Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
453/21.3T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma.
II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.
III – O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
IV- As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 453/21.3T8CSC.L1.S1

MBM/JG/FM



Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1.1. Réu/recorrente: BANCO BPI, S.A.

1.2. Autor/recorrido:  AA

X X X
2. O BANCO BPI, S.A. veio interpor recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença proferida na ação declarativa de condenação, com processo comum que lhe foi movida pelo A., com fundamento no art. 672º, nº 1, c), do CPC: contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2016, proferido no processo n.º 4150/15.0T8MTS.01, transitado em julgado.

3. O recorrido respondeu, pugnando pela inadmissibilidade da revista excecional e, caso venha a ser admitida, pela sua improcedência.

4. A revista excecional foi admitida pela formação dos três Juízes da Secção Social deste Supremo Tribunal a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC (que considerou verificado o alegado pressuposto recurso de revista excecional).

5. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer a que as partes não responderam.

6. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art.º 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se foi corretamente calculado o valor a abater na pensão de reforma do A., em face da cláusula 136ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, cláusula entretanto substituída pela cláusula 94.ª do ACT do sector bancário.

E decidindo.
II.

7. Os pedidos deduzidos nestes autos pelo autor, bem como a respetiva causa de pedir, coincidem, no essencial, com tudo aquilo que estava em causa noutros processos já julgados nesta Secção Social, nos quais foi demandado quer o mesmo réu, quer outras instituições bancárias.

Também a questão de fundo suscitada no presente recurso de revista coincide com as analisadas e julgadas pelos acórdãos do STJ proferidos em tais processos (em sede de recurso de revista), igualmente sendo coincidentes, no fundamental, os articulados das ações e as alegações de recurso apresentadas – v.g., entre vários, os Acórdãos desta Secção Social de 08.06.2021, P. 2276/20.8T8VCT.S1, de 29.09.2021, P. 17792/19.6T8PRT.P1.S1, de 23.06.2021, P. 2115/20.0T8VFR.S1, e de 29.09.2021, P. 23235/19.8T8LSB.L1.S1.

Dada a similitude dos processos, quer no aspeto factual, quer no plano da argumentação jurídica desenvolvida pelas partes, passamos a reproduzir a fundamentação expendida no sobredito aresto de 08.06.2021, a que por inteiro aderimos:

“(…)
A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª
“Âmbito
1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.
3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”[…]

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições […]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente […], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho […] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição).”

8. Perante a sólida e exaustiva fundamentação transcrita, não se vislumbra qualquer necessidade/utilidade em proceder a desenvolvimentos argumentativos adicionais, igualmente se concluindo no sentido da improcedência da revista.
III.

9. Em face do exposto, confirmando o acórdão recorrido, acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 29 de novembro de 2022


Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Francisco Marcolino