento. Trata-se do elemento sem o qual não se pode afirmar que aquele contributo seja conditio sine qua non do resultado.

Estabelecido o ponto de partida, intervêm então os critérios operativos fornecidos por aquela teoria para considerar que uma concreta causa é adequada, e, portanto, juridicamente relevante para a produção de determinado resultado.

Na verdade, como refere PESSOA JORGE, «só há que escolher a causa adequada entre as condições que, no caso se mostraram indispensáveis, no sentido de que o efeito não se ter[ia] produzido se elas não ocorressem»[6].

Deste modo, a adequação relevante só opera a partir da demonstração do contributo causal para o resultado considerado, não sendo possível estabelecer a imputação de um efeito a uma causa abstractamente idónea à produção do mesmo, sem se demonstrar o seu contributo causal no processo naturalístico de que resulta esse efeito.

Mas afirmar o contributo sine qua non de um facto para um determinado resultado, como ponto de partida da imputação de acordo com a teoria da causalidade adequada, é realidade muito diversa da exigência da demonstração científica de que um contributo concreto foi a causa efectiva de um determinado resultado.

 Essa demonstração, a ser exigida, dispensaria qualquer especulação sobre o relevo de quaisquer outros contributos causais para o resultado e seria base fáctica bastante para a imputação jurídica desse resultado a um concreto evento.

Não é essa a realidade com que na normalidade dos casos os fenómenos da vida são submetidos ao processo de valoração jurídica, onde não existe a demonstração científica de qual é a causa concreta de uma determinado resultado, mas apenas a existência de uma pluralidade de causas sem as quais aquele resultado não teria ocorrido.

Neste contexto, importa saber se um contributo concreto constituiu no processo causal do resultado a averiguar conditio sine qua non do mesmo.

 Assente que sem aquele contributo o resultado não teria ocorrido, é então possível averiguar da adequação do referido contributo para a produção do resultado em causa, suporte da respectiva relevância jurídica.

Por outro lado, não pode esquecer-se que esta indagação terá forçosamente que ocorrer no contexto do processo causal global do resultado em análise, não podendo isolar-se segmentos desse processo, impondo-se a articulação da globalidade dos contributos para um resultado final que no mesmo intervêm, independentemente da maior ou menor proximidade dos mesmos face à ocorrência daquele resultado.

2 – É tempo de voltarmos ao caso dos autos.

Está em causa saber se à luz da matéria de facto dada como provada é possível estabelecer uma relação de imputação do resultado – morte do sinistrado – ao acidente de que o mesmo foi vítima cuja qualificação como acidente de trabalho não está em causa.

Flui da matéria de facto dada como provada que «9. Na sequência do acidente, o sinistrado foi encaminhado de urgência para o Hospital Curry Cabral e daí foi transferido para o Hospital Fernando Fonseca, onde foi assistido» e que «10. Foi submetido a cirurgia para encavilhamento da tíbia, tendo ficado internado no Hospital Fernando Fonseca de 29/07/2009 a 06/08/2009, data em que teve alta».

Mais resulta dessa factualidade que «11. O sinistrado saiu do hospital com a perna engessada e com a prescrição de marcha com canadianas sem apoiar a perna operada, vendo-se forçado a manter a perna imobilizada» e que «12. Após a alta médica do hospital, o sinistrado foi acompanhado pela seguradora»

Resulta também da matéria de facto dada como provada que «13. Desde a data da alta até ao início dos tratamentos de fisioterapia, o sinistrado manteve a sua perna totalmente imobilizada»; que «15. Os tratamentos de fisioterapia tiveram início cerca de três meses após o acidente» e que «16. No dia 15 de Fevereiro de 2010, durante uma sessão de tratamento, o sinistrado sentiu-se mal, com dificuldades respiratórias»; Decorre ainda dessa factualidade que o sinistrado «17. Foi assistido pela médica da clínica, bombeiros de Barcarena e INEM, que efectuaram manobras de SAV durante 45 minutos, no entanto sem sucesso, tendo sido verificado o óbito momentos a seguir na clínica» e que «18. Realizada autópsia, foi apurado que o sinistrado sofreu uma flebotrombose femoral esquerda e uma embolia pulmonar, o que, como causa natural, lhe provocou a morte».

