Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
244/1999.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTA BANCÁRIA
CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA
TITULARIDADE
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS / ABERTURA DE CONTA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DCLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeno Sá, in Colóquio de Direito Bancário promovido pelo departamento dos Serviços Jurídicos do Banco de Portugal 12/12/2000.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º, 236.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 722.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO DE JUSTIÇA:
-DE 31.03.2011, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT
Sumário :
1-Tratando-se de contas bancárias  abertas  por um dos  titulares, mas que no acto de abertura  também indicou como titular  e beneficiária da mesma  a pessoa com quem vivia há mais de 45 anos,  a qual  não assinou a ficha de abertura por não saber assinar, significa á luz dos  critérios do art. 236 do C. Civil que  o titular quando   abriu a conta pretendeu ( quis)  que a mesma  também fosse titular e beneficiária da mesma,  negócio este  que  também  teve o assentimento  das entidades bancárias, tanto mais que  no relacionamento derivado dessas contas  as entidades bancárias sempre trataram a pessoa  que não havia assinado a ficha de abertura da conta, também  como titular ,sendo certo também que à data da abertura da contas aqui em questão não era exigível a assinatura dos titulares na respectiva ficha ,mas tão só  os elementos de identificação.

2-Neste particular não repugna, tratar o contrato de abertura de conta como um negócio convencional, no sentido, que o contrato não está sujeito a forma legal , o que à partida exclui a  sua invalidade por inobservância de forma( art.220 do C. Civil). e, por isso, a falta de assinatura da  também indicada pelas entidades  bancárias  como co-titular das contas, no contexto de relacionamento do banco-cliente,  não pode  significar  que  não  tenha outorgado nesse contrato.

Decisão Texto Integral:

           

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I-Relatório

AA ,solteira, residente  no Sítio … ,... ,intentou a presente acção com processo ordinário ,contra BB, solteiro, morador outrora no mesmo sítio, pedindo que seja declarada herdeira de CC e   também que se reconheça que metade do dinheiro existente ,à data da sua morte, nas contas abertas, em nome da falecida e do demandado  na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo  de ... era  sua propriedade e se condene o Réu a pagar-lhe a quantia de 4.055.943$00 ,acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos .

 A A fundamenta o seu pedido alegando, em síntese:

A mãe da A viveu em união de facto com BB ( R original) durante mais de 45 anos;

À data  do seu óbito existiam contas solidárias na CCAM tituladas pela sua mãe e por BB.

Nessa data o BB transferiu os valores depositados para uma conta pessoal.

Metade desses valores pertenciam à mãe da A .

            O R contestou, alegando:

Abriu conta e indicou o nome de CC, que nunca assinou a respectiva ficha;

Os valores em causa pertencem-lhe em exclusivo ,resultando da sua pensão  mensal, da venda de gado e da venda de terrenos próprios

 Deduziu também reconvenção, alegando:

Existia uma conta na CGD em nome da CC e do R ,estando retido metade do valor depositado nessa conta, para ser atribuído  à A ,na presunção de que CC era proprietária de metade do valor depositado.

Essa conta também foi apenas aberta pelo R , pertencendo-lhe a totalidade do valor depositado.

Pagou todas as despesas com o funeral de CC no valor de 300.000$00.

E termina o seu articulado pedindo:

1ºQue seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre os valores depositados na conta CGD à data do óbito da mãe da A e esta condenada a liquidar o valor de 1.575.071$50 que reteve naquela conta;

2ºQue a A seja condenada a pagar-lhe a quantia de 300.000$00.

            A A  replicou impugnando a versão do R ,mormente  alegando que a parte do valor depositado pertencia à CC.

 Foi admitido o primeiro pedido reconvencional e excluído o segundo pedido reconvencional relacionado com o pagamento das despesas do funeral.

Foi proferido despacho a fls.78 e segs. de aperfeiçoamento, que não foi correspondido.

Após sucessivas habilitações foi realizada a audiência preliminar com a selecção dos factos relevantes e a subsequente instrução.

 Os RR habilitados deduziram articulado superveniente , posteriormente aperfeiçoado, alegando, na parte relevante que a A já efectuou o levantamento da quantia retida na CGD( 1.542.782$00) ,articulado que foi liminarmente admitido.

A A não impugnou o levantamento alegado e na sequência desse articulado foi alterada a selecção dos factos relevantes.

            Realizando-se a audiência de julgamento no decurso do qual a A reduziu o seu pedido para o valor de 3.831.208$00 ( capital) e 473.082$00( juros, redução esta admitida.

 Após o que foi proferida sentença que decidiu:

 Declarar que a A é única herdeira de CC

            Declarar que metade do dinheiro depositado nas contas identificadas ( na CCAM) pertencia a CC.

Condenar os RR habilitados a entregar á A €19.060,10 ( 3.821.208$00)acrescida de juros vencidos desde 02.12.1997 à taxa legal e dos juros vincendos.

Absolver a A  do pedido reconvencional

Inconformados os RR habilitados interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora que, peloAcórdãodefls.478 a482, julgou parcialmente a apelação e revogou a sentença recorrida, absolvendo os RR,   DD ,EE, FF e GG do pedido principal e condenou a Autora / reconvinda a pagar-lhes a importância de €7.695,36.

A A não se conformou e interpôs recurso de revista para este Supremo.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

A - O Douto Acórdão do TRE, ora recorrido, cometeu erro de apreciação da prova, ao centrar toda a sua atenção, bem como, o Tribunal de la instancia, debruçando-se, essencialmente, na apreciação e decisão sobre a existência, ou não, de um contrato de depósito bancário celebrado entre a AA e as Instituições bancária, em causa nos presentes autos, em factos que não foram, especificadamente, alegados pelas partes.

Estes factos, encontram-se plasmados no artigo 12° da matéria controvertida que se passam a transcrever: “ Era condição de abertura de contas bancárias referidas em C) e D), exigida pelas respectivas instituições bancárias, a assinatura da ficha de abertura de conta por todos os que constassem como titulares das mesmas."

Como se pode constar no requerimento inicial apresentado pela A., na contestação e no pedido reconvencional apresentados pelo R. e, nas posteriores respostas apresentadas pelas partes, em nenhuma destas peças processuais é alegado, que seja condição de abertura de contas bancárias, exigida pelas respectivas instituições bancárias, a assinatura da ficha de abertura de conta, por todos os que constassem como titulares das mesmas e que, tal condição, era necessária para a verificação da existência de um contrato de deposito bancário. E muito menos, ainda, é alegado, que a mãe da A., não tenha celebrado contratos de depósito com as instituições bancárias em causa nos presentes autos.

A apreciação pelo tribunal, de factos não alegados pelas partes, configura uma clara violação o principio do dispositivo consagrado no nº2 do artigo 264 do C.P.C.

B - O Venerando Tribunal ora recorrido, em sede de suporte da sua fundamentação, profere numa afirmação que diz, vertida na fundamentação da decisão da la instancia, que, no nosso modesto entendimento, não coincide, com a afirmação vertida na fundamentação do tribunal de 10 instancia, que aquele Venerando Tribunal invoca.

A linhas 3,4 e 5 de FIs 8, que aqui se transcrevem o Venerando Tribunal, ora recorrido, afirma o seguinte: " É inquestionável que a Autora AA não provou, como lhe competia, que sua mãe AA, tivesse contratado com as mencionadas instituições bancárias, o que, aliás, é reconhecido pelo tribunal recorrido". Com o afirmado a linhas 1 a 1 O do ponto 3 de Fls 4 da sentença do tribunal de la instância, cuja parte que releva para o caso em apreço, aqui se transcreve:" Tal situação, nos limites apurados, apresenta alguma ambiguidade ( ou duplicidade ), por não permitir afirmar se a CC interveio directamente no contrato de abertura de conta, ou nele não interveio, o que condiciona o tratamento das questões postas".

C - O Tribunal ora recorrido, errou ao não aplicar, ao caso em apreço a previsão legal do ónus da prova, do n" 1 do artigo 342 do Código Civil. Bem como, ao não aplicar a previsão legal n" 1, do artigo 344 do mesmo Código.

O R. e reconvinte, no artigo 37 do pedido reconvencional, reproduz todos os factos que alegou na contestação e alega outros factos. Cabendo a este provar, todos os factos que alega ..

 

Foram levados apreciação na audiência de discussão e julgamento, factos invocados pelo R. BB, na sua contestação e no pedido reconvencional que não foram dados como provados.

Por força da reconvenção e na reprodução nesta, pelo reconvinte, de todos os factos por si alegados na contestação, cabe a este e não á A., no nosso modesto entendimento, fazer a prova de que a A. não contratou com as instituições bancárias em causa nos presentes autos. Sendo certo que, o R., como, supra referimos, não levantou esta questão, na contestação nem no pedido reconvencional.

 

O R. e reconvinte não fez prova de que:

- " Era condição de abertura de contas bancárias referidas em C) e D), exigida pelas respectivas instituições bancárias, a assinatura da ficha de abertura de conta por todos os que constassem como titulares das mesmas."

- "O montante depositado na conta da C.G.D ido em E) lhe pertencia em exclusivo. Conforme art° 14 da base instrutória.

- Era nas contas referidas em C) e E), que o réu depositava o produto das vendas das ovelhas, borregos e vacas e outros animais que criava, actividade que desenvolveu desde muito novo."

- " Com o produto dos negócios que fazia, o réu sustentava o agregado familiar composto pela mãe da A., por esta e mais um rapaz."

- " Era condição de abertura de contas bancárias referidas em C) e D), exigida pelas respectivas instituições bancárias, a assinatura da ficha de abertura de conta por todos os que constassem como titulares das mesmas."

- " As quantias em dinheiro apuradas na venda de terrenos pelo R. foram depositadas nas em conta da Caixa de crédito Agrícola Mutuo de ... e …."

- " O dinheiro depositado na conta da Caixa Geral de Depósitos, resultou da venda de terrenos pelo R., além do referido no art° 14."

Ou seja, o R. e reconvinte, não logrou provar, nenhum dos factos da matéria controvertida a que estava obrigado, além do depósito do dinheiro da sua pensão na conta da C.C.A.M.

D - Verifica-se ainda, sempre com o devido respeito pelo Venerando Tribunal que, o douto acórdão, ora em crise, contem contradições na fundamentação e, entre estas e a decisão, que no nosso modesto entendimento consubstanciam um nulidade do acórdão nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 668 do C.P. C., por remissão do n° 2, do artigo 721 do C.P.C.

No douto acórdão, ora recorrido que se transcreve afirma-se a fls. 7, parágrafo 7, linhas 16 a 21 o seguinte: " .... a prática da Caixa Geral de Depósitos e á Caixa de Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de ... e …, como decorre da documentação bancária junta aos autos, nomeadamente, os documentos de fls 39,44 e 396, não aponta, forçosamente no sentido da obrigatoriedade da assinatura da ficha, aquando da celebração do contrato."

No mesmo acórdão a fls. 8 10 paragrafo linhas 5 a 9 que se transcrevem, afirma-se o seguinte: " É inquestionável que a Autora AA, não provou, como lhe competia, que sua mãe CC, tivesse contratado com as mencionadas instituições bancária, o que, aliás, é reconhecido pelo Tribunal recorrido. Na verdade a sua assinatura, necessariamente, a rogo, não surge em qualquer ficha, como acontece como primitivo demandado, BB, nem considerando o impresso bancário uma formalidade ad probationem, está alegado que a referenciada também chegou a acordo com os ditos bancos."

E - O Douto Acordão do TRL,ora recorrido, cometeu erro de apreciação da prova, bem como, o tribunal de la instancia, que apesar de proferir uma douta, exaustivamente fundamentada, irrepreensível e justíssima sentença, não valorou, devidamente, o documento ( Vale Postal Nacional) junto aos autos pela A. no dia 9/6/201, em sede de audiência de discussão e julgamento, emitido em nome de CC.

Verificasse neste documento que, o R. BB, assinou a rogo da CC, e depositou-o numa conta da Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de ... e ..., no dia 16/12/1997, sendo certo que a CC faleceu no dia …/…/19...

F - O Venerando Tribunal, ora recorrido, errou na determinação da norma aplicável, ao não aplicar, ao caso em apreço a previsão d a aI. b) do artigo 35 o artigo 37, do Dec-Iei 694/70 de 31 de Dezembro, os Pontos I e II ( Âmbito de Aplicação e Abertura de conta) do Dec-lei 459/91 de 28 de Outubro e a instrução n048/96 do Banco de Portugal.

Á data da abertura das contas de depósito na C.G.D. em 12.09.1990 (Cfr. Doe junto a fls 192) e na C.C.A.M. em 8.03.1997 (Cfr. Doe da C.A. de 29/1012010 junto a fls ... dos autos), em causa nos presentes autos, não existia qualquer indicação do Banco de Portugal, no sentido de exigir a aposição da assinatura dos titulares nas fichas de abertura,

Á data da abertura das contas de depósito e na C.G.D., regia o formalismo previsto no Dec.- Lei 694/70 de 31 de Dezembro.

Á data da abertura das contas de depósito na C.C.A.M. em 8.03.1997 (Cfr. Doe da CA de 29/1 0/2010 junto a fls ... dos autos), estando em vigor a instrução n048/96 do Banco de Portugal, não era requisito essencial para abertura destas contas e, consequente constituição de um vinculo obrigacional entre as partes, a aposição da assinatura dos seus titulares nas fichas de inscrição.

Relativamente á titularidade do dinheiro depositados nas contas bancárias, o artigo 37, do Dec-Iei 694/70 de 31 de Dezembro, consagra o seguinte: " Designa-se por titular da conta, a pessoa ou pessoas a favor de quem é constituído o depósito. "

G - O A. BB, alegou em sede de contestação que o dinheiro depositado nas contas bancárias em causa lhe pertencia, exclusivamente, por ser proveniente das diversas origens que constam da matéria controvertida, porem, não fez prova, como devia, de tais factos, alem do depósito do dinheiro da sua pensão.

Assim, o dinheiro depositado nas contas em causa nos presentes autos deve ser considerado propriedade de ambos os titulares destas, por força da aplicação legal da presunção legal do artigo 516 do Código

Pelo que, Tribunal ora recorrido, no nosso modesto entendimento, errou ao não aplicar, ao caso em apreço a previsão legal do n? 1 do artigo 342 do Código Civil, do ónus da prova. Bem como ao não aplicar a previsão legal n° 1, do artigo 344 do mesmo Código.

Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o Douto suprimento de V. Ex.ts., que desde já se ímpetra, V. Ex.as. deverão considerar procedente o presente Recurso, revogando nessa medida e dessa forma o Douto Acórdão Recorrido, mantendo-se a Douta Decisão do Tribunal de la Instancia. Seguindo o processo os ulteriores trâmites até final com as legais consequências.

Assim se fará Justiça.

Os RR habilitados apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação:

Os factos provados são os seguintes:

- No dia … de dezembro de 19.., faleceu a mãe da Autora, CC (alínea a) dos factos assentes);

- CC viveu, durante mais de 45 anos, até à data da sua morte, em plena comunhão de vida, como de cônjuges se tratassem, com o Réu, BB (alínea b) dos factos assentes);

- À data da morte de CC, existiam duas contas bancárias, na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, uma de depósitos a prazo e outra de depósitos à ordem, das quais constavam como co - titulares BB e CC, que não assinou a ficha de abertura de conta (alínea c) dos factos assentes);

- Era nas contas antes referidas que o Réu depositava a sua pensão mensal, no valor de 23.000$00, em 1997 e 1998, e de 24.000$00, em 1999 (alínea d) dos factos assentes);

- À data da morte de CC, existia uma conta bancária, com o nº ..., na Caixa Geral de Depósitos, da qual constava como co - titulares, BB e CC, sendo o saldo a conta, em tal data, de 3.085.5863$99 (alínea e) dos factos assentes);

- A Autora iniciou processo de habilitação na conta antes referida, encontrando-se retida metade da quantia ali referida (alínea f) dos factos assentes);

- CC não sabe assinar (alínea g) dos factos assentes);

- A conta existente na Caixa Geral de Depósitos era livremente movimentável por qualquer das pessoas que figurassem como co - titulares (resposta ao artigo 1º. base instrutória);

- À data da morte da CC, existiam, nas contas da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de . .., 816 646$00, na conta à ordem, e 6.825.771$00, na conta a prazo (resposta ao artigo 2º. da base instrutória);

- O BB vendia, pelo menos, ovelhas, vacas e cabras que criava (resposta ao artigo 4º. da base instrutória);

- Só após CC e o Réu terem iniciado a sua vida em comum, é que o Réu deu início à criação e exploração de gado (resposta ao artigo 6º. da base instrutória);

- CC ajudava o BB na criação de gado (resposta ao artigo 7º. da base instrutória);

- CC vendia leite e queijo que fazia (resposta ao artigo 8º. da base instrutória);

- CC fazia toda a lide da casa onde viviam (resposta ao artigo 9º. da base instrutória);

- BB procedia ao levantamento da pensão de CC, a qual, normalmente, depositava em contas bancárias (resposta aos artigos 10º. e 11º. da base instrutória);

- CC não assinou a ficha de abertura de conta relativa à conta existente na Caixa Geral de Depósitos (resposta ao artigo 13º. da base instrutória).

            Apreciando:

            Conforme decorre das precedentes conclusões de recurso, a recorrente depois de considerar que existe erro na  apreciação de prova,  suscita como uma das questões fulcrais a decidir  a própria qualificação dos contratos aqui em causa .

            No que concerne ao erro na apreciação das provas, desde logo,  se adianta  liminarmente remetendo para    o preceituado no art. 722 nº 2 do CPC que é expresso no sentido de que “ o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para existência do facto ou que fixe a força determinado meio de prova.”

Isto para dizer que  não cabe no âmbito da presente revista   o alegado erro apreciação das provas,  sendo certo também que  não vem invocada qualquer  matéria integrativa da excepção prevista no citado normativo

 

            Quanto á qualificação jurídica dos contratos aqui em causa. 

            Registe-se, antes de mais, os factos atinentes a tal matéria:

À data da morte de CC ( 2.12.1997) , existiam duas contas bancárias, na Caixa de Crédito  Agrícola Mútuo de …, uma de depósitos a prazo e outra de depósitos à ordem, das quais constavam como co- titulares BB e CC, que não assinou a ficha de abertura de conta ( Al. C) dos factos assentes);

Era nas contas antes referidas que o Réu depositava a sua pensão mensal no valor de 23.000$00, em 1997 e 1998 e de 24.000$00 em1999 ( Al. D) dos factos assentes ;

À data da morte de CC, existia uma conta bancária com o nº... na CGD, da qual constava como co- titulares BB e CC, sendo o saldo da conta em tal data de 3.085.563$99- al. E)

Esta conta referida na al.E) era livremente movimentável por qualquer uma das pessoas que figurassem como co-titulres .art.1º da BI

            CC não assinou a ficha de abertura de conta relativa á conta referida na al. E)

 CC não sabia assinar ( al. G) 

            A 1ªinstância depois de fazer a distinção entre o depósito e abertura de conta,   situou a questão a decidir  fundamentalmente  no domínio do contrato de abertura de conta , por considerar que é ele que “define os «titulares » da conta em sentido amplo e em primeira linha regulamenta as relações existentes entre esses titulares ( entre si) e entre eles e o banco”.

 

 E neste domínioa1ªinstância considerou não obstante CC não ter assinado as fichas de abertura de conta, esta também interveio nesse contrato  por se  tratar de um contrato que não está sujeito a forma legal ,circunstância que exclui a sua invalidade por inobservância de forma( art.220 do C. Civil),mas antes de um contrato  sujeito a uma forma convencional( art.223 do CC )ou voluntária  e nesta medida a falta de assinatura  poderia ter sido acordada pelas partes.

            E acrescenta “  é  que tratando-se de forma convencional    assente na vontade das partes,  estas também podiam prescindir, no âmbito desse acordo de vontades , de tal forma quanto à CC , sendo que a omissão da assinatura neste caso  significarias naturalmente , neste caso, que as partes prescindira da forma convencional quanto á CC.

 

Por seu turno,  a Relação considerou que a Autora não provou ,conforme lhe competia que sua mãe, ,CC, tivesse contratado com as mencionadas instituições bancárias, considerando a assinatura como uma formalidade ad probationem , recaindo no caso dos autos sobre a autora a prova de que a identificada CC também havia outorgado no aludido contrato  de abertura de conta  

 Quid  iuris?

            Como é sabido, a relação banco- cliente desenvolve-se no contexto de um contrato bancário, enquanto contrato-quadro de natureza duradoura :o que implica a aplicação das regras e princípios que conformam a vinculação contratual nomeadamente no domínio dos direitos e deveres das partes e da responsabilidade daí resultante :por outro lado os bancos querem e têm interesse em que a relação com o cliente fique subordinada às suas próprias condições gerais ( Almeno Sá in Colóquio de Direito Bancário  promovido pelo departamento dos Serviços Jurídicos do Banco de Portugal  12/12/2000).

            O referido contrato de abertura de conta, aqui em causa, surge seguramente nesse contexto, de relacionamento entre o banco-cliente.

             É certo, como se diz no Ac. deste Supremo de 31.03.2011 ( Relator: Cons. Serrra Baptista) acessível via www.dgsi.pt  o contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha ,com assinatura e pela aposição da assinatura num local bem definido.

            Tudo indicia que  a assinatura assume um aspecto decisivo no contrato, porquanto é através dela que o banco afere a validade  das ordens  que lhes são dirigidas ,mas também não se pode ignorar o contexto bancário em concreto que se desenvolveu a abertura de conta aqui em causa.

Mas, no caso em apreço, assume especial relevância o facto de à data  da abertura das contas ( 12.09.1990 da CGD e 2.12.1997 da CCAM de V. Real de Stº António respectivamente a fls. 44 e 39  e também o documento de fls. 396) não ser exigível  a assinatura dos titulares  da conta na ficha de abertura, conforme instruções do Aviso do Banco de Portugal nº 48/ 96,  circunstancialismo que á partida retira a similitude com o caso tratado no citado Acórdão.

            Ou seja, para o que, aqui, interessa  à data da abertura das contas não era exigível a assinatura dos titulares na respetiva ficha , a qual segundo as instruções do Banco de Portugal deviam constar apenas os elementos de identificação constantes do citado Aviso.  

 

Aconteceu no caso dos autos, que CC, note-se, que não sabia assinar, não apôs a sua assinatura na ficha da abertura da conta, mas o certo é que não obstante não constar a sua assinatura na ficha de abertura de conta, as identificadas entidades bancárias não deixaram de a  indicar como co-titular das contas, circunstâncias ( o não saber  assinar   e o facto  de a entidade bancária no relacionamento  a respeito de tal conta a considerar como titular das contas) que  para efeitos de prova do contrato não poderão ser desvalorizadas.

Neste particular não repugna, aliás, como  refere também  o citado Acórdão deste Supremo,  tratar o contrato de abertura de conta como um negócio convencional, no sentido, como se disse, também na1ªinsância, que o contrato não está sujeito a forma legal ,o que à partida exclui a  sua invalidade por inobservância de forma( art.220 do C. Civil).

Isto para dizer que a falta da assinatura à partida pode não significar  que a referida CC não  tenha outorgado no contrato.

            E assim parece ser, pelo menos da parte das entidades bancárias nomeadamente quando, como se disse,  expressamente indicam CC como co-titulares das contas .

 Qual o sentido dessa indicação em contexto bancário?

            Socorrendo-nos, aqui, do critério do art.236 nº1 do C. Civil  no contexto do relacionamento contratual existente entre banco e cliente, ao ser indicada pelas entidades bancárias como co-titular das contas ,  não pode ter outro significado que não seja o de que a referida CC  constava  também nas identificadas contas como titular das contas, com o sentido e alcance que em termos bancários tal “expressão” significa para o declaratário normal e diligente, ou seja, como bem observa a1ªinsância, equivale dizer ,em termos literais ,a ser “dono” a ocupar uma posição de domínio da conta”.

            E adianta recorrendo igualmente  ao art.236  do C Civil  que “se deve concluir “ no caso de celebração do contrato pelo BB sem intervenção de CC, que aquele quis que tal contrato produzisse efeitos também a favor de CC ,por isso a instituindo como titular das contas” .

            Também a informação que a CGD presta a fls. 396 vai nesse sentido, quando aí refere que “nos termos do art. 35 b) do Decreto 694/70 de 31 de Dezembro , qualquer pessoa maior e sem dependência de mandato poderia abrir a conta de depósitos à ordem a favor de terceiro(s) com mais de 10 anos , que, naturalmente, à data da abertura não assinava(m) a respectiva ficha de abertura de conta”.

            Neste particular e mais uma vez,  como bem observa a  sentença da 1ª instância,  cujo excerto passamos  a transcrever  pela  pertinência da fundamentação:

 “ Quanto à circunstância de a conta ser também titulada pela CC , apesar de esta não ter participado na sua abertura ( não ser parte originária no contrato de abertura de conta ) ou seja , à circunstância de  a conta ser aberta também a seu favor , mas sem a sua intervenção , corresponde a uma prática cuja licitude é amplamente aceite. Constituindo tal prática , e quanto às pessoas apenas designada como titulares da conta, um verdadeiro contrato a favor de terceiro.  ( Ver A. Varela , Revvista da banca nº 21 pag. 56/57). Seria então esta a posição da CC.

Sendo assim , e por força do contrato a favor de terceiro, a CC  tornou-se também verdadeira co-titular das contas, ou seja, titular do direito de crédito ao respectivo saldo. …

Assim a prestação prometida ao terceiro , na falata de estipulação diversa , consiste desde logo na atribuição de poderes de movimentação da conta , por ser esta a prestação devida pelo banco e por isso do direito a aceder ao saldo da conta ( o direito de crédito a esse saldo) . Ora o terceiro adquire o direito á prestação independentemente de aceitação nos termos do art. 444 nº1 do C Civil . Adquire-o , pois, por mero efeito do contrato. É certo que o art. 447 do CC se refer à adesão do terceiro ,mas esta não é necessária para a aquisição do direito , servindo apenas para excluir o direito de revogação que cabe ao promissário , nos termos do art. 448 do CC ( ver Meneses Leitão , Direito das Obrigações , Almedina 2000 pag236/7)Assim se não se alegou expressamente que a adesão ocorreu, também se não alegou ( e demonstrou) qualquer revogação , pelo que se mantém o feito do citado ( art. 444º nº 1 do CC).Verifica-se assim , piois, que CC era , também nesta situação, verdadeira co-titular da relação de conta bancária. E acrescenta  naturalmente , nesta situação não havia  sequer qualquer formalidade omitida ( atinente á assinatura) que se pudesse discutir ( atenta a configuração jurídica da situação).

 

            Como resulta do  citado art. 236 a declaração negocial vale com o sentido de um declaratário normal medianamente instruído , colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante , sendo atendíveis todos os elementos e circunstâncias que aquele teria tomado em conta , como seja os termos do negócio , os interesses em jogo; a finalidade prosseguida pelo declarante , as negociações prévias entre outras .

            Ora, tratando-se  no caso em apreço, de contas bancárias   aberta  por um dos  titulares, mas que no acto de abertura  também indicou como titular  e beneficiária da mesma  a pessoa com quem vivia há mais de 45 anos ,  a qual  não assinou a ficha de abertura por não saber assinar , significa á luz dos apontados critérios que  o titular quando   abriu a conta pretendeu ( quis)  que a mesma  também fosse titular e beneficiária da mesma,  negócio este  que  também  teve o assentimento  das entidades bancárias, tanto mais que  no relacionamento derivado dessas contas  as entidades bancárias sempre trataram a pessoa  que não havia assinado a ficha de abertura da conta também  como titular.

            Isto para dizer que a realidade que esteve subjacente á abertura da conta  e que vem provada, supre a falta  da assinatura por parte da CC na ficha da abertura da conta( que aliás , como se referiu, segundos os procedimentos bancários vigentes na altura não era exigível)  a que o Acórdão recorrido faz referência, como formalidade ad probationem  , suprimento que, aliás,  pode ser encontrado na factualidade que vem provada que destacamos :

À data da morte de CC, existiam duas contas bancárias, na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, uma de depósitos a prazo e outra de depósitos à ordem, das quais constavam como co - titulares BB e CC, que não assinou a ficha de abertura de conta (alínea c) dos factos assentes);

- Era nas contas antes referidas que o Réu depositava a sua pensão mensal, no valor de 23.000$00, em 1997 e 1998, e de 24.000$00, em 1999 (alínea d) dos factos assentes);

- À data da morte de CC, existia uma conta bancária, com o nº ..., na Caixa Geral de Depósitos, da qual constava como co - titulares, BB e CC, sendo o saldo a conta, em tal data, de 3.085.5863$99 (alínea e) dos factos assentes.

 CC viveu durante mais de 45 anos, até à data da sua morte ,em plena comunhão de vida, como de cônjuges se tratassem ,com o Réu,  BB .al. B) dos factos assentes;

O BB vendia, pelo menos, ovelhas, vacas  e cabras que criava e CC ajudava o BB na criação de gado- 4ºe 7ºda BI;

            CC vendia leite e queijo que fazia -8ºda BI

CC fazia toda a lide da casa onde viviam-9ºda Bi

BB procedia ao levantamento da pensão da CC, a qual, normalmente depositava em contas bancárias .10ºe11ºda BI;

            CC não sabia assinar-al. G) dos factos assentes.

Significa assim à luz da factualidade que vem provada que CC, embora não tenha assinada a ficha de abertura de conta, outorgou também como parte nesse contrato, porquanto outro sentido não pode ter no contexto de relacionamento com as entidades bancárias e  o referido BB , sendo que  a indicação expressa  por estas  da referida CC, como co-titular dessas contas, querendo com isto  significar, à luz dos apontados critérios interpretativos,  que a mesma também ocupava uma posição de domínio nas contas.

 

 

 Não se acolhe, assim, o entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido, quando considera que a autora não provou que CC outorgasse como parte no aludido contrato de abertura de conta.

III Decisão:

Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em conceder a revista , revogando o Acórdão recorrido, mantendo  a decisão da 1ª instância.

Custas pelos recorridos.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Fevereiro de 2014

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria