Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2971/15.3T8PDL-B.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: CASO JULGADO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM / RELAÇÃO ENTRE PROCEDIMENTO CAUTELAR E A ACÇÃO PRINCIPAL.
Doutrina:
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Edição da Coimbra Editora de 1979, p. 306.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 364.º, N.º 4.
Sumário :
I- Nas providências cautelares não se forma caso julgado definitivo, pois e conforme estabelece o nº 4 do artigo 364º do CPC, nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final proferida no procedimento têm qualquer influência no julgamento da acção principal de que o procedimento cautelar depende.

II-Tendo a sentença exequenda condenado em determinado valor o ex-sócio duma sociedade extinta, em substituição da sociedade dissolvida e até ao limite do montante recebido em partilha, o caso julgado formou-se nos precisos termos em que se julgou.

III-Assim, esta decisão não faz caso julgado sobre a questão de saber se é à Exequente/Oponida que cumpre alegar e provar que a sociedade dissolvida e extinta tinha bens e que estes bens foram entregues ao sócio executado, ou se é ao sócio/executado que incumbe provar que nada recebeu da sociedade extinta, matéria que só surgiu nos autos de oposição à penhora.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

Por apenso à execução de sentença instaurada por AA contra

 

 BB (na qualidade de antigo sócio de CC, Lda., por dissolução e extinção desta sociedade) veio o executado deduzir oposição à penhora que foi efectuada, alegando que foram penhorados vários depósitos bancários que lhe pertencem desde data anterior à efectivação da liquidação desta sociedade, e que não lhe foram transmitidos como resultado da respectiva partilha.

Pediu assim o levantamento das penhoras que incidiram sobre estes depósitos bancários.

Notificada, contestou a exequente impugnando a matéria alegada e pugnando pela manutenção destas penhoras e pela condenação do oponente como litigante de má‑fé.

Proferido despacho saneador tabelar e efectuada audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual foi exarada a seguinte decisão:

“Assim, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados nos autos se aplicam, julga o Tribunal a presente oposição à penhora, deduzida por BB, parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a) deverá levantar-se a penhora realizada sobre os depósitos bancários constantes das contas nº …, do ..., no valor de € 106,36, e nº …, do Banco ..., no valor de € 9375,00;

b) mantém-se a penhora realizada sobre os restantes depósitos bancários.

No mais, julga o Tribunal improcedente o pedido de condenação do opoente como litigante de má-fé.

As custas saem precípuas do produto dos bens penhorados (cfr. art. 541º do Código de Processo Civil).

Registe e notifique.”

Inconformado, apelou o opoente pedindo a revogação da decisão recorrida e que se ordene o levantamento da penhora incidente sobre as contas n.° …, do ..., n.° … e …, do ..., por as mesmas não terem pertencido à CC, Lda.

Decidido o recurso, acordou a Relação em revogar a decisão recorrida, e julgando totalmente procedente a oposição à penhora deduzida pelo executado, ordenou-se o levantamento da penhora sobre os depósitos bancários relativamente aos quais a primeira instância a havia mantido.

Inconformada, veio a exequente interpor recurso de revista, nos termos do artigo 674º/1, a) e b) CPC, com o fundamento na ofensa do caso julgado nos termos do artigo 671º/1 CPC, com referência ao artigo 629º, nº 2, a) “in fine”, e ainda com o fundamento de oposição de julgados nos termos do artigo 671º/1 do CPC com referência ao artigo 629º/2, d) do CPC (consistente na contradição entre o Acórdão da RL, ora recorrido, e o Acórdão-fundamento desta mesma Relação de Lisboa de 15 de Março de 2011, há muito transitado em julgado, proferido no processo nº 611/09.9TJLSB.L1-1, que incide sobre a mesma questão de direito - a quem cabe o ónus da prova dos factos inerentes ao artigo 163º/1 C.S.C. conjugado com o artigo 342º CC, se à parte credora aqui Exequente, ora Recorrente, se ao Executado-Oponente).

E pronunciando-se sobre este requerimento, entendeu a Ex.mª Desembargadora/relatora não estarem reunidos os requisitos de admissibilidade da revista ao abrigo da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC.

No entanto, considerando que não cabe à Relação sindicar se ocorre ou não a invocada ofensa de caso julgado, admitiu-se a revista unicamente com este fundamento.

Subidos os autos, proferiu o relator despacho a admitir a revista “… apenas na parte em que a recorrente invoca que o acórdão recorrido viola o caso julgado, deixando-se ainda consignado que a mesma versará exclusivamente sobre esta matéria, e que por isso, constituirá o único objecto do recurso.”

Entretanto, inconformada com o despacho da relatora da Relação que não havia admitido a revista por não considerar integrados os requisitos do nº 2 do artigo 629º, alínea d) do CPC, chegou ao processo um requerimento da recorrente a pugnar pela sua admissão com fundamento no invocado preceito, expediente que o relator mandou processar como reclamação nos termos do artigo 643º do CPC.

E decidida esta, considerou-se que o caso em apreço não está abrangido pela previsão do nº 2, alínea d) do artigo 629º do CPC, pois do acórdão poder-se-ia recorrer de revista desde que o valor da causa a permitisse.

           

Assim, indeferiu-se a reclamação deduzida, mantendo-se a admissão da revista exclusivamente quanto à questão da violação do caso julgado, que é portanto a única matéria a apreciar no recurso.

Para tanto, a recorrente rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1-O Ac. RL recorrido concluiu: “O título executivo, no caso vertente, é a sentença proferida na acção declarativa condenatória proposta por AA (…) contra CC-…, Lda. em 2-11-2013.(…)à data da instauração da acção já a sociedade Ré se encontrava extinta, em virtude de(…) ter sido dissolvida, com encerramento de liquidação, registada na Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada em 4.9.2015,(…)com este acto deu-se a sua extinção, face ao (…) artº160, nº 2 do CSC, o Tribunal a quo determinou a sua substituição pelo sócio BB.”

2- “(…)foi proferida sentença a que alude o Ponto 11, tendo aquele sido condenado a pagar à Autora, ora Exequente, as quantias aí discriminadas, em substituição da sociedade CC até ao limite do montante recebido em partilha. (…)art. 163, nº 1 do CSC(…).Daqui decorre que, para que a Exequente pudesse penhorar bens do sócio da sociedade extinta, era necessário provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados/adjudicados pelo sócio. Tratando-se de factos constitutivos do direito da Autora/Exequente à reparação por parte do antigo sócio da executada, sobre ela recaía esse ónus, nos termos do art.342, nº 1 do CC.”

3-“Assim, contrariamente ao que foi considerado na sentença sob censura, cabe ao credor ou exequente demonstrar que o sócio executado recebeu bens da sociedade liquidada, como condição de, com esses bens, responder pela dívida da sociedade. O recebimento de bens é, pois, condição de responsabilidade do sócio. (…) Ora, no caso presente a Exequente não logrou provar que a sociedade dissolvida possuísse activo e que tivesse havido partilha (neste caso adjudicação por se tratar de sociedade unipessoal) de bens societários.”

4-E decidiu o Ac. recorrido: “Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, pelo que se revoga a decisão recorrida na parte impugnada, julgando-se totalmente procedente a oposição à penhora deduzida pelo executado e, em consequência, ordena-‑se o levantamento da penhora sobre os depósitos bancários relativamente aos quais esta se manteve.”

5-A nosso ver, o Acórdão RL ora recorrido não podia nem devia ter assim decidido, havendo ora fundamentos para a presente revista que se passam já a explanar.

6-O Oponente nestes autos interpôs recurso para o Tribunal RL, da Sentença de 14-11-2016 proferida em sede da Execução/Oposição à penhora (Proc. nº 2971/15.3T8PDL-B) que decretou a manutenção da penhora dos saldos bancários descritos em a), b),d) e f) do ponto 1 da matéria de facto dada por provada nessa Sentença, conforme alínea b) do Dispositivo desta.

7-Porém, não tendo o Oponente recorrido em matéria de facto, ficou definitivamente dada como provada a matéria de facto assim descrita nos pontos 1 a 10 dessa Sentença, e como não provada a matéria assim descrita nas als. a) a c) desta.

8-Note-se, esta Sentença deu nomeadamente como matéria de facto não provada: “a) os valores pecuniários identificados em 1), com a ressalva dos que se encontram mencionados em 1-c) e 1-e), pertencessem a BB em data anterior a 4 de Setembro de 2015.”- pelo que, a Sentença manteve penhorados tais valores pecuniários (sujeitos a arresto desde 2015, convertidos depois em penhora nestes autos executivos), e devem assim manter-se para pagar o que é de direito desta trabalhadora.

9-O Executado-Oponente recorreu para o TL desta Sentença apenas em matéria de direito, concretamente sobre a questão de: a quem compete o ónus de alegação e prova que a sociedade “CC” “não tinha bens e que esses bens não foram entregues ao sócio em detrimento da satisfação do crédito da trabalhadora”- como alegou o Executado/Oponente na sua Oposição à Penhora e recurso, entendendo que é a credora-Exequente-Oponida a quem caberá o ónus de prova dos alegados factos que lhe conferem o direito p. no artº 163º C.S.C., nos termos do artº 342º/1 CC.

10-Estamos perante uma Sociedade unipessoal por quotas designada “CC- …, Lda.” cujo único sócio e gerente era o Oponente/ora Recorrido que tudo decidia unilateralmente, quando e bem entendia, que procedeu à inscrição no registo através de processo simplificado, da “dissolução, liquidação e extinção imediata” dessa empresa, junto da Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada, em 4-09-2015, sem nada dizer às trabalhadoras, que continuaram a trabalhar sem nada saber até ao dia 10-09-‑2015 inclusive (cfr. provado na Sentença transitada em julgado nos autos principais nº2971/15.3 T8PDL), tendo ainda ficado provado sob o ponto 10 da Sentença de 14-11-2016 proferida em sede de Execução/Oposição à penhora que: “Após 4 de Setembro de 2015, BB, apresentando-se na qualidade de sócio gerente da “CC, Lda.”, ainda recebeu, no âmbito da actividade desta sociedade, quantias pagas a título de quotização de condóminos.” (são centenas de condóminos como é do conhecimento geral e do tribunal “a quo”!)

11-Pelo que, dizer-se que não havia activo nem Passivo social é falso, e bem decidiu a Sentença de 14-11-2016 ao ter dado como não provada a matéria de facto constante da referida alínea a) supra transcrita em 8 destas Conclusões de recurso.

12-O Executado-Oponente/Recorrido ao alegar inexistir passivo ou activo da empresa, sustenta-se sempre e só na declaração que o mesmo (nesse processo simplificado de dissolução-liquidação-extinção da empresa) fez verbalmente sem exibir documentos na Conservatória de P. Delgada, declaração essa de fls. 57 dos autos principais nº 2971/15.3 T8PDL, quando esta não faz prova plena de que inexiste activo nem passivo, só tendo força probatória quanto ao facto de ter sido declarada pelo mesmo único sócio e gerente a alegada “inexistência de activo e passivo”.

13-Aliás, como bem refere a Sentença proferida nestes autos de Execução/Oposição à penhora, o próprio contabilista da empresa em questão, testemunha do Oponente, nem sequer confirmou a alegada inexistência de activos, aliás o seu depoimento reforçou a existência de notórias desconformidades entre aquilo que o Oponente na qualidade de sócio único e gerente declarava e aquilo que era e é a realidade. E o Oponente nunca autorizou a quebra do sigilo bancário nos autos…

14-Porém, tendo o Oponente recorrido desta última Sentença para o Tribunal da RL, este pelo Ac. recorrido considerou procedente o recurso em matéria de direito interposto por aquele, julgou procedente a sua oposição à penhora e ordenou o levantamento desta sobre os referidos depósitos bancários, revogando assim, para surpresa de todos, a Sentença de 1ª instância, tendo para tal se fundamentado nos termos supra transcritos em 1 a 4 destas Conclusões de recurso.

15- Tendo assim decidido, o Ac. recorrido ofende a nosso ver o caso julgado. A Sentença de 14-11-2016 bem considerou que cabia ao Executado/Oponente, provar os factos impeditivos do direito da Exequente, que o mesmo alegou como excepção na sua Oposição à Penhora. E as partes há muito que sabem nestes autos ser este o entendimento do Tribunal de 1ª instância que “ab initio” o expressou, tendo esse entendimento determinado o regime de tramitação e produção de prova nos julgamentos que tiveram lugar no Procedimento de arresto e Acção principal subjacentes à presente Execução e da qual esta é apensa.

16-Em sede do Procedimento de Arresto despoletado e merecedor de procedência liminar logo em 2015, cuja Sentença final no respectivo Proc.nº 2971/15.3 T8PDL-A data de 20-04-2016 transitou em julgado sem que fosse interposto recurso pelo então Requerido (ora Oponente), e em sede da Acção Especial de Impug. Judicial da regularidade e licitude do despedimento cuja Sentença de 3-03-2016 transitou em julgado sem que o R. (ora Oponente) tivesse seguido com qualquer recurso (chegou a interpor em 5-04-2016 com a refª 1277515, mas logo desistiu antes do fim do prazo para contra-alegações) - o Tribunal de 1ª instância sempre expressou o mesmo entendimento que preconiza na Sentença que recaiu sobre a Oposição à Penhora.

17-Vejam-se Alegações do recurso que o R., ora Oponente, interpôs em 5-04-2016 da Sentença proferida na acção Declarativa Principal (Proc.nº 2971/15.3T8PDL), aí ainda junto sob doc. com a refª citius 1277515, do qual logo o R. desistiu, onde aí invocava o mesmo entendimento que ora invocou na RL sobre o ónus da prova/sobre quem a seu ver deve provar o facto impeditivo do direito da A./Oponida p. no artº 163º do C.S.C..

18-As partes sempre souberam nestes autos e nos anteriores declarativos e cautelares apensos, que cabia ao R./Requerido/Executado-Oponente provar os factos que alegou em sede dos seus articulados de contestação/oposição e oposição à penhora, por serem esses factos impeditivos do direito invocado pela A./Exequente/Oponida, ora Recorrente, tendo sido este entendimento expresso em todas essas Decisões Judiciais de 1ª instância lavradas em todos os autos apensos anteriores à Execução e Oposição à Penhora, e por isso determinado sempre e sem reclamação das partes a imposição durante todos esses julgamentos do ónus da prova desses respectivos factos ao Réu/Requerido, Oponente, ora Recorrido.

19- Basta lermos a Sentença condenatória do R., de 3-03-2016, proferida no Proc. Principal Declarativo 2971/15.3T8PDL (título executivo nesta Execução), que nesse sentido entendeu/decidiu, sem censura nem impugnação por qualquer das partes.

20-Após todos estes anos de processos iniciados pela Recorrente em 2015, surge o Ac. ora recorrido a contrariar todas essas Sentenças anteriores proferidas nos autos declarativos e cautelares apensos aos presentes, ofendendo a nosso ver o caso julgado formado nos autos por essas anteriores Decisões judiciais de 1ª instância proferidas nos autos declarativos principais e apensos que determinaram sempre a imposição durante todos esses respectivos julgamentos do ónus da prova desses respectivos factos ao Réu/Requerido/Executado-Oponente.

21-Além disso, a fundamentação-decisão do Ac. recorrido não tem qualquer suporte, compatibilidade, coerência ou sustentabilidade nos factos que estão definitivamente provados e não provados na Sentença de 1ª instância de 14-11-2016 (vide por ex. os factos não provados supra descritos em 8 destas Conclusões).

22-Quando existe uma decisão, ou decisões, sobre aspectos de natureza processual, já transitadas em julgado, como a nosso ver é o caso, há que garantir à Instância a sua inerente estabilidade, mas também a confiança das partes. Em todas as decisões judiciais tomadas pela 1ª instância e já transitadas em julgado (em sede cautelar e declarativa que depois são título executivo nesta Executiva) foram no sentido de caber ao Réu/Requerido/Executado-Oponente o ónus da prova sobre os factos impeditivos do direito da A./Requerente/Exequente-Oponida previsto no artº 163º/1 do CSC, tendo todos os respectivos julgamentos seguido este entendimento/regra, sem qualquer reclamação ou impugnação por nenhuma das partes.

23-Sobre esta questão do ónus da prova, é inalterável a nosso ver a Sentença de 14-11-2016, pois verifica-se caso julgado sobre esta matéria de direito por parte de todas as Sentenças proferidas nos autos declarativos e cautelares que são origem dos destes autos executivos (nos quais é deduzida oposição à penhora). Nesta Sentença o MmºJuíz só repetiu o entendimento já seguido desde o início do procedimento cautelar e acção declarativa principal, apensos a estes autos, e que sempre norteou, guiou, determinou e orientou a tramitação e produção de prova em todos estes processos apensos, nos quais sempre coube ao R./Requerido/Executado-Oponente o ónus da prova sobre os factos impeditivos do direito da Requerente/Autora/Exequente-Oponida previsto no artº 163º/1 C.S.C., cfr. artº 342º/2 CC.

24-Passados todos estes anos e decorrida toda a tramitação processual declarativa, cautelar e executiva, que se pautou e guiou sempre pelo entendimento de que cabe ao Requerido/R./Executado-Oponente o ónus da prova sobre os factos impeditivos do direito da Requerente/Autora/Oponida p. no artº163º/1 CSC., o Ac. RL recorrido ao ora pugnar por entendimento diverso deste, e por isso revogando a Sentença proferida em sede de oposição à penhora, a nosso ver incorre na ofensa do caso julgado e na violação dos arts. 620º,621º e 625º CPC, pois devia ter respeitado as Sentenças proferidas em sede declarativa e cautelar sobre esta matéria de direito transitadas em julgado e com efeitos na tramitação da/e produção de prova na instância executiva.

25-O Ac. RL recorrido ao ter assim decidido, frustrou totalmente a confiança que a trabalhadora, A./Requerente/Exequente-Oponida tinha na Justiça, tendo o Ac. recorrido lesado assim a segurança e certeza jurídicas nestes autos; pois todas as Sentenças de 1ª instância proferidas nestes autos e nos apensos (autos cautelares e declarativos) sempre seguiram “ab initio” o mesmo entendimento (diverso do Ac. recorrido) sobre tal questão de direito, criando confiança na Recorrente nesse sentido.

26-Se o Acórdão da RL ora recorrido se mantivesse e produzisse efeitos, nunca teria a ora Recorrente/trabalhadora oportunidade mais de produzir prova em julgamento segundo o entendimento ditado unicamente pelo Ac. recorrido nestes autos. E tal seria um caos para a Justiça, após terem sido realizados todos os julgamentos nestes autos seguindo-se sempre o entendimento seguido coerentemente pelas sucessivas Sentenças de 1ª instância, inclusive pela ora revogada pelo Ac. recorrido.

27-Se se mantivesse o Ac. recorrido, este sempre violaria o princípio do contraditório (arts. 3º/1,2,3 e 4º CPC) na vertente nomeadamente da proibição quer da indefesa quer da decisão surpresa, com prejuízo da protecção jurídica dos cidadãos, da aqui trabalhadora, Recorrente que reclama e espera que a Justiça seja alcançada sem desprestígio nem desigualdade para os cidadãos nos quais se inclui.

28- Perfilhamos o teor da Sentença proferida em 14-11-2016 nestes autos:“(…)deverá afirmar-se que este Tribunal, seguindo aquele que é o seu entendimento sobre esta matéria, considera que este facto aqui em causa, a existência de património social e a sua partilha pelos sócios, configura, não propriamente um facto constitutivo titulado pelo credor, mas sim- a não existência de património partilhado-um facto impeditivo desse direito.(…)não é o credor que tem de alegar e provar que o sócio obteve bens da sociedade resultantes da partilha do seu património, mas é sim o sócio que tem de alegar e demonstrar que nada recebeu do património social, que inexistem bens partilhados, nos termos gerais do art. 342º, nº2, do Código Civil (com o mesmo entendimento, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Março de 2010, 15 de Março de 2011 e 7 de Outubro de 2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt)”-sublinhado nosso.

29-Assim entendeu o Douto Ac. RL de 15-03-2011 (transitado em julgado no Proc. nº 611/09.9TJLSB.L1-1, Juíz Desembargador Relator Graça Araújo, publicado em www.dgsi.pt): A posição que ora defendemos (perfilhada no Acórdão RL de 9.3.10, in http//www.dgsi.pt, Proc. nº 4777/06.1TVLSB.L1-1)(…)é a única que assegura ao credor insatisfeito uma situação idêntica à que se verificaria caso a sociedade não estivesse extinta. Com efeito, nessa situação, caber-lhe-ia, apenas, provar os factos constitutivos do seu direito para obter a condenação da sociedade (…) tendo a sociedade sido dissolvida por deliberação dos sócios, como é o caso, e igualmente por estes liquidado o respectivo património (circunstâncias a que o credor social é alheio), não compreendemos porque razão deve ser o credor insatisfeito a suportar os custos acrescidos dessa situação no que respeita ao ónus que processualmente lhe incumbem (sendo, aliás, certo que já sofre as consequências derivadas da cessação do giro comercial da empresa)”.

30-Segundo este Ac. RL 15-03-2011, a posição contrária defendida neste caso pelo Oponente e pelo Ac. ora recorrido: “exige ao credor social uma prova que necessariamente pressupõe um conhecimento sobre a situação económico-financeira da sociedade que ele, naturalmente, não terá, em muito dificultando ou, mesmo, inviabilizando a satisfação de um crédito que ele, efectivamente, tem. Ao invés, estão os sócios na posição ideal para alegar e provar aquilo que receberam ou não na partilha.” (sublinhado nosso)

31-Para qualquer trabalhador, o entendimento invocado pelo Oponente e pelo Ac. recorrido, significaria impossibilidade de prova, ou seja um caso de “prova diabólica”, pois- numa empresa em que o único sócio e gerente decide unilateralmente e de súbito extingui-la, sem que o trabalhador saiba quando, como e porquê - como poderia o trabalhador ter acesso nomeadamente aos fluxos económico-financeiros da empresa, movimentações bancárias, transacções e bens móveis desta? Esses elementos só o único sócio tem na sua posse e disponibilidade. Veja-se este caso que, não obstante o Oponente afirmar que não se opôs à quebra de sigilo bancário, a verdade é que nunca concedeu autorização nestes autos para a quebra desse sigilo e foi devidamente notificado dos ofícios dos bancos a solicitá-lo (como aliás o Ac. recorrido frisa). Quem age assim revela efectivamente que não age de boa fé.

32-As Sentenças transitadas em julgado nesta matéria do ónus da prova e sua repartição, bem como a tramitação dos respectivos julgamentos, inclusive no âmbito de oposição à penhora, que seguiram sempre o mesmo entendimento contrário ao do Oponente e do Ac. recorrido, criaram expectativas, legais e legítimas à trabalhadora/A./Requerente/Exequente-Oponida que assim prosseguiu e agiu em conformidade com tais Decisões Judiciais (sustentadas em Acs. RL nesse sentido, com os quais o Ac. recorrido entra em contradição!), obediente e confiante que foi sempre à/na mesma orientação processual sobre a imputação do ónus da prova ao R./Requerido/Executado-Oponente dos factos impeditivos do direito da credora (ora Recorrente) previsto artº 163º/1 C.S.C. conjugado com artº 342º/2 CC.

33-orientação esta que foi seguida por todas as partes e Tribunal nos vários julgamentos que tiveram nestes autos lugar em sede declarativa, cautelar e executiva, tendo cada parte processual se orientado de forma segura e certa em todos esses julgamentos sempre em conformidade com este e apenas este entendimento.

34-O princípio do processo equitativo é integrado por vários elementos entre os quais a Confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual segundo o qual: “os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências   processuais   desfavoráveis   com   as   quais   razoavelmente   não   poderiam.contar(...)”- Ac. STJ de 3-03-2004, in CJ, Ac. RL 7-06-2001, in CJ e Ac. RL de 7-10-2004, in www.dgsi.pt- é o Princípio da Confiança na Boa Ordenação Processual, e na Regularidade Legal dos seus actos.

35- O Ac. recorrido- ao ter ora contrariado completamente o entendimento quanto à atribuição do ónus da prova norteado e seguido na Sentença proferida nos autos principais e na Sentença proferida nos autos apensos cautelares (todas já transitadas em julgado), e depois seguida na Sentença em sede de execução/oposição à penhora- constitui uma decisão surpresa, a nosso ver inconstitucional tendo violado desde logo os arts. 20º/1 e 13º CRP, pois a manter-se eventualmente o Ac. ora recorrido, a Exequente/Oponida não terá, como supra referimos, qualquer possibilidade sequer de apresentar prova pois o processo não volta a julgamento.

36-A Sentença de 14-11-2016 decidiu a favor da credora, por falta de prova pelo R./Requerido/Executado-Oponente dos factos por este alegados (alegada inexistência de património social, alegada inexistência de partilha deste pelo único sócio-gerente e alegada inexistência de partilha a favor deste) impeditivos do direito daquela, e manteve penhorados os depósitos bancários que o mesmo não provou não serem da sociedade, não provou não serem património social nem provou que não foram a si mesmo adjudicados em partilha, não provou que não havia activo nem passivo social.

37-O Ac. recorrido não tendo aplicado/interpretado correctamente estes arts. 163º/1CSC e 342º CC, incorre na violação destas normas, e ainda mostra-se inconstitucional por contender com os arts. 20º e 13º(e Princípio da Justiça Relativa) CRP, com o Princípio da Confiança dos Cidadãos na Boa Ordenação Processual, e na Regularidade Legal dos actos processuais, e com o Princípio do Caso Julgado, assim pondo em causa a segurança e certeza jurídicas, conforme supra referimos.

38-Devia o Ac. recorrido ter julgado improcedente o recurso interposto pelo Oponente e ter mantido a Sentença proferida em 1ª instância, assim como, por conseguinte, ter mantido a penhora sobre os referidos depósitos bancários que se encontram penhorados nos autos a favor da credora/A./Requerente/Exequente-Oponida.

39-Devia o Ac. recorrido ter assim decidido mas não o fez, pelo que ao ter decidido como decidiu incorreu na violação dos artigos 163º/1 C.S.C. e 342º CC, dos artigos 620º,621º e 625º (ofendeu o Caso julgado) e 674º/1,a) e b) CPC, e ainda dos princípios constitucionais da Igualdade do acesso ao Direito e da Justiça Relativa (artigos 2º CPC e 13º, 18º/1, 20º CRP), da Proibição da Indefesa e das decisões surpresa (artigos 3º/1,2,3 e 4º CPC), além dos princípios basilares da Boa-fé processual (artº 8º CPC), da Legalidade, da Segurança e Paz Jurídicas, da Estabilidade da Instância e do Princípio fundamental da Justiça.

40-Pelo que, se requer a este STJ uma melhor aplicação do Direito, tendo em conta os interesses em causa e as normas jurídicas e princípios que não foram respeitados pelo Ac. recorrido mas deviam ter sido na situação de particular relevância social e laboral objecto destes autos em que está em causa uma trabalhadora despedida ilicitamente, devendo a final ser dado sem efeito esse Ac. recorrido, o qual deve ser revogado e substituído por Ac. que mantenha a Sentença proferida em 1ªinstância nestes autos executivos (que aplicou e interpretou correctamente todas aquelas normas jurídicas), a fim de se satisfazer finalmente os direitos desta trabalhadora.

… ... …

            Pede assim que se revogue o acórdão recorrido porque ofende o caso julgado.

O recorrido não alegou.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, proferiu a Senhora Procuradora-Geral Adjunta parecer no sentido da confirmação do acórdão da Relação, propugnando que inexiste qualquer violação do caso julgado, matéria a que respondeu a recorrente tendo concluído como na sua alegação de recurso.

 É pois altura de decidir.

2----

São os seguintes os factos fixados pelas instâncias e que são pertinentes para a apreciação da revista:

1. Na execução que corre sob o nº 2971/15.3T8PDL.2, instaurada, em 15 de Abril de 2016, por AA, tendo como referência o procedimento cautelar de arresto que correu sob o nº 2971/15.3T8PDL-A, procedeu-se à conversão de arresto em penhora dos seguintes depósitos bancários:

a) conta nº …, do ..., à ordem de CC, Lda., no valor de 624,80;

b) conta nº …, do ..., à ordem de BB, no valor de € 454,07;

c) conta nº …, do ..., à ordem de BB, no valor de € 106,36;

d) conta nº …, do Banco ..., à ordem de BB, no valor de € 3397,04;

e) conta nº …, do Banco ..., à ordem de BB, no valor de € 9375,00 (depósito a prazo);

f) conta nº …, à ordem de BB, no valor de € 955,61.

2. Em 29 de Agosto de 2013, CC, Lda. e Banco ..., SA ajustaram, por escrito, um acordo denominado “DD II”, com um financiamento no valor de € 25000,00.

3. No âmbito deste acordo de financiamento, BB, na qualidade de “garante”, declarou, por escrito, constituir “a favor do Banco e da Entidade Gestora da Linha, penhor sobre activos financeiros (…), constituído na conta nº …, no montante de € 25000,00 (vinte e cinco mil euros) de que o garante é titular junto desse Banco…”.

4. Os valores pecuniários identificados em 1-c) e 1-e), à data de 4 de Setembro de 2015, não pertenciam a CC, Lda.

5. Nos anos de 2013 e 2014, CC, Lda. apresentou os seguintes resultados líquidos

a) - € 1293,95 (no ano de 2013);

b) - € 10264,92 (no ano de 2014).

6. Até Agosto de 2015, CC, Lda. apresentava o seguinte resultado líquido: - € 17220,51.

7. Em 31 de Agosto de 2015, a sociedade CC, Lda. deliberou o “encerramento da empresa no dia quatro de Setembro de dois mil e quinze”, ainda com a seguinte menção: “Em virtude de se verificar grandes dificuldades financeiras a situação não se pode mais prolongar porque estamos a ter há três anos apenas prejuízos prescindindo-se assim de todos os serviços dos nossos trabalhadores da Empresa a partir do dia trinta e um de Agosto de dois mil e quinze”.

8. Em 4 de Setembro de 2015, foi feita a inscrição no registo, junto da Conservatória do Registo Comercial de Ponta Delgada, da dissolução e encerramento da liquidação de CC, Lda.;

9. Com o encerramento de CC, Lda. foi apresentado um balancete com indicação de saldos activo e passivo correspondentes a zero.

10. Após 4 de Setembro de 2015, BB, apresentando-se na qualidade de sócio gerente de “CC, Lda.”, ainda recebeu, no âmbito da actividade desta sociedade, quantias pagas a título de quotização de condóminos.

Por se mostrar relevante aditou a Relação o seguinte facto:

11. A sentença proferida na acção principal, com forma de processo especial de impugnação da regularidade e licitude de despedimento, foi instaurada por AA contra CC-Gestão de Condomínios, Lda em 2.11.2015.

3----

Apreciando: 

Como já se referiu, e conforme consta da decisão proferida na reclamação da recorrente deduzida ao abrigo do artigo 643º do CPC, o objecto da revista incide, exclusivamente, sobre a invocada questão da violação do caso julgado pela decisão recorrida, pelo que será esta a única matéria que será versada no presente acórdão.

           

Importa, então, ajuizar se ocorre a pretendida ofensa de caso julgado.

Ora, conforme resulta do seu conceito constante do artigo 580.º do Código de Processo Civil[1], a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (n.º 1).

E tem por fim evitar que o tribunal seja colocado perante a alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (n.º 2), evitando-se desta forma comprometer o prestígio dos tribunais, que colocados perante uma situação já definida num determinado sentido poderiam vir a defini-la em sentido diferente.

Esclarece, por outro lado, o artigo 581.º que uma causa se repete quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (n.º 1), entendendo-se que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (n.º 2); que há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3); e que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (n.º 4).

Doutra parte, estabelece o n.º 1 do artigo 619.º que, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º, regulando estas últimas normas o recurso de revisão de decisão transitada em julgado.

É o que se chama caso julgado material que, se não existisse, provocaria uma situação de instabilidade jurídica, fonte de injustiças e de paralisação de todas as iniciativas, resultando assim, a sua existência duma exigência de segurança, por força da qual a lei atribui uma força vinculante infrangível ao acto de vontade do juiz que definiu, em dados termos, uma certa relação jurídica e os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos, conforme acentua Manuel de Andrade.[2]    

Já quanto às sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, estes apenas têm força obrigatória dentro do processo, conforme consagra o n.º 1 do artigo 620º, salvo relativamente aos despachos o regime previsto no artigo 630.º (n.º 2).

Diga-se ainda que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 628.º.

Por outro lado, e conforme consagra o artigo 621.º a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

Atentas estas considerações, é altura de apreciarmos se o acórdão recorrido viola o caso julgado, conforme alega a recorrente.

3.1----

Como se colhe da sentença proferida em sede de oposição à penhora deduzida pelo executado, esta foi julgada parcialmente procedente, pelo que se manteve a penhora dos depósitos bancários, com excepção dos identificados na alínea a) do seu dispositivo.

Foi contra esta decisão que se insurgiu o executado/opoente na apelação, pedindo o levantamento da penhora de todos estes depósitos bancários, sustentando que é à Exequente/Oponida que cumpre alegar e provar que a sociedade dissolvida e extinta tinha bens e que esses bens foram entregues ao sócio executado, uma vez que tais factos são constitutivos do seu direito a obter deles o valor do crédito exequendo, até ao montante que recebeu em partilha.

Foi portanto esta questão que o apelante colocou à Relação, vindo a decidir-se que o exequente, para que possa penhorar bens do sócio duma sociedade executada extinta, tem de provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados/adjudicados pelo sócio, nos termos do artigo 342º, nº1 do CC.

E nesta linha, contrariamente ao que fora considerado na sentença impugnada, decidiu o acórdão sujeito levantar a penhora sobre os demais depósitos bancários, argumentando que cabe ao credor ou exequente demonstrar que o sócio executado recebeu bens da sociedade liquidada, sendo nessa medida que responde pelas dívidas sociais.

E mais se argumentou que o título executivo é a sentença proferida na acção declarativa condenatória proposta por AA contra CC, Lda, em 2.11.2015, onde o R (ora executado/oponente) foi condenado a pagar à Autora/Exequente, as quantias aí discriminadas, em substituição da sociedade CC e até ao limite do montante recebido em partilha.

Sustenta a recorrente que, não tendo o oponente recorrido da matéria de facto, ficou definitivamente dado como provado o que consta dos pontos 1 a 10 da sentença, de cujo nº 4 se extrai que os valores pecuniários identificados em 1-c) e 1-e), à data de 4 de Setembro de 2015, não pertenciam a CC, Lda, tendo sido por essa razão que a penhora foi levantada nessa parte.

E nesta linha propugna que, como a sentença considerou não provado que os valores pecuniários identificados em 1), com a ressalva dos que se encontram mencionados em 1-c) e 1-e), pertencessem a BB desde data anterior a 4 de Setembro de 2015, devem manter-se para pagar o que é de direito da trabalhadora, sendo aliás por essa razão que a decisão os manteve penhorados (tinham sido sujeitos a arresto desde 2015 e convertidos depois em penhora nestes autos executivos).

            Mas não tem razão, pois não se formou caso julgado sobre esta matéria.

Efectivamente, ao mandar levantar a penhora sobre esses valores o acórdão recorrido está simplesmente a aplicar o direito aos factos, pois constatamos que as instâncias perfilharam duas teses opostas quanto ao ónus da prova respeitante à questão da responsabilidade do sócio de sociedade dissolvida.

            Assim, e para a Relação, para o exequente poder penhorar bens do sócio da sociedade executada extinta, é necessário que o credor prove que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados/adjudicados pelo sócio/executado, sendo o recebimento desses bens condição indispensável da sua responsabilidade pelas dívidas sociais.

Posição contrária havia defendido a primeira instância, que fez incidir tal ónus sobre o executado/sócio, pelo que, não tendo este demonstrado que os depósitos constantes da conta nº …, do ..., no valor de € 106,36, e da conta nº … do Banco ..., no valor de € 9 375 não pertenciam à sociedade devedora, na data em que a mesma se extinguiu e procedeu à sua liquidação e partilha, manteve a penhora incidente sobre os mesmos.

No entanto, não se formou caso julgado com a decisão da 1ª instância, pois tendo o executado reagido na apelação contra tal entendimento, o recorrente (ex-sócio da sociedade extinta) logrou obter vencimento quanto a esta matéria.

E a este entendimento não se opunha a circunstância de tais depósitos terem sido objecto de arresto, pois nas providências cautelares não se forma caso julgado definitivo, dado que, e conforme estabelece o nº 4 do artigo 364º do CPC, nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final proferida no procedimento têm qualquer influência no julgamento da acção principal de que o procedimento cautelar depende.

Por isso, e não se tratando duma situação em que ocorreu uma inversão do contencioso, conforme previsto no 369º, nº 1 do mesmo compêndio legal, vale a doutrina do nº 4 do precito supra mencionado.

Por outro lado, é também irrelevante que o arrestado tenha deduzido oposição, que veio a ser julgada parcialmente procedente, vindo por isso a levantar-se o arresto incidente sobre as viaturas Renault, matrícula -XB e ..., matrícula -LL-.

Efectivamente, estamos no âmbito da oposição ao arresto que fora decretado sem audição prévia do arrestado, e que fora deduzida ao abrigo do artigo 372º, nº 1, alínea b) do CPC, tendo este pedido que se julgasse improcedente o procedimento cautelar que fora decretado por ausência dos respectivos pressupostos legais.

Embora a oposição tenha sido julgada parcialmente procedente, mantendo-se o arresto sobre os depósitos bancários que mais tarde foram convertidos em penhora, não se formou caso julgado sobre a questão da propriedade dos bens arrestados.

Com efeito, tendo o arrestado pedido que se julgasse improcedente o procedimento cautelar, estamos ainda no âmbito da providência decretada, pelo que, valendo a doutrina do supracitado nº 4 do artigo 364º do CPC, nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida têm qualquer influência no julgamento da acção principal de que a mesma depende.

Por isso, não se mostra violado o caso julgado.

3.2---

   

Alega ainda a recorrente que as partes sempre souberam nestes autos e nos anteriores processos declarativo e cautelar (apenso), que cabia ao R/Requerido/Executado-Oponente provar os factos que alegou em sede dos seus articulados de contestação/oposição e oposição à penhora, por serem esses factos impeditivos do direito invocado pela A/Exequente/Oponida.

Por isso, tendo sido este o entendimento seguido em todas essas decisões da 1ª instância, sustenta que o acórdão recorrido violou o caso julgado.

     

Mas não tem razão, pois a sentença condenatória dada à execução não abordou nem decidiu a questão do ónus da prova dos bens penhoráveis ao sócio, limitando-se a considerá-lo parte legítima (legitimidade processual para a causa) e a condená-lo em substituição da sociedade dissolvida e até ao limite do montante recebido em partilha.

 

Por outro lado, a questão de saber a quem cabe o ónus da prova da medida da responsabilidade do sócio, ou seja, se é à Exequente/Oponida que cumpre alegar e provar que a sociedade dissolvida e extinta tinha bens e que estes bens foram entregues ao sócio executado, ou se é ao sócio/executado que cumpre provar que nada recebeu da sociedade extinta, só surgiu nos autos de oposição à penhora, tendo as instâncias tido entendimentos opostos, como vimos.

Mas como a decisão da 1ª instância foi revogada pela Relação, não chegou a transitar em julgado.   

Assim, improcedendo a questão da invocada violação do caso julgado, única a decidir na revista, temos de confirmar o julgado.

4----

           

Termos em que se acorda em negar a revista.

            Custas a cargo da recorrente.

            Anexa-se sumário do acórdão.


            Lisboa, 12 de Julho de 2018



           
            Gonçalves Rocha (Relator)


           

Leones Dantas



           
            Júlio Gomes

______________________
[1] A que pertencerão as normas a que não for atribuída expressamente outra proveniência.
[2] Noções Elementares de Processo Civil, 306, edição da Coimbra Editora de 1979.