Ponderando globalmente o processo causal de que derivou a morte do sinistrado, constata-se que se inserem nesse processo como condições essenciais do mesmo, ou seja, condições sem as quais o resultado não teria ocorrido, o acidente, as lesões que deste derivaram, a imobilização do membro afectado e o tratamento dessas lesões, nomeadamente a fisioterapia.

Decorre também da matéria de facto dada como provada, como condições do resultado em causa, a colocação em circulação do coágulo sanguíneo e o alojamento deste nos pulmões, causa imediata daquele resultado, tudo em conformidade com os pontos n.º 18, 20, 21 e 22 daquela factualidade.

Insere-se também nesse processo causal como condição sine qua non do resultado - morte do sinistrado - a formação do coágulo sanguíneo, referido nos pontos n.ºs 18 e 19 da matéria de facto.

A entrada em circulação do referido coágulo sanguíneo decorre causalmente da fisioterapia a que o sinistrado foi submetido, fisioterapia esta que, derivando por sua vez do tratamento do sinistrado, é também conditio sine qua non do resultado em causa.

Por outro lado, fosse qual fosse a origem do coágulo em causa, o mesmo liberta-se na sequência do tratamento de fisioterapia a que o sinistrado foi submetido, como consequência do mesmo, inserindo-se por essa via no processo causal do resultado em análise.

Neste cenário não pode deixar de se afirmar que o acidente que o sinistrado sofreu é condito sine qua non do tratamento – fisioterapia - que do mesmo decorre, e que acabou por lançar em circulação o coágulo sanguíneo que, por sua vez, ao alojar-se nos pulmões, lhe provocou a morte.

Da matéria de facto dada como provada não resulta directamente que a formação desse coágulo tenha decorrido do acidente de que o sinistrado foi vítima.

Na verdade, a resposta que o tribunal deu à primeira questão da Base Instrutória é redutora, resultando apenas provado que é «muito provável» que o coágulo em causa decorra do acidente pela via da imobilização do membro do sinistrado afectado.

Daqui não resulta, contudo, ao contrário do que se decidiu na primeira instância, que a formação desse coágulo, que veio a constituir-se como conditio sine qua non da morte do sinistrado, não seja imputável juridicamente ao acidente dos autos, e que, na sequência da interligação causal de todos estes elementos, o acidente não deva ser considerado como causa adequada da morte do sinistrado.

De facto, resulta da matéria de facto que «20. Muito provavelmente o traumatismo (fractura) que o sinistrado sofreu e consequente cirurgia ortopédica e imobilização do membro afectado conduziram à formação de coágulos».

Ora, se a imobilização do sinistrado, na sequência do acidente e do tratamento de que foi objecto, «muito provavelmente (…) conduzi[u] à formação de coágulos», pode afirmar-se que tal resultado - a formação coágulos - de acordo com os dados médicos que estão subjacentes à resposta e com base na experiência comum, é resultado, em termos de causalidade adequada, da imobilização do membro do sinistrado.

De acordo com esses elementos a imobilização do sinistrado cria a potencialidade de formação de tais coágulos, ao nível do «muito provável», o que constitui uma situação de risco efectivo de ocorrência daquele resultado, risco este que, na ausência de elementos que o tenham afastado, é base suficiente para considerar aquela formação – um resultado intermédio - como consequência, em termos de causalidade adequada, do acidente dos autos.

Na verdade, não se provaram quaisquer circunstâncias anormais que permitam afirmar que no caso dos autos não era muito provável a formação dos coágulos em causa e que os mesmos, que se formaram de facto, tiveram uma outra origem.

Não tem nesta sede relevo significativo a existência de predisposição do sinistrado para tal formação, o que também não se provou, mas que, a existir, não afastaria a imputação do resultado em causa ao acidente sofrido pelo sinistrado e por tal motivo não afastaria a responsabilidade da Ré.

Com efeito, dando como assente que o acidente dos autos é conditio sine qua non do resultado – a morte do sinistrado, o que constitui o primeiro nível de trabalho no processo de imputação, e dando como assente que a formação dos coágulos em causa decorre, de acordo com as regras da experiência comum, e do saber médico, em termos de «muito provável», da imobilização do membro afectado do sinistrado, assente também que a libertação dos coágulos em causa deriva do tratamento do sinistrado – fisioterapia − motivado pelo acidente, pode concluir-se que este – o sinistro − é causa adequada da morte do trabalhador.

Impõe-se, deste modo, a procedência da revista e a revogação da decisão da 1.ª instância, julgando-se a acção procedente e provada, e reconhecendo-se aos beneficiários os direitos legalmente previstos.

3 – Nas conclusões I a IV das alegações de recurso que apresentaram suscitam as recorrentes a questão da violação, por parte da decisão recorrida, do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea f), 10.º e 11.º, n.º 5 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, pela circunstância de, em seu entender, os factos descritos sob os n.º 16 a 18 da matéria de facto dada como provada integrarem, eles mesmos, um acidente de trabalho, que beneficiaria da presunção decorrente do artigo 10.º da mesma lei, acidente que, no mínimo, deveria ser considerado reparável, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do mesmo diploma.

Trata-se de questão que se considera prejudicada pela decisão acima proferida relativamente à imputação da morte do sinistrado ao acidente sofrido, motivo pelo qual se não conhece da matéria das aludidas conclusões, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil.

4 - De acordo com o disposto no artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, são responsáveis pela reparação e demais encargos previstos na lei «as pessoas singulares ou colectivas de direito privado e direito público não abrangidas por legislação especial, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço [...]», sendo que as entidades empregadoras «são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro» (artigo 37.º, n.º 1, da Lei n. º 100/97, de 13 de Setembro).

Provou-se, nesta sede, que, através da apólice nº …, tinha a 2.ª Ré transferido para a 1.ª Ré a responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, pela retribuição anual de € 6.888,00. Assim, desde logo, porquanto o sinistrado se encontrava ao serviço da 2.ª Ré e esta havia transferido para a 1.ª pela já citada retribuição anual de € 6.888,00, a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho ocorridos com trabalhadores ao seu serviço, é aquela responsável pelo pagamento das quantias que se apurarão na proporção da retribuição declarada para o efeito.

Mas, uma vez que se apurou que o sinistrado auferia, ainda, € 6,17, (seis euros e dezassete cêntimos) 22 dias por mês, 11 meses por ano, a título de subsídio de refeição, no total de € 1.493,14, importa concluir que a sua retribuição anual ascendia a € 8.381,14.

Assim, e porque só parcialmente estava transferida para a 1.ª Ré a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, é a 2.ª Ré, também, e por força do estatuído no artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, responsável pelo pagamento das quantias que ora se apurarão na quota parte não transferida para a seguradora.

4.1 - O direito à reparação compreende as prestações em espécie e em dinheiro enunciadas no artigo 10.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

As autoras peticionaram:

I) o pagamento da quantia de € 583,57, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária sofrida pelo sinistrado;

II) o pagamento, para cada uma delas, de uma pensão anual, vitalícia para a beneficiária AA, e temporária para as beneficiárias BB, CC e DD (filhas do sinistrado falecido);

III) subsídio por morte;

IV) despesas de funeral.

No que respeita aos diferenciais decorrentes do período de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado, decorre quer do auto de tentativa de conciliação, quer da petição inicial das autoras, quer, depois, pela ausência de contestação por banda da entidade empregadora, que está aceite o peticionado valor de € 583,57.

Destarte, ante o que se deixa exposto e ante o estabelecido no artigo 10.º, al. b), e 17.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, é à beneficiária AA devida a sobremencionada quantia, acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, a fixar de acordo com o disposto no artigo 51.º, n.º 3, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril.

4.2 - Estatui o artigo 20.º, n.º 1, als. a) e c), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que «se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:

a) ao cônjuge ou a pessoa em união de facto: 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física e mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;

(…)

c) aos filhos, incluindo os nascituros e adoptados plena ou restritamente à data do acidente, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho: 20% da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40% se forem dois, 50% se forem três ou mais recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80% da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe».

Atendendo, pois, a que o sinistrado auferia uma retribuição anual de € 8.381,14, teria a Autora direito a receber, desde 16 de Fevereiro de 2010 – dia seguinte ao da morte do sinistrado (artigo 49.º, n.º 7, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril) –, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 2.514,34 (€ 8.381,14 x 30%), sendo € 2.066,40, a cargo da 1.ª Ré, e € 447,94, a cargo da 2.ª Ré.

Todavia, ponderando o valor anual da pensão fixada à beneficiária - € 2.514,34 – conclui-se que, na data da sua fixação, era a mesma inferior a seis vezes o salário mínimo nacional vigente[7] (€ 475,00 x 6 = € 2.850,00), o que demanda que seja a mesma obrigatoriamente remível (artigo 56.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 143/99, de 30 de Abril).

Destarte, tem a beneficiária AA direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 2.514,34 (€ 8.381,14 x 30%), sendo € 2.066,40, a cargo da 1.ª Ré, e € 447,94, a cargo da 2.ª Ré. 

Ao referido capital de remição acrescem juros legais, à taxa legal, desde 16 de Fevereiro de 2010, até efectivo e integral pagamento.

No que respeita às beneficiárias filhas do sinistrado, constata-se que a beneficiária BB perfez a maioridade em 2010 – ano da morte do sinistrado – sem que dos factos provados resultem os requisitos legais dos quais dependeria que lhe fosse fixada a pensão que peticiona. Assim sendo, apenas às beneficiárias CC e DD, filhas do sinistrado, assiste o direito ao percebimento da pensão anual e temporária por morte de seu pai, até que perfaçam 18, 22 ou 25 anos e enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior.

Assim, ponderando o referido artigo 20.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, têm as referidas beneficiárias direito a receber no total, desde 16 de Fevereiro de 2010, a pensão anual e temporária de € 3.352,46 (€ 8.381,14 x 40%), sendo € 1.676,23 para cada uma. Cada uma das rés será responsável pelo pagamento das referidas pensões, na proporção da sua responsabilidade, a saber, € 1.377,60, para cada uma das beneficiárias, a cargo da 1.ª Ré, e € 298,63, para cada uma das beneficiárias, a cargo da 2.ª Ré.

As sobremencionadas pensões, considerando a data da sua fixação e o momento presente, serão actualizadas, por força do disposto no artigo 6.º, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, e em função das Portarias que sucessivamente definiram os termos dessa actualização. 

Às quantias assim apuradas acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde o momento do vencimento de cada uma das prestações de que se compõem as pensões, até efectivo e integral pagamento (artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril).

4.3 - Estatui o artigo 22.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que «o subsídio por morte será igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo atribuído: (...) a) metade ao cônjuge ou à pessoa em união de facto e metade aos filhos que tiverem direito a pensão nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º».

A remuneração mensal mínima garantida, à data da morte do sinistrado, ascendia a € 475,00 (cfr., DL n.º 5/2010, de 15 de Janeiro), pelo que o valor do subsídio por morte ascende a € 5.700,00.

Desta feita são devidas às beneficiárias as seguintes quantias:

a) à beneficiária AA, € 2.850,00, sendo € 2.342,13, a cargo da 1.ª Ré, e € 507,87, a cargo da 2.ª Ré;

b) à beneficiária CC, € 1.425,00, sendo € 1.171,07, a cargo da 1.ª Ré, e € 253,93, a cargo da 2.ª Ré; e

c) à beneficiária Catarina Teli, € 1.425,00, sendo € 1.171,07, a cargo da 1.ª Ré, e € 253,93, a cargo da 2.ª Ré.

O pagamento de tais quantias foi, na proporção das suas responsabilidades, fixado a cargo de ambas as rés[8] – artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro – na proporção de 82,18%, para a 1.ª Ré, e 17,82%, para a 2.ª Ré.

Às quantias supra enunciadas são devidos juros de mora, à taxa legal, desde 16 de Fevereiro de 2010 até integral e efectivo pagamento.

4.4 - Peticiona, ainda, a beneficiária AA as despesas de funeral.

A este propósito estatui o artigo 50.º, n.º 1, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, que «as despesas de funeral são pagas a quem provar tê-las suportado». Por seu turno, o artigo 22.º, n.º 3, da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, diz-nos que a reparação por despesas de funeral é igual a quatro vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada.

Sucede, porém, que, no que ao pedido cuja apreciação ora se impõe, não alegou ou provou a referida beneficiária, como era seu ónus, por força do já referido artigo 50.º, n.º 1, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, que tivesse suportado as despesas de funeral, razão pela qual não tem direito a que lhe seja paga qualquer quantia a esse título.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

5 – O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP veio deduzir pedido de reembolso das prestações da Segurança Social que pagou às Autoras, que liquidou na data em que o pedido foi formulado no montante de € 7.442,53 (sete mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), pedindo igualmente o reembolso das pensões que se viesse a pagar na pendência da acção e até ao respectivo trânsito, e respectivos juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

A procedência da acção implica igualmente o reconhecimento ao requerente deste direito ao reembolso, nos termos das disposições conjugadas do artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro e do Decreto-Lei n.º 55/89, de 22 de Fevereiro, a efectivar por dedução nos quantitativos devidos pela Ré requerida às Autoras, tendo em consideração a proporção de 82,18%, relativa à responsabilidade da Ré.


V


Nestes termos, acorda-se em conceder a revista e revogar a sentença recorrida e, em consequência, julga-se a acção provada e procedente e condenam-se a Rés OO, S.A. e FF – ..., Lda., a pagarem às Autoras o seguinte:

a) – A Ré FF - ..., Lda., a pagar à A. AA, a título de diferenciais decorrentes do período de incapacidade temporária absoluta sofrida pelo sinistrado, a quantia peticionada de € 583,57, (quinhentos e oitenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, a fixar de acordo com o disposto no artigo 51.º, n.º 3, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril;

b) – As Rés OO, S.A. e FF – ..., Lda., a pagarem à Autora AA o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 2.514,34 (€ 8.381,14 x 30%), sendo € 2.066,40, (dois mil, sessenta e seis euros e quarenta cêntimos), a cargo da 1.ª Ré, e € 447,94, (quatrocentos e quarenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos), a cargo da 2.ª Ré, acrescendo ao respectivo capital juros à taxa legal, desde 16 de Fevereiro de 2010, até efectivo e integral pagamento;

c) – Rés OO, S.A. e FF – ..., Lda., a pagarem às Autoras CC e DD, a pensão anual e temporária de € 3.352,46 (€ 8.381,14 x 40%), sendo € 1.676,23 (mil seiscentos e setenta e seis euros e vinte e três cêntimos) para cada uma, sendo que cada uma das Rés será responsável pelo pagamento das referidas pensões, na proporção da sua responsabilidade, a saber, € 1.377,60, para cada uma das beneficiárias, a cargo da 1.ª Ré, e € 298,63, para cada uma das beneficiárias, a cargo da 2.ª Ré;

c.1) As pensões referidas na alínea anterior, serão actualizadas nos seguintes termos, por força do disposto no artigo 6.º, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, e em função das Portarias que se enunciarão:

- A partir de 1 Janeiro de 2011, de acordo com a Portaria n.º 115/2011, de 24 de Março, para o valor de € 1.696,34, para cada uma das beneficiárias, sendo € 1.394,05, a cargo da 1.ª Ré, e € 302,29, a cargo da 2.ª Ré;

- A partir de 1 de Janeiro de 2012, de acordo com a Portaria n.º 122/2012, de 3 de Maio, para o valor de € 1.757,41, para cada uma das beneficiárias, sendo € 1.444,24, a cargo da 1.ª Ré, e € 313,17, a cargo da 2.ª Ré;

- A partir de 1 de Janeiro de 2013, de acordo com a Portaria n.º 338/2013, de 21 de Novembro, para o valor de € 1.808,37, para cada uma das beneficiárias, sendo € 1.486,12, a cargo da 1.ª Ré, e € 322,25, a cargo da 2.ª Ré;

- A partir de 1 de Janeiro de 2014, de acordo com a Portaria n.º 378-C/2013, de 31 de Dezembro, para o valor de € 1.815,60, sendo € 1.492,06, a cargo da 1.ª Ré, e € 323,54, a cargo da 2.ª Ré;

c.2) - Às quantias assim apuradas nas alíneas c) e c.1) acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde o momento do vencimento de cada uma das prestações de que se compõem as pensões, até efectivo e integral pagamento (artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 143/99, de 30 de Abril);

d) – As Rés OO, S.A. e FF – ..., Lda., a título de subsídio por morte, a pagarem:

1) à Autora AA, € 2.850,00, sendo € 2.342,13, (dois mil trezentos e quarenta e dois euros e treze cêntimos), a cargo da 1.ª Ré, e € 507,87, (quinhentos e sete euros e oitenta e sete cêntimos), a cargo da 2.ª Ré;

2) à Autora CC, € 1.425,00, sendo € 1.171,07, (mil centos e setenta e um eiros e sete cêntimos), a cargo da 1.ª Ré, e € 253,93, (duzentos e cinquenta e três cêntimos e noventa e três euros, a cargo da 2.ª Ré; e

3) à Autora DD, € 1.425,00, sendo € 1.171,07, (mil cento e setenta e um euros e sete cêntimos), a cargo da 1.ª Ré, e € 253,93, (duzentos e cinquenta e três euros e noventa e três cêntimos), a cargo da 2.ª Ré;

d.1) Sobre as quantias referidas em 1), 2) e 3), são devidos juros de mora, à taxa legal, desde 16 de Fevereiro de 2010, até integral e efectivo pagamento.

Mais se acorda em julgar procedente o pedido de reembolso formulado pelo INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP e condenar a Ré EE – Companhia de Seguros, S.A, a pagar àquele Instituto, o valor das prestações de segurança social pagas por este Instituto às Autoras, na proporção de 82,18%, acrescido dos juros de mora legalmente devidos, quantitativo a deduzir nos valores atribuídos às Autoras.

Fixa-se à acção o valor de € 77.570,85 - artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho

Custas na Revista e na 1.ª instância, a cargo da Rés, na respectiva proporção.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

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[1] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[2] Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 404.
[3] Obra citada, p. 405.
[4] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI, sob o n.º 07S534
[5] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas sob o n.º 08S0236.
[6] Obra citada, p.p. 393 e 394.
[7] Cfr., DL n.º 5/2010, de 15 de Janeiro, que fixou o salário mínimo nacional em € 475,00.
[8] Cfr., o Acórdão do STJ de 20 de Março de 2014, proferido na Revista n.º 469/10.5T4AVR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt