Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA INSOLVÊNCIA PRESSUPOSTOS VALOR DA CAUSA ALÇADA DECISÃO LIMINAR CASO JULGADO FORMAL INADMISSIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO. | ||
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Sumário : | O artigo 14º, 1, do CIRE estabelece um regime atípico e restrito de revista para o STJ, que, na apreciação da respectiva admissibilidade, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais, desde logo o que respeita ao valor da causa em face da alçada da Relação (arts. 629º, 1, CPC, 17º, 1, CIRE); não sendo superior à alçada da Relação (como tribunal recorrido) o valor fixado na decisão liminar de encerramento de PER (art. 306º, 1 e 2, CPC), com fundamento no art. 301º do CIRE, tal decisão incidental constitui caso julgado formal (art. 620º, 1, CPC) por falta de impugnação tempestiva em recurso próprio (art. 644º, 1, a), CPC), implicando que não pode ser manifestamente admitida e conhecida a revista, avaliação esta feita à luz do valor que transitou e vale de acordo com os termos do art. 296º, 1 e 2, do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 147/23.5T8FND.C1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Coimbra, ... Secção Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. «Metalsines – Companhia de Vagões de Sines, S.A.» veio instaurar processo especial de revitalização (PER), através da apresentação de acordo extrajudicial de recuperação, com declaração de aceitação de credores, nos termos do disposto no art. 17º-I do CIRE. 2. Verificando-se a anterioridade de um PER que ainda se encontraria pendente (processo n.º 4962/21....), foi proferido despacho a solicitar informação acerca do estado desse processo. Na sequência, informou-se nos autos: - No âmbito desse PER – a que corresponde o processo n.º 4962/21.... – foi proferida decisão em 29/04/2022 que declarou encerrado o processo negocial nos termos do art. 17º-G, 1, do CIRE, por falta de apresentação do plano no prazo legal (art. 17º-D, 5, actual 7, do CIRE); - Tendo sido interposto recurso de apelação dessa decisão pela Requerente/Devedora, o processo foi remetido, em 29/06/2022, para o Tribunal da Relação de Évora, onde ainda se encontraria pendente; - Mediante requerimento apresentado em 24/02/2023, a Requerente declarou desistir do PER apresentado, não existindo qualquer decisão a propósito desse requerimento. 3. Ainda na sequência, o Juiz de Comércio do ... (Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco) proferiu decisão (1/3/2023) de não nomeação de administrador judicial provisório, indeferindo o procedimento e encerrando o processo (arts. 17º-G, 8; 17º-A, 3, 27º, CIRE). Foi fixado o valor da causa em € 30.000,00, aplicando-se o art. 301º, do CIRE, transitado em julgado. 4. Inconformada, a Requerente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra. Foi proferido despacho, admitindo o recurso e indeferindo a nulidade invocada. Subidos os autos, foi proferido acórdão (2/5/2023) que julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida. 5. Novamente sem se resignar, a Requerente interpôs recurso de revista (ainda que impropriamente qualificada de excepcional) tendo por base o art. 14º, 1, do CIRE, invocando oposição jurisprudencial com os Acs. do Tribunal da Relação de Évora, de 10/5/2018, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/11/2016, juntando cópias da respectiva publicação na base de dados www.dgsi.pt. 6. Foi proferido despacho pelo aqui Relator no âmbito e para os efeitos previstos no art. 655º, 1, ex vi art. 679º, do CPC, e 17º, 1, do CIRE, atenta a questão da apontada inadmissibilidade do recurso e salvaguardado o cumprimento do ónus de apresentação de um só acórdão fundamento idóneo para a oposição jurisprudencial. Tal mereceu pronúncia da Requerente e Recorrente, que invocou lapso de escrita na fixação do valor da causa e a não aplicação ao caso do art. 301º do CIRE para ser corrigido o valor da causa e fixado no montante atribuído na petição inicial. * Foram colhidos os vistos nos termos legais. Cumpre apreciar e decidir em conferência, enfrentando como questão prévia a admissibilidade do recurso. II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS Questão prévia da admissibilidade do recurso[1] 7. A decisão proferida em 1.ª instância e reapreciada pela Relação, sendo tramitada endogenamente nos próprios autos do processo regulado nos arts. 17º-A e ss do CIRE, rege-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, tal como configurado pela Recorrente, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade, em termos exclusivos e esgotantes, de revista para o STJ do acórdão recorrido; é o regime também aplicável (por extensão) aos processos judiciais pré-insolvenciais (e recuperatórios) de natureza judicial (PER e PEAP/CIRE; PEVE/Lei 75/2020, de 27 de Novembro + DL 92/2021, de 8 de Novembro). Ademais, este regime de revista tem natureza esgotante e excludente no seu âmbito de aplicação, afastando as impugnações recursivas baseadas nas situações de revista extraordinária (art. 629º, 2, CPC) e de revista excepcional (art. 672º, 1, CPC)[2]. Assim, a admissibilidade desta revista depende, em especial, de ser invocada, como ónus processual do recorrente, e assente uma oposição de julgados com um (e um só) outro acórdão do STJ ou das Relações, com vista a inscrever tal conflito jurisprudencial como condição de acesso ao STJ («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.»). 8. Sem prejuízo, e antes de sequer de se convidar a parte a indicar um só dos acórdãos considerados como fundamento da oposição e comprovar por certidão o respectivo trânsito em julgado, a revista atípica prevista no art. 14º, 1, do CIRE não prescinde, de todo o modo, na avaliação da sua admissibilidade, do preenchimento dos requisitos gerais estatuídos no art. 629º, 1, do CPC, demandado pela remissão feita pelo art. 17º, 1, do CIRE: «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)» – como tem sido reconhecido e decidido sem reservas nesta 6.ª Secção do STJ, com competência específica para as causas de comércio previstas no art. 128º da LOSJ, Este preceito impõe que, enquanto condição geral de recorribilidade das decisões judiciais, a admissibilidade do recurso ordinário esteja dependente da verificação cumulativa desses dois pressupostos jurídico-processuais: (i) o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre; (ii) a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou a decisão que se impugna. Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000,00 (art. 44º, 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto), anotando-se que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (n.º 3 desse art. 44º). 9. O art. 306º, 1 e 2, do CPC estatui que «[c]ompete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes», sendo esse valor fixado, por regra, no despacho saneador ou na sentença. Com este exercício a lei visa evitar a manipulação do valor da causa (atribuído pelo Autor/Requerente ou aceite, expressa ou tacitamente, pelas partes: arts. 552º, 1, f), 583º, 2, 305º CPC)) – apresentando várias implicações processuais: desde logo, no art. 296º, 2, do CPC – em função de interesses particulares, entregando ao juiz a tarefa de zelar pelo cumprimento dos critérios legais. Em suma: “independentemente das posições assumidas pelas partes, o juiz sempre terá de se debruçar sobre o assunto e fixar o valor da causa, sem estar vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites por aquelas”[3]. Em concreto, como vimos, o valor da presente causa foi fixado na recorrida decisão liminar de encerramento no valor de € 30.000,00, valor equivalente (não superior) ao valor da alçada do Tribunal da Relação, decisão essa transitada e constituindo caso julgado formal nos termos do art. 620º, 1, do CPC, na falta de impugnação tempestiva e consequente aceitação pelas partes no processo dessa mesma decisão. Tal significa que a decisão, sempre que proferida, legítima e tempestivamente no arco de aplicação do at. 306º do CPC, sendo susceptível de recurso (art. 644º, 1, a), CPC, para “incidente autónomo”[4]), se torna definitiva por força da constituição de caso julgado formal, a que, portanto, os tribunais superiores se encontram vinculados no momento de aferição da admissibilidade dos recursos correspondentes[5] – como é o caso dos autos. Tal fixação do valor da causa nos termos atribuídos pelo art. 306º, 1 e 2, do CPC, sendo “decisão de pendor incidental”[6], uma vez transitada em julgado, não admite depois qualquer alteração do consolidado endoprocessualmente, a não ser que se verifiquem, a título excepcional, circunstâncias legais de correcção (nos termos do art. 299º, 4, do CPC) e seja proferido novo despacho (com consequências possíveis, entre outras, na admissibilidade de recurso ordinário[7]). Neste contexto, na ausência do exercício desse poder-dever de correcção – inclusivamente, através de “despacho judicial autónomo de acertamento do valor da causa”[8] – terá sempre o recurso para tribunal superior que ser avaliado na sua admissibilidade à luz do valor da causa que transitou e vale nesse momento, de acordo com os termos do art. 296º, 1 e 2, do CPC. Tal significa, por fim, que não é esta a sede, como pretende a Recorrente, por ser extemporânea e sem adequação processual, para sindicar a bondade do critério que serviu de base à decisão incidental sobre o valor da causa ou promover a correcção do valor da causa atribuído legitimamente aquando da prolação da sentença proferida em 1.ª instância. Muito menos se verifica que se possa surpreender no contexto de tal decisão incidental – fundamentada legalmente no art. 301º do CIRE e, inclusivamente, com referência doutrinal de suporte – qualquer lapso de escrita que se veja como manifesto e ostensivo nos termos do art. 614º, 1 e 2, 2.ª parte, do CPC. Reitera-se. O valor da presente causa foi fixado expressamente e com fundamento legal na decisão recorrida, no valor de € 30.000,00, decisão essa com trânsito em julgado (art. 620º, 1, CPC), enquanto seja o valor equivalente ao valor da alçada do Tribunal da Relação tal como resultante da aplicação ao PER do critério do art. 301º do CIRE. É um valor fixado legitimamente pelo juiz no processo e tendo por fundamento um critério exposto na lei. Se a fixação do valor processual da causa e tributário merece o inconformismo da parte, como mereceu na resposta dada ao despacho proferido no âmbito do art. 655º do CPC, restava-lhe o competente recurso, em tempo, da decisão proferida sobre o valor da causa, sob pena de se confrontar no processo com um valor processual imutável porque transitado, até ao momento que, se fosse possível – o que não seria de todo claro e inatacável atendendo ao regime do PER e ao seu confronto com os arts. 301º, 1ª parte, e 15º, a aplicar por força do art. 17º-A, 3,do CIRE – seja objecto de correcção em ulterior despacho e trânsito respectivo. Não tendo havido recurso, sibi imputet à parte mais tarde insatisfeita com tal decisão. Sendo, por isso, tal valor o que está consolidado e vigente para se aferir do preenchimento do art. 629º, 1, do CPC, que, assim sendo, não se verifica – o valor da causa não é superior à alçada da Relação e, portanto e desde logo, a revista não pode ser admitida e conhecida. III) DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em não tomar conhecimento do objecto do recurso, atenta a sua manifesta inadmissibilidade. Custas pela Recorrente. STJ/Lisboa, 28 de Junho de 2023 Ricardo Costa (Relator) Luís Espírito Santo Graça Amaral (em substituição: arts. 661º, 2 679º, CPC) SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC). _________________________________________________
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