Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2511/19.5T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - O juízo de equidade constitui o elemento essencial da avaliação dos danos não patrimoniais (art. 496º/4 do CC), consubstanciado numa ponderação casuística das circunstâncias do caso;

II - A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações, “a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art. 873º do CC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, residente na Rua ..., ..., V..., ..., intentou ação declarativa contra “Fundo de Garantia Automóvel”, com sede na Avenida da República, n.59, Lisboa, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia global de 76.610,00 EUR, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Para tanto - e em síntese - alegou que, no dia 8 de novembro de 2017, conduzia o veículo com a matrícula ..-GQ-.. (GQ), quando esta viatura foi embatida pelo veículo automóvel com a matrícula ..-..-FA (FA), que saiu da hemifaixa de rodagem em que seguia e invadiu a hemifaixa de rodagem em que o autor circulava.

À data do acidente, o veículo FA não possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz.

Daquele embate resultaram os danos cujo ressarcimento o autor agora reclama:

- 35.000,00 EUR, a título de indemnização pelo dano biológico/vertente patrimonial;

- 36.610,00 EUR, a título de indemnização por outros danos patrimoniais;

 - 40.000,00 EUR,  a título de indemnização pelo dano biológico/vertente  não patrimonial.

O réu contestou, excepcionando a sua ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário passivo. Aceitou (implicitamente) a factualidade relativa à dinâmica do acidente, bem como a culpa exclusiva do condutor do veículo FA pela sua ocorrência, mas impugnando quer os danos invocados, quer o respetivo valor, por considerar excessivos.

Na sequência da exceção de ilegitimidade invocada pelo réu, o autor requereu a intervenção principal provocada de BB, a qual foi admitida.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou o Réu FGA e o Interveniente, solidariamente, a pagarem ao Autor as seguintes quantias:

i) 20.000,00 EUR, a título de dano biológico, na vertente patrimonial, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, contados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento;

ii) 470,00 EUR, a título de danos patrimoniais (pelos óculos e pela roupa danificados), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação do réu, até efetivo e integral pagamento;

iii) 120,00 EUR, a título de dano pela privação do uso do veículo, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, contados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento;

iv) 7.500,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, contados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento;

v) a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença, correspondente ao custo de um capacete, até ao limite máximo de 185,00 EUR (cento e oitenta e cinco euros), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação do réu, até efetivo e integral pagamento.

Inconformado, o Autor apelou, restringindo o recurso ao valor da indemnização por danos não patrimoniais, pugnando que a mesma seja fixada em €40.000,00.

Por acórdão de 08.03.2022, a Relação de Coimbra, julgou procedente o recurso e alterou a sentença, fixando a indemnização por danos não patrimoniais em €40.000,00.

É a vez do Fundo interpor recurso de revista, defendendo que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em €7.500,00, como fizera a 1ª instância, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões:

1ª. Condenando os Réus a indemnizar oAutorem40.000,00€ a título de danos não patrimoniais, assim revogando a douta sentença de 1.ª instância que fixara 7.500,00€, o douto acórdão de fls. violou a lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação normativas; e fez uma errada aplicação da lei de processo.

2ª.  A nível temporário, foram fixados ao Autor 30 dias de défice funcional total, 60 dias de défice funcional parcial e 90 dias de repercussão na atividade profissional total.

3ª. O INML atribuiu ainda ao Autor: Quantum Doloris do grau 4 de 7, Dano Estético no grau 1 de 7 e Repercussão nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau 4 de 7.

4ª. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica foi fixado em 9 pontos.

5ª. Atentas as lesões sofridas pelo Autor e as sequelas de que ficou a padecer, o montante agora arbitrado peca por largamente excessivo, devendo ser reduzido a 7.500,00€.

6ª. A aplicação de adequados juízos de equidade não pode levar-nos a solução diversa!

7ª. Recorde-se que o Autor teve alta para o domicílio no próprio dia do acidente.

8ª. Atribuir ao Autor indemnização por danos não patrimoniais de valor superior aos 7.500,00€ fixados em 1.ª instância contraria a tendência atual da jurisprudência superior dos tribunais portugueses.

9ª. Saliente-se, ainda, que foram arbitrados ao Autor 20.000,00€, pelo dano biológico na vertente patrimonial, a que acresce valor a fixarpelosdanos não patrimoniais stricto sensu.

10ª. Inexiste fundamento para a alteração de 7.500,00€ para 4.000,00€, a atribuir ao Autor pelos danos não patrimoniais.

11ª. Os 7.500,00€ fixados em 1.ª instância, com os quais então nos conformámos, mostram-se adequados às lesões sofridas pelo Autor e às sequelas delas decorrentes.

12ª. Pelo exposto, e em alinhamento com a mais recente Jurisprudência dos Tribunais Superiores, bem como com adequados juízos de equidade, deverá ser revogado o douto acórdão recorrido, fixando-se em 7.500,00€ a indemnização ao Autor a título de danos não patrimoniais.

13ª. O douto acórdão de fls. violou o art.º 566.º, n.º 3 do Código Civil.

Não foram apresentadas contra alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.


*

Fundamentação.

Estão provados os seguintes factos:

1. No dia 8 de novembro de 2017, pelas 15h35m, na Rua ..., na localidade de ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes:

 a)     o ciclomotor com a matrícula ..-GQ-.. (GQ), conduzido pelo autor e pertencente a CC;

 b)   o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-FA (FA),
conduzido pelo interveniente.

2. O veículo ... circulava na referida Rua ..., no sentido S.../V....

3. O autor, ao aproximar-se de uma curva apertada e de má visibilidade, olhou para o espelho côncavo colocado no lado direito da faixa de rodagem - atento o seu sentido de marcha -, o qual permite visualizar os veículos que circulam no sentido V.../S....

4. O autor, verificando que, no sentido V.../S..., circulava um veículo, encostou-se à direita.

5. Quando entrou na curva referida em 3., o autor deparou-se com o veículo FA a fazer a curva fora da sua mão de trânsito, invadindo a faixa de rodagem onde o autor circulava.

6. À data do acidente, o veículo FA não possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz.

7. O autor nasceu no dia .../.../1991.

8. Em consequência do acidente, o autor foi transportado pelo INEM para o “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.” (CHUC), onde foi assistido no serviço de urgência.

9. O autor apresentava ferida no membro inferior esquerdo, fratura fechada do osso navicular (escafoide) do punho esquerdo e lesão ligamentar externa do tornozelo esquerdo.

10. Ainda no hospital, foi efetuada sutura da ferida na perna esquerda, colocação de tala gessada na perna esquerda e imobilização gessada do braço esquerdo.

11. Teve alta para o domicílio no próprio dia, com orientação para a consulta externa de ortopedia, indicação para fazer cuidados de penso e remoção do material de sutura 14 dias depois e manter os membros elevados.

12. Em 27 de novembro de 2017, foi retirada a tala do membro inferior esquerdo.

13. Em 5 de fevereiro de 2018, foi retirada a imobilização gessada do punho.

14. O autor apresenta as seguintes sequelas:

No membro superior esquerdo:

- cicatriz da cor da pele, pouco aparente, curvilínea de concavidade inferior, no terço distal da face anteromedial do antebraço, medindo 2 cm de comprimento;

- mobilidades do punho conservadas, com dor contra resistência e nos últimos graus da lateralidade radial e cubital, com ligeiro défice da força muscular;

- prono supinação mantida, com dor na supinação máxima;

- movimentos depinça conservados.

No membro inferior esquerdo:

- cicatriz rosada longitudinal no terço médio da face anterior da perna, medindo 8 cm x 0,7 cm de maiores eixos;

- joelho sem aparentes alterações;

- rigidez dolorosa do tornozelo - flexão 5º (20o à direita), extensão 30º (60o à direita), sem edema e sem aparentes sinais de instabilidade, com dor à palpação do ligamento peronioastragalino anterior;

- ligeira limitação dolorosa na inversão/eversão do pé;

- sem amiotrofias.

15. A data da consolidação das lesões é fixável no dia 5 de fevereiro de 2018.

16. O período de défice funcional temporário total é fixável num período de 30 dias (entre 8 de novembro de 2017 e 7 de dezembro de 2017), correspondente ao período que terá permanecido em repouso no domicílio com imobilização gessada do punho esquerdo e do membro inferior esquerdo.

17. O período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 60 dias (entre 8 de dezembro de 2017 e 5 de fevereiro de 2018), correspondente ao restante período de tempo até à data da consolidação das lesões, em que foi seguido em consultas.

18. O período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável num período de 90 dias (entre 8 de novembro de 2017 e 5 de fevereiro de 2018).

19. O quantum doloris é fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, os tratamentos efetuados e o período de recuperação funcional.

20. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 9 pontos, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas, não afetando o autor em termos de autonomia e independência, serem causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais.

21. Em termos de repercussão permanente na atividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

22. O dano estético permanente é fixável no grau 1, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes descritas.

23. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta que as sequelas resultantes limitam o autor na esfera do lazer e do convívio social, tendo deixado de jogar futebol com os amigos, fazer caminhadas e corrida.

24. O autor, na data em que o acidente ocorreu, trabalhava para a empresa “A..., S.A.”, exercendo a profissão de operador de posto de combustíveis e auferindo mensalmente um salário base de 585,00 EUR, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 6,00 EUR, por cada dia de trabalho prestado, e um subsídio mensal para falhas de caixa, no valor de 25,00 EUR.

25. Em consequência do acidente, os óculos de correção visual que o autor usava ficaram danificados.

26. O autor adquiriu uns óculos para substituir os danificados, pelos quais pagou a quantia de 370,00 EUR.

27. Em virtude do embate, o capacete do autor ficou danificado.

28. Em consequência da queda e do arrastamento do autor na faixa de rodagem, as calças, as sapatilhas e o blusão que vestia ficaram rasgados.

29. O autor utilizava o ciclomotor para se deslocar para o trabalho e em deslocações curtas.

30. O réu efetuou peritagem ao ciclomotor no dia 5 de março de 2018.

31.  A ordem de reparação foi dada em 19 de março de 2018.

32. O veículo ficou disponível para utilização no dia 22 de março de 2018.

33. O autor retomou o trabalho no dia 6 de março de 2018.

34.  O autor, durante o período em que esteve com a perna e o braço esquerdos engessados, esteve dependente de terceira pessoa para todas as atividades da vida diária, nomeadamente para fazer a sua higiene, vestir-se e comer.

35. Nesse período, sofreu perturbações no sono, tendo sido medicado para dormir.

36. Depois de retirar o gesso da perna, o autor iniciou a marcha com duas canadianas.

37. Tem dificuldade em manter-se de pé durante muito tempo.

38. Tem dificuldade em pegar em objetos pesados.

39.  Mesmo quando recuperou parte da sua mobilidade, o autor reduziu o convívio noturno com os amigos.


Fundamentação de direito.

A única questão que nos cumpre apreciar refere-se ao quantum indemnizatório por danos não patrimoniais, não constituindo matéria controvertida que o Autor sofreu danos de natureza não patrimonial e que os mesmos assumem gravidade bastante para justificarem a indemnização (nº1 do art. 496º do CCivil).

As instâncias chegaram a resultados significativamente diferentes, a 1ª instância valorou-os em €7.500,00 e a Relação em €40.000,00.

É desta decisão que recorre o obrigado à indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel, pugnando pela repristinação do decidido na 1º instância.

Nos termos do nº3 do art. 496º o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, devendo ser tomada em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as circunstâncias do caso (gravidade do dano, tendo em conta as lesões e as suas sequelas, e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima) e as exigências do princípio da igualdade.

Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, fê-lo no recente Acórdão de 21.01.2021, P. 6705/14 (Maria dos Prazeres Beleza), “a aplicação de puros juízos de equidade  não traduz, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”; se o STJ é chamado a pronunciar-se sobre  “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de  equidade”,  não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto .”

Continuando a citar este douto acórdão:

“A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso” (acórdão do STJ de 22.01.2009,  P. 07B4242).

Nas palavras do acórdão deste STJ de 31.01.2012, P. 875/05, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se  torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade  consagrado no art. 13º da Constituição”.

Tendo presente estes princípios, vejamos o caso dos autos.

- O Autor à data do acidente, 8 de Novembro 2017, tinha 26 anos;

- Na altura trabalhava como operador de posto de combustíveis, auferia mensalmente o salário base de 585,00 EUR, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 6,00 EUR, por cada dia de trabalho prestado, e um subsídio mensal para falhas de caixa, no valor de 25,00 EUR;

- Foi transportado do local do acidente (..., ...), para a urgência do H.U.C.;

- Apresentava fratura fechada do osso navicular (escafoide) do punho esquerdo e lesão ligamentar externa do tornozelo esquerdo;

- Ainda no hospital, foi efetuada sutura da ferida na perna esquerda, colocação de tala gessada na perna esquerda e imobilização gessada do braço esquerdo.

