Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1583/08.2TCSNT.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDO O REQUERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- A. Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, p. 16; Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2.ª edição, 2014, pp. 301/302.
- Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, 2014, p. 150.
- Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 2014, pp. 442, 444/445.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 301.º, 303.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 629.º, N.ºS 1 E 2 A CONTRARIO, 671.º, N.ºS 1, 2 E 3.
CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA – CMR (ASSINADA EM 19-05-1956, EM GENEBRA, APROVADA EM PORTUGAL PELO DL N.º 46 235, DE 18-03-1965, E ENTROU EM VIGOR EM 21-12-1969 – AVISO DA DIRECÇÃO GERAL DOS NEGÓCIOS ECONÓMICOS, DG N.º 129, 2.ª SÉRIE DE 03-06-1970 –, TENDO SIDO OBJECTO DE ALTERAÇÃO ATRAVÉS DO PROTOCOLO DE EMENDA, APROVADO PELO DECRETO N.º 28/88, DE 06-09): - ARTIGO 32.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGOS 5.º E 7.º, N.º 1.
LEI N.º 62/2013, DE 26-08: - ARTIGO 44.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-09-2014, PROC. N.º 630/11.5TBCBR.C1.S1;
-DE 20-11-2014, PROC. N.º 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1;
-DE 08-01-2015, PROC. N.º 129/11.0TCGMR.G1.S1;
-DE 19-02-2015, PROC. N.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1.
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Sumário :
I - O Novo Código de Processo Civil, ao não admitir o recurso para este STJ no caso de dupla conforme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, e não nos fornecendo a lei qualquer definição deste último conceito, que é, afinal, um conceito indeterminado e aberto, obriga o julgador (intérprete), desde logo, a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente.

II - Não se bastando o conceito de fundamentação essencialmente diferente com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.

III - Só pode, pois, considerar-se estarmos perante uma fundamentação essencialmente diferente quando ambas as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final: ou seja, se o acórdão da Relação assentar num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na sentença de 1.ª instância. Ou, dito, ainda de outro modo: quando o acórdão se estribe definitivamente num enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado do perfilhado na 1.ª instância.

IV - Tendo ambas as instâncias tomado idêntica posição quanto à existência da prescrição, com a consequente extinção do direito da autora, não é o facto de 1.ª instância não ter tomado expressa posição sobre a alegada suspensão da prescrição, que afinal não ocorreu, que pode, só por isso, haver em ambas as decisões fundamentação essencialmente diferente.

Decisão Texto Integral:                 
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



AA, S.A. instaurou acção declarativa de condenação, contra BB - Express Portugal, Lda, tendo, subsequentemente, sido admitidos incidentes de intervenção principal provocada e acessória contra CC - Transportes e Logística, Lda[1], DD - Companhia de Seguros, S.A., e EE, S.A., Sucursal em Portugal, pedindo a condenação da ré (e das intervenientes principais) no pagamento da quantia de € 79 642,25, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegando, para tanto e em síntese, que:

- Pagou à ré a quantia de € 1028,50 para que esta procedesse ao transporte de diverso material de cofragem de uma obra em Saragoça, Espanha, para o armazém da empresa FF;

- O transporte devia ter início no dia 24-08-2007, em Saragoça, e términus no dia 27 seguinte, com a entrega do material no armazém da FF em Colaride, Cacém;

- A ré efectuou o transporte pela CC -Transportes e Logística, Lda.;

- No dia 24-08-2007 a CC apresentou no local da obra, em Saragoça, um conjunto transportador composto pelo camião L-… e tractor de matrícula …-…-FT;

- O material foi carregado e preenchida a guia de transporte n.º … e o CMR n.º …;

- No dia 25-08-2007, na Estrada Nacional de Espanha n.º 521, entre Trujillo e Cáceres, onde a velocidade máxima permitida é 40km/h, o conjunto transportador despistou-se (o tacógrafo acusou uma velocidade instantânea de 100km/h), e o material de cofragem ficou espalhado na berma da estrada entre os dias 25-08 e 01-09-2007, perdendo-se parte, e danificando-se outra parte.

- A CC reiniciou o transporte de parte do material no dia 01-09-2007 (CMR n.º …), e entregou-o nas instalações da FF em 03-09-2007, e informou a autora, que tinha a responsabilidade por danos transferida para a DD - Companhia de Seguros, S.A..

- A autora pagou à FF a quantia total de € 79 642,25, relativa ao aluguer do material, ao valor do material perdido, e à reparação e limpeza do material danificado.

- A DD nomeou a GG sua mandatária no processo de sinistro, tendo a autora reclamado o pagamento dos prejuízos sofridos por faxes enviados à GG em 26-10 e em 12-12-2007.

- Por fax enviado em 30-01-2008 a autora informou a DD sobre o estado do sinistro e esta, em carta datada de 28-03-2008, declinou assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos.

- O transportador mesmo que o transporte seja efectuado por terceiro, responde pelos actos e omissões deste.

- O despiste ocorreu por culpa exclusiva do condutor que circulava a 100 km/h num local onde o máximo permitido é 40 km/h.

- Esta conduta é tão imprudente que se presume que o mesmo previu a iminência do acidente e, ainda assim, insistiu no seu comportamento, pelo que a culpa deverá ser-lhe imputada a título doloso.

Citada a ré BB veio a mesma contestar, alegando, além do mais, que o direito de acção prescreveu e que compete, de qualquer modo, à autora comprovar o montante, a natureza e os danos que diz ter sofrido.

Replicou a autora, pugnando pela não verificação da invocada excepção.

Contestou a DD, alegando que a sua responsabilidade está excluída nos termos das Condições Gerais da Apólice.

Contestou a HH fazendo seus os articulados da ré.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, decidiu-se a matéria de facto da base instrutória pela forma que dos autos consta.

Foi proferida a sentença, que decidiu julgar prescrito o direito de acção da autora e absolver as rés do pedido.

Inconformada, veio a autora interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão proferido a fls. 678 a 690, datado de 09-07-2014, foi julgada, sem voto de vencido, improcedente a apelação, confirmando-se a sentença impugnada.

De novo irresignada, veio a mesma autora pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

«I. A autora invocou que no acto de recepção da mercadoria verificou contraditoriamente o seu estado e apresentou reclamação escrita onde formulou reservas a este último, facto que tem o efeito de suspender a contagem do prazo de prescrição do direito de acção.

II. A interveniente DD, S.A. só comunicou que não assumiria a responsabilidade pelos danos peticionados, em 28 de Março de 2008, pelo que, ressalvado o tempo da suspensão, não decorreu mais de um ano entre a data da recepção da mercadoria e a da interposição da acção.

III. A sentença enunciou as questões a resolver a nelas incluiu a da prescrição do direito da autora.

IV. No domínio desta excepção, a sentença apenas resolveu a questão do dolo e ignorou, em absoluto, a relativa à suspensão da contagem do prazo de prescrição do direito de acção.

V. A suspensão da contagem do prazo de prescrição do direito de acção é uma verdadeira questão a resolver pelo tribunal, que não se confunde com a mera argumentação jurídica que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, da solução do pleito, as partes tenham deduzido, e o seu conhecimento não ficou prejudicado pela solução dada na sentença à questão do dolo.

VI. A sentença é nula quando o Juiz deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, o que, manifestamente, se verifica no caso sob recurso, quanto à falta de resolução sobre a questão da suspensão do prazo de prescrição.

VII. A sentença violou, nesta parte, o artigo 608.°, n.°2 do novo CPC (correspondente ao artigo 660°, n° 2 do antigo), o que implica a sua nulidade, nos termos do artigo 615.º, n° 1, al. d) do novo CPC (correspondente ao artigo 668.º, n° 1, al d) do antigo)».

O douto acórdão sob revista produziu a seguinte pronúncia sobre a questão a que se referem estas conclusões:

"Alega a recorrente que a sentença é nula nos termos do art. 615.°, n.° 1, al. c) do novo CPC, art. 668.º, n.º 1, al. d), do revogado, porquanto o Sr. Juiz omitiu pronúncia sobre a alegada suspensão da prescrição, derivada da reclamação escrita que apresentou.

Efectivamente na sentença impugnada não é feita qualquer referência à alegação de suspensão da prescrição, não sendo esta omissão suprida pela declaração da verificação daquela excepção peremptória. A sentença é assim nula, o que não impede este tribunal de proceder à apreciação do mérito do recurso atento o disposto no art. 665.°, n.° 1, do CPC vigente, art. 715.º, n.° 1, do revogado.

Analisando então as questões colocadas à consideração do tribunal diz-se o seguinte...."

Ora, foi a Relação que, pela primeira vez, apreciou a questão objecto da presente revista, ou seja, a suspensão do prazo de prescrição do exercício do direito de acção, invocada pela autora, uma vez que a mesma foi completamente ignorada na douta sentença impugnada na apelação.

Deste modo, a decisão da Relação sobre a mesma questão não é confirmativa de decisão da 1.ª instância sobre esta matéria, dado que esta última nunca existiu.

Assim, o presente recurso não cai no domínio de aplicação do n.º 3 do artigo 671.° do CPC, que pressupõe a existência de uma decisão da 1.ª instância sobre as questões objecto da revista.

Por outro lado, uma vez que o acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, conheceu desfavorável ao recorrente na totalidade do seu valor, conclui-se pela admissibilidade da revista (artigos 671.°, n.°s 1 e 3, "a contrario" e 629.°, n.° 1 do CPC)” (sic).


*


Nas suas contra-alegações, a recorrida BB - Express Portugal, Lda, pugna pela inadmissibilidade da revista interposta, com a seguinte fundamentação:

“(…) II - Da Inadmissibilidade do Recurso - Dupla Conforme

5. A Apelante alega que o poder jurisdicional para apreciar a problemática da suspensão da prescrição não se encontra esgotado, tendo em conta a omissão de pronúncia da primeira instância relativamente a esta questão. A este respeito, cumpre esclarecer o Tribunal relativamente à improcedência dos argumentos apresentados pela Apelante, pelos motivos infra explicitados.

6. O decurso do prazo de prescrição e respectivo modo de contagem não abdica do conhecimento, ainda que indirecto ou implícito, de todo e qualquer evento que, nos termos da lei, possa ser causa de suspensão ou interrupção desse mesmo prazo.

7. Neste sentido, é por demais evidente que a consideração pela primeira instância de que o direito de acção da Apelante se encontrava prescrito ao tempo da propositura da acção, pressupõe necessariamente o conhecimento da alegada causa de suspensão do respectivo prazo de prescrição.

8. Ao declarar o direito de acção da Apelante prescrito, a primeira instância entendeu, ainda que implicitamente, que nenhuma causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição ocorreu, inexistindo a este respeito qualquer motivo que fundamente a omissão de pronúncia pelo primeiro grau jurisdicional relativamente a este tema.

9. Ora, a inexistência de omissão de pronúncia pelo Tribunal de Comarca no que concerne à temática da suspensão do prazo de prescrição, consubstancia uma dupla conformidade das decisões da primeira e segunda instâncias jurisdicionais.

10. Nos termos do artigo 671.° n.° 3 do CPC “(...) não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância (...)”.11. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de Setembro de 2014, duas decisões são fundamentalmente diversas se “(...) forem diversificados os caminhos percorridos por ambas as instâncias até à sua idêntica solução final (...)”. (sublinhado nosso)

12. E ainda, tal como ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15 de Maio de 2014, “(...) a fundamentação é “essencialmente diferente” no caso de os descoincidentes regimes legais aplicados em ambas as decisões à mesma facticidade, muito embora coincidam em denotados pontos das suas racionalidade e lógica expendidos, todavia são vincadamente diferentes na sua significativa e substancial avaliação.”

13. Aplicando a doutrina da jurisprudência maioritária sobre esta matéria ao caso sub judice, resulta claro e evidente que inexiste no presente qualquer fundamentação divergente entre os acórdãos da primeira e segunda instância jurisdicional. Muito pelo contrário. Ambas as instâncias perfilharam a decisão de absolvição total da Apelada do pedido, com fundamento na verificação e procedência da excepção peremptória de prescrição do direito de acção da Apelante.

14. O enquadramento legal atribuído pelas instâncias jurisdicionais relativamente aos factos controvertidos no caso sub judice foi absolutamente coincidente, tendo sido a avaliação de ambos os Tribunais coerentemente idêntica.

15. Em nenhum segmento de ambas as decisões os caminhos percorridos por ambas as instâncias foram substancial ou vincadamente divergentes, tendo pelo contrário sido substancial e vincadamente coincidentes.

16. O simples facto de a primeira instância não se ter debruçado expressa e especificamente sobre o tema da suspensão da prescrição, não significa que não o tenha tomado em consideração. Desde logo, atenta a prejudicialidade e estrita dependência entre as temáticas jurídicas em crise, é evidente que a tomada de posição pela primeira instância relativamente à prescrição do direito da Apelante, pressupõe a improcedência da alegação da suspensão do prazo de prescrição.

17. Pelo que é incontornável a conclusão de que a fundamentação de ambas as instâncias apontou rigorosamente no mesmo sentido, não divergindo nem no essencial nem no acessório, sendo inquestionável a formação de uma dupla conforme em relação ao caso em apreço.

18. Verificada uma situação de dupla conforme, o artigo 671.° n.° 3 do CPC é claro, no que concerne à inadmissibilidade do Recurso de Revista.

19. Sendo este o caso em apreço, dúvidas não restam acerca da inadmissibilidade do presente Recurso, motivo pelo qual ora se pugna pela sua improcedência e correspondente confirmação e definitivo trânsito em julgado da decisão do Tribunal a quo.

20. A inadmissibilidade do Recurso de Revista preclude a possibilidade de o Tribunal ad quem se debruçar sobre as alegações da Apelante, não lhe deixando outra alternativa que não a de confirmar o acórdão do Tribunal a quo...(…)” (sic).


Por despacho do relator, inserto a fls. 795 a 808, de 29-01-2015, decidiu-se não conhecer do objecto do recurso, por se considerar existir dupla conformidade das decisões das instâncias, não ocorrendo uma situação de fundamentação essencialmente diferente.


Nessa sequência, vem a autora pedir, agora, a intervenção da conferência, reclamando da decisão singular do relator – cf. fls. 814 e segs..


Diz a reclamante, em síntese, que tendo a Relação entendido registar-se omissão de pronúncia, na sentença da 1.ª instância, quanto à questão da suspensão da prescrição, dela tendo conhecido, tal conduz a que o respectivo acórdão, sobre essa questão – isto é, da “suspensão da prescrição” –, não é confirmativo da decisão do tribunal de comarca (porquanto a sentença foi declarada nula por omissão de pronúncia quanto a esse ponto).


Respondeu a recorrida BB, pugnando pelo indeferimento da reclamação, argumentando que a questão da omissão de pronúncia da 1.ª instância, face ao tema da suspensão da prescrição, é absolutamente irrelevante, pois não é em torno deste que se deverá aferir, isoladamente, da unanimidade dos julgados, mas sim em torno do tema da prescrição, tendo ambas as instâncias sufragado o mesmo entendimento.


*


Compete, pois, a esta conferência indagar da admissibilidade do recurso de revista, perante o circunstancialismo supra enunciado.

Adiantando-se, desde já, que se sufraga, sem reservas, a decisão singular do relator, a qual iremos acompanhar nas seguintes considerações de muito perto.


A autora recorreu do Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 09-07-2014, no qual, sem qualquer voto de vencido, foi confirmado o teor da sentença da 1.ª instância proferida no pretérito dia 09-10-2013 – cf. fls. 571 a 602.


Atendendo a que a acção foi proposta após 1-1-2008[2], com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil - doravante, NCPC[3] - aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, em 01-09-2013, decorre dos seus arts 5.º e 7.º, n.º 1 (este, a contrario), que sendo a decisão proferida no domínio do mesmo, aplica-se-lhe o novo regime recursivo.[4]


Não obstante a hipótese figurada nos autos não integrar nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível – art. 629.º, n.º 2, a contrario - os valores da causa e da sucumbência não constituem óbice à admissibilidade do recurso – arts. 629.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08[5] –, acrescendo que o acórdão conheceu do mérito da causa – art. 671.º, n.ºs 1 e 2 –, sendo, por isso e em abstracto, recorrível.


Sucedendo, porém, como se consignou, que o acórdão recorrido confirmou a sentença da 1.ª Instância.


Perante tal circunstancialismo, importa sopesar a norma vertida no n.º 3 do art. 671.º: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte” (sublinhado nosso).[6]


A admissibilidade da revista dependerá, pois, do juízo que se faça sobre a fundamentação da sentença da 1.ª instância e do acórdão confirmatório da Relação: se se entender que a fundamentação do segundo não é essencialmente diversa da decisão da 1.ª instância, a revista não poderá ser admitida; se se considerar, pelo contrário, que aquela fundamentação é essencialmente diferente, a revista será de admitir.


A lei processual civil vigente não nos fornece qualquer definição de fundamentação essencialmente diferente. Constitui, pois, um conceito jurídico indeterminado e em aberto.


Na doutrina, destacamos a lição de Abrantes Geraldes, o qual, ao pronunciar-se sobre o conceito de dupla conforme, no âmbito do NCPC de 2013, expende:

“Na sua versão inicial introduzida em 2007, a verificação de uma situação de dupla conforme era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: existia dupla conforme quando a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância./ Com o NCPC foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação tenha empregado fundamentação essencialmente diferente para a confirmação da decisão da 1.ª instância./ No horizonte desta modificação legal estiveram as situações, ainda que pouco frequentes, em que a confirmação da decisão da 1.ª instância se processa a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que uma determinada qualificação contratual se sucede uma outra distinta que implica um diverso enquadramento jurídico. Outrossim quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo confirmada pela Relação, mas ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou das normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato. Ou quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou. Ou, ainda, quando a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção”. E prossegue, mais adiante: “A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido”. [7]


Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro escrevem, na senda daquele autor: “Não basta que a fundamentação da decisão da Relação seja diferente. Para que a revista seja normalmente admissível, é necessário que a fundamentação apresentada pelas instâncias seja essencialmente diferente. Poder-se-ia dizer, numa primeira delimitação deste conceito indeterminado, que não existe dupla conforme quando, sendo a acção procedente, as decisões concordantes das instâncias assentaram no reconhecimento de diferentes direitos subjectivos ou no reconhecimento da relevância de diferentes fundamentos para o surgimento de um mesmo tipo de direito subjectivo; naufragando a demanda, as decisões assentaram na procedência de diferentes excepções legalmente tipificadas ou no reconhecimento da relevância de diferentes fundamentos para uma mesma excepção típica”.[8]


Por fim, Rui Pinto afirma que “a desconformidade de fundamentos não tem valia em si mesma, mas enquanto causa lógica-jurídica de desconformidade de decisão: se os fundamentos mudam, mas não muda a decisão, há dupla conforme; mas se os fundamentos mudam e muda a qualidade do efeito material da decisão, em bom rigor há uma nova decisão, mesmo que se mantenha formalmente idêntica”.[9]


A jurisprudência do STJ, sobre esta temática tem ido ao encontro da doutrina exposta, podendo salientar-se variadíssimos arestos, publicados em texto integral no sítio www.dgsi.pt., dos quais destacamos os seguintes:

- Acórdão de 18-09-2014[10]: “Estamos perante duas decisões com fundamentação diferente se forem diversificados os caminhos percorridos por ambas até à sua idêntica solução final./Reporta-se esta realidade jurisdicional à circunstância de o julgador, ponderando o universo normativo da legislação compreendida no sistema jurídico a que recorre, ter ido buscar distinto regime jurídico daquele que foi o seleccionado pelo outro Juiz./Tomando os factos aos quais vai aplicar a lei, o Juiz fundamenta diferentemente a sua decisão quando, comparando-a com outra que lhe foi aplicada, entende e demonstra que, em tal caso concreto, é outra a expressiva prescrição legal que o legislador ajustou, abstracta e genericamente, para a colectividade a quem se dirige./A fundamentação é essencialmente diferente no caso de os descoincidentes regimes legais aplicados em ambas as decisões à mesma facticidade, muito embora coincidam em denotados pontos das suas racionalidade e lógica expendidos, todavia são vincadamente diferentes na sua significativa e substancial avaliação”.

- Acórdão de 20-11-2014[11],: “(…) Com o NCPC o regime restritivo deixa de se aplicar quando a Relação empregue para a confirmação da decisão da 1ª instância fundamentação essencialmente diferente (art. 671.º, n.º 3)./Efectivamente, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, o facto de as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é revelador de uma cisão que deve permitir, nos termos gerais, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de invocar alguma das situações típicas da revista excepcional. Intervenção, aliás, justificada pela missão que é especialmente atribuída ao Supremo no campo da identificação, interpretação e aplicação do regime jurídico ajustado aos casos./O quotidiano forense é susceptível de nos revelar diversas situações que impedem a verificação de uma situação de dupla conforme com aquele motivo./Assim ocorre designadamente: - Quando, depois de a 1ª instância assumir uma determinada qualificação contratual, a Relação adopte uma outra distinta ou envolva a decisão num enquadramento jurídico substancialmente diverso; - Quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo a decisão confirmada ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou de normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato; - Quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou; - Ou ainda, nos casos em que a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção./Em cada uma destas situações que nos limitámos a exemplificar, posto que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso seguido acaba por infirmar as razões que levaram o legislador de 2007 a restringir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, justificando que, nos termos gerais, a parte vencida suscite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional que tem a primazia na aplicação do direito”.

- Acórdão do STJ, de 08-01-2015[12],: “Ao eleger a fundamentação essencialmente diferente como óbice à verificação da dupla conforme o legislador teve em vista os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª Instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª Instância, o que equivale por dizer que irrelevam uma eventual modificação da decisão de facto efectuada nesta última sede, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera adição de fundamentos”.

- Acórdão do STJ, de 19-02-2015[13]: “1. A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios – distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente. 2. Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. 3. Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância”.


Pois bem, como se escreveu na decisão (individual) reclamada, “(…) Regressando ao caso concreto regista-se que a 1.ª Instância, na sequência da exposição do regime jurídico aplicável à situação fáctica provada [designadamente a Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada – CMR], exarou na sentença – págs. 30/31, a fls. 600/601 –, após concluir pela culpa do condutor do veículo de transporte de mercadorias e pela adequação do seu comportamento à produção do sinistro, o seguinte: “(…) Sucede que a mercadoria foi entregue no destinatário em Setembro de 2007 e a presente acção deu entrada em juízo no dia 29 de Dezembro de 2008./ O artigo 32.º da Convenção CMR dispõe o seguinte: “As acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos em caso de dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado: a) A partir do dia em que a mercadoria foi entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora; b) (…)”./ Dos factos provados não se retira que o comportamento do motorista possa ser qualificado como doloso pois não se apurou a intenção do motorista da viatura em causar o acidente e com tal provocar danos na mercadoria. O dolo respeita ao elemento subjectivo do facto, ou seja, à culpabilidade, pelo que o facto sobre o qual recai o dolo é a intenção do agente de provocar danos na carga da Autora. Para apreciar a conduta do motorista em termos de dolo, aquando do acidente da viatura, não basta retirar uma mera ilação a partir do desrespeito da regulamentação vigente em Espanha (local do acidente) equivalente ao nosso Código da Estrada. A hipótese de o condutor ter agido com dolo não é verosímil, desde logo porque o motorista seguia dentro da viatura e, havendo acidente, com consequências evidentemente incontroláveis, se o mesmo for premeditado, dificilmente o agente poderia assegurar-se que não sofreria consequências pessoais, que poderiam ser muito graves. Assim, admitir-se que o motorista previu e quis que o acidente ocorresse, seria, no mínimo, aceitar que aquele agente conformou-se com a possibilidade de ser ver envolvido em acidente que poderia ser mortal, ainda para mais, com o intuito de danificar a mercadoria da Autora. Não se apuraram, em sede de julgamento, quaisquer factos (mesmo instrumentais) constitutivos de uma qualquer razão para que o motorista quisesse sofrer o acidente ou que pretendesse causar qualquer dano na mercadoria pertencente à Autora./ Assim, deve-se considerar como censurável a condução do motorista mas, necessariamente, a título de negligência pelo que, tratando-se de uma conduta negligente, não poderá a Autora beneficiar do afastamento da limitação de responsabilidade que ocorre quando o evento é doloso, por força da previsão do artigo 32.º da Convenção CMR, na parte que alarga aquela exclusão à “falta que a lei da jurisdição a que recorreu considere equivalente ao dolo”./ Não se concluindo pelo comportamento doloso do motorista, é aplicável o prazo de prescrição de um ano, o qual se encontrava já esgotado na data de interposição da presente acção./ Pelo exposto, absolvem-se as Rés do pedido por estar prescrito o direito de acção, por força do disposto no artigo 32.º da Convenção CMR considerando-se prejudicada a apreciação das demais questões jurídicas em análise” (sic).


Por seu turno, no Acórdão recorrido, efectuou-se o mesmíssimo enquadramento jurídico da situação, subsumindo a factualidade apurada aos quadros da Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada – CMR, tendo-se concluído, outrossim, que a recorrente não alegou a factos atinentes ao dolo eventual – cf. págs. 8 a 11, fls. 685 a 688 –, acrescentando-se, relativamente, à sentença da 1ª instância, de forma expressa, que não se registou qualquer suspensão da prescrição, porquanto “a reclamação tem que ser dirigida contra o transportador e não contra a gestora do processo, como se depreende do texto do art. 32.º, n.º 2, da CMR que estipula que a reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeite por escrito a reclamação e restitua os documentos”.


Não obstante a fundamentação do Acórdão é precisamente a mesma que foi sufragada na sentença: a verificação da prescrição do direito da autora.

Harmonicamente, conclui-se no aresto sindicado: “A sentença impugnada não merece qualquer censura./As conclusões da recorrente improcedem na totalidade”, tendo consignado, no segmento decisório: “Considerando o que se acaba de expor julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença impugnada” – cf. pág. 13, a fls. 690.


Sintetizadas as fundamentações da sentença da 1.ª instância e do Acórdão da Relação de Lisboa, que a confirmou, e tendo presentes os contornos delineados a respeito do conceito de “fundamentação essencialmente diferente”, resulta claro que não foi sufragada na Relação qualquer tipo de fundamentação divergente, muito menos essencialmente diferente, que permita à recorrente interpor a revista, pela singela razão que o quadro fáctico-jurídico ponderado nas decisões é o mesmo, sem qualquer tipo de inflexão de entendimento entre uma e outra das deliberações.


Com efeito, reitera-se, em ambas as decisões foi efectuado o enquadramento jurídico da pretensão da autora/recorrente ao abrigo da Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada – CMR [14], sendo certo que não é pelo facto de a Relação ter concluído pela não suspensão do prazo prescricional, previsto no art. 32.º da Convenção CMR, que se pode concluir que há um fundamento “essencialmente diferente” que abra a possibilidade de recurso de revista.


Dito de outro modo, do que ficou dito para a caracterização do que deve entender-se por “fundamentação essencialmente diferente”, é ostensivo que a recorrente não exibe um núcleo fundante divergente ou não coincidente nas duas decisões e que se foca, precisamente, na excepção peremptória de prescrição do direito de acção da autora/apelante.


A prescrição, como se sabe, não sendo de conhecimento oficioso, deve ser invocada nos articulados, sob pena de preclusão, regendo-se pelo princípio do dispositivo, pelo que deve ser apreciada perante os fundamentos invocados pela parte que a suscita. É, por isso, um instituto que aproveita àquele que dela possa tirar proveito, e tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, sendo concedido essencialmente no interesse do devedor – cf. arts. 301.º e 303.º do Código Civil.


Acresce que o facto de a 1.ª instância não se ter debruçado, expressa e especificamente, sobre o tema da suspensão da prescrição, não significa que daí decorra uma diversidade de entendimento entre as instâncias, na medida em que a tomada de posição quanto à verificação da prescrição – totalmente idêntica em ambas as instâncias – absorve a questão (secundária) da sua eventual suspensão.


Mais. O decurso do prazo de prescrição e respectivo modo de contagem não abdica do conhecimento, ainda que indirecto ou implícito, de todo e qualquer evento que, nos termos

Contrariamente à interpretação empreendida pela recorrente, em abono da tese do recebimento do recurso de revista, a Relação, ao assumir inequivocamente a concordância com o julgamento da matéria de facto da 1.ª instância, é de molde a não deixar qualquer dúvida sobre a unanimidade do julgado; por outro lado, tanto a decisão da 1.ª instância, como a recorrida, de improcedência da acção, centram-se na verificação do instituto da prescrição. Nada mais.

Aliás, mesmo que, por hipótese, se ponderasse existir, in casu, uma variação de fundamentos decisórios nas duas decisões, jamais se estaria perante uma variação essencial dos fundamentos, mas, quando muito, perante uma diferença não essencial.


Por tudo quanto fica exposto, considera-se que, por existir dupla conformidade das decisões, não é admissível o recurso de revista interposto por AA, S.A., decidindo-se, em consonância, não conhecer o objecto do indicado recurso de revista, julgando-o findo” (sic).


A fundamentação que se reproduz, e à qual aderimos sem reservas, não oferece quaisquer dúvidas. Reitera-se: a exigência legal de que ocorra no acórdão recorrido uma fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta aquele acórdão, sendo indispensável que ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diversa, no plano da subsunção ou enquadramento normativo da matéria litigiosa, adoptada no acórdão proferido pela Relação relativamente à sentença da 1.ª instância.


Por isso a lei fala em fundamentação essencialmente diferente e não apenas em fundamentação diferente, sendo o caso em tela paradigmático dessa situação.


Como se escreveu no já citado Acórdão do STJ, de 19-02-2015, o actual regime normativo, vertido no NCPC (2013) “destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância” (sic).


Isto dito, reitera-se, não é pelo facto da Relação ter entendido registar-se omissão de pronúncia, na sentença da 1.ª instância, quanto à questão da suspensão da prescrição, dela tendo conhecido, que se pode retirar qualquer conclusão válida quanto à fundamentação essencialmente diferente de uma e outra das decisões.


Salvo o devido respeito, a questão da omissão de pronúncia da 1.ª instância, relativamente ao tema da suspensão da prescrição, é irrelevante, pois não é em torno dessa questão que se deverá aferir, isoladamente, da unanimidade dos julgados, mas sim precisamente em torno do tema da prescrição, tendo ambas as instâncias sufragado o mesmíssimo entendimento, designadamente ao afastar o dolo eventual.


Como tal, movendo-se ambas as decisões no âmbito do regime da Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada – CMR e da prescrição do direito da autora, não é pelo facto de a Relação ter estimado que não se regista suspensão do prazo prescricional, previsto no art. 32.º da Convenção CMR – questão jurídica que, na verdade, não foi abertamente abordada na sentença, conduzindo a que o acórdão recorrido decidisse que a mesma, nessa questão, omitira a pronúncia –, que se pode concluir que há um fundamento “essencialmente diferente” que abra a possibilidade de recurso de revista.


Com efeito, em nenhum dos segmentos das decisões são percorridos caminhos substancial ou essencialmente diferentes, tendo ambas as instâncias convergido no enquadramento jurídico do pleito, mormente porque, como acentuado na decisão do relator, a circunstância de a 1.ª instância não se ter debruçado, de modo expresso e especificado, sobre o tema da suspensão da prescrição, não exprime uma diversidade de entendimento entre as instâncias, na medida em que a tomada de posição quanto à verificação da prescrição – totalmente idêntica em ambas as instâncias – absorve a questão (secundária) da sua eventual suspensão.


*


Face a todo o exposto, acorda-se, em conferência, neste Supremo Tribunal de Justiça em se indeferir a presente reclamação, confirmando-se o despacho reclamado de não conhecimento do objecto da revista.

Custas pela autora/reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.


Lisboa, 30 de Abril, 2015


Serra Baptista (Relator)

Fernando Bento

João Trindade

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[1] Por despacho de fls. 282/283, foi declarada extinta a instância contra a sociedade TIRCENTRO – Transportes e Logística, Lda., por inutilidade superveniente da lide, em virtude da sua declaração de insolvência (cf. fls. 258/266).
[2] A acção foi intentada em 29-12-2008.
[3] Sendo dele todas as disposições a seguir citadas sem outra menção.

[4] A. Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, p. 16
[5] Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 e a dos tribunais de primeira instância é de € 5000.
[6] O art. 672.º do NCPC reporta-se às situações de revista excepcional, que aqui não importa considerar.
[7] Ob. cit, 2.ª edição, 2014, págs. 301/302.
[8] Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, 2014, pág. 150.
[9] Notas ao Código de Processo Civil, 2014, págs. 444/445. O mesmo autor concretiza: “Daqui resulta que os requisitos centrais da dupla conforme são a conformidade decisória e a conformidade de fundamentação – a ausência de variação essencial de fundamentos, i.e., a fundamentação ser idêntica ou ser diferente mas de modo não essencial” (op. cit., cf. pág. 442).
[10] Cons. Silva Gonçalves, Proc. nº 630/11.5TBCBR.C1.S1.
[11] Cons. A. Geraldes, Proc. n.º 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1.
[12] Cons. João Trindade, Proc. n.º 129/11.0TCGMR.G1.S1.
[13] Cons. Lopes do Rego, Proc. n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1.
[14] A CMR foi assinada em 19-05-1956, em Genebra, aprovada em Portugal pelo DL n.º 46 235, de 18-03-1965, e entrou em vigor em 21-12-1969 – Aviso da Direcção Geral dos Negócios Económicos, DG n.º 129, 2.ª Série de 03-06-1970 –, tendo sido objecto de alteração através do Protocolo de Emenda, aprovado pelo Decreto n.º 28/88, de 06-09.