Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1090/15.7T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : Não há contradição de julgados, habilitante da via de recurso prevista no art.º 629º nº 2 al. d), quando as situações de factos apreciadas são essencialmente diferentes e conduzem, naturalmente a soluções jurídicas diferentes. Nestas circunstâncias não se verifica contradição que legitime a abertura dessa via recursiva especial.
Decisão Texto Integral:

*

AA., agente de execução, veio interpor recurso de revista excepcional do acórdão da Relação … que confirmou a decisão da 1ª instância, que na sequência de reclamação da conta não reconheceu ao referido agente o direito à remuneração adicional prevista no art.º 50 da Port. nº 292/2013.

 Por entender que o recurso de revista excepcional não seria admissível, por não se verificarem os respectivos pressupostos, foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre a possibilidade de não admissão do recurso.

Responderam os recorridos pugnando pela não admissão do recurso. O recorrente por sua vez veio reconhecer que a revista excepcional não será admissível, mas invocando erro na qualificação defende a sua convolação para revista regra e a sua admissibilidade com fundamento na al. d) do art.º 629º do CPC, ou seja por haver contradição de jurisprudência ao nível das Relações.

Apreciando as questões, foi proferido o seguinte despacho:

« Quanto à revista excepcional é evidente a falta dos respectivos pressupostos, porquanto como se referiu no despacho anterior «estabelecendo o art.º 31º nº 6 do Reg. das custas , que da decisão da reclamação apenas há recurso em um grau, o recurso de revista excepcional não será admissível, porquanto a sua admissibilidade pressupõe que a revista regra não seja admitida, apenas por razões derivadas da dupla conforme (art.º 671º nº 3 do CPC).

Ora no caso a revista regra não é admitida, por razões estranhas à dupla conformidade das decisões. Assim sendo não se verificando um dos pressupostos fundamentais da admissibilidade da revista excepcional a mesma não poderá ser admitida». Assim e por esta razão não se admite o recurso de revista excepcional.

Quanto à pretendida convolação para revista regra, também não é admissível, porquanto é evidente que entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não existe nem pode existir qualquer contradição pela singela razão que os fundamentos de facto e de direito de um e outro são diversos. No acórdão fundamento o agente de execução praticou actos (subsequentes à penhora) de recuperação da quantia exequenda enquanto no caso dos autos nada disso sucedeu, não tendo resultado da actividade do agente de execução a recuperação de qualquer quantia para o exequente. E é exactamente aí que reside a razão do diferente tratamento das situações, que também não são iguais e por isso justificam diferente solução. Não existe pois o fundamento excepcional para admitir a revista.

Assim sendo, também a revista regra não pode ser admitida.


*

Pelo exposto decide-se não admitir o recurso de revista».

*

Notificado desta decisão, veio o recorrente Reclamar para a conferência alegando o seguinte:

«1.

Flui do douto despacho/decisão singular sob pronunciamento, ter o Exm.º Sr. Juiz Conselheiro Relator operado a convolação do recurso de revista excepcional em revista normal, conforme pugnado pelo Recorrente no requerimento da sua autoria enviado aos autos sob Ref.ª … ..

2.

Todavia, noutro segmento da douta decisão a que nos vimos reportando, não obstante o aludido em 1. supra, mostra-se consignado não ser admissível a revista regra, por alegada falta de fundamento legal, porquanto, “No acórdão fundamento o agente de execução praticou actos (subsequentes à penhora) de recuperação da quantia exequenda enquanto no caso dos autos nada disso sucedeu, não tendo resultado da actividade do agente de execução a recuperação de qualquer quantia para o exequente.”

Ora,

3.

com todo o respeito por tal decisão, labora em erro o Excelentíssimo Juiz Relator, pelo que, de forma a evitar equívocos e para que melhor se entenda o sentido e alcance do objecto daquilo que nos ocupa, seja con-sentido reportar a seguinte factualidade apurada nos autos:

•       A presente execução ordinária, teve o seu início com a citação prévia da Executada;

•      A Executada deduziu embargos, não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão da execução;

•     O Recorrente/Agente de Execução, na sequência de consultas por si realizadas, ao abrigo do disposto no art.º 749.º do C.P.C., procedeu à identificação de diversos imóveis susceptíveis de penhora para garantia do pedido exequendo e custas processuais;

•       De tal diligência, a 21/07/2017, deu conhecimento ao Exequente da decisão tomada e, concomitantemente, notificou-o para proceder ao pagamento/provisão de honorários/Fase III e despesas com vista ao registo de penhora de imóveis, o que foi satisfeito pelo Exequente;

  Após tramitação do Incidente de Habilitação Judicial, ocorrido pelo decesso do Sr. BB., que figurava nos autos na qualidade de Exequente, o Recorrente, a 17/04/2018, procedeu à apresentação para registo de penhora de 4 (quatro) imóveis – na Conservatória do Registo Predial …. – do prédio n.º …, constituído em propriedade horizontal, respeitante às fracções autónomas designadas pelas letras “B”, “D”, “A” e “C”, sito na freguesia de …, concelho de …, da titularidade da Executada/”Esmogest – Sociedade Imobiliária e Gestão de Património, S.A.”;

•       De seguida, a 26/04/2018, o Recorrente procedeu à elaboração do Auto de Penhora, dele constando 4 (quatro) verbas, correspondentes às fracções autónomas identificadas no ponto precedente, acusando o valor global 589.200,00 € (quinhentos e oitenta e nove mil e duzentos euros);

•       Foi assim, com a diligência e eficiência do Agente de Execução, assegurado a satisfação do crédito exequendo, garantido pelas penhoras realizadas até ao montante 589.200,00 € (quinhentos e oitenta e nove mil e duzentos euros);

•       A presente execução foi extinta pela desistência do pedido - na sequência de transacção alcançada entre as partes e homologada por Sentença - após a realização da sobredita penhora e antes da venda judicial;

•       No âmbito da aludida transacção, no que tange às custas, foi acordado que as mesmas seriam suportadas pela Executada/”Esmogest – Sociedade Imobiliária e Gestão de Património, S.A..” – cfr. cl.ª 4.ª – sendo certo que, não obstante, é consabido que o responsável pelo paga-mento devido ao Agente de Execução é o Exequente, pois, prescreve o n.º1 do art.º 45.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, que quando o pagamento dos honorários e despesas do Agente de Execução não possam ser satisfeitos pelo produto dos bens penhorados - art.º 541.º do C.P.C. - são suportados pelo Exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao Executado.

Ou seja,

4.

no essencial, o cenário factual é o mesmo - pois, na sequência das diligências efectuadas pelo Agente de Execução, mostra-se assegurada a satisfação do pedido exequendo e das custas, garantidos pelas penho-ras realizadas nos autos - sem olvidar que, é a mesma a questão fun-damental de direito versada nos acórdãos fundamento e recorrido, que consiste em saber se é devido ou não ao Agente de Execução o valor de remuneração adicional quando o processo executivo termina por transacção.

5.

É que, para o acórdão recorrido, apenas o valor recuperado é que dá direito à remuneração adicional e não qualquer valor garantido. Para o acórdão fundamento, sempre que haja produto recuperado ou garantido (como no caso dos autos), a remuneração adicional é sempre devida, com excepção do caso previsto no número 12 do art.º 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/08 (inaplicável ao caso concreto).

6.

Por consequência, em todas as situações (com excepção da referida no ponto anterior), em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do art.º 50.º).

7.

Seja como for, V. Ex.ªs melhor o dirão, na certeza de que, esta querela jurisprudencial, pela sua importância e actualidade, convoca e reclama deste Tribunal Superior um pronunciamento que lhe ponha termo, admitindo o recurso de revista normal e sobre a matéria controvertida recaia acórdão.

Termos em que, se requer a V. Ex.ªs, Colendos Juízes Conselheiros, deve ser concedido provi-mento à presente Reclamação para a Conferência, revogando-se a decisão singular prolatada, substituindo-a por acórdão que admita o recurso de revista oportunamente interposto e emita pronunciamento acerca do objecto dos autos.

Com vista à instrução da presente Reclamação para a Conferência e prolação do respectivo acórdão, igualmente se requer, o cumprimento do disposto na segunda parte do art.º 643.º, n.º 3 do C.P.C».


*

Não houve resposta da parte contrária.

*

Antes de apreciar a reclamação, importa sublinhar que ao contrário do que foi invocado pelo reclamante, não estamos perante uma reclamação nos termos do disposto no art.º 643º do CPC, mas sim perante uma reclamação nos termos do disposto no art.º 652º nº 3 do mesmo diploma. Uma vez que nada obsta convola-se a Reclamação para a forma correcta.

Apreciando a reclamação

Vista a decisão reclamada e os seus fundamentos e analisando a reclamação verifica-se que nada do que dela consta abala ou infirma os fundamentos do despacho reclamado, em termos de poder justificar a sua alteração ou revogação. Efectivamente as situações apreciadas nos dois acórdãos em confronto, são distintas e consequentemente as soluções encontradas não podiam deixar de o ser também.

Assim, concordando-se com os fundamentos da decisão reclamada, desatende-se a reclamação e confirma-se a rejeição do recurso.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


*

**


Em síntese:

Não há contradição de julgados, habilitante da via de recurso prevista no art.º 629º nº 2 al. d), quando as situações de factos apreciadas são essencialmente diferentes e conduzem, naturalmente a soluções jurídicas diferentes. Nestas circunstâncias não se verifica contradição que legitime a abertura dessa via recursiva especial.


*

**


Consigna-se, nos termos do disposto no art.º 15-A do DL nº 10-A/2020 e para os efeitos do nº 1 do art.º 153º do CPC, que os Srs. Juízes Adjuntos, têm voto de conformidade, mas não assinam, em virtude do julgamento ter decorrido em sessão (virtual) por teleconferência.

Lisboa, em 28 de Janeiro de 2021.

José Manuel Bernardo Domingos (relator)

António Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Gomes