- Teve alta para o domicílio no próprio dia, com orientação para a consulta externa de ortopedia, indicação para fazer cuidados de penso e remoção do material de sutura 14 dias depois e manter os membros elevados;

- Em 27 de novembro de 2017, foi retirada a tala do membro inferior esquerdo.

 -  Em 5 de fevereiro de 2018, foi retirada a imobilização gessada do punho;

- A data da consolidação das lesões foi fixada em 05.02.201;

- Quantum doloris foi fixado no grau 4 numa escala de 7;

- Dano estético fixado no grau 1 numa escala de 7;

- O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 9 pontos;

-  Em termos de repercussão permanente na atividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

-  O autor retomou o trabalho no dia 6 de março de 2018;

-  Durante o período em que esteve com a perna e o braço esquerdos engessados, esteve dependente de terceira pessoa para todas as atividades da vida diária, nomeadamente para fazer a sua higiene, vestir-se e comer;

- Nesse período, sofreu perturbações no sono, tendo sido medicado para dormir;

- Depois de retirar o gesso da perna, o autor iniciou a marcha com duas canadianas;

-  Tem dificuldade em manter-se de pé durante muito tempo;

-  Tem dificuldade em pegar em objetos pesados;.

-  Mesmo quando recuperou parte da sua mobilidade, o autor reduziu o convívio noturno com os amigos;

Não teve qualquer responsabilidade no acidente.

Importa referir que o chamado dano biológico sofrido pelo Autor, traduzido no facto de, podendo continuar a exercer a sua profissão habitual, o exercício da mesma passar a  exigir-lhe “esforços suplementares”, foi ressarcido com a indemnização de €20.000,00.

Feita esta precisão, afigura-se-nos que assiste razão em parte ao Recorrente, e que o quantum indemnizatório de €40.000,00 fixado no acórdão recorrido peca por algum excesso.

Juízo a que se chega ao confrontarmos aquele valor indemnizatório com a jurisprudência recente do STJ sobre a valoração dos danos não patrimoniais que podem ser consultados na base de dados www.dgsi.pt.

No já citado acórdão de 21.01.2021: indemnização de €40.000,00 a lesada com 32 anos, que ficou com défice funcional de 27 pontos, que sofreu graves lesões (fratura do nariz, sobrolho, testa, traumatismo craniano e fractura dos dentes) e que foi submetida a intervenção cirúrgica;

Acórdão de 07.09.202, P. 5466/15 (José Rainho), não considerou excessiva a indemnização de €60.000,00 atribuída a lesado em acidente de viação, com 34 anos, que sofreu esmagamento dos membros inferiores, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 67 pontos, com quantum doloris de grau 6 numa escala de 7, entre outras sequelas gravíssimas;

Acórdão de 19.09.2019, P. 2706/17 (Maria Rosário Morgado): indemnização de €50.000,00 a lesado de 55 anos, sujeito a uma intervenção cirúrgica, exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, que ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos; dores quantificáveis em 5 escala de 7, e dano estético de grau 3 escala de 7,  impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, o que o afectou psicologicamente;

Acórdão de 26.05.2021 (Pinto de Almeida), P. 763/17: indemnização de €35.000,00 a lesado que ficou afectado de défice funcional permanente de 13 pontos, que teve de usar durante 6 meses colete lombar, e que sofreu dores muito intensas;

Acórdão de 19.10.2021, P. 2601/19 (Manuel Capelo): indemnização de €45.000,00 atribuída a sinistrado com 44 anos, que esteve 2 anos de baixa médica, dos quais 22 dias em internamento hospitalar; quantum doloris de grau 5 numa escala de 7; dano estético de 3 numa escala de 7; ficou afectado de um défice funcional permanente de 15 pontos, nunca mais deixando de claudicar.

Servem os exemplos citados para demonstrar que o acórdão recorrido, que incidiu sobre uma situação de indiscutível menor gravidade relativamente aos casos citados, não parece ter respeitado os critérios de proporcionalidade e equidade que resultam da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, impondo-se, pois, a redução da indemnização fixada na Relação, mas não para o valor propugnado pelo Recorrente.

Tudo ponderado, afigura-se-nos mais equilibrado fixar a indemnização devida ao Autor a título de danos não patrimoniais no valor de €25.000,00.

Decisão.

Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista, altera-se o valor da indemnização por danos não patrimoniais, que se fixa em €25.000,00, no mais se mantendo o acórdão recorrido.

Custas por Recorrente e Recorrido na medida do decaimento.


Lisboa, 29.09.2022


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva