Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª. SECÇÃO | ||
Relator: | RIBEIRO CARDOSO | ||
Descritores: | DENÚNCIA DO CONTRATO PELO TRABALHADOR INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 09/29/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR / DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO. DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO. | ||
Doutrina: | - Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111. - M. Brito, “Código Civil” Anotado, 1.º, 278 - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, 421. - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 2.ª ed., 207 e 208. - Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 247. - Vaz Serra, na R.L.J., 111.º, 249 e 220. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º3, 639.º, N.º1, 663.º, N.º2. CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 338.º, 340.º, AL. H), 400.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 5/4/89, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/95, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/91, IN B.M.J. 403.º/382. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: -DE 7/3/85, IN BMJ, 347º/477. | ||
Sumário : | 1 - A declaração de denúncia, enquanto manifestação de vontade, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, recorrendo, se necessário, às circunstâncias e aos factos, conhecidos ou que o declaratário deveria ter conhecido de harmonia com a boa fé, anteriores, contemporâneos ou posteriores, que rodearam essa declaração. 2 – Exercendo o trabalhador, para além das funções específicas correspondentes à categoria de administrativo, também as denominadas “CC”, a carta que dirigiu à entidade empregadora em que solicita a exoneração das funções de assistente comercial “CC”, referindo ainda “sei que dei, e continuarei a dar, sempre o meu melhor por esta instituição, em qualquer que seja a função ou agência em que possa ser mais útil”, não pode ser entendida como de denúncia do contrato, mas apenas como manifestação de vontade de deixar de exercer as funções “CC”. 3 – Se em resposta àquela missiva a entidade empregadora comunica que a pretensão do A. conduz à extinção do seu contrato de trabalho por caducidade e informa que o contrato caduca com efeitos a 1 de dezembro e após essa data não permite que o trabalhador retome as suas funções, configura-se um despedimento ilícito. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])
1 - RELATÓRIO AA intentou a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra a BANCO BB, S.A., pedindo a condenação desta: - A reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a mesma antiguidade, categoria profissional, retribuição e demais regalias de que era titular à data do despedimento; - A pagar-lhe todas as remunerações vencidas e as que se vencerem desde a data do despedimento até à sua efetiva reintegração; - A pagar-lhe a quantia necessária à reparação de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que venha a sofrer em consequência do despedimento, a liquidar em execução de sentença; - A pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde o vencimento de cada uma até efetivo pagamento, a liquidar em execução de sentença. Como fundamento alegou ter sido admitido ao serviço da Ré em 19 de outubro de 2009 (inicialmente através de contrato de trabalho a termo certo e a partir de 19 de abril de 2010, mediante contrato de trabalho sem termo) com a categoria profissional de administrativo, tendo sido posteriormente incumbido pela Ré de exercer as funções correspondentes a uma nova área de atividade denominada CC. Em agosto de 2013, enviou à Ré (através do seu superior hierárquico) uma carta, solicitando a afetação às funções tradicionalmente correspondentes à sua categoria de administrativo. Dias depois foi questionado sobre a concreta pretensão exposta na referida carta e aconselhado a escrever nova carta com a formulação da sua pretensão com clareza, o que fez, escrevendo e entregando ao seu superior hierárquico nova carta na qual afirmava não se recusar a exercer funções e não pretender desvincular-se da Ré. A Ré não respondeu às suas cartas mas no dia 29 de novembro de 2013, a comunicou-lhe, por carta, a caducidade do contrato. O requerente apresentou-se ao serviço tendo sido impedido de exercer funções, tendo, assim, sido ilicitamente despedido.
Realizada a audiência de partes, cuja conciliação se frustrou, a R. contestou, por impugnação motivada, alegando que o A. foi admitido com a categoria de administrativo, na qual sempre esteve classificado. Esteve colocado na agência de ... desde 05.04.20111 e nessa agência, a partir de 01.01.2012, foram-lhe atribuídas tarefas e CC, que estão integradas funcionalmente na segmentação de tarefas previstas para a categoria de Administrativo. A carta que o Autor lhe dirigiu, datada de 12.08.2013, apenas deu entrada na Região de ... em 10.09.2013. A carta que o A. lhe dirigiu em 2.10.2013, na qual afirmava “anular o pedido de exoneração de funções anteriormente entregue”, não foi por si considerada porquanto o A. não apresentou qualquer argumento do qual se pudesse extrair que deixavam de se verificar os fundamentos apresentados na sua carta inicial e por, em reunião ocorrida da Direção de Pessoal, em 29.11.2013, o mesmo ter reiterado todo o teor da sua carta inicial. Após a reunião respondeu por carta às missivas do A., comunicando-lhe a caducidade do contrato de trabalho. O Autor foi impedido de exercer funções por já lhe haver sido comunicada a cessação do contrato de trabalho. Na reunião de 29.11.2013 foi o Autor questionado sobre o que pretendia fazer na BANCO BB e foi esclarecido relativamente ao conteúdo das funções de administrativo. O A. mostrou-se indisponível para exercer as funções que vinha exercendo, colocando em causa a reciprocidade do vínculo laboral, pelo que se verificou impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de a R. receber o trabalho do A., o que determina a cessação do contrato por caducidade.
Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos.
Inconformado, apelou o Autor, tendo sido proferida a seguinte deliberação: «Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré a reintegrar o autor ao seu serviço, nos termos acima referidos, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa legal; importâncias aquelas a que se deduzirão, se for o caso, as verbas acima referidas.»
Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição de todos os pedidos formulados na presente ação.
O A. contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.
Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e consequente confirmação do acórdão recorrido, o qual não mereceu resposta das partes.
Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “1. O douto acórdão considerou que nos presentes autos não se tratava de um caso de denúncia mas, ao invés, de um despedimento ilícito, visto não ter ocorrido quer justa causa, nem ter sido instaurado procedimento disciplinar, afastando-se assim do entendimento decidido pelo Tribunal da 1.ª Instância. 2. A Recorrente discorda de tal entendimento, pois, embora reconhecendo alguma ambiguidade na carta do Autor, insiste que da mesma se extrai a vontade clara do ora Recorrido cessar a prestação do seu trabalho para a Recorrente. 3. Salvo o devido respeito, que é, aliás, muitíssimo, o douto Acórdão recorrido fez uma errada aplicação do direito aos factos provados. 4. Embora a Recorrente reconheça alguma ambiguidade na carta de Agosto de 2013 do Autor, ora Recorrido, insiste que da mesma se extrai a vontade clara do ora Recorrido cessar a prestação do seu trabalho para a Recorrente. 5. Em face de tal carta, a Recorrente concluiu verificar-se a caducidade do contrato por impossibilidade superveniente e absoluta de o Recorrido prestar o seu trabalho, já que o mesmo, segundo afirmava, não o pretendia fazer. 6. Noutro sentido, a Meritíssima Juiz da 1.ª Instância entendeu que, considerando os princípios emergentes do artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, o conteúdo da declaração de vontade do Recorrido constante da carta datada de Agosto de 2013 se traduz numa vontade de fazer cessar o próprio contrato de trabalho. 7. Acresce ainda que nos autos há outros elementos que auxiliam a interpretação do sentido da declaração do Recorrido e que, salvo o devido respeito, não foram devidamente ponderados no douto Acórdão recorrido. 8. A carta que o Recorrido remeteu à Recorrente a 2 de Outubro de 2013 não pode deixar de configurar verdadeiramente uma manifestação do direito ao arrependimento, ou seja, uma revogação da denúncia prevista nos termos do art.º 402.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a qual se revela manifestamente extemporânea. 9. Desta segunda carta pode extrair-se, também, um outro dado relevante. É que o Recorrido manifestamente reconhece que a carta que apresentara em Agosto continha "(...) um pedido de exoneração de funções (...)", pois, a redacção daquela carta é inequívoca. Aí escreve o Recorrido: "Serve a presente para anular o pedido de exoneração de funções anteriormente entregue." Cfr. Doc. 5 junto com a contestação. 10. A redacção desta carta, que é do pulso do próprio Recorrido, é um auxiliar muito importante na interpretação da carta de Agosto de 2013, permitindo concluir que, nesta outra carta - a de Agosto de 2013 - o Recorrido pretendia, efectivamente, exonerar‑se das suas funções, ou seja, denunciar o contrato de trabalho que o ligava à Recorrente. 11. Em suma, os elementos disponíveis para a interpretação da declaração negocial do Recorrido apontam, ao contrário do que concluiu o douto Acórdão recorrido, para uma manifestação de vontade do Recorrido no sentido de fazer cessar unilateralmente, o contrato de trabalho que o ligou à Recorrente. 12. Pelo acima exposto, deverá o douto Acórdão recorrido que julgou a ilicitude do despedimento, ser revogado e substituído por outra decisão judicial que absolva totalmente a ora Recorrente de todos os pedidos formulados na presente acção. 13. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido, designadamente, o disposto no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil e nos artigos 400.º e ss. do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.”
2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO Os presentes autos respeitam a ação de processo comum e foram instaurados no dia 9 de Dezembro de 2013. O acórdão recorrido foi proferido em 6 de abril de 2016. O contrato cessou em dezembro de 2013. É assim aplicável o Código de Processo Civil (CPC) na versão atual, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. É também aplicável o Código de Processo do Trabalho (CPT), atual, que resultou da revisão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro. É ainda aplicável o Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro.
3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se o A. denunciou o contrato.
4 - FUNDAMENTAÇÃO 4.1 - OS FACTOS Foram os seguintes os factos julgados provados pelas instâncias: “1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em regime de estágio, em 25 de Maio de 2009. 2. Em 19 de Outubro de 2009, o Autor celebrou com a Ré “contrato de trabalho a termo”. 3. Em 19 de Outubro de 2010, o Autor celebrou com a Ré “contrato de trabalho sem termo”. 4. Desde a data da sua admissão, o Autor sempre esteve classificado com a categoria profissional de Administrativo. 5. Quando o Autor foi colocado na Agência de ... da Ré, em data não concretamente apurada de 2011, foi incumbido pela Ré, em data não concretamente apurada mas posterior à respectiva colocação, de exercer nessa agência, a par das tarefas gerais que lhe estavam atribuídas, nomeadamente atendimento ao público, também as tarefas/funções denominadas “CC”. 6. Em Julho de 2012, o Autor foi transferido pela Ré para a agência da ..., onde continuou a exercer, a par das tarefas gerais que lhe estavam atribuídas, nomeadamente as de atendimento ao público, também as tarefas/funções denominadas “CC”. 7. Em Agosto de 2013, após um período de férias, o Autor regressou ao serviço e entregou ao seu superior hierárquico (gerente da Agência) a carta cuja cópia se encontra a fls. 15 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido. 8. Dias antes da entrega da carta referida em 7 ao gerente da agência e por este se encontrar de férias, o Autor deu-a a ler à subgerente da agência DD, à qual comunicou que não valia a pena esta tecer qualquer consideração quanto ao conteúdo da carta porque já tinha tomado uma decisão quanto ao seu futuro. 9. Dias depois de o Autor ter entregue a carta referida em 7 ao gerente da agência, EE, este questionou o Autor sobre o sentido da sua pretensão. 10. O gerente da agência, EE, sugeriu ao Autor que escrevesse uma carta clarificando a sua pretensão. 11. O gerente da agência, EE, veio a remeter a carta do Autor para a Direcção da Região de ... da Ré, onde deu entrada em 10 de Setembro de 2013. 12. O Autor subscreveu, em 2 de Outubro de 2013, a carta manuscrita cuja cópia se encontra a fls. 51 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido. 13. A Direcção de Pessoal da Ré (DEP) convocou o Autor para reunião, que ocorreu em 29.11.2013, onde estiveram presentes o Director Central da DPE (FF), o Director da DPL (GG) e uma directora da DPE, no âmbito da qual foi abordado o teor da carta escrita pelo Autor e lhe foi comunicada pela Ré a inexistência de outras funções para lhe atribuir. 14. Na reunião o autor reiterou as razões que invocara na carta de Agosto de 2013, no sentido de se sentir insatisfeito com as funções que vinha exercendo, pelas quais se não sentia suficientemente compensado, tendo em conta o prolongamento dos horários que as funções lhe exigiam, os cortes no salário (decorrentes das leis do Orçamento do Estado) e a impossibilidade de poder continuar a estudar (alterado pela Relação). 15. No decurso da reunião foi comunicado pela Ré ao Autor que se não queria exercer as funções correspondentes à sua categoria estava a pôr em causa a relação contratual existente e que em função da posição manifestada na carta e que ali havia mantido, aceitariam a saída dele da Ré. 16. Após a finalização da reunião e por carta datada de 29 de Novembro de 2013, cuja cópia se encontra a fls. 16 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, a Ré comunicou ao Autor a “caducidade do contrato de trabalho”. 17. Entre o momento referido em 7 e a comunicação referida em 16, o Autor manteve-se ao serviço da Ré, exercendo as tarefas/funções que vinha exercendo, nomeadamente as denominadas “CC”. 18. Após a recepção da carta referida em 16 (sexta-feira), o Autor, por sugestão do Sindicato, apresentou-se na segunda-feira ao serviço, na Agência da ..., com o propósito de reiniciar funções, tendo-lhe sido comunicado pela Gerência ter instruções para não lhe permitir o exercício das mesmas. 