Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
703/11.4TBVRS-A.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
CESSÃO DE CRÉDITOS
OPONIBILIDADE
CITAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 03/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS / CESSÃO DE CRÉDITOS.
DIREITO COMERCIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO / LIVRANÇA / AVAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 246.º, 577.º, 583.º, N.º 1.
L.U.L.L. : - ARTIGOS 32.º, 47.º, 48.º, 77.º, 78.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 25-05-1999, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT ;
-DE 3-06-2004, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT :
-DE 6-11-2012, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A notificação ao devedor, a que alude o art. 583.º, n.º 1, do CC, de que o seu credor cedeu o crédito a outrem, pode ser feita através da citação para a execução proposta pelo credor cessionário contra os oponentes executados.

II - Com a citação para a execução cessa a inoponibilidade por parte do devedor da transmissão pelo cessionário.

Decisão Texto Integral:  
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



 I - Relatório


Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, requerida por AA - Consultores de Gestão, S.A. contra BB, CC, DD e EE, deduziram estes últimos oposição, a qual veio a ser julgada improcedente


Os opoentes inconformados apelaram para o Tribunal da Relação de Évora, que pelo Acórdão inserido a fls. 242 a 247v, julgou improcedente a apelação interposta e confirmou a sentença da 1ª instância recorrida.


A recorrente EE novamente inconformada e invocando oposição de julgados veio nos termos do art. 672, nº1 al. c) do CPC interpor recurso de revista excepcional.


Para o efeito e como fundamento formula as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de revista excepcional é interposto ao abrigo do art. 672° n° 1 c) e n° 2 c) do CPC por existir contradição entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos fundamentos juntos quanto a duas questões concretas:

A) No caso da cessão de créditos a quem incumbe o ónus de prova acerca da notificação ao devedor da cessão de créditos: ao cessionário ou ao devedor?

B) No caso da cessão de créditos a falta de notificação da cessão aos devedores afecta a validade do negócio quanto a eles devedores?

2. O Acórdão recorrido quanto à questão referida em A) defende que cabe aos devedores o ónus de prova da notificação da cessão ao referir: "Acontece, ainda que, mesmo que se entenda que a eficácia da relação causal ou fundamental foi abolida pela referida circunstância, com o inerente reflexo na relação cambiária e admitindo ainda que os opoentes/executados DD e mulher EE deveriam ter sido notificados do contrato de cessão, não obstante não serem os devedores, da relação causal - o devedor é a sociedade GG, Ldª. - não provaram os mesmos, como lhe competia, não terem tido conhecimento de tal contrato de cessão".

3. Não obstante o provado no art. 15° da B. I, donde resulta que só as cartas referidas em j) e g) foram recebidas pelos destinatários" o que vale por dizer que a carta referida em h) - dirigida à recorrente e ao falecido marido - não foi por eles recebida.

4. O Acórdão fundamento de que se junta cópia deste S.T.J. proferido no Proc. n" 1557/02.S.1 - Z" Secção de 07.02.2010, referes expressamente que: "Com efeito, dispondo o art. 5790 n° 2 do C. Civil que: "entende-se que a cessão é efectuada por interposta pessoa quando é feita ao cônjuge do inibido ou a pessoa de que este seja herdeiro presumido, ou quando é feita a terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a causa ou direito cedido", se vê que os factos julgados provados não permitem a condenação de quem a situação sub Júdice integra esta disposição legal.

Ora, sendo os factos que integraram o conteúdo desta norma, constitutivos, nesse caso, do direito pelos AA invocado competia a estes invocá-los e prova-los nos termos do arte 342°, no 1 do C. C., o que não ocorreu".

5. Parece-nos evidente a contradição entre os dois acórdãos dobre a mesma matéria, daí que devem V. Exas. considerar verificada a contradição apontada e admitir o recurso de revista excepcional, prevalecendo, sobre aquela concreta questão, a interpretação constante no Acórdão fundamento.

6. Por outro lado, quanto à questão identificada em [3) na conclusão primeira, também o Acórdão recorrido entende que: "Através do presente recurso, pretendem os opoentes/executados DD e mulher, EE, destruir a certificação do crédito da exequente AA - Consultores de Gestão, S.A., constante do título executivo dada à execução - uma livrança, por aqueles avalizada - com fundamento na circunstância de o contrato de cessão relativo à obrigação fundamental ~u causal, celebrado, em 23 de Dezembro de 2010, entre o Banco HH, S.A.. e a da dita exequente, não ter sido levado ao seu conhecimento.

Ora, tendo a notificação do contrato de cessão como objectivo essencial alertar o devedor quanto à identidade do actual credor, prevenindo, deste modo, que aquele, por desconhecer o dito negócio, pague ao primitivo credor/cedente e não ao cessionário, com a consequente extinção da obrigação, é evidente que a omissão de tal acto não pode fundamentar a recusa do solvens em pagar, tanto mais que, por "via segura e digna de confiança" - citação para a execução - tem já conhecimento da substituição, na relação creditícia, do credor.

Não sendo, assim, afectada a eficácia da relação causal ou fundamental, o mesmo se passa com a obrigação cambiária - a levada à execução - uma vez que os sujeitos cambiários são, concomitantemente, os da relação fundamental".

7. Do exposto pode-se concluir que o Acórdão recorrido entende que a falta de notificação extrajudicial da cessão pode ser ultrapassada com a citação dos devedores para a Acção. Ao contrário do que consta do Acórdão fundamento de 14.11.2000 C. J., Acórdão do S.T.J. Ano VIII, Tomo III, pág. 121, onde se decide em sentido contrário:

"Não tendo o devedor sido notificado da cessão não pode atribuir-se à citação para a Acção os efeitos do art. 583°".

8. A contradição é evidente, daí que tenhamos de dar por verificada a norma como requisito de admissão do recurso de revista excepcional ora interposto, devem V. Exas. reconhecer a prevalência da interpretação plasmada no Acórdão fundamento.

9. Na clausula 4a do contrato de cessão de créditos referida em A) dos factos provados a recorrida obrigou-se a notificar a cessão à recorrente no prazo de um mês a contar da data da cessão em virtude do crédito em causa não ser crédito hipotecário mas apenas garantido por aval e livrança.

10. O cedente e o cessionário, ora recorrida, ao criarem esta cláusula consubstanciaram na mesma numa condição de eficácia de negócio - da cessão - em termos de não poder a mesma produzir efeitos na esfera jurídica dos devedores, ora recorrente, no caso daquela notificação não ser cumprida.

11. Ao consagrarem esta posição no contrato parece-nos claro que a notificação aos devedores da cessão deveria ser feita extrajudicialmente no prazo de um mês sob pena de não ser a mesma oponível aos devedores, o que é incompatível com o entendimento acolhido pelo tribunal da citação para a presente execução servir a finalidade do art. 583º do C. Civil., substituindo a notificação extrajudicial contratada por decente e cessionário

12. Assim, o douto acórdão recorrido ao entender de modo diverso violou a clausula do contrato de cessão referido em A) e o art. 583º nº1 do C. C.

13. A recorrente e se u falecido marido nunca foram notificados da cessão dentro do prazo referido no contrato dado como assente em A), pelo que não tendo ocorrido a notificação aos devedores do negócio não lhe é oponível, não produzindo efeitos quanto a eles e nessa medida não dispõe a recorrida de título contra a recorrente havendo que isso reconhecer e dando-se procedência à oposição, extinguindo-se a instância executiva.

14. O tribunal decidiu a questão da oponibilidade do vício da livrança pela recorrente em completo desapoio dos factos provados que atenta a solução jurídica acolhida se tomaram totalmente inúteis.

15. A recorrente no caso dos autos não limitou a sua intervenção à aposição do aval formalmente consubstanciado pela expressão oposta no verso do título, também interveio no contrato de mútuo dado como assente, em D) e E) dos factos provados e do qual constam os poderes para a recorrida poder preencher a livrança.

16. Da factualidade provada em I) a S) dos factos provados podemos ter por seguro que a recorrente no momento em que assinou o contrato e formalmente deu o aval não sabia o que estava a assinar, qual o conteúdo da garantia que prestava, o seu alcance, as condições do negócio não sabia rigorosamente nada.

17. Com recurso à mesma factualidade resulta que o Banco não explicou à recorrente o conteúdo dos contratos que lhe deram para assinar, as garantias, implicação das mesmas, incorrendo no incumprimento do dever, de informar previsto no art. 6º do Dec. Lei 446/85 de 25 de Outubro.

18. Atento o exposto, a livrança dada à execução - mesmo no caso de cessão de créditos - deve considerar-se como se contendo dentro das relações imediatas e nessa medida tendo a recorrente intervindo no contrato, assinando-o, não há que aplicar aquele regime próprio da literalidade e abstracção do titulo de crédito, havendo que atender ao conteúdo da convenção extra-cartular que se celebrou entre as partes - o contrato ¬dado como provado em D) e E).

19. A conduta da recorrida, ao dar azo à falta de consciência da declaração prestada pelos opoentes na livrança dada à execução, omitindo deveres de informação a que está adstrita no âmbito da sua actividade, enquanto instituição bancária, integra ainda uma conduta abusiva prevista no artigo 33'40 do Código Civil, pois a exequente não agiu de boa fé ao omitir deveres de informação relativos à qualidade e consequências da declaração prestada pela recorrente e depois vir accioná-la na presente Acção enquanto avalista, não podendo desconhecer a falta de consciência na declaração prestada pelos mesmos e que aqui pretende fazer valer.

20. Da análise dos factos provados I) a S) facilmente se verifica que a recorrente não sabia o que assinava, quer a sua finalidade, alcance, desconhecendo em absoluto o conteúdo e significado do garantia pessoal que dava - aval - nada lhe tendo sido explicado pelo Banco, o que se traduz numa situação de falta de consciência da declaração prevista no art. 246º do C. C. que deve ser reconhecida e nessa medida dar-se procedência à oposição extinguindo-se a Acção executiva e revogando o decidido pelo tribunal "a quo".

Assim se fará Justiça.


 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:


II - Fundamentação:


 Factos provados:

A - Por escrito particular, datado de 23 de Dezembro de 2010, constante de fls. 6 a 21 dos autos principais, acordaram o Banco HH, S.A. e a ora exequente, AA - Consultores de Gestão S.A., o seguinte, além do mais que aqui se dá por reproduzido:

“(…)

Cláusula 1ª

Cessão da Carteira de Créditos

1 - Sujeita aos termos e condições do presente Contrato e às condições constantes da presente cláusula 1ª e da cláusula 2ª infra, o Banco HH cede à CCG todos os direitos de crédito, incluindo acessórios e garantias nos créditos da sua titularidade referidos na lista que constitui o anexo A a este contrato, lista que engloba designadamente os nomes dos devedores, tipo de crédito, os valores do crédito, em capital e juros e os preços pelos quais cada um dos créditos é cedido, incluindo (…).

2 - A cessão produz efeitos imediatos, com exceção de Créditos Garantidos por Hipoteca, listados no anexo A, que apenas ocorrerá, aquando das respetivas escrituras públicas (ou ato equivalente) de cessão, que devem ser celebradas no prazo de seis meses contados da presente data. Aquelas cuja realização se mostre inviável até tal data, por impossibilidade de obtenção atempada dos documentos necessários, serão realizadas logo que tais documentos sejam obtidos.

Cláusula 2ª

Preço

1 - O preço de cada crédito cedido é o constante do Anexo A.

2 - O preço total dos créditos cedidos é de 38.259.926,95€ (…) e é pago numa única prestação, por transferência bancaria, na data da celebração do presente contrato, no valor de 38.259.926,95 € (…).

Cláusula 4ª

Notificações

Caberá à CCG efetuar as notificações aos devedores de todas as Cessões de Créditos resultantes deste contrato, obrigando-se a CCG a fazê-lo: a) no que toca aos créditos não hipotecários, no prazo de um mês a contar desta data; b) no que toca aos créditos garantidos por hipoteca, no prazo de um mês a contar da realização da escritura ou ato equivalente.

(…)”;

B - O crédito exequendo consta do antes referido anexo A;

C - Em escrito particular, denominado “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente”, constante de fls. 23 a 30, datado de 19 de dezembro de 2000, no qual consta como primeiro outorgante o Banco II, S.A., como segunda outorgante a sociedade GG, Ldª. (representada por DD, EE, CC e BB) e terceiros outorgantes os referidos DD e mulher, EE, e CC e mulher, BB, disseram os outorgantes, que assinaram o documento, o seguinte, além do mais que aqui se dá por reproduzido:

“(…)

Primeira

O Banco abre em seus livros um crédito, sob a forma de conta corrente, com o número um um seis três sete cinco zero zero dois quatro, em nome da segunda contraente, para necessidades pontuais de tesouraria, que esta poderá movimentar a débito até ao limite máximo de dez milhões de escudos.

Segunda

 O prazo do presente contrato tem início na data da celebração do mesmo e termo no último dia do sexto mês seguinte, sendo renovável por períodos semestrais e sucessivos, a menos que qualquer das partes o denuncie, por escrito e com pelo menos trinta dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso.

Terceira

(…)

1 - Sobre as quantias efetivamente utilizadas, vencer-se-ão juros à taxa nominal anual nas condições a seguir indicadas: a) taxa nominal anual: igual à soma do indexante com o “spread”, arredondada para o quarto ponto percentual imediatamente superior; b) Indexante: Lisbor a doze meses, divulgada pela Reuters, na página LBOA ou outra que a substitua; c) “Spread”: dois pontos percentuais; d) Prazo de atualização do indexante: igual ao período de vencimento de juros, definido na cláusula quinta; e) Data de referência do indexante: segundo dia útil anterior ao início de cada período de contagem de juros; f) TN/TAE: No primeiro período de contagem de juros, a taxa nominal anual (TN) é de sete por cento e a taxa anual efetiva (TAE) é de sete vírgula um oito seis por cento, calculada nos termos do Decreto-Lei número duzentos e vinte barra noventa e quatro, de vinte e três de agosto.

Quinta

1 - Os juros são contados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida.

2 - A primeira prestação de juros vencer-se-á no último dia do mês em que o contrato é outorgado.

3 - As restantes prestações vencer-se-ão trimestral e postecipadamente;

Sexta

Em caso de mora, a taxa de juros que vigorar para a presente operação de crédito será acrescida, a título de cláusula penal, de quatro pontos percentuais.

(…)

Oitava

1 - A segunda contraente assume perante o Banco a obrigação de pagamento de todas as despesas e encargos resultantes e emergentes do presente contrato, nomeadamente: a) importâncias correspondentes a imposto de selo, por força da celebração do contrato e da livrança por si subscrita; b) da execução da livrança, incluindo todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco tenha de efetuar para garantia e reembolso dos créditos emergentes deste mesmo contrato, designadamente honorários de advogado e solicitador; c) comissões de abertura, alteração e renovação do contrato em conta corrente.

2 - As importâncias referidas no número um desta cláusula serão debitadas na conta de depósitos à ordem número (…)

Décima terceira

1 - Em caução e garantia da presente abertura de crédito, respetivos juros e demais encargos resultantes do presente contrato, incluindo todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco houver de fazer para se ressarcir do seu crédito, a segunda outorgante subscreveu livrança avalizada pelos terceiros contraentes, livrança esta em branco, a qual deverá ser preenchida pelo Banco, designadamente no que se refere à data do vencimento e local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos que o Banco seja titular por força do presente contrato.

2 - Os encargos com a emissão e subscrição da livrança correm por conta da segunda outorgante.

3 - A livrança não tem efeitos novatórios e constitui documento integrante do presente contrato.

4 - O Banco poderá promover o desconto da livrança e utilizar o seu produto para a cobrança dos seus créditos.

D - Nos autos principais, foi dada à execução a livrança antes referida, constante de fls. 22 dos mesmos autos contendo, além de outros, os seguintes dizeres: nº …95; local e data de emissão: Lisboa 2000-12-09; Importância (em escudos): 13.575.607$; Valor: Contrato de abertura de crédito; Vencimento: 2011-07-22; No seu vencimento pagarei (emos) por esta via de livrança ao Banco II ou à sua ordem, a quantia de treze milhões quinhentos e setenta e cinco mil, seiscentos e sete escudos, Nomes e morada dos subscritores: GG Lda. Bairro do …, Rua …, nº 22, 8900-000 Vila Real de Santo António.

E - Nas costas da livrança mencionada, encontram-se as assinaturas de BB, CC, DD e EE, todas encimadas com os dizeres manuscritos “bom para aval à firma subscritora”;

F - Em nome da AA - Consultores de Gestão, S.A, foi expedida, em 25 de julho de 2011, a missiva de fls. 68, dirigida à sociedade GG, Ldª,, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

G - Em nome da AA - Consultores de Gestão, S.A, foi expedida, em 25 de julho de 2011, a missiva de fls. 70, dirigida a CC e BB, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

H - Em nome da AA - Consultores de Gestão, S.A, foi expedida, em 25 de julho de 2011, a missiva de fls. 72, dirigida aos ora oponentes, DD e EE, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

I - Os oponentes entregaram a gestão da sociedade GG, Ldª., em 1991, à filha e genro, ora executados BB e CC, os quais assumiram a sua gerência e o negócio do posto de abastecimento de combustíveis que a mesma explorava;

J - Por isso, desde 1991, os opoentes nada sabem sobre a vida da sociedade, apenas intervindo formalmente nos atos que requerem as suas assinaturas, assinando, “de cruz”, em documentos onde a filha BB lhe pedia para oporem as respetivas assinaturas;

K - Os oponentes residem desde há cerca de 7 ou 8 anos em Alter do Chão, tendo antes residido em Vila Real de Santo António;

L - Em data próxima à do “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente”, foram contactados pela filha BB, que lhes disse que tinham de assinar uns papéis relacionados com a sociedade e com o posto de abastecimento de combustíveis;

M - Tendo mesma ido a casa deles, em Vila Real de Santo António, e aí colhido as assinaturas que os mesmos apuseram no contrato e nas costas da livrança (que estava ainda por preencher), no local previamente assinalado com uma cruz pelo Banco;

N - Por se tratar de papéis dados a assinar pela filha BB, em quem confiava, e serem para o posto - assim lhes foi explicado - os oponentes preencheram e assinaram-nos, conforme a BB pediu, sem que lhes tivesse sido explicado o respetivo teor;

O - Após colhidas as assinaturas, a filha BB levou a documentação, nunca mais lhe tendo sido dito ou comunicado o que quer que fosse acerca da mesma;

P - Nas circunstâncias de tempo antes referidas, os oponentes desconheciam o que era uma ”livrança” e quais os poderes que estavam a conferir ao Banco, através da cláusula 13ª acima mencionada;

Q - O oponente marido, DD, apesar de ter trabalhado muitos anos na exploração do posto de abastecimento de combustíveis, apenas trabalhou com um Banco, no regime de depósito e levantamentos de dinheiro;

R - Nunca tendo recorrido a empréstimos bancários, nem assinado “letras” ou “livranças”, desconhecendo os regimes deste tipo de instrumentos e quais as implicações da sua entrega ao Banco;

S - A oponente EE sempre foi dona-de-casa / doméstica, desconhecendo o modo de funcionamento dos Bancos e dos instrumentos e títulos pelos mesmos utlizados na concessão de créditos;

T - As cartas dirigidas à sociedade GG, Ldª. e a CC e BB foram recebidas.


Apreciando:


Conforme se constata estamos perante uma cessão de créditos e a questão que, aqui, se coloca como fulcral para resolver é saber se a citação para a presente execução produz os mesmos efeitos jurídicos que  a notificação, a que alude o art. 583  nº1 do C. Civil,  com vista à eficácia da cessão de créditos relativamente ao devedor.

A recorrente pugna pela revogação do Acórdão recorrido, por este ter considerado que a citação para a execução produz os efeitos da notificação a que faz referência citado art. 583 nº1 do C. Civil , porquanto como se diz no Acórdão  “ por via segura e digna de confiança- citação para a execução- tem já conhecimento da substituição na relação creditícia do credor”.


Sobre esta problemática existem no essencial duas correntes jurisprudênciais que divergem , uma no sentido pugnado pelo Acórdão recorrido e outro como no Acórdão fundamento  que exige que o devedor seja  previamente  notificado ( judicial ou extrajudicialmente ) não se podendo para esses efeito atribuir à citação da acção  o valor da notificação, a que alude o art. 583 nº1 do C.- Civil


Vejamos:


Na cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor , a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art. 577 do C. Civil.

Como se refere no Ac. deste Supremo de 25.05.1999 acessível via www.dgsi.pt” o crédito

 transferido fica inalterado : apenas se verifica a substituição do credor originário para um novo credor . Cedente e cessionário têm intervenção activa e a terceira pessoa - o devedor -passiva, isto, porque não se exige o seu consentimento”

A cessão opera entre as partes (cedente e cessionário), independentemente da sua notificação ao devedor.

No entanto, em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, nos termos preceituados do nº1 do art. 583 do C. Civil

A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão reside como bem nota o Ac. deste Supremo de 6.11.2012, acessível via www.dgsi.pt,  “na necessidade da protecção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não  admite  a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente” .

Como aí se diz também “o desiderato da lei  fundamentalmente que o devedor como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não seja  confrontado como uma situação alterada  no sentido do agravamento , por via da transferência do direito de crédito”

Também no Ac deste Supremo de de 3.06.2004 acessível via www.dgsi.pt : A lei faz depender a eficácia da cessão em relação ao devedor do conhecimento que este tenha de que o crédito foi cedido.

O que torna a cessão eficaz relativamente ao devedor é o facto de este a conhecer  podendo esse  conhecimento revelar-se de várias formas, entre quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão.

Mas tal não significa que o conhecimento não possa chegar ao devedor por outra via , nomeadamente a citação para acção / execução .

Se a eficácia da cessão está ligada ao conhecimento, não se pode dizer que com a citação para a acção / execução o devedor não passe a conhecer que  o crédito foi cedido .

Como bem nota o Acórdão de 6.11. 2012 citando Assunção Cristas em anotação ao Acórdão de 3 de Junho de 2004 in Cadernos de Direito Privado nº 14 pag. 63 “ mesmo que se conclua que a citação não é o mesmo que a notificação , ainda será necessário sustentar que ela não produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor “

Também como bem nota o Acórdão que estamos a seguir de perto, se o conhecimento do devedor da cessão é o elemento constitutivo da eficácia da cessão relativamente a ele (devedor), é indiferente do ponto do vista do efeito jurídico, classificar a citação como notificação ou simples modo de conhecimento” sendo certo como aí se diz que não se vislumbra “como a citação não possa ser considerado um meio idóneo de transmissão ao devedor do pertinente e adequado “ conhecimento”.

“Com o “conhecimento” da transmissão, que se concretiza através da citação para a execução – ficando o cedido ciente da existência da cessão e da impossibilidade de invocar o seu desconhecimento ( art. 583 nº2 ) o direito do cessionário , que até então era inoponível ao devedor cedido, protegido pela ineficácia, passa a gozar da exigibilidade que antes daquela acto a ineficácia relativa condicionava”


No que concerne ao argumento do Acórdão fundamento no sentido de que a notificação da cessão de créditos ou a sua aceitação por parte do devedor como um dos elementos essenciais e integrantes da causa de pedir, deve fazer parte do elenco dos factos articulados antes da citação, não colhe porque como bem observa o citado Acórdão : “ Admitir que o cessionário não poderá propor a acção contra a devedor sem o ter notificado previamente gera uma situação algo curiosa, pois também o antigo credor (cedente) , no rigor técnico, o não poderá  fazer , porquanto já não é credor, a este careceria legitimidade e àquele faltaria um elemento essencial da causa de pedir .“


Portanto, tal como o Acórdão recorrido por via da citação para a execução os opoentes/executados tiveram conhecimento da cessão de crédito, circunstância que fez com que a  mesma se tornasse eficaz  relativamente a eles e consequentemente com a possibilidade da cessionária poder exigir dos opoentes  o pagamento da dívida.


Por último e no que toca à falta de consciência da declaração, a que alude o art. 246 do C. Civil, importa sublinhar que nada vem provado no sentido de que os subscritores do título cambiário com as características da livrança (arts. 77 e 78 da LULL) não tivessem consciência das responsabilidades que assumiram quando sob a expressão “ bom para aval à firma subscritora”, apuseram as suas assinaturas, atento o contexto em que as mesmas foram feitas, conforme resulta da factualidade provada em D) e E), o que atenta a natureza do título em questão atesta bem a intenção de assumir uma obrigação cambiária.

E como avalistas são responsáveis pelo pagamento da quantia exequenda (arts. 32º, 47º, 48, e 77º da LULL.)


Acresce também que no domínio das relações mediatas os avalistas não podem opor perante o sacador os eventuais vícios vontade entre o subscritor e os mesmos, cfr. artº 32º ex vi artº 77º da LULL.

E sendo assim, não faz sentido invocar neste domínio o art. 6º do DL 446/85 de 25/10.


Improcedem também nesta parte as conclusões dos recorrentes.


III - Decisão:


Nestes termos e considerando o exposto nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Março de 2016


Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes