Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4023/11.6/TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
CRÉDITO
VENCIMENTO
TÍTULO DE CRÉDITO
AVAL
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL.
DIREITO COMERCIAL - TITULOS DE CRÉDITO / LETRA DE CÂMBIO ( AVAL ).
Doutrina:
- Abel Pereira Delgado, in “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”, 3.ª edição, 123.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. II, 450 e nota 1.
- Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 5.º, 25.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 607.º, N.º3, 610.º, 611.º, 612.º, 614.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º1, AL. B), 635.º, N.ºS 3 E 4, 639.º, NºS 1 E 2, 663.º, N.º2, 666.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º1.
L.U.L.L.: - ARTIGOS 28.º, 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22-1-2004, EM WWW.DGSI.PT
-DE 26-2-2004, PROC. N.º 04B522, EM WWW.DGSI.PT
-DE 13-12-2007, EM WWW.DGSI.PT
-DE 29-11-2011, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :

I - Não ocorre a nulidade a que alude o art. 615.º, n.º 1, al. b) (aplicável à Relação ex vi do art. 666.º, n.º 1, do NCPC (2013), se o acórdão recorrido fundamentou, de facto e juridicamente, a decisão que assumiu.

II - A anterioridade do crédito, para efeitos da alínea a) do art. 610.º do CC, afere-se pela data da sua constituição e não pela data de vencimento do título de crédito.

III - O crédito, em relação ao avalista, constitui-se no momento em que presta o seu aval. A partir de então associa-se à situação cambiária daquele a favor do qual deu a sua garantia.

Decisão Texto Integral:
  

                                              

                                              Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                       1-1- AA, Sociedade Unipessoal Ldª, propôs, contra BB, CC, Lda, DD e mulher, EE, a presente acção ordinária pedindo se declare que a fracção autónoma correspondente ao 2° andar frente, do prédio urbano denominado …, sito na Urbanização ..., objecto de doação efectuada pela 1ª aos 3°s RR. e nomeada à penhora em execução contra elas movida, responde pelo pagamento de dívida à A. das 1ª e 2ª RR.

                       Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que do acto de transmissão do bem que identifica decorreu a diminuição da sua garantia patrimonial

                       Os RR. contestaram sustentando a inexistência de dolo na doação operada, concluindo pela improce­dência da acção.

                       

                        O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                       

                       Nesta julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se os RR. do pedido.

                       1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA, Sociedade Unipessoal Ldª, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí considerado procedente o recurso revogando-se a decisão recorrida e, julgando-se a acção procedente, declarou-se que a fracção autónoma correspondente ao 2° andar frente, do prédio urbano denominado …, sito na Urbanização ..., responde pelo pagamento da divida à A. / apelante.

                       

                        1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. DD e mulher EE para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

                       Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                       a) O Acórdão sob recurso, é nulo por violação do disposto no art. 615°, nº 1. Alínea b) do CPC.

                       b) Julga-se humildemente que o Acórdão sob recurso, não justificou e não especificou minimamente, os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.

                       c) A questão era de saber se o crédito da A., ora Recorrida, relativamente à R. BB, era anterior à data da outorga da escritura de doação.

                       d) Relevante nos presentes Autos, como entendem modestamente os ora Recorrentes, era o de saber se o aval prestado pela avalista numa letra, só se constitui em crédito a favor do sacador, na data de vencimento da letra, ou não.

                        e) Foi essa questão que ora Recorrentes levantaram nos pontos 58. a 83. da resposta ao recurso de Apelação, e sobre a qual os Juízes Desembargadores não emitiram uma palavra sequer.

                       f) Entendem os ora Recorrentes que o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão sob recurso, deveria ter-se pronunciado sobre esta questão da data do crédito relativamente à R. BB, pois esta é a questão essencial na procedência ou improcedência da impugnação pauliana.

                       g) Entendem os ora Recorrentes que, atendendo ao respondido em sede de recurso de Apelação, as questões aí suscitadas deveriam ter sido respondidas e esclarecidas no Acórdão sob recurso.

                       h) A verdade é que não o foram, pelo que padece o Acórdão sobre recurso, do vício de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que foram levantados pelas partes.

                        i) Tanto assim é, que os ora Recorrentes ficam sem saber e perceber se o Tribunal da Relação de Lisboa entende, no Acórdão sob recurso, se o crédito do sacador sobre o avalista é imediato ou se só ocorre na data de vencimento da letra.

                       j) Pelo exposto, desde já se invoca a nulidade do Acórdão sob recurso, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC.

                       k) Por outro lado, o Acórdão sob recurso interpretou e aplicou mal as disposições legais relativas ao aval em sede de títulos de crédito, nomeadamente, letras, bem como interpretou e aplicou incorrectamente as regras e as disposições relativas ao vencimento das obrigações.

                       l) Nos termos do disposto nos arts. 610º e 612º do Código Civil (CC), a data do crédito e a data do acto de disposição são fundamentais para determinar a procedência ou improcedência da impugnação pauliana.

                        m) Tão importante como o requisito da má-fé, defendido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, importante também para os presentes Autos é saber se o acto de disposição é anterior ou posterior ou crédito e, neste último caso, se houve dolo no sentido de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

                        n) Ou seja, o mais importante é determinar se o acto de disposição, neste caso gratuito, foi anterior ao crédito da ora Recorrida, então A., sobre a R. BB, e apenas esta.

                       o) O problema coloca-se apenas em duas letras: a) a letra, no valor de 91.666,67€ (noventa e um mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), aceite em 2 de Novembro de 2009 e vencimento em 2 de Dezembro de 2009; b) a letra, no valor de 53.335,65€ (cinquenta e três mil trezentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), aceite em 3 de Novembro de 2009 e tinha vencimento em 16 de Novembro de 2009.

                        p) Nas duas letras referidas, resulta desde logo evidente que, em ambas, a data de vencimento (2 de Dezembro de 2009 e 16 de Novembro de 2009) é sempre posterior ao acto de disposição (9 de Novembro de 2009).

                        q) A questão que fica por saber é se, na letra de câmbio, o crédito do sacador sobre o avalista se constitui na data do aceite e do aval ou, em alternativa, como garantia que é, se se constitui na data do vencimento.

                       r) Nos termos da lei e do Direito em vigor, entendemos humildemente que o crédito do sacador sobre o avalista só se constitui na data do vencimento da letra de câmbio e caso esta não seja cumprida pelo sacado.

                       s) Assim sendo, e caso V. Exas. assim o entendam, na data do acto, em 9 de Novembro de 2009, a ora Recorrida não tinha, sem margem para qualquer dúvida, sobre a R. BB qualquer crédito, pelo que o acta é anterior ao crédito.

                       t) Conforme resulta da Lei Uniforme às Letras e Livranças (LULL), o aval e, consequentemente, o avalista, têm uma função de garante relativamente ao devedor, na terminologia da lei, "O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra" (art. 30º da LULL).

                       u) De facto, a obrigação cartular (aval) aparece apenas como garante da obrigação cartuIar do avalizado que decorre da relação subjacente (relação entre sacador e sacado) e esta só se vence na data do respectivo vencimento, data em que, simultaneamente e em caso de incumprimento, se constitui um crédito sobre o avalista como garante que é.

                       v) Com base nas disposições da lei, podemos definir o aval "como o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela no seu vencimento por parte de um dos subscritores." (Professor Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, VoI. Ill).

                       w) O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor do título de crédito, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o avalizado.

                        x) A razão de ser do art. 32º da LULL, é definir e balizar que o aval constitui um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma da relação entre o sacado (avalizado) e o sacador.

                       y) Nesta perspectiva (única com cabimento na lei e no Direito), jamais se pode aceitar dizer que a ora Recorrida tinha, sobre a R. BB, antes da data da escritura, qualquer crédito, tendo antes, isso sim, umas letras que eram garantidas por essa primeira R..

                        z) Crédito e garantia são coisas e conceitos distintos que são regulados de formas distintas, com obrigações e direitos distintos.

                        aa) Ora, no caso dos presentes Autos, aquando do acto de disposição do imóvel (doação), não há ainda qualquer incumprimento por parte da sacada, a R FF, Lda., pelo que ainda não tinha operado a garantia prestada pela avalista BB.

                       bb) Nesse sentido, as partes, decidiram, no dia 17 de Novembro de 2009 (um dia após o vencimento da letra), celebrar a referida escritura pública (ponto 6., alínea a) destas Alegações) em que a R BB assume, então a sua obrigação, dando para garantia do cumprimento das obrigações assumidas com a ora Recorrida, a constituição de uma hipoteca de um imóvel de que também era proprietária, deixando as partes, de forma consciente e desejada, de fora o imóvel dos presentes Autos uma vez que o mesmo já não integrava o património da R. BB.

                       cc) Resulta assim evidente que, ao contrário do que postulou o Tribunal da Relação de Lisboa, o crédito da ora Recorrida sobre a R BB, é posterior ao acto de disposição alvo da impugnação pauliana.

                       dd) Esta, Meritíssimos Juízes Conselheiros, parece ser de facto a boa interpretação da questão da data do crédito do sacador sobre ao avalista, que nunca pode ser considerado na data do aceite de uma letra, mas sim na data de vencimento da referida letra.

                       ee) E foi isto que olvidou o Tribunal da Relação de Lisboa e é com esta postulação que os ora Recorrentes não se podem conformar, entendendo humildemente, que aquela não é boa aplicação e interpretação do Direito vigente.

                        ff) Por outro lado, os arts. 817º e 818º do Código Civil (CC) perfilham também que só quando o cumprimento da obrigação não seja voluntário, ou seja, já numa situação de incumprimento, é que a realização coactiva da obrigação pode incidir sobre bens de terceiro, quando estes estejam vinculados à garantia do crédito.

                       gg) Ou seja, só na data de vencimento da obrigação é que os bens do garante podem responder, pois só em caso de incumprimento (vencimento da letra) é que há o "aparecimento" de um novo obrigado que é precisamente o garante da relação subjacente.

                      hh) Por tudo isto, fica assim certo e seguro, pelo menos na humilde opinião dos ora Recorrentes, que o acto dispositivo (doação) é anterior ao crédito que a Recorrida alegadamente tinha sobre a R. BB.

                       ii) Assim sendo, a ora Recorrida tinha a obrigação de alegar e provar a existência de dolo no acto de disposição.

                       jj) A verdade, Meritíssimos Conselheiros, é que a Recorrida não alegou, e muito menos provou, qualquer facto que podia ter levado a 1ª Instância, a determinar a actuação dolosa dos ora Recorrentes e assim ter proferido Decisão diversa.

                       kk) E não o faz, porque sabe, convictamente sabe, que os ora Recorrentes não agiram com dolo, sendo que a Recorrida jamais conseguiu provar um dolo, pura e simplesmente porque ele não existiu. -----------------------------------

                         

                       A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                       2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).

                       Nesta conformidade, serão os seguintes os assuntos a apreciar e decidir:

                        - Nulidade do acórdão recorrido.

                        - Anterioridade do crédito da A. (credora) em relação à doação efectuada pela 1ª R. (BB).                   

                       

                       2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1- Por escritura de doação, realizada em 9/11/2009, no Cartório Notarial de Sintra, de que existe cópia a fls. 224- 227, em que outorgaram os ora RR. BB e DD e mulher, EE, pela primeira foi declarado que doava aos segundos, seus país, a fracção autónoma individualizada pela letra "G", correspondente ao segundo andar frente, destinado a habitação, do prédio urbano denominado ..., situado na Urbanização ..., Rua ..., nºs …, … e …, freguesia e concelho de …, descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de … sob o n° … da mesma freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o art. … (aI. A).

                        2- Na escritura de confissão de dívida, hipoteca e fiança, realizada em 17/11/2009, no Cartório Notarial sito nas …, de que existe cópia a fls. 21-26, em que outorgaram BB, a 1ª R, por si e, simultaneamente, como gerente, em representação da 2ª R, a sociedade comercial unipessoal por quotas com a firma CC, Ldª, e AA, na qualidade de gerente e em representação da A, a sociedade AA - Sociedade Unipessoal, Lda, pela 1ª R. foi declarado que é dona e legítima possuidora do seguinte imóvel:

Prédio urbano, sito na Urbanização …, lote nove, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …  da mesma freguesia, onde se mostra registada a aquisição a seu favor, nos termos da inscrição Apresentação 18 de 2005/11/07, e inscrito na respectiva matriz sob art. …, prédio ao qual atribuiu, para efeito do presente acto, o valor de € 296.000.

Que sobre o imóvel atrás identificado incidem registadas duas hipotecas a favor do GG, SA, nos termos das inscrições Apresentação 21 e Apresentação 23, ambas de 2005/11/07.

Pela 1ª R, por si e em nome da sua representada, foi dito:

Que a 2ª R. FF, Lda, sua representada, é devedora da sociedade A, representada do segundo outorgante, da quantia global de 245.002,32 relativa ao somatório do valor de três letras aceites pela sociedade sua representada, nos valores de € 91.666,67, a primeira, de € 100.000, a segunda, e de € 53.335,65, a terceira.

Que, em nome da FF, Lda, sua representada, acorda com a representada do segundo outorgante em proceder ao seu pagamento, quanto à primeira e segunda letras identificadas, conforme o plano de amortização geral praticado pela Banca e quanto à terceira letra identificada, em 24 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 1.797,12, cada uma, vencendo-se, à excepção da primeira, no valor de € 12.000, que se vence no dia de hoje, no dia 20 de Dezembro de 2009, e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

Que para garantia do bom e integral pagamento das responsabilidades atrás indicadas, bem como das responsabilidades assumidas ou a assumir pela dita sociedade FF, Lda, perante a sociedade AA - Sociedade Unipessoal, Lda, representada do segundo outorgante, até ao limite de € 50.000, titulados em letras ou cheques por ela emitidos, ela primeira outorgante, por si, constitui a favor da sociedade AA - Sociedade Unipessoal, Lda, hipoteca sobre o imóvel atrás identificado.

Que esta hipoteca é constituída com plenitude legal, abrangendo por isso todas e quaisquer benfeitorias e acessões já existentes ou que venham a existir sobre o identificado imóvel, obrigando-se ela, primeira outorgante, a requerer e promover os respectivos averbamentos em Conservatória do Registo Predial.

Que a presente hipoteca subsistirá enquanto se mantiver qualquer das responsabilidades cujo cumprimento assegura.

Disse ainda a primeira outorgante por si:

Que se responsabiliza como fiadora e principal pagadora das quantias atrás referidas que sejam ou venham a ser devidas à representada do segundo outorgante pela FF, Lda, no âmbito do presente contrato, renunciando, desde já, ao benefício da excussão prévia.

Pelo segundo outorgante foi por fim dito:

Que para a sociedade, sua representada, aceita a presente confissão de dívida, hipoteca e fiança, nos termos e condições exarados (aI. B).

                        3- A 1ª letra, de que existe cópia a fls. 28, foi aceite pela 2ª R. em 2/11/2009, no valor de € 91.666,67, e avalizada pela 1ª R (aI. C).

                        4- A 2ª letra, de que existe cópia a fls. 30, foi aceite pela 2ª R. em 10/11/2009, no valor de € 100.000, com vencimento a 10/12/2009, e avalizada pela 1ª R (aI. O).

                        5- A 3ª letra, de que existe cópia a fls. 27, foi aceite pela 2ª R. em 3/11/2009, no valor de € 53.335,65, e avalizada pela 1ª R (aI. E) .

                        6- A 4ª letra, de que existe cópia a fls. 95, foi aceite pela 2ª R. em 15/12/2009, no valor de € 49.387, com vencimento em 15/2/2010, e avalizada pela 1ª R (aI. F).

                       7- AA instaurou execução contra as 1ª e 2ª RR que corre termos no Tribunal de Família, Menores e Comarca, 1ª Vara de Competência Mista, com o n° 652/10.3TCLRS, de que existe cópia a fls. 13-20, tendo por título a escritura atrás referida, para pagamento do valor de € 246.511.74 (aI. G).

                       8- No requerimento inicial da execução, a exequente, aqui A., nomeou à penhora, entre outros, os seguintes bens: a) O prédio dado de hipoteca, ou seja, o referido prédio urbano sito na Urbanização …, lote 9, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o n° …, da freguesia de …;

                       b) A fracção autónoma, individualizada pela letra G, correspondente ao 2° andar frente, destinado à habitação, com arrecadação na cave, piso -1, do prédio urbano denominado ..., sito na Urbanização ..., Rua ..., nºs …, … e …, freguesia e concelho de …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de … com o n° 1691- freguesia de …, afecto ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo …; e

                        c) O crédito que a 2ª R, possuía junto da sociedade HH, SA, de que existe cópia a fls. 87-90, cuja penhora ascendeu a € 6.786.72 (aI. H) .

                        9- Na execução foi penhorado o recheio da fracção sita na Rua ..., nº …, 2° frente, …, cujo valor atribuído foi de € 2.335, conforme auto de fls. 109-110 e decisão de fls. 99-100 (aI. I) .

                       10- Na execução, o Banco GG, SA. reclamou os seus créditos, garantidos por hipoteca sobre a fracção descrita sob o n° … na Conservatória do Registo Predial de …, cuja sentença de graduação de créditos graduou os mesmos em 1° lugar, no valor de € 218.507.74, acrescidos de juros até efectivo pagamento, e graduou o crédito da exequente ora A em 2° lugar, conforme certidão fls. 104-107 (al. J) .

                       11- Penhorada a fracção G, identificada em A) dos factos provados, foram os 3°s RR citados nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 119° do Código do Registo Predial, por o mesmo se encontrar registado a seu favor tendo ambos declarado que a fracção lhes pertencia (fls. 83-84) (aI. K) .

                       12- Os RR DD e EE residem na Rua …, lote …, r/c esquerdo em Lisboa (aI. L) .

                       13- Ali comem, dormem, recebem os amigos e toda a sua correspondência, e é também ali o seu domicílio fiscal (aI. M).

                       14- A fracção … constituía à data da escritura de doação a casa de habitação da 1ª R (aI. N).

                       15- Local onde vivia com o seu filho, no seu dia-a-dia (aI. O).

                       16- O mesmo sucedendo na data da instauração da presente acção (aI. P).

                        17- Situação que também ocorria à data da diligência de penhora do respectivo recheio, isto é em 14/9/2010 (aI. Q).

                       18- A 1ª R. BB, é filha dos 3°s RR, DD e EE (aI. R), dos factos assentes).

                       19- A 1ª letra no valor de € 91.666,67, não foi reformada pela 2ª R, no dia do seu vencimento em 2/12/2009, por falta de verba (art. 1).

                       20- O valor desta letra respeita às facturas nºs 2291 (parte), 2379, 2381, 2386, 2387, 2422, 2427, 2448, 2489 e 2490 (parte), emitidas respectivamente em 20/8/2007, 2/11/2007, 5/11/2007, 7/11/2007, 7/11/2007, 4/12/2007, 7/12/2007,27/12/2007,30/1/2008,30/1/2008 (art. 2).

                       21- A 2ª letra, no valor de € 100.000, também não foi reformada pela 2ª R., no dia do seu vencimento, em 10/12/2009, igualmente por falta de verba (art. 3).

                       22- A 2ª letra provém de uma anterior no valor de € 65.453,88, também aceite da 2ª R e avalizada pela 1 a R em 12/10/2009, mas igualmente não paga (art. 4).

                       23 - O valor da 2ª letra, que inclui aquele valor de € 65.453,88, respeita às facturas nºs 2490 (parte), 2755, 2791 e 2815 (parte), emitidas respectivamente em 30/1/2008, 8/7/2008, 4/8/2008,8/9/2008 (art. 5).

                       24- As 1ª e 2ª RR. não pagaram a 1ª prestação com vencimento no dia 16/11/2009, respeitante à 3ª letra (art. 6).

                       25- O valor desta letra respeita às facturas nºs 2815 (parte), 2848, 2867 e 2870 (parte), emitidas, respectivamente em 8/9/2008, 22/9/2008, 3/10/2008 e 6/10/2008 (art. 7).

                        26- A 2ª R não pagou, nem reformou a 4ª letra, no valor de € 49.387, aceite em 15/12/2009 e com vencimento em 15/2/2010 (art. 8).

                       27- O valor desta letra respeita às facturas nºs 2870 (parte), 2910, 2911, 2915, 2916, 2929, 2986, 2987 e 3010, emitidas respectivamente em 6/10/2008, 4/11/2008, 4/11/2008, 5/11/2008, 5/11/2008, 13/11/2008, 15/12/2008, 15/12/2008, 31/12/2008 (art. 9).

                       28- Todas as 4 letras foram avalizadas pela 1ª R. em, respectivamente, 2/11/2009, 3/11/2009, 10/11/2009 e 15/12/2009 (art. 10).

                       29- Os valores das 4 letras, aceites pela 2ª R e avalizadas pela 1ª R, respeitam a facturação já vencida nos anos de 2007 e 2008, relativa a trabalhos efectuados pela A. à 2ª R e aceites por esta, nas instalações da HH, SA (art. 11).

                        30- A 2ª R deixou de exercer a sua actividade (art. 12).

                        31- A 1ª R também não exerce qualquer actividade (art. 13).

                       32- Em 31/10/2007, os RR DD e EE pagaram pelo menos a quantia de € 74.000, do preço de aquisição da fracção …, sita na Urbanização ..., Rua ..., nºs …, … …, freguesia e concelho de …, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial e … sob o n° … da mesma freguesia e inscrita na respectiva matriz sob o art. …, aludida em A) dos factos assentes, que foi escriturada em nome da filha (art. 16).

                        33- O valor atrás referido foi pago com fundos dos RR. DD e EE através de cheque emitido a favor do Banco II, antes da outorga da escritura pública de compra e venda da fracção, para pagamento de parte do valor da aquisição (art. 17, da base instrutória). -----------------

                       2-3- Na presente revista os recorrentes começam por afirmar e defender a nulidade do acórdão recorrido já que não justificou e não especificou minimamente os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão. A questão era de saber se o crédito da A., relativamente à R. BB, era anterior à data da outorga da escritura de doação. Relevante para a decisão seria o de saber se o aval prestado pela avalista numa letra, só se constitui em crédito a favor do sacador, na data de vencimento da letra, ou não, sendo que os ora recorrentes levantaram o assunto nos pontos 58. a 83. da resposta ao recurso de apelação e os Juízes Desembargadores não emitiram uma palavra sequer sobre o tema. Deveriam, porém, ter-se pronunciado sobre isso, pois tal constitui a questão essencial na procedência ou improcedência da impugnação pauliana. Padece, assim, o acórdão do vício de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que foram levantados pelas partes, designadamente, se o crédito do sacador sobre o avalista é imediato ou se só ocorre na data de vencimento da letra.

                        Vejamos:

                        O art. 615º nº 1 al. b) (aplicável à Relação ex vi do art. 666º nº 1), considera nula a sentença “quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

                        Em sintonia como este dispositivo estabelece o art. 607º nº 3 (aplicável à Relação por força do art. 663º nº 2, todos do Novo C.P.Civil), nos fundamentos da sentença, deve “o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.

                       É possível, pois, concluir-se que o juiz deve justificar a decisão, indicando as razões de facto e de direito que conduzem a essa deliberação. Só assim as partes ficam cientes das razões, factuais e jurídicas, do sucesso ou fracasso das suas pretensões. Uma decisão não é, nem pode ser, um acto discricionário, deve antes constituir a concretização da vontade abstracta da lei ao caso concreto, com a indicação dos parâmetros determinativos da resolução inerente.

                       Tem, aliás, o dever de fundamentação das decisões (salvo as de mero expediente) consagração constitucional, pois o art. 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

                       Como é jurisprudência uniforme só a falta absoluta de fundamentação da decisão, que não uma deficiente ou insuficiente densidade fundamentadora, integra a nulidade invocada (entre muitos Acórdão do STJ de 26-2-2004, Proc. 04B522/ITIJ/Net).

                       Aplicando estes princípios ao caso dos autos, concluiu-se que os recorrentes carecem de razão porque o douto acórdão recorrido fundamentou, de facto e juridicamente, a decisão que assumiu. Reconhece-se que poderia ser mais esclarecedor e informativo, mas pese embora o seu sintetismo, somos em crer que o aresto justificou a decisão tomada. Com efeito, após definir os requisitos de impugnação pauliana a que alude o art. 610° e depois de esclarecer, nos termos do art. 612º ambos do C.Civil, que sendo o acto gratuito a impugnação procede ainda que o devedor e o terceiro ajam de boa fé, referiu que “no caso, está provado ter a 1ª R. avalizado, em 2/11/2009 e 3/11/2009, as letras, de que consta cópia a fls. 27 e 28 no valor de, respectivamente, € 91.666,67 e € 53.335,65, sacadas pela A., ora apelante. Pelo que, em face da data da escritura (9/11/2009), através da qual o mesmo foi celebrado, forçoso se toma concluir que, pese embora a ulterior confissão de dívida, o crédito da apelante é, pelo menos nessa parte, anterior ao acto impugnado”. Acrescentou depois que “dispensado, atenta a sua natureza gratuita, o requisito de má fé, e verificado ter dele resultado a impossibilidade de satisfação integral de tal crédito, sempre haveria, assim de, ao invés do decidido, relativamente a esse acto, proceder a impugnação”. Ou seja, o acórdão considerou ser o crédito da apelante (a A.) anterior (pelo menos na parte indicada) ao acto impugnado. E porque se trata de acto gratuito, é de dispensar o requisito de má fé, pelo que verificando-se ter do mesmo acto resultado a impossibilidade de satisfação integral do crédito do A., sempre haveria de proceder a impugnação, o que se decidiu.

                        Não ocorre, assim, a reclamada irregularidade.

                       Evidentemente que os ora recorrentes podem não se conformar com a fundamentação e decisões tomadas. Mas, como nos parece bom de ver, as considerações atinentes a isso ultrapassarão já a irregularidade formal invocada, incidindo antes sobre o mérito da causa e sobre um eventual erro de direito, assuntos arredados dos fundamentos adjectivos relativos à nulidade de uma sentença/acórdão.

                       De referir, por outro lado, que a questão concreta suscitada nas contra-alegações da apelação, quanto ao saber-se se, na letra de câmbio, o crédito do sacador sobre o avalista se constitui na data do aceite e do aval, ou se se constitui na data do vencimento, não teria peremptoriamente de ser apreciada pelo Tribunal da Relação, porque se trata de matéria ausente do objecto do recurso, constituindo antes argumentação usada pelos ora recorrentes tendente a defender o seu entendimento. O objecto do recurso é constituído pelas conclusões da alegação da recorrente, como decorre dos arts. 635º nºs 3 e 4 e 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil, sendo que as questões decorrentes dessas conclusões foram apreciadas no acórdão recorrido (impugnação da matéria de facto e apreciação/procedência da impugnação pauliana).

                       

                       2-4- Entrando propriamente no mérito da causa os recorrentes sustentam que, nos termos do disposto nos arts. 610º e 612º do Código Civil, a data do crédito e a data do acto de disposição são fundamentais para determinar a procedência ou improcedência da impugnação pauliana. Tão importante como o requisito da má-fé, é saber se o acto de disposição é anterior ou posterior ou crédito e, neste último caso, se houve dolo no sentido de impedir a satisfação do direito do futuro credor. O problema coloca-se apenas em duas letras, a letra no valor de 91.666,67 € aceite em 2 de Novembro de 2009 e vencimento em 2 de Dezembro de 2009 e a letra no valor de 53.335,65€ aceite em 3 de Novembro de 2009 e que tinha vencimento em 16 de Novembro de 2009. Nestas duas letras referidas, resulta desde logo evidente que a data de vencimento (2 de Dezembro de 2009 e 16 de Novembro de 2009) é sempre posterior ao acto de disposição (9 de Novembro de 2009). A questão que fica por saber é se, na letra de câmbio, o crédito do sacador sobre o avalista se constitui na data do aceite e do aval ou, em alternativa, como garantia que é, se se constitui (apenas) na data do vencimento, sendo que se deve entender que o crédito do sacador sobre o avalista só se constitui na data do vencimento da letra e caso esta não seja cumprida pelo sacado. Assim sendo, na data do acto, em 9 de Novembro de 2009, a ora recorrida (a A.) não tinha, sem margem para qualquer dúvida, sobre a R. BB qualquer crédito. O acto é, assim, anterior ao crédito. Nesta perspectiva, jamais se pode aceitar dizer que a ora recorrida tinha, sobre a R. BB, antes da data da escritura, qualquer crédito, tendo antes, isso sim, umas letras que eram garantidas por essa primeira R.. Aquando do acto de disposição do imóvel (doação), não há ainda qualquer incumprimento por parte da sacada, a R. FF, Lda., pelo que ainda não tinha operado a garantia prestada pela avalista BB. Resulta assim evidente que, ao contrário do que postulou o Tribunal da Relação de Lisboa, o crédito da ora recorrida sobre a R. BB, é posterior ao acto de disposição alvo da impugnação pauliana, pelo que a ora recorrida tinha a obrigação de alegar e provar a existência de dolo no acto de disposição, o que não fez e muito menos provou. E não o faz, porque sabe, convictamente sabe, que os ora recorrentes não agiram com dolo, sendo que a recorrida jamais conseguiu provar um dolo, pura e simplesmente porque ele não existiu.

                       Não foi este o entendimento do douto acórdão recorrido, pois considerou a anterioridade do crédito da A. em relação ao acto de disposição (doação), objecto da impugnação pauliana.

                        Vejamos:

                       Nos termos do art. 610º do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) “os actos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

                        a)Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

                        b)Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

                       Refere, por sua vez, o art. 611º que “incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”.

                        Diz ainda o art. 612º e no que toca à má fé, que “o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede ainda que um e outro agissem de boa fé (nº 1) “entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

                        Quer isto dizer que, a impugnação pauliana depende dos seguintes pressupostos:

                       1) A existência de um determinado crédito e que tal crédito seja anterior ao acto (que envolva a diminuição garantia patrimonial do crédito) ou, sendo posterior, tenha sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (art. 610º, al. a));

                       2) que o acto (de natureza não pessoal) seja lesivo da garantia patrimonial e que do mesmo resulte a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação do crédito do credor (art. 610º, 1ª parte e al. b));

                      3) a má-fé, requisito previsto no nº 1 do artigo 612º, segundo o qual o acto só estará sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, consistindo esta última na consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

                       De sublinhar, porém, que se o acto for gratuito, a impugnação procederá mesmo que não se prove a má fé e o devedor e terceiro tenham agido de boa fé.

                        A acção pauliana permite, assim, ao credor reagir contra actos jurídicos praticados pelo seu devedor que diminuam o activo ou aumentem o passivo do património deste, facultando-lhe, verificados determinados pressupostos, a possibilidade de executar os bens alienados no património do terceiro adquirente. Um dos requisitos gerais da impugnação pauliana (com especial interesse para o caso vertente) é a anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnável, resultante da consideração lógica de que a garantia patrimonial do crédito só poderá ser, em princípio, o conjunto dos bens penhoráveis existentes na esfera jurídica do devedor, no momento em que o crédito se constitui. Só com esses bens é que o credor pode e deve contar.

                        Os recorrentes, no caso, defendem que o crédito da A., AA, Sociedade Unipessoal Ldª, é posterior ao acto impugnado. Ou seja, negam a anterioridade do crédito da A.. Isto porque, no seu entender, na data do acto de disposição (escritura de doação - 9 de Novembro de 2009 -), a A. (recorrida) não tinha, sobre a R. BB qualquer crédito, tendo somente umas letras que eram garantidas por essa R..

                       Os créditos da A. considerados no douto acórdão recorrido para efeitos da procedência da impugnação, resultam do facto de se ter provado que a 1ª R. (BB) avalizou, em 2/11/2009 e em 3/11/2009, as letras de câmbio no valor de, respectivamente, € 91.666,67 e € 53.335,65, sacadas pela A..

                        Sendo o acto de disposição do bem em causa (doação) de 9/11/2009, é evidente que os ditos avales realizados pela dita R. (de 2/11/2009 e de 3/11/2009) são anteriores a esta data. Daí se ter considerado, no douto acórdão, a anterioridade do crédito da A. (credora).

                        Esta posição é absolutamente desmentida e contraditada pelos recorrentes já que, no seu prisma, o crédito do sacador (a A.) sobre a avalista (a 1ª R.) só se constitui na data do vencimento da letra de câmbio e caso esta não seja paga pelo sacado. Nesta conformidade, tendo as duas letras em causa como data de vencimento, 2/12/2009 e 16/11/2009, o crédito será sempre posterior ao acto de disposição (que, recorde-se, foi praticado em 9/11/2009).

                       Portanto tudo se resume a saber quando se constituiu o crédito da credora (a A.), sobre a 1ª R., se na data em esta apôs o aval nas letras de câmbio (em que é aceitante a 2ª R.), ou se quando esses títulos se venceram. É esta a essencial questão que os recorrentes colocam para apreciação deste Supremo Tribunal.

                     E a resposta à questão só poderá ser a de o crédito se constituiu, na altura em que a 1ª R. colocou o seu aval nos títulos, concluindo-se, consequentemente, que o crédito da A. é anterior ao acto de disposição em causa.

                       Através do aval, o avalista fica responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, como decorre do disposto no art. 32º da L.U.L.L. Significa isto que o avalista, após a aposição do aval do título, deve ser considerado responsável de igual modo do devedor cambiário a favor de quem prestou a garantia. E note-se que a obrigação que assume, se mantém “mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma” (mesmo art. 32º da L.U.L.L.).

          Desta equiparação resulta que a avalista, a 1ª R., fica responsável da mesma forma da aceitante das letras, a 2ª R. Como afirma Pinto Coelho (in Lições de Direito Comercial, 5º, pág. 25) “o avalista do aceitante, embora subsidiariamente, vincula-se nos mesmos termos do aceitante, formula a mesma promessa que ele, assumindo acessoriamente a obrigação directa que ela assumiu. Por isso, ocupa, ambos o mesmo degrau na escala de responsáveis, sendo lícito, nesse sentido, designar o avalista do aceitante como co-aceitante”.

                       Decorre do art. 28º da L.U.L.L. que o obrigado pelo aceite obriga-se a pagar a letra na data do seu vencimento. A obrigação cambiária nasce, pois, com o aceite, sendo este “a manifestação de conformidade prestada pelo sacado à ordem expedida pelo sacador, obrigando-se a pagar a letra à data do vencimento” (Abel Pereira Delgado, in Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, 3ª edição, pág. 123).

                       Nascendo a obrigação cambiária com o aceite e sendo equiparada a responsabilidade do avalista à do aceitante (a favor de quem, no caso, prestou o aval), parece-nos evidente que o crédito se constitui, em relação ao avalista, no momento em que presta a seu aval. A partir de então associa-se à situação cambiária daquele a favor do qual deu o seu aval.

                       É, de resto, a posição que vem sendo assumida pela jurisprudência deste STJ. No acórdão 22-1-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) expressamente aí se referiu, em sumário, que “a anterioridade do crédito para efeitos da alínea a) do artigo 610º do Código Civil afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento. Também no acórdão de 13-12-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) se afirmou, em sumário, que “o crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da respectiva emissão e não na do vencimento desta” e que “não é necessário que o crédito já se encontre vencido para que o credor possa reagir contra os actos de impugnação da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto”. Também no acórdão de 29-11-2011 (em que o actual relator foi adjunto, igualmente em www.dgsi.pt/jstj.nsf) se sustentou que “a concluir, e em síntese, reafirmar-se-á, como no acórdão de 23/3/2003 (proc. n.º 2089/03-1), que o crédito do Banco se constituiu, pelo menos, no acto da subscrição da livrança, pois que é então, quando não antes, que, pela obrigação subjacente a prestação que o integra é posta à disposição do devedor. É nesse momento, que, também cambiariamente, nasce e fica constituída a obrigação, bem como a responsabilidade do subscritor (e seus avalistas) pelo respectivo pagamento na data do vencimento, observadas as condições pactuadas. Este (vencimento) não é mais que uma condição geral de exigibilidade do crédito (no mesmo sentido, acs. de 22/01/2004 (proc. 03B3854) e 22/6/2004 (proc. 04A2056)”.

                       Em idêntico sentido Antunes Varela ensina que “só os titulares anteriores a esse acto (de disposição) se podem considerar lesados com a sua prática, porque só eles podiam legitimamente contar com os bens saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito”. “Não é necessário, porém, que o crédito já se encontre vencido, para que o credor possa reagir contra os actos (de diminuição da garantia patrimonial) anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto” (sublinhado nosso, in Das Obrigações em Geral, 7ª edição, Vol. II, pág. 450 e nota 1).

                       Não se desconhece que só na data do vencimento os montantes das letras devem ser pagos. Mas isto não significa nem implica que a obrigação cambiária se não constitua antes. As quantias monetárias correspondentes é que não serão exigíveis antes do vencimento dos títulos. Mas, como decorre do art. 614º nº 1, “não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível”. Disse-se a este propósito no acórdão deste STJ de 29-11-2011 já mencionado que “este (vencimento) não é mais que uma condição geral de exigibilidade do crédito”. Isto é, como se afirma no acórdão deste STJ de 13-12-2007 também já referenciado, “não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível, por o vencimento dessa livrança só ocorrer … ou seja, depois da outorga da escritura de doação, face ao disposto no art. 614º nº 1 do C.C.”.

                        Quer isto tudo dizer e visto que se prova a anterioridade do crédito[1] da credora (a A.) em relação ao acto de disposição efectuado pela 1ª R. (doação), a posição assumida no douto acórdão recorrido foi certa, pelo que aqui se confirma.

                       

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

                       - O douto acórdão recorrido fundamentou, de facto e juridicamente, a decisão que assumiu, pelo que não ocorre a nulidade a que alude o art. 615º nº 1 al. b) (aplicável à Relação ex vi do art. 666º nº 1) do C.P.Civil).

                        - A anterioridade do crédito para efeitos da alínea a) do artigo 610º do Código Civil afere-se pela data da sua constituição e não pela data vencimento do título do crédito.

                       - O crédito, em relação ao avalista, constitui-se no momento em que presta a seu aval. A partir de então associa-se à situação cambiária daquele a favor do qual deu a sua garantia.

                       

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista.

                        Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de Março de 2015

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

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[1] Quanto às aludidas letras.