19. O Autor desde a sua admissão manteve sempre a categoria de Administrativo, exercendo sempre funções correspondentes a esta categoria, cujo conteúdo funcional corresponde, na definição do AE: “Administrativo – É o trabalhador que realiza actividades de carácter administrativo operativo ou comercial, sob orientação superior. Pode supervisionar o trabalho de empregados de categoria igual ou inferior.”. 20. As tarefas/funções denominadas “CC” são exercidas pelos trabalhadores com categoria de administrativo e correspondem ao acompanhamento mais personalizado de uma carteira de clientes (entre 300 a 500 clientes). 21. O acompanhamento mais personalizado a efectuar pelo Administrativo com as denominadas funções CC é efectuado através do contacto com os clientes que integram a carteira que lhe está afecta essencialmente quando surgem campanhas de produtos financeiros ou não financeiros que a Ré pretende comercializar. 22. Tais funções de acompanhamento da carteira de clientes são exercidas habitualmente após o términus do atendimento ao público, que decorre entre a abertura e o fecho da agência ao público, e apenas quando as tarefas gerais relacionadas com o atendimento ao público o permitem. 23. A função “CC” surgiu na estrutura funcional da Ré, tal como na de outras instituições financeiras, para segmentar a clientela. 24. A função “CC” corresponde a uma distribuição de tarefas que integra as funções dos trabalhadores administrativos e que tem como objectivo a segmentação de clientes, por grau de importância do ponto de vista comercial, com o propósito de um acompanhamento personalizado. 25. A par das funções “CC”, o Autor, tal como todos os trabalhadores da Ré afectos a tais funções/tarefas, desempenhava as funções de atendimento geral do público, no âmbito das quais atendia indiferenciadamente todos os clientes (pertencentes ou não à carteira que lhe estava afecta) e junto dos quais poderia igualmente promover a venda de produtos. 26. Nos meses de Novembro e Dezembro de 2012 o Autor auferiu as quantias discriminadas nos documentos de fls. 47 e 48 dos autos, a título de horas extraordinárias, e no mês de Setembro de 2012 recebeu abono para falhas. 27. O Autor é sócio do STEC – Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo BANCO BB.”
4.2 - O DIREITO Vejamos então a referida questão que constitui o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([3]).
4.2.1 – Se o A. denunciou o contrato Não oferece dúvida que o contrato não foi resolvido com invocação de justa causa quer pela entidade empregadora quer pelo trabalhador. O cerne da questão consiste em saber se o contrato cessou por despedimento, sem justa causa, por iniciativa da recorrente, como invoca o A. e foi reconhecido pela Relação, se por denúncia do trabalhador como defendido pela recorrente e decidido pela 1ª instância. O art. 338º do CT proíbe os despedimentos sem justa causa. Nos termos dos arts. 340º, al. h) e 400º do CT o contrato de trabalho pode cessar por denúncia pelo trabalhador independentemente de justa causa. Estipula o nº 1 do art. 400º que a denúncia deve ser feita mediante comunicação escrita ao empregador, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante tenha até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade. A declaração de denúncia, enquanto manifestação de vontade, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236º do CC) ([4]), recorrendo-se, se necessário, às circunstâncias e aos factos que rodearam essa declaração ([5]). “A regra estabelecida no nº 1 [do art. 236º do CC] é esta: o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou de o declaratário conhecer a vontade real de declarante (n.º 2). (…) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real de declarante ([6]). “A boa fé obriga o declaratório a procurar entender a declaração como o faria um declaratório normal, colocado na sua situação concreta, atendendo, por isso, às circunstâncias por ele conhecidas e às que seriam conhecidas por um tal declaratório, de modo a determinar, através desses elementos, o sentido querido pelo declarante”, ou seja, devem considerar-se para além das circunstâncias conhecidas pelo declaratário “as que deveria ter conhecido de harmonia com a boa fé” ([7]). Como refere Mota Pinto, “o Código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação; serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efectivo, teria tomado em conta" ([8]), sendo que tais circunstâncias “podem ser contemporâneas do negócio, anteriores à sua conclusão, ou posteriores” ([9]).
Vejamos o caso dos autos. Está provado que em Agosto de 2013, após um período de férias, o Autor regressou ao serviço e entregou ao seu superior hierárquico (gerente da Agência) a carta cuja cópia se encontra a fls. 15 dos autos e do seguinte teor: “Ex. Mo Órgão de Gerência da agência da .... BANCO BB, Venho por este meio solicitar a exoneração das minhas funções de assistente comercial CC. Tenciono aumentar o meu grau de formação académica, bem como procurar alternativas no mercado de trabalho, nacional e internacional, de forma a fazer frente aos constantes cortes salariais de que temos vindo a ser alvo. Assim, cheguei à conclusão que não consigo reunir as condições necessárias para exercer a função na sua plenitude, e com a entrega e dedicação que a mesma requer. Não sendo o único motivo, estes cortes também estão na base da minha decisão pois, sendo assistente comercial CC, a isenção de horário, ou qualquer extensão de trabalho extraordinário não são remunerados. Como tal, de cada vez que fico para lá do meu horário de trabalho a desenvolver a minha função, uma vez que a constante afluência ao atendimento não me permite fazê-lo em horário útil, é o meu tempo, a minha entrega, a minha dedicação que estão em jogo. Não digo que esta situação se aplique apenas a mim, mas eu tenciono focar os meus recursos extralaborais para algo que, efetivamente, me valorize, como o incremento do meu grau académico, sendo que não conseguiria melhorar ou sequer manter as minhas atuais prestações. Creio que, por todos estes motivos, é altura de deixar o lugar ao alcance de alguém que esteja disposto a tal entrega pessoal. Posto isto, agradeço, desde já, toda a confiança depositada em mim, esperando ter ido sempre de encontro às Vossas expetativas. Da minha parte, sei que dei, e continuarei a dar, sempre o meu melhor por esta instituição, em qualquer que seja a função ou agência em que possa ser mais útil. Obrigada pela compreensão. Com os melhores cumprimentos”. É verdade que esta declaração, numa análise mais ligeira, é pouco clara, não sendo inequívoca quanto à vontade real do A., sobretudo quando solicita a exoneração das funções de assistente comercial CC, referindo que tenciona procurar alternativas no mercado de trabalho, nacional e internacional, de forma a fazer frente aos constantes cortes salariais de que temos vindo a ser alvo. Todavia num exame mais atento constata-se que a vontade real do A. era, tão-somente a de deixar de exercer as funções denominadas “CC” e não a de deixar de exercer todas e quaisquer funções na R., ou seja, a de denunciar o contrato. Importa desde logo ter em consideração que o A. foi admitido em 19 de outubro de 2009 com a categoria profissional de administrativo e que, “quando foi colocado na Agência de ... da Ré, em data não concretamente apurada de 2011, foi incumbido pela Ré, em data não concretamente apurada mas posterior à respectiva colocação, de exercer nessa agência, a par das tarefas gerais que lhe estavam atribuídas, nomeadamente atendimento ao público, também as tarefas/funções denominadas “CC”. Estamos, assim, perante o exercício de funções distintas ainda que ambas da competências dos trabalhadores com a categoria de administrativo: as de administrativo, propriamente dito e que seriam as tarefas gerais, nomeadamente atendimento ao público, e as inerentes à denominada “CC” que correspondem ao acompanhamento mais personalizado de uma carteira de clientes (entre 300 a 500 clientes). Tais funções de acompanhamento da carteira de clientes são exercidas habitualmente após o términus do atendimento ao público, que decorre entre a abertura e o fecho da agência ao público, e apenas quando as tarefas gerais relacionadas com o atendimento ao público o permitem, como está provado. A par das funções “CC”, o Autor, tal como todos os trabalhadores da Ré afectos a tais funções/tarefas, desempenhava as funções de atendimento geral do público, no âmbito das quais atendia indiferenciadamente todos os clientes (pertencentes ou não à carteira que lhe estava afecta) e junto dos quais poderia igualmente promover a venda de produtos. Na missiva que endereçou à R., o A. referiu-se expressamente a estas funções específicas “CC”: Venho por este meio solicitar a exoneração das minhas funções de assistente comercial CC, e que eram exercidas habitualmente após o términus do atendimento ao público. Como fundamento para deixar de exercer estas funções, invocou o A. a sua intenção de aumentar o [s]eu grau de formação académica, bem como procurar alternativas no mercado de trabalho, nacional e internacional, de forma a fazer frente aos constantes cortes salariais de que temos vindo a ser alvo, para além de que sendo assistente comercial CC, a isenção de horário, ou qualquer extensão de trabalho extraordinário não são remunerados. Como tal, de cada vez que fico para lá do meu horário de trabalho a desenvolver a minha função, uma vez que a constante afluência ao atendimento não me permite fazê-lo em horário útil, é o meu tempo, a minha entrega, a minha dedicação que estão em jogo… tenciono focar os meus recursos extralaborais para algo que, efetivamente, me valorize, como o incremento do meu grau académico, sendo que não conseguiria melhorar ou sequer manter as minhas atuais prestações.” E remata da seguinte forma bem elucidativa da sua vontade real: “Da minha parte, sei que dei, e continuarei a dar, sempre o meu melhor por esta instituição, em qualquer que seja a função ou agência em que possa ser mais útil.” Como se vê, para além de se reportar apenas e sempre às funções “CC”, que eram exercidas após o términus do atendimento ao público, o A. afirma que de[u] e continuar[á] a dar, sempre o [s]eu melhor por esta instituição, em qualquer que seja a função ou agência em que possa ser mais útil. Como é por demais evidente, se afirmando o A. que continuaria a dar o seu melhor à R. em qualquer função ou agência em que possa ser mais útil, a sua intenção não era a de denunciar o contrato ou de deixar de exercer todas e quaisquer funções, mas apenas a de deixar de exercer as funções que, nas suas palavras, o obrigavam a trabalhar para lá do [s]eu horário de trabalho e pelas quais não era remunerado. Repare-se também que o A. não indica qualquer data para deixar de exercer as funções, como certamente faria caso a sua intenção fosse a denunciar o contrato. Coadjuvantemente, importa ainda atender às circunstâncias, ainda que posteriores, que rodearam esta declaração como estipulado no art. 236º, nº 1 do CC. Ora, apesar da carta ter sido entregue em agosto de 2013 ao superior hierárquico da Ré, o gerente da agência, e este a ter remetido para a Direcção da Região de ... da Ré, onde deu entrada em 10 de Setembro de 2013, o A. continuou a exercer funções até ao final de novembro, ou seja, durante cerca de 3 meses. Para além disso, em 2 de Outubro de 2013, o autor subscreveu a carta manuscrita cuja cópia se encontra a fls. 51 dos autos do seguinte teor: “Serve a presente para anular o pedido de exoneração de funções anteriormente entregue”. Que a Ré sabia que a vontade real do A. era apenas a de deixar de exercer as funções “CC” e não a de resolver o contrato, resulta do facto de não ter permitido a prestação do A., não com o fundamento no facto do mesmo ter denunciado o contrato, mas por caducidade deste, como invocou na carta que lhe enviou em 29 de novembro de 2013, na qual lhe comunicou a extinção do contrato de trabalho por caducidade com efeitos a 01 de Dezembro de 2013, inclusive. Concluímos assim, que a vontade real do A. com a missiva que dirigiu à Ré não foi a de denunciar o contrato, mas tão só, a de deixar de exercer as funções “CC”. Em face do referido, impõe-se concluir que o A. não denunciou o contrato e que foi a Ré quem despediu o A. e fê-lo ilicitamente, como decidiu a Relação, cujo acórdão confirmamos.
5. DECISÃO Pelo exposto delibera-se: 1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. 2 – Condenar a recorrente nas custas da revista e das instâncias.
Anexa-se o sumário do acórdão.
Lisboa, 29.09.2016
Ribeiro Cardoso (Relator)
João Fernando Ferreira Pinto
Pinto Hespanhol _______________________________________________________ |