Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3219/04.1TVLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
CONTRATO DE TRANSITÁRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I-O contrato de transporte caracteriza-se por uma parodoxal consensualidade, pois embora se afirme que o contrato de transporte em geral é um contrato consensual, que vale neste âmbito o principio da liberdade de forma (artº 219º do CC), é também verdade que ao contrato de transporte surge quase sempre ligado um documento de transporte, seja, no transporte de coisas, seja no de pessoas.
II- A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias
III-Quando uma sociedade transportadora assume, para além da obrigação do transporte, aceitar fazer a recepção do veículo, acondicioná-lo e metê-lo dentro de um contentor, entregando-o no cais de embarque para ser transportado em navio, vindo a ocorrer danos no veículo em consequência do seu mau acondicionamento é a mesma responsável como transportadora/transitária.
IV-A actividade dessa sociedade insere-se,nesse caso, na cadeia do contrato de transporte iniciado tornando-se responsável como transportador subsequente subrogado nos direitos e obrigações do transportador primitivo nos termos do artº 377º-& 2º do CComercial e tendo em conta o disposto no artº 367º do mesmo Código e artº 1.º do Decreto-lei n.º 352/86 de 21 de Outubro que prevê que o transportador actue tanto por si e seus empregados e instrumentos, como por outro através de empresa, companhia ou pessoas diversas.
V-Sendo da específica competência das empresas transitárias, referida no artigo 1.º do DL 43/83, de 25 de Janeiro (depois substituído pelo DL 255/99, de 7 de Julho) os contratos de expedição ou trânsito, essa disposição legal não proibe (artº 13º-1 e 2)àquelas empresas a celebração e execução de contratos de transporte, assumindo, com frequência, elas próprias, a realização, por si ou através de terceiros, o transporte pretendido por aquele, caso em que se está perante um contrato de transporte, e não de contrato de expedição ou de trânsito.
VI-Tendo a sociedade transitária actuado, no caso dos autos, como transportadora não se aplica aqui o prazo prescricional previsto no art 16º do Dec-Lei nº 255/99, de 07-07 (10 meses a contar da data de conclusão da prestação do serviço contratada),mas sim as regras do prazo geral previsto no artº 309º do CC ,sendo que as normas aplicáveis ao contrato do transporte são (ao tempo em que os factos ocorreram – Junho de 2003) as que resulta do disposto nos artºs 366° a 393° do CComercial então em vigor .
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça:


1-Relatório
AA instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB – Agentes Transitários, Lda, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia global de 20.230,33 €, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento, com fundamento no facto do veículo do A. ter sofrido diversos danos durante o transporte de barco para a prova automobilística denominada “XVI Volta à Ilha da Madeira em Automóveis Antigos e Clássicos”, que decorreu entre os dias 26 e 30 de Junho de 2003, promovida pela 1ª R., danos esses resultantes de mau acondicionamento por parte do 2° Réu.
A 2ª R. BB, em contestação invocou a prescrição do direito de accionar do A., nos termos do art 16º do Dec-Lei nº 255/99, de 07 de Julho (regime jurídico da actividade transitária) e impugnou a factualidade alegada pelo A.
A 1ª R. Clube de Automóveis alegou a sua ilegitimidade, porquanto a taxa de inscrição incluía seguro automóvel no transporte marítimo mas apenas em caso de perda total, situando-se a responsabilidade do clube organizador apenas no pagamento desse serviço de transporte, e impugnou a factualidade vertida na petição inicial.

Houve réplica, onde o A. se pronunciou pela improcedência das excepções invocadas e requereu a intervenção principal da E......N......M......, invocada pela 2ª R., enquanto transportadora.
Admitida a requerida intervenção, a chamada contestou, invocando, além do mais, a sua ilegitimidade, alegando ter sido contratada pela 1ª R. para efectuar o transporte de viaturas que iriam participar na prova e ter, para o efeito, contratado com a 2ªR.BB,Ldª, a realização de toda a operação de transporte e os serviços de natureza logística e operacional necessários, que esta efectuou.
Deduziu o pedido de intervenção acessória provocada de V.......& S...... – Transportes Marítimos, S.A., em cujo navio foram transportados os veículos, o que foi deferido.
Este interveniente deduziu por sua vez contestação, invocando, além do mais, a incompetência absoluta do Tribunal por estar em causa um transporte marítimo, para cuja matéria é competente o Tribunal Marítimo de Lisboa.
Houve resposta do A.

No despacho saneador as excepções de ilegitimidade da 1ª R. e da chamada E......N......M......, Lda e da incompetência absoluta do Tribunal foram julgadas improcedentes.
O conhecimento da prescrição foi remetido para a sentença final.
Fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória procedeu-se a julgamento vindo a ser proferida sentença onde se decidiu o seguinte:
“…julgo parcialmente procedente a acção intentada por AA e consequentemente:
a)condeno solidariamente as RR., BB – Agentes Transitários, Lda, a pagar ao A. AA a quantia global de 17.730,33 € (dezassete mil setecentos e trinta Euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.
b)absolvo a interveniente E......N......M......, Lda, do pedido contra ela formulado…”
Inconformada, a ré B.....-A........T......,Ldª apelou para o Tribunal da Relação e aí por acórdão se julgou a apelação improcedente, confirmando-se (por razões não totalmente coincidentes) a decisão recorrida.
Deste acórdão veio a Ré Interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, onde formula as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso:
A) O Veículo foi entregue à BB, Lda. no dia 16.06.2003.
B) ABB, Lda. entregou o veículo no Cais do Poço do Bispo no dia 20.06.2003.
C)ABB, Lda. foi incumbida de prestar serviços de natureza logística e operacional e complementada pela entrega do veículo no navio em Lisboa.
D)O veículo não foi devidamente acondicionado, segundo o Acórdão, nas instalações da BB, Lda. e enquanto prestava um serviço operacional.
E)ABB executou o serviço dos autos como transitária e não como transportadora como refere o Acórdão recorrido.
F)A responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da prestação do serviço contratado e a BB, Lda. foi citada muito para além do prazo de 10 meses, pelo que o eventual direito a indemnização já prescreveu.
G)Por todo o exposto, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 160 do DL nº 255/99 de 07.07, diploma regulador da actividade das empresas transitárias, que estabelece um prazo de prescrição do direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratado.
Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e absolvendo-se a Ré BB - Agentes Transitários, Lda., assim se fazendo justiça, tudo com as consequências legais .

Nas suas contra-alegações o recorrido defende a manutenção do decidido no acórdão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir então do mérito da revista .
2- Fundamentação
a)- Dos fundamentos de facto:
As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:
“1. A 1ª Ré, BB, é uma pessoa colectiva de utilidade pública, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Funchal sob o nº 000000000/000000, que tem por objecto o convívio entre proprietários de automóveis e outros veículos motorizados, clássicos, de prestígio e antigos, bem como o melhor conhecimento e conservação dos referidos veículos (al. A) matéria assente).
2. No ano de 2003, a 1ª Ré promoveu a realização de uma prova automobilística denominada “XVI Volta à Ilha da Madeira em Automóveis Antigos e Clássicos”, que decorreu entre os dias 26 e 30 de Junho (al. C) matéria assente).
3. Para o efeito, o 1º R. publicitou o referido evento através de anúncios em jornais e Internet (al. D) matéria assente).
4. Segundo esses anúncios publicitados pelo 1º R., a referida XVI Volta à Ilha da Madeira seria limitada a 80 automóveis antigos e clássicos, e sujeita às normas da Federação Internacional de Veículos Antigos (FIVA) (Al. E) matéria assente).
5. Os concorrentes estavam obrigados ao pagamento de uma taxa de inscrição, que de acordo com o anúncio constante de fls. 15 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, incluía para os não residentes os seguintes serviços:
- passagens aéreas para o piloto e o co-piloto desde um dos pontos de partida estabelecidos até à Madeira (Lisboa-Porto-Londres-Paris-Madrid);
- transporte do automóvel desde o local estabelecido (Londres-Paris-Madrid) até Lisboa, onde serão embarcados em contentores até à Madeira, incluindo o regresso à sua origem;
- seguro automóvel durante todo o transporte. Este Valor é fixo e definido pela organização, podendo no entanto ser aumentado pelo próprio, à sua responsabilidade, se assim o entender;
- transferes privados na Madeira do Aeroporto para o Hotel e vice-versa;
- alojamento num resort de luxo (5 estrelas) de 26-6-03 a 01-07-03 em quarto duplo com pequeno almoço incluído (al. F) matéria assente).
6. Correspondendo ao convite público do 1º R., o A. inscreveu-se para a referida XVI Volta à Ilha da Madeira – conjuntamente com CC, e a filha de ambos DD (al. G) matéria assente).
7. O automóvel inscrito era de marca JAGUAR, 3,85, do ano de 1965, cilindrada 3.780, matrícula 00-00-00, propriedade do A., com certificado de homologação nº 326, emitido pelo Clube Português de Automóveis Antigos (al. H) matéria assente).
8. O A. enviou à 1ª R. um cheque de € 2.275,00 para pagamento da sua inscrição, bem como da sua co-piloto e da filha de ambos (al. I) matéria assente).
9. A 1ª R. aceitou a referida inscrição e recebeu o cheque correspondente ao respectivo pagamento (al. J) matéria assente).
10. A 1ª R. indicou ao A. o nome da empresa (2ª R.) que deveria proceder ao transporte do automóvel do A., e o plano dos voos com destino ao Funchal, com reservas feitas em nome dos três inscritos (al. L) matéria assente).
11. A Ré, BB – Agentes Transitários, Lda., exerce a actividade transitária (al. M) matéria assente).
12. A chamada V....& S..... exerce apenas a actividade de transportador marítimo (al. N) matéria assente).
13. O 1º R. não chegou a fazer seguro para cobertura dos riscos daquela carga específica (automóvel do A.) durante o transporte até à Madeira e regresso a Lisboa (al. O) matéria assente).
14. No dia 16/6/03, de acordo com as instruções do 1º R., o A. entregou o seu veículo automóvel numas instalações da 2ª R., em Alverca (resp. q. 1ª B.I.).
15. A 2ª R. assumiu a obrigação de proceder ao transporte do referido veículo para o Funchal, por conta do 1º R., e a tempo de participação na XVI Volta à Ilha da Madeira em Automóveis Antigos e Clássicos (resp. q. 2º B.I.).
16. No dia 26/6/2003, o A. viajou para o Funchal, com a sua mulher e filha, em avião da TAP (00-00-00) (resp. q. 3º B.I.).
17. No dia seguinte, o A. deslocou-se ao Parque de Contentores no Funchal (na companhia do Sr. EE, da direcção do Clube organizador) para receber o veículo transportado pela 2ª R. e poder iniciar a participação na prova (resp. q. 4º B.I.).
18. O A. verificou no local que o seu veículo tinha sofrido diversos danos durante o transporte, designadamente avarias na parte traseira (pára-choques, escapes, tampa da mala, farolim), na parte da frente (guarda-lamas esquerdo, pára-choques grelha, capot e faróis) e apoios do motor (resp. q. 5º B.I.).
19. Perante tal situação, o veículo do A. não poderia já participar na prova (resp. q. 7º B.I.).
20. No momento da entrega à 2ª Ré, o veículo encontrava em perfeito estado de conservação e funcionamento (resp. q. 8º B.I.).
21. O veículo foi objecto de revisão dias antes da entrega nas instalações da 2ª R. (resp. q. 9º B.I.).
22. O A. e suas acompanhantes ficaram impedidos de participar no evento em causa (resp. q. 10º B.I.).
23. O veículo do A. foi transportado de novo para Lisboa pela 2ª R. e entregue ao A. no dia 28/8/2003, tendo este promovido a respectiva transferência imediata para as oficinas de FF, na Rua ......... – D....., 2710 Sintra, onde foi vistoriado pelos técnicos (resp. q. 11º e 12º B.I.).
24. Para repor o veículo no estado em que se encontrava quando foi confiado pelo A. à ora 2ª Ré foi necessário aplicar as peças e materiais e prestar os serviços discriminados na factura nº 0000000, datada de 31/3/2004, junta a fls. 20 e 21 dos autos (resp. q. 13º B.I.).
25. O A. pagou o custo de tal reparação, no montante total de Euros 16.230,33 (IVA incluído) (resp. q. 14º B.I.).
26. O A. ficou impossibilitado de participar no referido evento automobilístico e turístico, designadamente, acompanhar a caravana de veículos clássicos e antigos naquela volta à Madeira (resp. q. 15º B.I.).
27. O A. esteve privado do uso do seu veículo até 31/3/2004, data em que foi reparado, por o mesmo não poder circular em segurança (resp. q. 16º B.I.).
28. Os factos referidos nos pontos 26 e 27 causaram ao A. incómodos e desgostos (resp. q. 18º B.I.).
29. Por não ter podido acompanhar a caravana durante toda a volta à Madeira, o A. e as suas acompanhantes não usufruíram das refeições durante esses quatro dias, que estavam incluídas na inscrição paga, embora o pudessem ter feito (resp. q. 19º B.I.).
30. A pedido da E......N......M......, a Ré BB aceitou fazer a recepção do veículo em Alverca, meter o veículo dentro de um contentor e entregá-lo no cais do Poço do Bispo, em Lisboa, a fim de embarcar no navio Ilha da Madeira, agenciado por aquela empresa (resp. q. 21º B.I.).
31. A R. BB recepcionou o veículo, meteu-o dentro de um contentor, acondicionou-o, e entregou-o no Cais do Poço do Bispo, dia 20-06-2003 (resp. q. 23º B.I.).
32. O clube organizador entregou ao A. um automóvel de aluguer, para que este acompanhasse a caravana participante na prova (resp. q. 27º B.I.).
33. O clube organizador colocou à disposição do A. e este recebeu todas as senhas que permitiram ao concorrente e seus acompanhantes beneficiarem das refeições no dias que estavam definidos (resp. q. 28º B.I.).
34. O A. e seus acompanhantes usufruíram do alojamento previsto na inscrição paga (resp. q. 29º B.I.).
35. Os danos no veículo ocorreram em consequência do seu mau acondicionamento por parte da 2ª R. (resp. q. 34º B.I.).
36. No mesmo barco e viagem foram transportados outros veículos automóveis que não sofreram danos (resp. q. 35º B.I.).
37. A E......N......M......, Lda, foi contactada pelo Clube de Automóveis Clássicos da Madeira para efectuar o transporte de viaturas que iriam participar na Prova referida em 2 (resp. q. 36º B.I.).
38. Atendendo à localização dos vários veículos participantes (ex. Lisboa, Paris, Geneve, Madrid), o seu transporte implicava o transporte terrestre, marítimo e acondicionamento dos veículos em contentores (resp. q. 37º B.I.).
39. Por esse motivo a E......N......M......, Lda, contratou com a R. BB, Lda, a realização da operação de transporte dos veículos até ao porto de embarque e os serviços de acondicionamento das viaturas dentro dos contentores (resp. q. 38º e 39º B.I.).
40. Por a E......N......M......, Lda, não dispor de navios que efectuem o transporte entre o porto de Lisboa e o porto do Funchal, assinou o conhecimento de embarque mas os veículos foram transportados num navio da sociedade V....& S..... – Transportes Marítimos, S.A (resp. q. 40º B.I.).
41. O navio “Ilha da Madeira”, propriedade da chamada V....& S....., é um navio porta-contentores (resp. q. 41º B.I.).
42. O contentor 0000000000 onde foi acondicionado o veículo não pertence à V....& S..... (resp. q. 42º B.I.).
43. Esse contentor foi entregue à V....& S....., no porto de Lisboa, para carregamento no “Ilha da Madeira”, já com a carga nele acondicionada, fechado e selado (resp. q. 43º B.I.).
44. O selo do contentor tinha o nº. 17356 (resp. q. 44º B.I.).
45. Na altura da recepção do contentor no Terminal Multiusos do Poço do Bispo, porto de Lisboa – e só nessa altura o contentor foi entregue à ora chamada, para embarque – o contentor encontrava-se em bom estado (resp. q. 47º B.I.).
46. O contentor foi carregado no “Ilha da Madeira”, que é um navio especialmente concebido e equipado para o transporte de contentores, em local adequado, no caso na célula 9, A e B, 2ª fiada de estiva (resp. q. 48º B.I.).
47. A viagem de Lisboa para o Funchal decorreu com bom tempo e sem quaisquer acidentes ou incidentes (resp. q. 49º B.I.).
48. As operações de descarga no Funchal decorreram, tendo o contentor em causa sido descarregado no mesmo bom estado em que fora carregado em Lisboa (resp. q. 50º B.I.).
49. A entrega do contentor (e a carga nele acondicionada pela BB) ocorreu com a descarga do navio, no Funchal, em 23 de Junho de 2003 (resp. q. 51º B.I.).
50. Desde a recepção no terminal e subsequente embarque no “Ilha da Madeira”, em Lisboa, e a descarga deste, no Funchal, em 23.6.03, o contentor não sofreu qualquer dano (resp. q. 52º B.I.).
51. A chamada V....& S..... entregou o contentor no porto de destino (Funchal) no mesmo estado em que o recebera no porto de carregamento (Lisboa) (resp. q. 53º B.I.).
52. A V......e S...... nunca recebeu qualquer reclamação escrita sobre quaisquer avarias ou danos no contentor nem na sua carga (resp. q. 54º B.I.)”.

b)Dos fundamentos de direito

O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões formuladas, que se resumem, no caso, à questão da prescrição do direito de indemnização peticionado.
Defende a recorrente que actuou como transitária e não como transportadora, pois que foi incumbida de prestar serviços de natureza logística e operacional e complementada pela entrega do veículo no navio em Lisboa, que ocorreu no dia 16.06.2003.
Nesta perspectiva entende a recorrente que a responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da prestação do serviço contratado e tendo a recorrente sido citada muito para além do prazo de 10 meses, o direito a indemnização já prescreveu, face ao disposto no artº 16º do DL nº 255/99 de 07.07, diploma regulador da actividade das empresas transitárias.

Ora fixada que foi definitivamente a matéria de facto com a apreciação dos pontos em concreto que a recorrente impugnou perante a Relação(nºs 23º,24º e 34º da Base instrutória), pudemos agora analisar a relação contratual que se estabeleceu entre autora e os 1º e 2ª ré.
Quanto ao 1º réu a sua condenação está definitivamente assente por ter transitado quanto a ele a sentença condenatória proferida nos autos (uma vez que dela não recorreu) e do mesmo modo está igualmente transitada em julgado a sentença de absolvição da interveniente E......N......M......, Ldª face ao disposto no art 684º nº 4 do CPC.

Para analisarmos a questão colocada pela recorrente vamos aqui ter presentes os factos relevantes (dos acima transcritos) que permitem estabelecer a relação contratual em apreço:
10. A 1ª R. indicou ao A. o nome da empresa (2ª R.) que deveria proceder ao transporte do automóvel do A…
11. A Ré,BB – Agentes Transitários, Lda., exerce a actividade transitária (al. M) matéria assente).
12. A chamada V....& S..... exerce apenas a actividade de transportador marítimo (al. N) matéria assente).
14. No dia 16/6/03, de acordo com as instruções do 1º R., o A. entregou o seu veículo automóvel numas instalações da 2ª R., em Alverca (resp. q. 1ª B.I.).
15. A 2ª R. assumiu a obrigação de proceder ao transporte do referido veículo para o Funchal, por conta do 1º R., e a tempo de participação na XVI Volta à Ilha da Madeira em Automóveis Antigos e Clássicos (resp. q. 2º B.I.).
30. A pedido da E......N......M......, a RéBB aceitou fazer a recepção do veículo em Alverca, meter o veículo dentro de um contentor e entregá-lo no cais do Poço do Bispo, em Lisboa, a fim de embarcar no navio Ilha da Madeira, agenciado por aquela empresa (resp. q. 21º B.I.).
31. A R.BB recepcionou o veículo, meteu-o dentro de um contentor, acondicionou-o, e entregou-o no Cais do Poço do Bispo, dia 20-06-2003 (resp. q. 23º B.I.).
35. Os danos no veículo ocorreram em consequência do seu mau acondicionamento por parte da 2ª R. (resp. q. 34º B.I.).
37. A E......N......M......, Lda, foi contactada pelo Clube de Automóveis Clássicos da Madeira para efectuar o transporte de viaturas que iriam participar na Prova referida em 2 (resp. q. 36º B.I.).
38. Atendendo à localização dos vários veículos participantes (ex. Lisboa, Paris, Geneve, Madrid), o seu transporte implicava o transporte terrestre, marítimo e acondicionamento dos veículos em contentores (resp. q. 37º B.I.).
39. Por esse motivo a E......N......M......, Lda, contratou com a R.BB, Lda, a realização da operação de transporte dos veículos até ao porto de embarque e os serviços de acondicionamento das viaturas dentro dos contentores (resp. q. 38º e 39º B.I.).
40. Por a E......N......M......, Lda, não dispor de navios que efectuem o transporte entre o porto de Lisboa e o porto do Funchal, assinou o conhecimento de embarque mas os veículos foram transportados num navio da sociedade V....& S..... – Transportes Marítimos, S.A (resp. q. 40º B.I.).
45. Na altura da recepção do contentor no Terminal Multiusos do Poço do Bispo, porto de Lisboa – e só nessa altura o contentor foi entregue à ora chamada, para embarque – o contentor encontrava-se em bom estado (resp. q. 47º B.I.).
46. O contentor foi carregado no “Ilha da Madeira”, que é um navio especialmente concebido e equipado para o transporte de contentores, em local adequado, no caso na célula 9, A e B, 2ª fiada de estiva (resp. q. 48º B.I.).
49. A entrega do contentor (e a carga nele acondicionada pelaBB) ocorreu com a descarga do navio, no Funchal, em 23 de Junho de 2003 (resp. q. 51º B.I.).
50. Desde a recepção no terminal e subsequente embarque no “Ilha da Madeira”, em Lisboa, e a descarga deste, no Funchal, em 23.6.03, o contentor não sofreu qualquer dano (resp. q. 52º B.I.).
51. A chamada V....& S..... entregou o contentor no porto de destino (Funchal) no mesmo estado em que o recebera no porto de carregamento (Lisboa) (resp. q. 53º B.I.).
52. A V....& S..... nunca recebeu qualquer reclamação escrita sobre quaisquer avarias ou danos no contentor nem na sua carga (resp. q. 54º B.I.)”.

Verifica-se, assim, que para a realização do transporte do veículo do A., e de outros, de Lisboa para o Funchal, o 1º réu Clube de Automóveis Clássicos da Madeira contactou a E......N......M......, Ldª (que assumiu a obrigação de transportar os veículos do seu local de partida para o Funchal) que, por sua vez, contactou aBB,Lda (que fez a recepção dos veículos, procedeu ao acondicionamento destes nos contentores e transportou tais contentores de Alverca até ao porto de embarque) e com a V....& S..... (para o transporte marítimo para o Funchal).
Esta realidade factual evidencia que ficou claramente provado que a ora recorrente assumiu a obrigação de proceder ao transporte do veículo do A. para o Funchal, por conta do 1º R.,fazendo-o a pedido da E......N......M.......
A Ré BB aceitou fazer a recepção do veículo em Alverca, meter o veículo dentro de um contentor e entregá-lo no cais do Poço do Bispo, em Lisboa, a fim de embarcar no navio Ilha da Madeira, agenciado por aquela empresa.
De entre as obrigações assumidas,a réBB recepcionou o veículo, meteu-o dentro de um contentor, acondicionou-o, e entregou-o no Cais do Poço do Bispo, dia 20-06-2003,vindo a ocorrer danos no veículo em consequência do seu mau acondicionamento por parte da 2ª R.
É certo que foi a E......N......M......, Lda, a contactada pelo Clube de Automóveis Clássicos da Madeira para efectuar o transporte de viaturas que iriam participar na Prova, mas esta contactou em seguida a recorrente para fazer os acondicionamentos das viaturas nos contentores e transportar tais contentores de Alverca até ao porto de embarque, contactando em seguida por sua vez com a V....& S..... para o transporte marítimo para o Funchal.
A actividade da 2ª ré recorrente insere-se aqui na cadeia do contrato de transporte iniciado entre o 1º ré e a interveniente e tornou-se responsável como transportador subsequente subrogado nos direitos e obrigações do transportador primitivo nos termos do artº 377º-& 2º do CComercial e tendo em conta o disposto no artº 367º do mesmo Código e artº 1.º do Decreto-lei n.º 352/86 de 21 de Outubro que prevê que o transportador actue tanto por si e seus empregados e instrumentos, como por outro através de empresa, companhia ou pessoas diversas.
O art 377º do CComercial refere que “O transportador responderá pelos seus empregados, pelas mais pessoas que ocupar no transporte dos objectos e pelos transportadores subsequentes a quem for encarregando do transporte” e no seu § 2º determina que “Os transportadores subsequentes ficam sub-rogados nos direitos e obrigações do transportador primitivo”.
Pressupõe este artigo a existência de um único contrato e pluralidade de transportadores que se obrigam a realizar o transporte por inteiro. Se há contrato único com pluralidade de transportadores todos eles se responsabilizam pela execução de transporte.
O contrato de transporte (1) pode ser definido como o contrato pelo qual uma das partes - o transportador- se obriga a deslocar determinadas pessoas ou coisas de um local para outro, mediante retribuição.
Este contrato (págs.34 da obra citada) caracteriza-se por uma parodoxal consensualidade, pois embora se afirme que o contrato de transporte em geral é um contrato consensual, que vale neste âmbito o principio da liberdade de forma (artº 219º do CC), é também verdade que ao contrato de transporte surge quase sempre ligado um documento de transporte, seja, no transporte de coisas, seja no de pessoas.

Dos factos acima descritos resulta, como já se referiu, que a interveniente E......N......M...... solicitou os serviços da 2ª R.,BB, não só para, na qualidade de empresa transitária proceder às diligências necessárias ao transporte dos automóveis, mas também para proceder ao acondicionamento dentro de contentores e transporte dos mesmos de Alverca para o cais de embarque, isto é, o Cais do Poço de Bispo.
Desta forma, sendo um contrato de transporte rodoviário de mercadorias, o transportador obrigava-se a efectuar o transporte de um local para outro, por estrada, como ocorreu no caso dos autos: a 2ª R. comprometeu-se a proceder ao acondicionamento dos veículos dentro de contentores e transporte dos mesmos de Alverca para o cais de embarque, isto é, o Cais do Poço de Bispo.
Embora se tenha demonstrado que 2ª Ré BB – Agentes Transitários, Lda., exerce a actividade transitária (meros organizadores da logística do transporte, que planeariam e organizariam com elaboração dos planos e formalidades de circulação),a mesma passou a exercer também a função de transportadora.
Sendo da específica competência das empresas transitárias, referida no artigo 1.º do DL 43/83, de 25 de Janeiro (depois substituído pelo DL 255/99, de 7 de Julho) os contratos de expedição ou trânsito, essa disposição legal não proibia (artº 13º-1 e 2)aquelas empresas a celebração e execução de contratos de transporte, assumindo, com frequência, elas próprias, a realização, por si ou através de terceiros, do transporte pretendido por aquele, caso em que se estava perante um contrato de transporte, e não de contrato de expedição ou de trânsito (cfr.Ac. do STJ de 16-09-2008-Nº Convencional: JSTJ000 -Nº do Documento: SJ200809160024331 e obra citada de e Francisco Costeira,pág.78 e ss. ).
O transitário (como refere Francisco Costeira da Rocha, obra citada, pág. 78) é chamado para responder a um vasto elenco de necessidades, pelo que além do núcleo e conteúdo “clássico” do contrato de expedição em que o transitário se interpõe entre carregador e transportador, este contrato pode ter por objecto a realização de outras operações materiais, podendo o transitário intervir no início, durante e no fim do transporte.
Para afastar a sua responsabilidade de transportador (a 2ª ré que exerce a actividade de transitária) teria de provar a concreta causa do dano, ou seja, que o dano teve origem numa causa de exoneração da responsabilidade.(2)
Assim sendo, tal como se concluiu no acórdão recorrido entendemos que, no caso concreto, apesar da 2ª Ré ser uma empresa transitária, atentas as responsabilidades por ela assumidas, tal contrato tem de haver-se como de transporte (cfr. art 367º do CComercial) e não um mero contrato de expedição ou trânsito.
E daí que a responsabilidade em causa neste autos é a adveniente desse contrato por virtude do qual tem de responsabilizar-se perante os danos ocorrido na viatura do A. face ao mau acondicionamento da mesma no transporte dentro do contentor.

Pretende a apelante que o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização invocado pelo A. é o previsto no art 16º do Dec-Lei nº 255/99, de 07-07 (10 meses a contar da data de conclusão da prestação do serviço contratada).
À data do transporte (2003) estava em vigor o Dec-Lei nº 255/99, de 07-07, que revogou o Dec-Lei nº 43/83, diploma regulador da actividade dessas empresas transitárias. Este diploma determina no art 1º nº 2 que “A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias...” e estabelece no art 16º um prazo de prescrição do direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada seu.
Acontece que tal como se referiu ,a recorrente actuou, no caso dos autos, como transportadora ( o que era possível face ao disposto no art 13º nºs 1 e 2 do Dec-Lei nº 255/99) e como tal não se aplica aqui esse prazo prescricional invocado ,mas sim as regras do prazo geral previsto no artº 309º do CC ,sendo que as normas aplicáveis ao contrato do transporte são (ao tempo em que os factos ocorreram – Junho de 2003) as que resulta do disposto nos artºs 366° a 393° do CComercial então em vigor


3- DECISÃO

Assim,nos termos expostos,acorda-se em:
-negar a revista;
-confirmar ,consequentemente,o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 04 de Novembro de 2010

Gonçalo Silvano (Relator)
Ferreira de Sousa
Pires da Rosa
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(1)-Cfr.Franscisco Costeira da Rocha-O Contrato de Transporte de Mercadorias-Almedina-2000,pág.25 e ss,sendo a legislação sobre transporte marítimo descrita a fls. 47 e ss..
(2) -Cfr.Francisco Costeira da Rocha- Limitação da Responsabilidade do Transportador Marítimo de Mercadorias- Separata da I Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo- Centro de Direito Marítimo e dos Transportes da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa-Almedina-2008