Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
36/21.8GJBA-A.E1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
QUESTÃO DE FACTO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende de um conjunto de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial, nos termos dos arts. 437.º e 438.º, do CPP.

II - Verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, (b) haja entre os dois acórdãos em conflito soluções opostas na interpretação e aplicação das mesmas normas; (c) a mesma questão fundamental de direito decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas, e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito.

III - O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso extraordinário que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos dos tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, contribuindo para a realização de objetivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (art. 2.º da CRP); estando em causa a força do caso julgado, que prossegue idênticos objetivos de segurança jurídica, impõe-se a observância de particulares exigências, prevenindo a sua utilização como mais uma forma de recurso ordinário destinado à reapreciação da decisão de um caso concreto em divergência com outras decisões de outros tribunais.

IV - O que substancialmente está em causa no presente recurso é, na discordância do decidido, uma pretensão de substituição da medida de prisão alternativa pela obrigação de permanência na habitação, ou seja, uma finalidade que, por via de recurso, só pode ser prosseguida através de recurso ordinário, que constitui o meio próprio de reação com vista à alteração de uma decisão judicial, nos termos dos arts. 399.º e ss. do CPP.

V - A pretensa «contradição» manifesta-se, não em interpretação divergente das normas que regulam a aplicação das medidas de coação, em particular da prisão preventiva, mas nos resultados da aplicação dessas normas, na verificação do preenchimento dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, que se impõem ao julgador em função das exigências cautelares impostas pelas circunstâncias do caso concreto.

VI - Sendo as decisões resultantes da aplicação das mesmas normas, com o mesmo sentido de interpretação, em situações em que não se verifica identidade de situações de facto, não estão preenchidos os pressupostos substanciais do recurso de fixação de jurisprudência.

VII - Em consequência, o recurso é rejeitado por se concluir pela não oposição de julgados.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I.  Relatório

1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação ….. de 22.06.2011, que, em recurso por si interposto confirmou o despacho do juiz de instrução, de 05.04.2021, que lhe aplicou a medida de prisão preventiva.

Alega que este acórdão se encontra «em contradição com outros acórdãos já transitados em julgado», nomeadamente «com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção Criminal, prolatado a 19.06.2019, no âmbito dos autos n.º 207/18.4PDBRR.L1», no qual, conhecendo de recurso interposto pelo arguido, nesse processo, de decisão que lhe aplicou a medida de prisão preventiva, num «caso cujos contornos, aparentemente, se assemelhem substancialmente aos presentes autos», foi esta medida substituída «pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, mediante a proibição de contacto ou de comunicação de qualquer natureza e por qualquer meio com a ofendida».

2. Apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões:

«A)  Foi proferido Acórdão pelo Douto Tribunal da Relação ….., nos autos à margem identificados, segundo o qual se propugnou pela seguinte decisão: “Encontrando-se verificados os requisitos especiais e gerais indispensáveis à aplicação da prisão preventiva, não se mostra ter havido violação de qualquer norma constitucional ou legal, mesmo vistas as invocadas pelo recorrente. Pelo exposto não se pode dar razão ao recorrente. III – Decisão: Por tudo o exposto acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação ….. em negar provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida.”

B)    Ora, não se pode conformar o Recorrente com essa decisão, nem com os fundamentos apresentados pelo douto Tribunal uma vez que se encontram em contradição com outros acórdãos já transitados em julgado, como a seguir se alegará.

C)   E logo, devem ser decididas as questões a seguir enunciadas de forma diferente daquela que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu.

D)   Deve o presente recurso ser admitido, nos termos do disposto nos artigos 433.º, 437.º/n.º 2 a 5, e 438.º do Código de Processo Penal pois que obedece aos requisitos legais que tal normatividade impõe.

E)    Com efeito, está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

F)    É que o objeto do presente recurso traduz-se em saber se os Tribunais no momento da escolha e aplicação de medidas de coacção, para precaver as exigências cautelares no concreto caso da violência doméstica, tipo de ilícito criminal que, por norma, apresenta uma factualidade semelhante de caso para caso, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se, por outro lado, será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, ainda que seja a medida de obrigação de permanência na habituação que, ainda que restritiva da liberdade, não o faz de forma tão melindrosa que a prisão preventiva.

G)  Ora, tendo em conta os inúmeros processos de violência doméstica que têm chegado aos nossos tribunais atualmente, e tendo em conta a presente discussão, torna-se necessária a intervenção do Tribunal Superior para ajudar a clarificar e evitar divergências jurisprudenciais.

H)  Por outro lado, o presente recurso assume particular relevância social e humanitária, considerando que em causa está a discussão sobre a aplicação (ou não) de medidas de coacção privativas da liberdade e que, por conseguinte, contendem com direitos, liberdades e garantias de quem a elas é sujeito.

I)    Por fim, a presente decisão encontra-se em contradição com outros acórdãos já transitados em julgado, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção Criminal, prolatado a 19.06.2019, no âmbito dos autos n.º 207/18.4PDBRR.L1, o qual pode ser encontrado no portal da DGSI através do link http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ 401bd0f8620595480 25843a00496c84?OpenDocument&Highlight=0,viol%C3%AAncia,dom%C3%A9stica,obriga%C3%A7%C3%A3o,perman%C3%AAncia,habita%C3%A7%C3%A3o;

J)    Em suma, e atento o atrás alegado, deve o presente recurso ser admitido.

K)  É a seguinte a fundamentação do Tribunal A Quo que determinou a confirmação do despacho recorrido:

“Resultando dos factos fortemente indiciados, nos presentes autos, a prática pelo arguido do crime que lhe foi imputado de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1 alínea b) e n.º 2 do Cód. Penal, por tais factos se mostrarem aptos a integrarem todos os seus elementos objectivos e subjectivos.

Tendo razão o recorrente quando invoca que a medida de prisão preventiva só pode ser aplicada quando qualquer das outras não se mostre apta a acautelar qualquer dos perigos a que se porta o artigo 204.º do C.P.P.. Importa atentar, no presente caso, que, tal como se decidiu no despacho recorrido, perante os elementos então constantes dos autos, esta medida era a única que se mostrava apta a acautelar os perigos a que se reportam as alíneas b) e b) do mesmo preceito legal.

Atendendo a que o citado artigo 204.º determina que: “Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

D)   Fuga ou perigo de fuga;

E)    Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

F)    Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

Ora, no despacho recorrido mostra-se devidamente analisada a verificação de cada um dos aludidos perigos, a que se reportam as alíneas b) e c) deste preceito legal, ou seja, tal como ele se consignou, de forte perdido de continuação da actividade criminosa ou de perturbação grave da tranquilidade pública e ainda de perturbação do inquérito.

Face a que o perigo de continuação da actividade criminosa pelo arguido, ora recorrente, se mostra aqui adensado, atendendo a que não se mostrou suficiente para o afastar deste tipo de comportamentos, a injunção que lhe foi aplicada na suspensão provisória de processo anterior, instaurada pela prática do mesmo tipo de crime, no sentido de o afastar do consumo de álcool, através de tratamento para o efeito e para além de ser comumente conhecida a intranquilidade social que este tipo de crime causa na sociedade em geral, até pela frequência com que vem sendo praticado e bem assim, muitas vezes, pelas suas reconhecidas e nefastas consequências, aqui potenciada ainda pelo facto do mesmo te proferido insistentemente ameaças de morte dirigidas à vítima, até na via pública e na presença da GNR, tal como bem descrito no auto de notícia e para além de se verificar aqui o perigo de perturbação do decurso do inquérito, caso o mesmo venha a falar com a vítima.

Nestes termos só esta medida se mostra apta a acautelar devidamente os aludidos de perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da tranquilidade pública, atendendo à personalidade agressiva do arguido, quando ingere bebidas alcoólicas, que ao que tudo aponta não se detém, nem na presença da GNR e para além das demais circunstâncias do crime, como fundada e detalhadamente consta da decisão recorrida.

(sem deixar de se observar que no âmbito deste processo, aliás como de qualquer outro processo crime, qualquer medida a aplicar, visando acautelar qualquer dos perigos a que se reporta o aludido artigo, o é a apenas na pessoa do arguido e já não da vitima, nomeadamente aqui obrigando-a a morar, ou não, em determinada localidade).

Atendendo ao disposto no artigo 202.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, só pode determinar-se a aplicação de prisão preventiva quando se mostre inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção e ainda desde que existam nos autos, na parte que ora aqui releva, “fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violente”, atendendo ao conceito legal desta, constante da alínea j) do artigo 1.º do mesmo Código. Tendo entendido o legislador que não basta para a aplicação da medida da prisão preventiva para além dos outros requisitos, que existam nos autos indícios da prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta, pelo arguido, pois é necessário ainda que estes sejam fortes, no sentido de serem suficientemente sólidos para justificarem a aplicação da mais gravosa medida de coacção, ou seja, a de prisão preventiva.

Sobre o conceito de fortes indícios, refere-se (em anotação ao artigo 202.º do Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos, Leal Henrique e Borges de Pinho, pág. 768, ed. 1996.) que “inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura. Isto é, não bata que essa suspeita assente num qualquer estrato factual, mas antes, em factos de relevo que façam acreditar que eles idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade, sob pena de se arriscar uma medida tão gravosa como esta em relação a alguém que pode estar inocente”.

Tais fortes indícios verificam-se, indubitavelmente, no caso presente, como já referido, para além de que o tribunal recorrido, motivar cabalmente a sua existência, como consta do despacho recorrido.

Como é sabido, para a aplicação de qualquer outra medida para além do TIR, é necessário que se verifique apenas um destes perigos, a que se reportam as citadas alíneas do artigo 204.º, mesmo para a aplicação da prisão preventiva, tal como de há muito vem sido entendido pela doutrina e jurisprudência (aliás, sendo esta a interpretação mais fiel até à letra da lei, que os apresenta como alternativos).

Tendo o tribunal recorrido ponderado devidamente, até, que nem a medida de permanência na habitação, se mostraria apta a acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa, apesar de existir outra residência, afastada de ......., uma vez que aplicação da mesma, não o impediria de numa “única e fugaz oportunidade” poder “concretizar o mal que vem anunciando à sua companheira, ou seja, tirar-lhe a vida”. A que acresce ainda que, tal como resulta da experiência de aplicação dos meios de vigilância electrónica, estes nem sempre se têm demonstrado totalmente aptos a evitar fugas da residência pelos arguidos, nem ainda a acautelar o que dentro delas se passa.

Sendo certo que a aplicação da medida de prisão preventiva é excepcional, como resulta do disposto no artigo 193.º do C.P.P., só devendo ser aplicada quando se mostre desadequadas, insuficientes ou até desproporcionadas outras medidas.

Resulta que no caso presente e tal como consta também do despacho recorrido mostra-se fundamentada a aplicação da prisão preventiva. Perante a gravidade dos factos, espelhada também na respectiva moldura penal, conclui-se que só a prisão preventiva, além de legalmente admissível, se mostra, por ora, como a única medida adequada e suficiente para acautelar os perigos mencionados e proporcional à gravidade de ilícito criminal e da pena que previsivelmente será aplicada ao arguido, em sede de julgamento.

No caso concreto ao ser aplicada a medida excepcional de prisão preventiva ao arguido foi observado o disposto nos artigos 193.º, 204.º e 202.º todos do Código de Processo Penal, existindo forte perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade pública e de continuação da actividade criminosa, apesar de não serem ainda conhecidos nos autos quaisquer antecedentes criminais, tal desconhecimento também não se mostra aqui especialmente relevante, atenta a pendência de outro processo penal, em suspensão provisória, pela prática do mesmo tipo de crime, nem podem assumir aqui especial relevância as suas declarações, parcialmente relevadoras da sua conduta, atenta a sua detenção em flagrante delito.

O artigo 27.º n.ºs. 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade física das pessoas, admitindo o seu n.º 3 a prisão preventiva e estatuindo o n.º 2 do artigo 28.º que “a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada medida de coacção ou outra medida mais favorável prevista na lei”.

Respeitando tais normais constitucionais, o Código de Processo Penal impõe que a medida de prisão preventiva só deva ser aplicada quando se mostrem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção (artigo 193.º, n.º 2 do C.P.P.). No entanto, resulta neste caso, que aquando da aplicação desta medida de coacção foram observados os princípios da adequação, proporcionalidade, e da subsidiariedade. Perante a gravidade das condutas que se indiciam fortemente nos autos terem sido praticadas pelo arguido, ora recorrente, integradoras do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 alínea a) do Código Penal, e bem assim do conceito legal de “criminalidade violenta”, por força da definição legal constante da alínea j) do artigo 1.º do Código de Processo Pena (que nela integra “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem punidas com pena de prisão com máximo igual ou superior a 5 anos;”, e que tal como se mostra previsto no citado artigo 152.º, n.º 1 b) e n.º 2, a) do Código Penal, é punida, em abstracto com pena de prisão de 2 a 5 anos, ou seja, de máximo igual a 5 anos), é a prisão preventiva que se mostra adequada e promocional como se decidiu, não se vislumbrando, assim, por ora, que qualquer outra medida, mesmo vistas as indicadas pelo recorrente, se mostre apta a acautelar devidamente os citados perigos, pelo que de acordo com o estipulado no artigo 202.º, n.º 1 alínea b) do C.P.P., a aplicação da medida de prisão preventiva se mostra devidamente aplicada, respeitando o que nele se mostra consignado, ou seja, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando o tribunal “considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva: (…) b) houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta; (…)”.

Nestes termos, atendendo à gravidade do ilícito e ao alarme e insegurança causados por este tipo de crime, é a prisão preventiva a única que se mostra adequada como claramente se decidiu.

Encontrando-se verificados os requisitos especiais e gerais indispensáveis à aplicação da prisão preventiva, não se mostra ter havido violação de qualquer norma constitucional ou legal, mesmo vistas as invocadas pelo recorrente.

Pelo exposto não se pode dar razão ao recorrente.

III – Decisão:

Por tudo o exposto acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação ..….. em negar provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida.”

L)    Não pode o recorrente concordar com esta argumentação e com os fundamentos apresentados.

M)   No presente caso, o Tribunal de 1ª Instância decidiu aplicar medida de prisão preventiva ao recorrente, por entender haver perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e da ordem e tranquilidade pública, tendo considerado aquela medida como a única eficaz, adequada e proporcional às exigências cautelares reveladas neste caso, mais considerando que nenhuma outra medida se mostrava adequada. 

N)   O recorrente arguiu a nulidade de tal Acórdão, tendo ainda do mesmo interposto recurso para o Tribunal Constitucional, porém sem sucesso.

O)   Pois não concorda o recorrente com a decisão recorrida, porquanto o Tribunal de 1ª Instância, salvo o devido respeito que é muito, fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 191.º, 193.º e 204.º, todos do Cód. de Proc. Penal, mobilizando a medida de prisão preventiva, medida mais gravosa prevista naquele diploma legal, quando as circunstâncias e contornos do caso permitiam a aplicação de uma outra medida de coacção que, ainda que restritiva do direito de liberdade do recorrente, não o limitava de forma tão flagrante como, v.g., a medida de obrigação de permanência na habitação, razão pela qual se invoca a nulidade do entendimento expresso na decisão em causa, já que,

P)   Os fundamentos aduzidos alicerçam-se em considerações genéricas, não se tendo sequer levado em consideração o episódio isolado que aqui estava em causa, a carência de testemunhas do mesmo, a inocuidade do relatório médica, a falta de antecedentes do recorrente e o facto de haver duas residências distintas, separadas por um raio de quase 400 km de distância.

Q)  Constitui, com todo o respeito que é muito (!), um errado entendimento do direito já que o douto Tribunal se socorreu de normas incorrectamente interpretadas/aplicadas para o efeito, enquanto NULIDADE emergente do erróneo entendimento subscrito na decisão recorrida de fixação discricionária pelo M.mo Juiz a quo na escolha e aplicação de medida de coacção ao concreto caso.

R)   Nesta senda e estabelecendo-se os pressupostos factuais que subjazem ao confronto de interesses emergentes no presente recurso, terá de tomar por evidente que,

1.    Os presentes autos foram despoletados por um episodio único e isolado, ocorrido a 04.04.2021;

2.   A versão trazida aos autos assenta, predominantemente, na versão trazida pela ofendia, BB;

3.    Não há testemunhas de qualquer agressão física infligida pelo recorrente à ofendida, nem tão pouco o relatório médico induz a que se extraia qualquer conclusão nesse sentido, sendo totalmente inócuo;

4.    As alegadas ameaças e injúrias presenciadas pelos elementos da GNR e dos Bombeiros ......... têm de ser interpretadas no exacto contexto em que se inserem e em que foram proferidas: total caos e confusão, vendo-se o recorrente diante uma situação cuja magnitude até hoje não consegue compreender, vendo-se, inclusivamente, na eminência de ser detido;

5.    A residência sita na Rua ............, n.º .., em ......... é propriedade exclusiva do recorrente, possuindo a Ofendida residência própria (ainda que arrendada) sita na Rua .............., n.º .., em A ........, estando, por conseguinte, ambas as residências separadas por um raio de quase 400 km de distância.

6.   Ainda que se considerasse haver efectivo perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e de perturbação da tranquilidade e ordem pública, a verdade é que sempre deveria ter sido privilegiada a aplicação de outras medidas de coacção menos prejudiciais ao recorrente, tal como a obrigação de permanência na habitação, previsto no artigo 201º do Cód. de Proc. Penal, ainda que devidamente complementada com a vigilância através dos meios de controlo à distância e até mesmo proibição de contactar com a Ofendida, por qualquer meio, dado que, no caso sub judice, tal medida se afigurava totalmente adequada, proporcional e eficaz à prevenção daqueles perigos;

7.   Preterir-se a aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação, nos termos supra expostos, aos presentes autos é simplesmente descredibilizar a eficácia desta e outras medidas, fazendo-se, por conseguinte uso abusivo e desregrado da medida de prisão preventiva, sendo até pertinente questionar-se, neste entendimento, qual a utilidade prática de medidas de coacção como aquelas que vêm previstas nos artigos 200º e 201º do Cód. de Proc. Penal.

S)    Deste modo, sempre com o devido respeito, é entendimento do recorrente que o Tribunal tinha à sua disposição elementos bastantes que o permitiam ter optado pela aplicação de outra medida de coacção que não a prisão preventiva, já que

T)   Dispõe o artigo 191.º do Cód. de Proc. Penal que: [transcrição]

U)   Por seu turno, o artigo 193.º do mesmo diploma acrescenta que: [transcrição]

V)   Já o artigo 204º elenca os requisitos de que depende a aplicação das medidas de coacção à excepção do TIR e que se transcreve infra: [Transcrição]

W)   Daqui resulta que a aplicação das medidas de coacção, à excepção do termo de identidade e residência apenas podem ser aplicadas quando, em concreto, no momento da sua aplicação, se verifiquem os perigos a que alude o artigo 204º.

X)   Contudo, a aplicação de uma concreta medida de coacção deve ser sempre necessária e adequada às exigências cautelares reveladas em cada caso concreto, e devem ter por base todos os elementos constantes dos autos, assim como a gravidade e contornos do ilícito penal em causa e respectiva moldura penal abstractamente aplicável, assim como a personalidade, antecedentes e meio envolvente do arguido.

Y)   Sempre que o Tribunal conclua pela necessidade de aplicar ume medida restritiva da liberdade, esta deverá ainda obedecer ao princípio da subsidiariedade, segundo o qual deverá, sempre que possível, ser privilegiada a aplicação da medida e obrigação de permanência na habitação em detrimento da prisão preventiva.

Z)   Assim, a questão que se levanta passa por saber se para precaver as exigências cautelares no concreto caso da violência doméstica, tipo de ilícito criminal que, por norma, apresenta uma factualidade semelhante de caso para caso, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se, por outro lado, será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, ainda que seja a medida de obrigação de permanência na habituação que, ainda que restritiva da liberdade, não o faz de forma tão melindrosa que a prisão preventiva.

AA) Certamente que a questão deverá ser ponderada de caso para caso, mas a experiência diz-nos que, no concreto contexto da violência doméstica, a factualidade apresentada tende a ser substancialmente semelhante de caso para caso e, por conseguinte, as exigências cautelares tenderão a ser as mesmas.

BB) Assim, não é espectável que, perante situações substancialmente idênticas de um ponto de vista factual, encontremos decisões totalmente antagónicas, no sentido em que encontramos tribunais irredutíveis na aplicação da medida de prisão preventiva e, por outro lado, nos deparemos com Tribunais que privilegiam a aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação, ou até mesmo outras medidas não privativas da liberdade.

CC) Fazendo-se a devida ressalva que a medida de prisão preventiva deve ser mobilizada apenas como ultima ratio, atendendo à drástica restrição ao direito à liberdade, numa vertente física que dela resulta.

DD)    Assim, a decisão recorrida encontra-se em clara contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção Criminal, prolatado a 19.06.2019, no âmbito dos autos n.º 207/18.4PDBRR.L1, o qual pode ser encontrado no portal da DGSI através do link http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc7323160 39802565fa00497eec/f401bd0f862059548025843a00496c84?OpenDocument&Highlight=0,viol%C3%AAncia,dom%C3%A9stica,obriga%C3%A7%C3%A3o,perman%C3%AAncia,habita%C3%A7%C3%A3o;

EE) Tal decisão foi proferida no âmbito de um processo em tudo semelhante ao aqui sub judice, ou até mesmo com contornos mais gravosos e alarmantes, se não vejamos:

k)   A factualidade de tal caso reflecte uma conjuntura de acontecimentos que se foram desenrolando ao longo de vários meses;

l)    Por várias vezes o Arguido ameaçou a ofendida de morte;

m)  Por várias vezes o Arguido proferiu ameaças várias à ofendida;

n)    Por várias vezes o Arguido importunou a ofendia através de chamadas telefónicas abusivas;

o)    Por várias vezes o Arguido agrediu física e psicologicamente a Ofendida;

p)   O Arguido encontrava-se na posse de arma de fogo e respectivas munições;

q)   O Arguido era um indivíduo de 20 anos, idade em que o ser humano tem tendência a ter comportamentos impulsivos e descontrolados, potenciando drasticamente a situação de perigo e risco em que se encontrava a vítima;

r)     Perante toda a factualidade constante dos autos, o Mmo. Juiz de Instrução, na sequência de 1º interrogatório, considerou a medida de prisão preventiva como única medida eficaz, proporcional e adequada à prevenção dos perigos de continuação da actividade criminosa, perturbação do inquérito e da ordem e tranquilidade pública;

s)    Inconformado com a medida de prisão preventiva que lhe havia sido aplicada, o Arguido recorreu de tal despacho, pugnando pela substituição da mesma pela medida de obrigação de permanência na habitação, complementada com os meios de controlo à distância.

t)    Recurso que mereceu total provimento por parte dos MMos. Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido revogada a medida de prisão preventiva e consequentemente substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação, complementada com a devida vigilância através dos meios de controlo à distância, bem como da proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendia.

FF) Ora, perante os contornos deste outro caso que aqui se invoca, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção Criminal, por acórdão prolatado a 19.06.2019, que deveria ser revogada a medida prisão preventiva aplicada ao Arguido, ordenando-se a sua substituição pela medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que complementada com vigilância através de meios de controlo à distância e proibição de contactos, por qualquer meio, com a ofendia.

GG)    Decisão que, salvo o devido respeito, merece total aprovação e acolhimento, por fazer uma correcta interpretação da tessitura legal constante dos artigos 191.º, 193.º e 204.º do Cód. de Proc. Penal.

HH)     Assim, dúvidas não subsistem quanto à notória contradição entre julgados, revelando-se imperioso fixar-se jurisprudência que responda de forma definitiva à questão invocada e que passa por saber se, para precaver as exigências cautelares no concreto caso da violência doméstica, tipo de ilícito criminal que, por norma, apresenta uma factualidade semelhante de caso para caso, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se, por outro lado, será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, ainda que seja a medida de obrigação de permanência na habituação que, ainda que restritiva da liberdade, não o faz de forma tão melindrosa que a prisão preventiva.

II)   Sendo certo que a segunda opção se revela, quanto a nós, totalmente apta, idónea e eficaz, considerando que a factualidade subjacente à violência doméstica é substancialmente idêntica de caso para caso e que a medida de obrigação de permanência na habitação, complementada nos termos supra expostos, se tem vindo a revelar totalmente satisfatória no que respeita à resposta demandada pelas exigências cautelares deste tipo de ilícito criminal, prevenindo de forma plenamente satisfatória os perigos a que alude o artigo 204º do Cód. de Proc. Penal.

JJ)   Nestes termos, deve a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que determine a substituição da medida de prisão preventiva aplica ao recorrente, por outra menos gravosa, como a obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201.º do Cód. de Proc. Penal, ainda que complementada com a devida vigilância através de meios de controlo à distância e proibição de contactar com a ofendida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

3. Vem junta certidão do acórdão recorrido, com nota de trânsito, e indicado o endereço da internet da base de dados de jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, em que se encontra publicado o acórdão proferido no processo 207/18.4PDBRR.L1-3 (www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/ f40bd0f862059548025843a00496c84?OpenDocument&Highlight=0,viol%C3%AAncia,dom%C3%A9stica,obriga%C3%A7%C3%A3o,perman%C3%AAncia,habita%C3%A7%C3%A3o).

4. Notificado o Ministério Público, para efeitos do disposto no artigo 439.º, n.º 2, do CPP, foi apresentada resposta pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação  ….., em que conclui (transcrição):

«1º - Nos presentes Autos foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação, em 22-06-2021, negando provimento ao Recurso interposto pelos Recorrente do despacho exarado no dia 05 de Abril de 2021.

2º - Em 25 de Agosto de 2021 vem o Arguido AA interpor o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

3º - A decisão transitou em julgado.

4º - O recurso é tempestivo, porque interposto no prazo consignado no n.º 1 do art.º 438.º do Cód. Proc. Penal.

5º - É inadmissível recurso Ordinário – n.º 2 do art.º 437.º e al c) do n.º 1 do art.º 400.º do C.P.P

6º - É inquestionável que a decisão recorrida é desfavorável ao Recorrente e a decisão favorável neste recurso conduz à alteração a seu favor da decisão recorrida, ou seja, que o Recorrente tem interesse em agir - al. a) do n.º 1 do art.º 401.º do C.P.P.

7º - O Recorrente identificou o Acórdão fundamento, referindo a plataforma onde se encontrava publicado, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 437.º e n.º 2 do art.º 438.º do C.P.P.

8º - Foram as decisões proferidas «no domínio da mesma legislação».

9º - Por jurisprudência uniforme, vem-se entendendo que se torna necessária a identidade de factos.

10º - Analisados os Arestos, salvo o devido respeito, é patente que as situações de facto não são idênticas, porquanto, para além do mais no Acórdão fundamento foi utilizada uma arma, que determinou a imputação do crime de detenção de arma proibida

11º - A inverificação de um dos pressupostos de inadmissibilidade, determina rejeição do recurso,

Rejeitando o Recurso, Vªs Exªs, farão, como sempre JUSTIÇA».

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP.

Pronunciando-se igualmente pela rejeição do recurso, diz o Senhor Procurador-Geral Adjunto em seu parecer:

«1. Do recurso

1.1. AA, em 25.08.2021, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação ….. de 22.06.2021, proferido nos autos de Recurso Penal supra referenciados, alegando que nele se apreciou e decidiu uma questão de direito cuja pronúncia está em oposição com a de outro acórdão, este do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 19.06.2019, no âmbito do processo nº 207/18.4PDBRR.L1.

1.2. A questão que se coloca, tal como o recorrente a apresenta, é a de saber se, no momento da escolha e aplicação das medidas de coacção, para precaver as exigências cautelares no caso da violência doméstica, tipo de ilícito criminal que, por norma, apresenta uma factualidade semelhante de caso para caso, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se, por outro lado, será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, ainda que seja a medida de obrigação de permanência na habituação, que, ainda que restritiva da liberdade, não o faz de forma tão melindrosa que a prisão preventiva.

1.3. Na oportunidade conferida pelo n.º 1 do artigo 439.º do C.P.P., o Ministério Público na Relação ….., pronunciou-se no sentido de que “é patente que as situações de facto não são idênticas, porquanto, para além do mais no Acórdão fundamento foi utilizada uma arma, que determinou a imputação do crime de detenção de arma proibida” e, consequentemente, que não deve ser admitido o recurso.

1.4. Segundo a certidão junta aos autos, o acórdão recorrido foi notificado ao Ministério Público, por termo no processo, e aos sujeitos processuais, via postal registada, expedida no dia 21.07.2021.

O prazo de interposição deste recurso extraordinário é de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – artigo 438.º, n.º 1, do C.P.P.

No caso, encontrando-se o arguido preso, o prazo conta-se nos termos das disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 1 e 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, do C.P.P.

Assim, presumindo-se o recorrente notificado a 26.07.2021 (segunda-feira), não admitindo recurso ordinário, transitou decorridos 10 dias daquela notificação, ou seja, no subsequente dia 05.08.2021.

Pelo que o recurso em apreço, interposto em 25.08.2021, é tempestivo.

2. Do mérito do recurso

2.1. Da rejeição do recurso/falta de pressupostos substanciais

2.1.1. O recorrente, com interesse para a causa, vem alegar o seguinte:

a) O objeto do recurso é o de saber se, para os Tribunais, no momento da escolha e aplicação de medidas de coacção, para precaver as exigências cautelares no concreto caso da violência doméstica, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa.

b) No presente caso, o Tribunal de 1ª Instância decidiu aplicar medida de prisão preventiva ao recorrente, por entender haver perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e da ordem e tranquilidade pública, tendo considerado aquela medida como a única eficaz, adequada e proporcional às exigências cautelares e que nenhuma outra medida se mostrava adequada.

c) O Tribunal de 1ª Instância fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 191º, 193º e 204º, todos do Cód. de Proc. Penal, mobilizando a medida de prisão preventiva quando as circunstâncias e contornos do caso permitiam a aplicação de uma outra medida de coacção, v.g., a medida de obrigação de permanência na habitação, razão pela qual se invoca a nulidade do entendimento expresso na decisão em causa.

d) Os fundamentos aduzidos alicerçam-se em considerações genéricas.

e) O Tribunal tinha à sua disposição elementos bastantes que o permitiam ter optado pela aplicação de outra medida de coacção que não a prisão preventiva.

f) Não é espectável que, perante situações substancialmente idênticas de um ponto de vista factual, encontremos decisões totalmente antagónicas

g) A decisão recorrida encontra-se em clara contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção Criminal, prolatado a 19.06.2019, no âmbito dos autos n.º 207/18.4PDBRR.L1,

h) Tal decisão foi proferida no âmbito de um processo em tudo semelhante ao aqui sub judice, ou até mesmo com contornos mais gravosos e alarmantes.

i) Existe notória contradição entre julgados revelando-se imperioso fixar-se jurisprudência que responda à questão de saber se, para precaver as exigências cautelares no concreto caso da violência doméstica, tipo de ilícito criminal que, por norma, apresenta uma factualidade semelhante de caso para caso, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se, por outro lado, será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, ainda que seja a medida de obrigação de permanência na habituação que, ainda que restritiva da liberdade, não o faz de forma tão melindrosa que a prisão preventiva.

j) Nestes termos, deve a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que determine a substituição da medida de prisão preventiva aplica ao recorrente, por outra menos gravosa, como a obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201º do Cód. de Proc. Penal, ainda que complementada com a devida vigilância através de meios de controlo à distância e proibição de contactar com a ofendida.

2.1.2. Segundo a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça, a oposição de julgados verifica-se quando:

a) - As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

b) - As decisões em oposição sejam expressas;

c) - As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.

Assim, um dos requisitos substanciais é a oposição expressa de julgamento relativamente à mesma questão de direito.

A este propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem consolidando o entendimento de que a existência de decisões antagónicas pressupõe, para além de julgados expressos, a identidade das situações de facto base das decisões de direito antitéticas ou conflituantes.

Portanto, a oposição de julgados pressupõe decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação.

A decisão da questão de direito não pode ser desligada do substracto factual sobre a qual incide.

Em suma, a viabilidade do recurso de fixação de jurisprudência pressupõe que estejam em causa soluções de direito dadas a situações de facto idênticas.

Diga-se, ainda neste contexto, que “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.”

Assim, “do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.”

Em face do exposto, importa dizer que, no caso concreto, a pretensão do recorrente não pode proceder na medida em que, por um lado, as situações de facto não são idênticas; por outro, a questão que se coloca não é uma questão de direito que tenha a ver com uma diferente interpretação da norma jurídica. Pretende o recorrente que o S.T.J. se pronuncie sobre uma questão de facto.

Jamais poderia ser fixada jurisprudência no sentido de que, para precaver as exigências cautelares no caso da violência doméstica, se revela (ou não se revela) imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva. Ou que é suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa.

Além disso, nem a decisão recorrida coloca em causa que a aplicação e escolha de medidas de coação, no caso de violência doméstica, possa ser outra medida de coação diferente da prisão preventiva. Simplesmente, no caso, entendeu-se que a observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade exigiam a aplicação da prisão preventiva e, no acórdão fundamento, em relação àquele concreto arguido, sua personalidade e à factualidade verificada, entendeu-se que era necessário, proporcional e adequado a aplicação de medida menos gravosa (obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica).

É sabido que as condições pessoais de cada arguido e a sua personalidade são sempre diferentes e, portanto, na aplicação e escolha de medidas de coação, as situações de facto são necessariamente diferentes.

3. Parecer

Pelo exposto, e dada a não verificação dos requisitos substanciais previstos no artigo 437.º do C.P.P. (oposição de julgados relativamente à mesma questão de direito), entende-se que o recurso extraordinário interposto deve, em conferência, ser rejeitado [artigos 440.º, n.º 3 e 4, e 441.º, n.°1, do C.P.P].»

6. Efectuado o exame preliminar, o processo foi remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

7. Sobre o fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência dispõe o artigo 437.º nos seguintes termos:

«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».

O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, devendo o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, bem como justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência (n.ºs 1 e 2 do artigo 438.º do CPP).

8. Tendo presente este regime, o Supremo Tribunal de Justiça, em jurisprudência uniforme, vem afirmando reiteradamente que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial [cfr., entre outros, os acórdãos de 11-7-2019, proc. 167/16.6GAVZL.C1-A, de 9.10.2013, e jurisprudência nele citada e ainda o recente acórdão do pleno das secções criminais de 8.7.2021, Proc. 3/16.PBGMR-A.G1.S1, em www.dgsi.pt].

Verificam-se os pressupostos de natureza formal quando: (a) a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); (b) o recorrente identifique o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento), bem como, no caso de estar publicado, o lugar da publicação; (c) se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito, e (d) o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência.

Verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; (b) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, isto é, quando haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas; (c) a questão (de direito) decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisões expressas, e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas (assim, por todos, os acórdãos anteriormente citados).

9. Mostram-se presentes os pressupostos de natureza formal, nomeadamente o relativo ao prazo de interposição, uma vez que, como consta da certidão retificativa solicitada ao tribunal recorrido face às dúvidas suscitadas, esta teve lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, em 25.08.2021.

O mesmo não sucede, porém, quanto aos pressupostos substanciais, relativos à “oposição entre os julgados”.

10. O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso de natureza extraordinária que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos dos tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, contribuindo para a realização de objectivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).

Estando em causa a força do caso julgado, que prossegue idênticos objectivos de segurança jurídica, impõe a lei a observância de particulares e exigentes requisitos, prevenindo a sua utilização como mais uma forma de recurso ordinário destinado à reapreciação da decisão de um caso concreto em divergência com outras decisões de outros tribunais, os quais se evidenciam, desde logo, na sua específica regulamentação (assim, nomeadamente, o acórdão de 11.7.2019, proc.  167/16.6GAVZL.C1-A, sumário publicado em https://www.stj.pt/wpcontent/uploads /2020/04/criminal_ sumarios_2019.pdf).

11. Vista a motivação, o que substancialmente está em causa no presente recurso é, na discordância do decidido, uma pretensão de substituição da medida de prisão alternativa por outra menos gravosa (obrigação de permanência na habitação), ou seja, uma finalidade que, por via de recurso, só pode ser prosseguida através de recurso ordinário, que constitui o meio próprio de reação com vista à modificação ou alteração de uma decisão judicial, nos termos dos artigos 399.º e seguintes do CPP.

É o que resulta claramente, para além do mais, das conclusões L, O, Q e JJ do requerimento de recurso.

Sobre os motivos por que recorre, diz o recorrente que “Não pode (…) concordar com esta argumentação e com os fundamentos apresentados” (conclusão L, que se refere à conclusão K, em que transcreve a fundamentação e o dispositivo do acórdão recorrido) e que “(…) não concorda (…) com a decisão recorrida, porquanto o Tribunal de 1ª Instância, salvo o devido respeito que é muito, fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 191.º, 193.º e 204.º, todos do Cód. de Proc. Penal” (conclusão O), invocando a sua “nulidade” (conclusão Q).

E sobre a finalidade pretendida através deste recurso, depois de invocar as circunstâncias de facto do caso que constitui o objeto do processo e de tecer considerações sobre as provas (conclusão R), bem como sobre a aplicação das normas relevantes (conclusões S a Y), conclui o recorrente (conclusão JJ) com o seguinte pedido: “Nestes termos, deve a decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que determine a substituição da medida de prisão preventiva aplicada ao recorrente, por outra menos gravosa, como a obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201.º do Cód. de Proc. Penal, ainda que complementada com a devida vigilância através de meios de controlo à distância e proibição de contactar com a ofendida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”. Repete, para o efeito, argumentos já anteriormente apresentados no recurso perante o Tribunal da Relação, em que questionou a decisão da primeira instância que lhe aplicou a medida de prisão preventiva.

12. Na própria argumentação do recurso, a pretensa «contradição» manifesta-se, pois, não em interpretação divergente das normas que regulam a aplicação das medidas de coação, em particular da prisão preventiva, mas nos resultados da aplicação dessas normas, em particular dos artigos 191.º, 193.º e 204.º do CPP, na verificação do preenchimento dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, que se impõem ao julgador em função das exigências cautelares impostas pelas circunstâncias dos casos concretos.

Em momento algum se alega qualquer controvérsia sobre uma norma jurídica cuja aplicação tenha sido levada a efeito com base em interpretações divergentes, conduzindo, por essa razão, a decisões contraditórias, ou seja, uma situação que, por satisfação dos pressupostos substanciais do recurso de fixação de jurisprudência (supra, 8), se reconduza a uma oposição de julgados.

13. A questão colocada, tal como o recorrente a apresenta, “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica” considera “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, “para ajudar a clarificar e evitar divergências jurisprudenciais”, “tendo em conta os inúmeros processos de violência doméstica que têm chegado aos nossos tribunais”, é a de saber se, no momento da escolha e aplicação das medidas de coação, “para precaver as exigências cautelares no caso da violência doméstica, tipo de ilícito criminal que, por norma, apresenta uma factualidade semelhante de caso para caso, se revela imprescindível a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva ou se, por outro lado, será suficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa, ainda que seja a medida de obrigação de permanência na habituação, que, ainda que restritiva da liberdade, não o faz de forma tão melindrosa que a prisão preventiva” (conclusões Z e HH).

Como acertadamente nota o Senhor Procurador-Geral Adjunto em seu parecer, esta questão “não é uma questão de direito que tenha a ver com uma diferente interpretação da norma jurídica. Pretende o recorrente que o S.T.J. se pronuncie sobre uma questão de facto”.

14. O que está em causa, no acórdão recorrido e no pretenso acórdão fundamento, é o conhecimento, pelos tribunais da Relação, de questões suscitadas pelos recorrentes relativamente a decisões proferidas pelos juízes de instrução que, no âmbito dos seus poderes de apreciação da matéria de facto, aplicaram (ou não) as medidas de coação de prisão preventiva.

Quer num quer noutro caso, como se extrai da longa argumentação que o recorrente transporta para a conclusões, as questões suscitadas nos recursos têm por objeto, em substância, a identificação, seleção e valoração de um conjunto de elementos de facto relevantes para a definição das bases de facto, com intermediação de um juízo normativo sobre a qualificação jurídica dos factos indiciados (tipos de crime e penas aplicáveis), necessários à verificação de uma situação a que corresponde uma consequência jurídica de que resulta a aplicação de uma medida de coação, ou seja, o estabelecimento dos pressupostos de cuja verificação a lei faz depender a aplicação da prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica, em conformidade com as normas processuais aplicáveis inscritas nos artigos 191.º, 192,º, 193.º, 194.º, 195.º, 201.º. 202.º e 204.º do CPP.

15. Não se suscitou, em qualquer dos acórdãos, questão de direito que os tribunais da Relação tenham tido necessidade de resolver e, em consequência, tenham motivado soluções, ou seja, decisões, em relação de contrariedade ou oposição.

As decisões proferidas no acórdão recorrido e no pretenso acórdão fundamento resultaram da aplicação das mesmas normas, com o mesmo sentido de interpretação, que conduziram a decisões distintas, irrelevantes na perspetiva do preenchimento dos pressupostos substanciais de oposição de julgados, que, nos termos do n.º 1 do artigo 437.º do CPP, se constituem em fundamento do recurso para fixação de jurisprudência (supra, 8).

16. Acresce que as situações descritas em ambos os acórdãos, indiciadoras de idêntico tipo de crime de violência doméstica, são diferentes, não havendo uma identidade de facto subjacente à aplicação das normas em questão, em particular no que se refere à formulação do juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade que justificou a aplicação de diferentes medidas de coação. 

Como se vê do texto do acórdão recorrido, a razão fundamental que levou a aplicar a medida de prisão preventiva e a recusar a medida de permanência na habitação encontrou a sua justificação no comportamento e na personalidade do arguido manifestada no facto e em condutas anteriores, que levaram o tribunal a concluir que a medida de prisão preventiva era a única apta a prevenir o perigo de continuação da atividade criminosa que poderia levar o arguido a tirar a vida à ofendida. Lê-se no acórdão: “o arguido têm um problema relacionado com o consumo de bebidas alcoólicas e que implica que o mesmo maltrate física e psicologicamente a sua companheira"; “o arguido deveria na presente fase estar a cumprir um processo de afastamento de consumo de bebidas alcoólicas no âmbito da injunção que foi alvo no processo 50/20......., concretamente acompanhamento psico-terapêutico a ser ministrado e fiscalizado pela DGRSP”; “o arguido não só continua a ingerir com regularidade bebidas alcoólicas, como, por comparação aos factos de que é acusado naquele outro processo, se constata uma evolução em termos de gravidade e de comportamentos adoptados para com a sua companheira, mormente ao nível das ameaças contra a vida e agressões físicas, sem que nem mesmo a presença dos militares da GNR o demoveu”; “há evidentemente um forte perigo de continuação da actividade criminosa, um forte perigo de perturbação do inquérito se o arguido conseguir chegar a fala com a sua companheira e também perigo e perturbação da ordem pública dado que parte dos factos que lhe são imputados ocorreram na via pública sendo o crime em causa gerador de forte comoção social”; “Ainda que se compreenda a posição da defesa e existindo efectivamente uma outra moradia numa localidade afastada ......... e sendo disponibilizados meios de controlo a distância, a personalidade do arguido acabada de enfatizar não permite que este tribunal possa arriscar uma medida de coacção não privativa da liberdade porquanto, e como tem sido notório em casos semelhantes, basta ao arguido uma única e fugaz oportunidade para poder concretizar o mal que vem anunciando a sua companheira, ou seja, tirar-lhe a vida”; “Nestes termos e ao abrigo do disposto dos art 191, 192 193 e 204 al. b) e c) todos do CPP considera-se que a única medida de coacção necessária adequada e proporcional as exigências cautelares que o caso reclama é de prisão preventiva”.

 No acórdão da Relação de Lisboa (proc. 207/18.4PDBRR.L1), não se verificava esta situação de perigo para a vida da vítima, tendo o tribunal considerado que o risco de continuação da actividade criminosa “só se satisfaz com uma medida detentiva, mas não implica a inadequação da medida de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica”, pois que, “se é verdade que esta medida cautelar não tem a eficácia da prisão preventiva, também se poderá considerar que na situação vertente a vigilância e o controlo por meios electrónicos serão suficientes, enquanto medida necessária e adequada para confinar o arguido ao espaço da sua habitação e assim acautelar a probabilidade de envolvimento em novos actos de violência física de idêntica natureza”. Considerou ainda o tribunal que “deverá em todo o caso ser evitada a proximidade e o contacto por qualquer forma com a vítima, para acautelar qualquer possibilidade ocorrência de acontecimentos semelhantes” e que “para este efeito, dada a gravidade dos factos indiciados e os elementos da personalidade do arguido, torna-se imprescindível o controlo à distância por meios electrónicos”,” cumulada com a proibição de contactos com a vítima e de frequência de certos locais”.

Não havendo identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, também, por esta via, não seria possível estabelecer uma comparação que permitisse concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas, o que determinaria a não verificação deste pressuposto do recurso.

17. O que vem de se expor impõe a conclusão de que não estão preenchidos os pressupostos que configuram a oposição de julgados.

Nos termos do disposto no artigo 441.º, n.ºs 1 e 3, do CPP o recurso é rejeitado, em conferência, se o tribunal concluir pela inadmissibilidade ou pela não oposição de julgados.

Quanto a custas e sanção processual

18. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 1 e 5 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Em conformidade com o disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 448.º do CPP, se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.


III. Decisão

19. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar, por não oposição de julgados, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA;

b) Condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 2 UC;

c) Condenar o recorrente no pagamento da importância de 4 UC, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP.


Supremo Tribunal de Justiça, 3 de novembro de 2021.



José Luís Lopes da Mota (relator)


Maria da Conceição Simão Gomes