Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
058179
Nº Convencional: JSTJ00004111
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: FILIAÇÃO MATERNA
ASSENTO DE BAPTISMO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196301250581791
Data do Acordão: 01/25/1963
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS 17-01-1963 ; BMJ 123 , 357
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1963
Área Temática: DIR REGIS NOT.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 123 ARTIGO 2467.
CPC39 ARTIGO 763 ARTIGO 764.
D DE 1862/04/02 ARTIGO 4 ARTIGO 13 PAR2.
CPC61 ARTIGO 767 PARUNICO.
CRC11 ARTIGO 7.
D 23 DE 1832/05/16.
D DE 1859/08/19.
D DE 1878/11/28.
L DE 1867/07/01 ARTIGO 4.
D 41907 DE 1958/10/11.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1880/07/20 IN RLJ ANO20 PAG272.
ACÓRDÃO STJ DE 1887/07/08 IN COL OF ANO2 PAG623.
ACÓRDÃO STJ DE 1888/12/07 IN COL OF ANO4 PAG228.
ACÓRDÃO STJ DE 1957/02/22 IN BMJ N64 PAG524.
Sumário :
A maternidade dos filhos ilegitimos declarada pelo paroco e devidamente testemunhada, em assento do baptismo celebrado na vigencia do Decreto de 2 de Abril de 1862, e valida independentemente dos requisitos exigidos para a perfilhação paterna no paragrafo 2 do artigo 13 daquele decreto.
Decisão Texto Integral: Acordam em secções reunidas no Supremo Tribunal de Justiça:

No Juizo de Direito de..., A... instaurou acção de investigação com fundamento de que sendo filho ilegitimo de B... o e tambem de C... acção dirigida contra D... e E..., viuva e filho do investigando.


Para prova da filiação materna juntou ao requerimento inicial uma certidão donde consta o assento lavrado no dia 8 de Abril de 1905 pelo paroco da freguesia de... - em que declara ter nesse dia baptizado um individuo a quem deu o nome de A..., filho de pai incognito e da paroquiana B...; neto materno de F... e de G....


Consta ainda do assento que os padrinhos são conhecidos do declarante.
Juntou ainda o requerente a certidão de obito da B..., ocorrido em 1957, sendo ali indicados como seus pais as pessoas que no aludido assento de baptismo figuravam como avos do investigante.


Tambem, antes da audiencia preparatoria, foi certificada a escritura de doação feita pela B... em 4 de Novembro de 1943 em que declara doar a seu filho A... e nora um predio ....


Na contestação aduziram os reus defesa directa incluindo, alem do que ora não interessa focar, a inviabilidade da acção por entenderem que o investigante não fora perfilhado pela mulher de quem se diz filho; não se achando esta presente quando o paroco de... lavrou o assento. Nem por qualquer meio confessou a pretendida filiação.


Em defesa indirecta alegaram a ilegitimidade da re por não ser herdeira do marido.
No saneador, proferido apos replica e treplica, o meritissimo juiz julgou a acção viavel e parte ilegitima a re.


Agravaram os reus, recurso limitado a parte do despacho que repeliu a pretendida inviabilidade da acção.


Sem exito porem.


Do aresto confirmatorio agravaram de novo insistindo em que a data do referido assento paroquial vigoravam os artigos 123 e 2467 do Codigo Civil, cuja estatuição lhe retira valor probatorio.


Mas o acordão de folhas 112 negou provimento ao agravo, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 96, pagina 332.


Dai o recurso para o Tribunal Pleno com fundamento de que o aresto recorrido esta em oposição com os proferidos por este Tribunal em 20 de Julho de 1880, de 8 de Julho de 1887 e de 7 de Dezembro de 1888, respectivamente publicados na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 20, pagina 272, no Boletim dos Tribunais, ano 2, pagina 623, e ano 4, pagina 228.


O ilustre Conselheiro a quem inicialmente coube preparar o processo - no entendimento de que segundo o disposto nos artigos 763 e 764 do Codigo de Processo de 1939 não e admissivel a invocação de mais dum acordão por cada problema em aberto - ordenou que os recorrentes escolhessem o que devia fundar o recurso.


Seleccionado o de 20 de Julho de 1880, foi então o recurso admitido.
Procuraram seguidamente os recorrentes E... e mulher demonstrar que se verifica a aludida oposição, por isso que - e resumindo:
O aresto recorrido estabeleceu que ate a vigencia do Codigo do Registo Civil de 1911 eram aplicaveis ao registo de nascimento dos catolicos as disposições do Decreto de 2 de Abril de 1862, provando-se a filiação materna com a simples referencia ao nome da mãe.
O acordão de 20 de Julho de 1880 entendeu "que o assento de baptismo dos filhos naturais não e suficiente para provar o reconhecimento ou perfilhação deles, a qual, para ser legal e preciso que se faça pela maneira estabelecida no artigo 123 do Codigo Civil".


Não alegaram os recorridos.


Pelo acordão de folhas 144 foi mandado seguir o recurso, sobre cujo objecto alegou o recorrente a folhas 150, nos termos do artigo 767 do Codigo de Processo, argumentando que da certidão do assento paroquial junta a folhas 15 não consta: a) Que a B..., que o autor diz ser sua mãe, tenha assistido ao baptizado; b) Nem que ela tenha declarado a quem lavrou o assento que era seu filho o investigante.
Por outro lado, a certidão omite a pessoa que fez a declaração de tal maternidade.
Dai que este registo não vale como documento autentico de perfilhação.
E abonando-se com a didactica do prestigioso Civilista Doutor Guilherme Moreira , no volume 1 das Instituições do Direito Civil, afirma que a disposição do citado artigo 123 e igualmente aplicavel ao registo civil - paroquial e não paroquial.


Portanto que "a declaração do nome da mãe feita pelo paroco, nunca pode considerar-se uma perfilhação feita por ela" como escreveu esse notabilissimo mestre.


Acentua que esta opinião e tambem partilhada pelo Doutor Cunha Gonçalves no veemente comentario a paginas 109 do Tratado de Direito Civil, volume 14.


Sustenta, por ultimo, que deve tirar-se assento estabelecendo que a partir da publicação do Codigo Civil entraram logo em vigor as disposições dos artigos 123 e 2467.


O recorrido, na contra-alegação a folhas, significando que são inteiramente diversas as situações de facto donde emanaram as decisões apontadas como contrastantes, entende que não existe a oposição exigida pelo artigo 763. Assim que, de harmonia com o preceituado no paragrafo unico do artigo 767 do Codigo de Processo, não deve conhecer-se do recurso.
Acautelando porem a hipotese da inaceitação desta maneira de ver, afirma que a sentença proferida na acção de investigação reconheceu ja o recorrido como filho do C... e, portanto, como irmão ilegitimo do recorrente.
Apoiado em seguida na jurisprudencia que cita sustenta que deve negar-se provimento ao recurso.


O excelentissimo representante do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal de Justiça no muito douto parecer de folhas 182 suscitou tambem a questão previa da inexistencia do conflito entre os dois acordãos, salientando:
O recorrido decidiu que ate a publicação do Codigo do Registo Civil vigorava para os catolicos o Decreto de 2 de Abril de 1862, a face do qual apreciou o valor de um registo de nascimento lavrado em 1905. Julgou valido esse assento, por conter todos os requisitos exigidos por esse Decreto, como documento de perfilhação. E, como emanação logica deste julgado dispensou o apreço do reconhecimento como filho realizado pela esritura de doação de 1943 - a que nos reportamos.


No acordão de 1880 decidiu-se (conforme o sumario indicado, no douto parecer), que a insuficiencia do registo do nascimento - derivada de não constar do registo a perfilhação dos pais nos termos do artigo 123 não podia prevalecer sobre a escritura em que a mãe declarou que não tinha descendentes sucessiveis.


São portanto diversos os aspectos de facto e de direito apreciados nos aludidos acordãos, faltando assim um dos pressupostos do recurso para o Tribunal Pleno.


Na perspectiva de improceder a questão previa, analisou então o problema de fundo, produzindo um parecer notavel, denso de metodo e de riqueza de informação, propondo se confirme o acordão recorrido, lavrando-se assento de acordo com a doutrina, ali estabelecida.


Tudo visto:


Pelo que concerne a questão previa.


Decidiu o acordão recorrido que no periodo compreendido desde a entrada em vigor do Codigo Civil ate ao começo de execução do Codigo do Registo Civil de 1911 não podiam aplicar-se aos assentos de nascimento dos catolicos o disposto nos artigos 123 e 2467 do Codigo Civil para prova da filiação ilegitima materna, exigentes da declaração de maternidade feita pela mãe. Considerou, pois, que nesse periodo os referidos registos se regulavam pelo Decreto de 2 de Abril de 1862.


Pelo aresto invocado em oposição foi dado provimento ao recurso, entendendo-se que o assento do nascimento e baptismo dos filhos naturais não e suficiente para provar o reconhecimento da perfilhação deles que para ser legal e preciso, que se faça pela maneira estabelecida no artigo
123 do Codigo Civil.


Temos como certo que não releva o facto de os acordãos referidos terem incidido sobre casos concretos diferentes.


Na lição do Professor Jose Reis, no Codigo Anotado, volume
VI, o que importa a fundamentação do acordão para o Pleno,
"e que os arestos postos em confronto tenham resolvido em sentido contrario a mesma questão juridica fundamental".


No caso vertido, sintetiza-se tal questão desta maneira: saber se ao periodo anterior a publicação do Codigo do Registo Civil de 1911 tem aplicação ao registo de nascimento dos catolicos as disposições dos artigos 123 e 2467 do Codigo Civil.


O simples enunciado das resoluções contidas nos indicados arestos mostra que solucionaram opostamente a mesma questão de direito.
Verifica-se, portanto, a oposição de doutrina entre eles existindo assim um conflito de jurisprudencia que cumpre resolver.


Sendo este o problema em apreço e, uma vez que pelo artigo
7 do Codigo do Registo Civil de 1911 (que secularizou os respectivos serviços) todos os factos relativos ao estado das pessoas ocorridos antes da sua promulgação, podem provar-se pelos mesmos documentos que eram admitidos para sua prova, importa conseguintemente determinar o regime legal que, quanto a essa materia, vigorou ate ao referido diploma.
Ora, constitui noção adquirida que o registo civil foi criação da Igreja que, como uso e costume de registar os baptismos, os casamentos e obitos, o estabeleceu desde os primeiros seculos do Cristianismo.


Mas, porque a falta de regras legais, se notaram muitas deficiencias, o Concilio Tridentino providenciou, dando instruções a esse respeito impondo a todas as paroquias a obrigação do registo dos nascimentos, casamentos e obitos.
Volvidos alguns seculos o Estado, como acentua o lapidar relatorio do Decreto-Lei n. 41907 "reconheceu a vantagem de tornar extensiva a todos os individuos a pratica posta em vigor pela Igreja, relativamente aos catolicos".
Tornou, portanto, obrigatorio o regime para todos os cidadãos pelo Decreto n. 23, de 16 de Maio de 1832.


A esse diploma outros sucederam acerca da mesma materia; no entanto as respectivas disposições não se executaram e o reconhecimento destes insucessos levou o legislador a publicar o Decreto de 19 de Agosto de 1859 que manteve o registo paroquial para os catolicos, registo depois regulamentado com vista ao seu aperfeiçoamento pelo Decreto de 2 de Abril de 1862.

Esse diploma - que consideramos fundamental para resolver a questão posta - determinou no artigo 4 que compreenderia o registo dos baptismos, casamentos e obitos
- o reconhecimento e a legitimação dos filhos.
Preceituou tambem que sendo o baptizando filho ilegitimo, não se declarava o nome do pai, salvo se este expressamente consentir, devendo neste caso assinar o assento ou juntar titulo autentico do consentimento.
O Decreto de 28 de Novembro de 1878 regulamentou as disposições sobre o registo não paroquial, estabelecendo que o registo civil dos subditos portugueses não catolicos era confiado aos administradores do Concelho.
Entretanto o Codigo Civil no artigo 123 determinara que a perfilhação pode ser feita por ambos, os pais de comum acordo, ou por qualquer deles, separadamente, contanto que seja no registo do nascimento ou em escritura, testamento ou auto publico.
E como norma reguladora desse artigo prescrevia o artigo 2467 do mesmo diploma: não sera admitida no registo declaração de paternidade, maternidade ou avoenga de filhos ilegitimos salvo quando o pai ou a mãe pessoalmente, ou por bastante procurador fizer essa declaração e a assinar.
Alguns juristas de alto merito - a que fizemos referencia
- consideraram aplicavel ao registo paroquial e não paroquial o disposto nesses artigos, onde nenhuma diferença se estabelece entre os dois progenitores.
Não e essa porem a orientação dominante na doutrina e na jurisprudencia. Mostra-o o exaustivo recenseio constante do douto parecer.
E não se ve razão bastante para modificar o que de longe vem sendo estabelecido e se reafirmou nos acordãos deste Tribunal, de 22 de Fevereiro de 1957, no Boletim, n. 64, pagina 524, e o proferido na mesma data, do qual se juntou copia a folhas 197.
Os doutos Civilistas opositores não consideraram que o artigo 4 da Lei de 1 de Julho de 1867 que aprovou o projecto do Codigo Civil estatuiu que todas as disposições desse Codigo cuja execução dependa absolutamente da existencia de repartições publicas ou de outras instituições que ainda não estavam criadas so obrigarão desde que tais instituições funcionem.
Ora, essas instituições, com função especifica do registo, so foram criadas em 1911 e, como as situações juridicas se regulam pela lei em vigor ao tempo da sua constituição, e de tomar em conta para o caso em apreço, o Decreto de 2 de Abril de 1862, ja mencionado.
Para os não catolicos e que, desde Janeiro de 1879, ex vi do Decreto de 28 de Novembro de 1878, o registo civil se tornou obrigatorio.
Por outro lado, como bem frisa o douto parecer, os defensores daquela posição aplicaram por analogia disposições excepcionais a casos não omissos ou que deviam ser solucionados a luz do texto e do espirito de preceitos especialmente reguladores do registo paroquial.
De aceitar tambem, pela sua densidade, o argumento do Doutor Pedro Chaves nos seus comentarios aos Codigos do Registo Civil de 1911 e de 1932, acentuando que "existindo ja no Codigo Administrativo de 1836 a proibição expressa da declaração de maternidade sem a presença da mãe, a supressão de tal proibição no Decreto de 1862 (que a manteve para a paternidade) significa que e dispensavel a presença da mãe para a declaração legal de maternidade".
De resto, como foi acentuado, explica-se inteiramente esta exigencia pelo principio de que mater semper certa est, pater nunquam.
Na adesão a dominadora corrente jurisprudencial podemos concluir, como o fez Dias Ferreira ao anotar o artigo 2467, que os parocos podem declarar nos assentos do baptismo de filhos ilegitimos o nome da mãe embora neles não haja a assinatura dela, ou de outra pessoa a seu rogo.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando provimento ao recurso, estabelece-se o seguinte assento:
"A maternidade dos filhos ilegitimos declarada pelo paroco e devidamente testemunhada, em assento do baptismo celebrado na vigencia do Decreto de 2 de Abril de 1862, e valida independentemente dos requisitos exigidos para a perfilhação paterna no paragrafo 2 do artigo 13 daquele decreto".
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 25 de Janeiro de 1963

Bravo Serra (Relator) - F. Toscano Pessoa - Barbosa Viana
- Amorim Girão - Jose Osorio - Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Alberto Toscano - Eduardo Coimbra - Arlindo Martins - Jose Meneses - Ricardo Lopes - Fragoso de Almeida - Abreu Lobo - Lopes Cardoso.